Resumos
O estudo objetivou conhecer os tipos de violência intrafamiliar identificados pelos profissionais das equipes da Estratégia Saúde da Família e descrever as estratégias de intervenção implementadas pelos profissionais das equipes de saúde da família (ESF) nas situações de violência. Pesquisa-ação realizada em três unidades de saúde da família do município de Jequié/BA, com 25 profissionais das ESF. Os dados foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas, analisadas com base na técnica de análise de discurso proposta por Fiorin. Os resultados evidenciaram a identificação pelos profissionais das ESF da negligência e violência física e psicológica contra crianças; violência física e psicológica contra a mulher; e violência contra idoso provocada pelos familiares cuidadores. Os profissionais das ESF apóiam as famílias no reconhecimento da violência, propiciando a escuta, orientações e encaminhamento aos órgãos competentes; apesar de encontrarem algumas dificuldades nesse processo, como a falta de articulação mais efetiva com os órgãos de proteção e assistência às vítimas. Para a prevenção e combate à violência intrafamiliar as ESF devem agregar a rede de serviços especializados das áreas da saúde, social, de segurança e justiça e da comunidade para uma atuação integral.
Violência; Violência Doméstica; Saúde da Família
The study aimed to know the types of intrafamily violence identified by the teams of the Family Health Teams (FHT) and describe the intervention strategies implemented by the teams FHT in situations of violence. Action research conducted in three Family Health Units from the city of Jequié/BA with 25 professionals from the ESF. Data were collected through semi-structured interviews, after approval by the Ethics and Research Committee of the State University of Bahia’s southwest, under protocol nº 055/2009 and analyzed based on the technique of discourse analysis proposed by Fiorin. The results show the identification by the FHT professionals of negligence and physical and psychological violence against children, physical and psychological violence against women and violence against elderly caused by the family caregivers. The FHT professionals support families in recognition of violence, providing listening, orientations and forwarding to the competent authorities; despite finding some difficulties such as lack of a more articulation effective with the protection organs and assistance to victims. For prevention and combating intrafamily violence the FHT shall aggregate the network of specialized services in the areas of health, social, security and justice and the community to a full performance.
Violence; Domestic Violence; Family Health
Introdução
A violência é parte intrínseca da vida social e como produção social apresenta-se atrelada ao resultado das relações e dos conflitos de poder. Apesar da violência não ser considerada em si mesma um tema da área de saúde, ela a afeta por ocasionar lesões, traumas físicos, emocionais e mortes. Nesse sentido, para compreender o impacto da violência sobre a saúde é necessária uma discussão conjunta dos problemas que relacionam saúde, condições, situações e estilo de vida (Minayo, 2006).
Apresentando-se como um fenômeno complexo, as manifestações da violência desvelam a exacerbação dos conflitos sociais e se constitui em tema emergente e relevante para as necessidades de saúde do país, representando a terceira causa de morte da população geral e a principal responsável pela morte dos brasileiros de 1 a 39 anos de idade (Minayo e Souza, 2003; Brasil, 2008).
Do ponto de vista operacional, o setor saúde classifica e categoriza a violência a partir de suas manifestações empíricas: violência dirigida da pessoa contra si mesma (autoinfligida), violência interpessoal (violência intrafamiliar e violência comunitária) e violência coletiva (OMS, 2002).
Este estudo discute a violência intrafamiliar, que pode ser manifestada em variadas formas de violência interpessoal, como agressão física, abuso sexual, abuso psicológico, negligência, abandono e maus-tratos, entre outras. Pode ser praticada por um(a) ou mais autores(as) com laços familiares, conjugais ou de parentesco, ou com vínculo afetivo em condições de relação de poder, seja real ou de ameaça. Essa relação de poder pode ser física, etária, social, psíquica, hierárquica e/ou de gênero (Brasil, 2001; Brasil, 2008).
O interesse em realizar este estudo sobre violência intrafamiliar decorreu de vivências nos estágios da disciplina Estágio Curricular Supervisionado I (ECS I), oferecida pelo curso de graduação em enfermagem da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, em seu oitavo semestre, no âmbito das unidades de saúde da família (USF) do município de Jequié, Bahia. Durante os estágios, nos deparamos com inúmeras situações de vulnerabilidade à violência intrafamiliar nas famílias cadastradas, na área de abrangência das USF onde o estágio é realizado, envolvendo crianças e adolescentes, mulheres, adultos e idosos.
A violência intrafamiliar atinge parcela importante da população e repercute de forma significativa sobre a saúde das pessoas a ela submetidas. Por isso, configura-se um problema de saúde pública relevante e um desafio para os gestores do Sistema Único de Saúde. É uma questão de grande amplitude e complexidade, cujo enfrentamento envolve profissionais de diferentes campos de atuação, exigindo uma efetiva mobilização de diversos setores do governo e da sociedade civil.
Nesse sentido, de acordo com a Constituição Federal, art. 226, parágrafo 8, (Brasil, 1988), cabe ao Estado a criação de mecanismos para coibir a violência no seio da família. Entretanto, ele não vem cumprindo essa deliberação constitucional, pois as políticas públicas voltadas para a prevenção e o atendimento à violência intrafamiliar existentes não são eficientes (Tavares, 2000).
Esse cenário demonstra a necessidade de suporte às famílias por parte dos profissionais de saúde, mediante desenvolvimento de relações de confiança entre seus membros e do acesso à informação, às instituições e ao poder de decisão (Walsh, 2007). Além disso, a questão também demanda políticas públicas sociais, de saúde, educação e segurança, entre outras, na perspectiva de mudar o panorama da violência em nível local, regional e nacional.
Nesse contexto, os profissionais de saúde estão em uma posição estratégica para identificar as pessoas em situação de violência intrafamiliar e, com frequência, são os primeiros a serem informados sobre episódios de violência, exigindo destes profissionais a promoção do cuidado integral e uma escuta sensível, voltadas a estas questões (Brasil, 2001).
Dessa forma, é de responsabilidade das equipes da Estratégia de Saúde da Família (ESF) conhecer, discutir e identificar pessoas vulneráveis à violência intrafamiliar na população adscrita, facilitando a definição de ações a serem desenvolvidas com a finalidade de intervir preventivamente ou confirmar um diagnóstico e viabilizar a adoção das medidas adequadas ao enfrentamento das diversas situações de violência intrafamiliar.
Nesse sentido, a equipe da ESF deve estar capacitada para orientar e dar suporte às pessoas em situação de violência, ajudando-as a compreenderem, analisarem e tomarem as decisões pertinentes à problemática. Esse suporte deve agregar a rede de serviços especializados das áreas de saúde, social, de segurança e justiça e da comunidade envolvendo as associações de moradores, os grupos de mulheres e religiosos, entre outros.
Entendemos que só a partir dessas iniciativas será possível a criação de espaços capazes de potencializar ações conjuntas, permitindo o fluxo dessas informações e respaldando a atuação profissional das equipes da ESF, considerando que todos estarão se responsabilizando pelo enfrentamento desse fenômeno.
Com este estudo, pretendemos contribuir para promover reflexões sobre a prática dos profissionais de saúde das USF na identificação e desenvolvimento de estratégias de intervenção em situações de violência intrafamiliar, bem como despertar e instrumentalizar as equipes para o desenvolvimento das ações de prevenção e controle da violência intrafamiliar, com nova atitude. Também pretendemos sensibilizar os gestores públicos da saúde, segurança, justiça, educação, defesa dos direitos humanos e movimentos sociais para a necessidade do (re)direcionamento de políticas públicas, que contribuam para conter e prevenir a violência, de maneira a subsidiar a atuação dos profissionais de saúde e minimizar o sofrimento dos familiares frente às situações de violência experienciadas em seu cotidiano, a partir de ações que promovam a igualdade e o exercício dos direitos humanos.
Diante disso, o estudo objetivou conhecer os tipos de violência intrafamiliar identificadas pelos profissionais das equipes da ESF e descrever as estratégias de intervenção implementadas por eles nas situações de violência.
Métodos
Trata-se de pesquisa-ação, em que é possível agregar diversas técnicas de pesquisa social e com as quais se estabelece uma estrutura coletiva, participativa e ativa no nível da captação da informação; requer, portanto, a participação das pessoas envolvidas no problema investigado (Gonçalves e col., 2004).
A pesquisa foi realizada em três USF do município de Jequié, BA, onde são realizados os estágios da disciplina ECS I, por permitir desvelar o contexto inerente às famílias cadastradas nessas unidades em relação à violência intrafamiliar, tendo decorrido das demandas de situações de violência identificadas durante o estágio.
Teve como informantes 25 profissionais das referidas USF: enfermeiros, técnicos de enfermagem e agentes comunitários de saúde. Destacamos que todos os profissionais que integram as equipes da ESF foram convidados a participar da pesquisa, mas os médicos não demonstraram interesse.
Os dados foram coletados por meio de entrevista semiestruturada, com apoio de um gravador e assinatura prévia dos informantes do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O projeto de pesquisa foi encaminhado para análise e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, sob o protocolo nº 055/2009.
Utilizamos o método da análise do discurso segundo Fiorin, pois permite compreender o processo de produção do discurso e refletir de forma geral sobre as condições em que ele se deu. A análise do discurso estuda a visão de mundo dos sujeitos inscritos nos discursos, sendo esta determinada socialmente. O discurso é uma posição social, cujas representações ideológicas são materializadas na linguagem (Fiorin, 2003). Pode ser definida como sendo uma teoria crítica que trata da determinação histórica dos processos de significação, considerando fundamental a relação necessária entre a linguagem e o contexto de sua produção, a partir da problematização das evidências e explicitação de seu caráter ideológico, evidenciando que não há discurso sem sujeito e nem sujeito sem ideologia (Minayo, 2010).
O texto se estrutura em níveis de abstração crescente. Para alcançar a estrutura profunda, nível mais abstrato, é preciso agrupar os significados em comum. Aquilo que percebemos imediatamente está no nível superficial, não revelando a ideologia que pode estar por detrás da fala (Fiorin, 2003).
Nesse processo de análise dos dados buscamos identificar, no texto, o seu nível mais abstrato. Para tanto, primeiramente, o texto foi analisado na perspectiva de encontrar os elementos concretos e abstratos. Em seguida, os dados foram agrupados segundo os elementos significativos. E, por último, foi feita a depreensão dos temas centrais. Os temas que emergiram desse processo originaram as categorias de análise.
A fase de interpretação e discussão estabeleceu relações críticas entre as falas dos sujeitos, explícitas e implícitas, e o contexto científico, embasando-se em teóricos que versam sobre a temática. A análise do discurso nos possibilitou avaliar em profundidade cada expressão específica demonstrada, o contexto em que ele foi criado, observar os motivos de satisfação, insatisfação ou opiniões subentendidas por meio da observação das várias formas de comunicação expressas pelos informantes.
Os informantes foram identificados no texto pela palavra “informante” seguida de um número que representa a ordem crescente das entrevistas realizadas e a respectiva categoria profissional.
Resultados e discussão
A violência intrafamiliar pode se manifestar de várias formas e com diferentes graus de gravidade. Neste estudo conseguimos identificar, no âmbito da ESF, os mais diversos tipos de violência na família e os grupos mais vulneráveis a tal fenômeno: crianças, mulheres e idosos. Verificamos também que os profissionais das equipes da ESF buscam desenvolver estratégias de atuação para enfrentamento da violência no ambiente familiar.
Negligência, violência física e psicológica contra crianças
Nesta categoria, os entrevistados evidenciaram a negligência, a violência física e a psicológica contra crianças praticada pelos seus próprios pais. Sobre a violência intrafamiliar contra a criança, Ramos e Silva (2011) destacam que ela se constitui em uma realidade dolorosa, ao revelar os maus-tratos praticados no mundo familiar; traz prejuízos em curto, médio e longo prazos, tanto de ordem física como psicossocial, que podem ser devastadores, já que as experiências vividas na infância refletem-se na vida adulta.
Entre as principais consequências dessa violência para as crianças estão os problemas sociais, emocionais e psicológicos, manifestados, muitas vezes, pela adoção de determinados comportamentos, como abuso de álcool e outras drogas, prostituição, gravidez precoce e problemas de saúde mental como ansiedade, transtorno depressivo, comportamento agressivo e até tentativa de suicídio (Brasil, 2008).
Considerando a complexidade do tema, faz-se necessária uma análise mais aprofundada sobre a construção social inerente ao contexto em que a violência ocorre, bem como sobre a garantia dos direitos humanos.
Os discursos dos profissionais das equipes da ESF retrataram a negligência contra a criança, principalmente envolvendo a falta de cuidado e acompanhamento infantil.
[...] e o caso também de negligência, que tem uma mãe na minha área que [...] ela não quer dá vacina pro filho [...] em hipótese nenhuma (Informante 2, agente comunitário de saúde).
[...] tem também a negligência em relação à resistência à vacina, que pra algumas família é difícil a gente conscientizar e convencer essas pessoas a trazer essas crianças para fazer o acompanhamento no crescimento e desenvolvimento e também a importância da vacina (Informante 7, agente comunitário de saúde).
A negligência intrafamiliar contra crianças implica o não atendimento das suas necessidades físicas e cognitivas básicas, temporária ou permanentemente, pelos adultos com os quais convivem (Suder e Crepaldi, 2008). Nesse sentido, evidenciamos que a negligência relatada nos discursos diz respeito às falhas dos pais e familiares em proporcionar condições necessárias ao desenvolvimento da criança no que diz respeito à saúde, à educação, ao desenvolvimento emocional, à nutrição, ao abrigo e a condições de vida seguras. É válido destacarmos que quanto maior o contato com a família e a compreensão da dinâmica familiar, maior a possibilidade de detecção dos casos de negligência.
As equipes da ESF podem facilitar o acesso ao serviço e dar resolutividade às necessidades de saúde dos usuários. No entanto, é preciso levar em consideração aspectos culturais, sociais e econômicos de cada família ou grupo social. Sendo assim, é possível que os casos encontrados não sejam determinados exclusivamente pelas condições sociais precárias (Apostólico e col., 2012; Rocha e Moraes, 2011).
Outra forma de violência que acomete as crianças é a violência física, que pode se manifestar por meio de tapas, empurrões, socos, mordidas, chutes, queimaduras, cortes, estrangulamento, lesões por armas ou objetos (Brasil, 2001). De acordo com Andrade e colaboradores (2011), a violência física é a manifestação mais comumente encontrada entre os inúmeros tipos de violência intrafamiliar. Ela tem causado preocupação entre os diversos segmentos da sociedade, por ser uma prática usual entre pais e responsáveis com o intuito de disciplinar seus filhos.
Os profissionais trazem em seus discursos o conhecimento de algumas das manifestações da violência física e psicológica contra a criança, como o espancamento e a ameaça. Em geral, a vivência dessas situações se traduz em sequelas físicas, sociais, emocionais, psicológicas e cognitivas, podendo também expressar-se por comportamentos agressivos nas relações interpessoais, repetindo o tratamento que recebem de seus familiares (Rocha e col., 2010).
[...] só porque o homem trabalha, ela é submissa ao marido, ela aceita que o marido espanque a criança. Outro dia mesmo ele pegou a menina, bateu tanto que ficou mais de meia hora batendo na criança. No outro dia a criança tava cheia de marca, cheia de hematoma (Informante 3, agente comunitário de saúde).
[...] a mãe, no momento mais agoniado, ou perde o controle emocional, grita: “passa aqui menino porque se não eu vou te matar” [...] (Informante 21, agente comunitário de saúde).
Agressão verbal [...] pressão psicológica, descaso [...] com a criança (Informante 8, enfermeira).
O Informante 3, agente comunitário de saúde, relatou que a mãe não se posiciona em relação à proteção da criança diante da violência física à qual é submetida, até mesmo pelo contexto que vivencia na relação com o companheiro, situação que pode ser influenciada por ser dependente financeiramente de seu companheiro, o agressor. Por sua vez, a submissão da mulher ao homem revela relações de gênero desiguais e hierárquicas, que permitem ao homem exercer o seu poder no ambiente doméstico, o que inclui agressão à criança.
Observamos que, além da violência física, os profissionais de saúde se deparam também com a violência psicológica contra a criança no contexto intrafamiliar, ao destacarem a perda do controle emocional da mãe e a agressão verbal. Esse tipo de violência consiste na hostilidade verbal em forma de insulto, desprezo, crítica ou ameaças de abandono e constantes bloqueios das iniciativas de interação praticada por qualquer membro adulto do sistema familiar contra esse grupo (Suder e Crepaldi, 2008).
Melo e colaboradores (2005) constatam em seu estudo que quanto maior a intensidade de violência contra a criança, mais profundos são os prejuízos relativos à autoestima, gerando ansiedade, depressão, comportamento antissocial, desarmonia conjugal e outras maneiras inadequadas de resolver problemas na vida adulta.
É importante frisar que a legislação brasileira de proteção à infância evoluiu muito nas últimas décadas. Contudo, essa evolução, por si só, não parece ser suficiente para impedir a violência contra a criança. Embora constitua um avanço inegável e tenha trazido benefícios às famílias e às crianças no Brasil, a complexidade do fenômeno demanda ações e intervenções que a legislação apenas não tem sido capaz de assegurar (Godinho e Ramires, 2011).
Enfatizamos ainda a necessidade de o Estado desenvolver políticas públicas que garantam condições estruturais à sociedade, socioeconômicas, para fortalecer a autonomia das pessoas e assegurar os direitos humanos.
Violência física e psicológica contra a mulher
Esta categoria retratou a mulher como um membro vulnerável à violência física e psicológica no ambiente familiar. Os entrevistados evidenciaram uma situação de submissão e dominação do homem sobre a mulher, como podemos observar nos depoimentos a seguir.
Violência física [...] na minha área de abrangência mesmo eu soube de um caso [...] que o marido, [...] já era de costume sempre “tá” batendo nela, “tá” espancando; e esses dias ele chegou até a cortar o cabelo dela, que era muito grande o cabelo, por ciúme cortou a metade do cabelo, e eu não sei como é que foi lá que ela se soltou e saiu de casa, fugiu de casa e se escondeu na casa de outra pessoa, [...] deu queixa dele (Informante 17, técnica de enfermagem).
São violências relacionadas, assim, a marido e mulher [...] E teve também outro caso, que foi um casal, que ela ficou toda marcada, né? Ele deu um murro nela, com tijolo e tudo, só que ela não quis vir aqui na unidade de saúde e nem quis culpar ele, de certa forma. Ela mesmo falou assim pra mim, ela que foi, assim, culpada, porque ela primeiro que começou (Informante 12, agente comunitário de saúde).
Nesses dois depoimentos podemos verificar duas situações diante da violência contra a mulher. Segundo a técnica de enfermagem, Informante 17, a mulher foi agredida física e psicologicamente, tendo enfrentado a violência denunciando o agressor. Em contrapartida, o agente comunitário de saúde, Informante 12, referiu que a mulher quis minimizar a agressão do marido se responsabilizando pelos atos violentos do companheiro por ela ter gerado a primeira ação de violência, fato que demonstra opressão ou até mesmo medo da mulher em retratar a sua realidade vivida.
De acordo com o Ministério da Saúde, a violência contra a mulher pelo cônjuge, na sua forma típica, envolve atos repetitivos, que vão se agravando em frequência e intensidade, como coerção, cerceamento, humilhação, desqualificação, ameaças e agressões físicas e sexuais variadas. Além do medo permanente, esse tipo de violência pode resultar em danos físicos e psicológicos duradouros (Brasil, 2005).
Sagot (2008) refere que a violência contra a mulher é produto de uma combinação de fatores pessoais, situacionais, relacionais e macroestruturais que se relacionam para formar um sistema de dominação. A partir dos discursos, identificamos esses fatores em virtude das normas sociais que justificam um sentido de posse do homem sobre as mulheres, controle e também concepções culturais de masculinidade associadas ao domínio.
Desse modo, Sagot (2000), em sua pesquisa realizada em dez países da América Central e do Sul, denominada de “La ruta crítica de lãs mujeres afectadas por la violência intrafamiliar”, indica que a rota crítica é uma sequência de tomada de decisões e ações executadas pelas mulheres afetadas pela violência e as respostas encontradas em sua busca por soluções. A autora refere ainda que quando a mulher decide divulgar sua situação de violência a uma pessoa ou pessoas do seu âmbito familiar ou cotidiano, tem início sua rota crítica visando melhorar sua situação. De acordo com os discursos dos entrevistados, observamos que para a busca de ajuda é preciso que as mulheres tenham informações, conhecimentos e recursos políticos públicos disponíveis que forneçam o apoio para enfrentamento dos obstáculos encontrados.
No Brasil, o estudo “Rota e Críticas: o caminho das mulheres no enfrentamento da violência” (Meneghel e col., 2011) observou que a trajetória das mulheres que decidem romper com a violência é longa, marcada por avanços e retrocessos, frequentemente desprovida de apoio e em muitas vezes, ocorre a revitimização, causada pelos serviços que deveriam cuidar delas.
A Lei Maria da Penha é um marco para a proteção dos direitos humanos das mulheres porque reconheceu a violência contra as mulheres como uma violação de direitos humanos, estabelecendo medidas para sua proteção, assistência e punição do agressor, além da possibilidade de reeducação dos agressores (Brasil, 2010).
Entretanto, um estudo realizado por Meneghel e colaboradores (2013) destacou que as mulheres em situação de violência referiram fragilidades e limitações na aplicação da Lei Maria da Penha, destacando-se o descumprimento das medidas protetivas em favor das vítimas dos agressores e as dificuldades dos serviços de segurança pública efetivamente em protegê-las. Dessa maneira, embora a lei tenha acenado com a possibilidade de proteção e justiça, essa situação ainda não se concretizou no Brasil.
Observamos também nos discursos a presença de violência física e psicológica contra a mulher praticada por seu cônjuge em decorrência de ciúmes e abuso de poder controlador, situações que retratam a violência de gênero, com explícitas relações desiguais entre o homem e a mulher, naturalizadas na sociedade.
Deeke e colaboradores (2009), em seu estudo sobre o discurso da mulher agredida, mencionaram que a maioria das mulheres pesquisadas referiu o ciúme por parte dos parceiros como agente que acarreta aumento da tensão entre o casal. Tradicionalmente presente nos relacionamentos amorosos, a violência conjugal é compreendida como violência de gênero, estando presente sobretudo no cotidiano doméstico e conjugal das mulheres, mediante a definição do seu papel feminino na sociedade (Alves e Diniz, 2005).
Historicamente, os maus-tratos às mulheres eram aceitos e até enaltecidos como práticas corretivas de manhas e erros. No Brasil colonial era permitido aos maridos corrigirem suas mulheres pelo uso da chibata. As agressões físicas e psicológicas contra elas apresentavam-se como parte das nossas raízes culturais, determinando às mulheres a função de servir a seus maridos e filhos, dedicando-se exclusivamente às tarefas domésticas, em que pudessem manifestar seus dons maternais (Alves e Diniz, 2005).
Nesse sentido, muitas mulheres foram socializadas para aceitar como naturais o uso da violência na resolução dos conflitos nas relações conjugais. Normalmente, as mulheres relatam a violência vivida a pessoas próximas, familiares, amigos ou colegas de trabalho, porém nem sempre encontram solidariedade, principalmente quando as concepções de gênero e família são muito tradicionais (Meneghel e col., 2011).
Dadas essas situações, a violência ocorre independente das condições econômicas e educativas. E ainda que essa violência possa adquirir características diferentes segundo o nível educativo, a etnia, a região geográfica e classe social, nenhuma mulher está a salvo em uma sociedade patriarcal e misógina (Sagot, 2000). Assim, a violência contra as mulheres não pode mais ser entendida como um assunto privado, mas como um problema público, sobre o qual o Estado deve assumir responsabilidade.
Violência contra idoso provocada pelos familiares
Nesta categoria evidenciamos, por meio dos discursos dos informantes, as manifestações da violência intrafamiliar contra o idoso no contexto das USF.
Tem um caso de um senhor que já é idoso; ele toma conta de dois irmãos, todos os dois são especiais, onde um deles violenta o pai, e ele já não tem mais condição, [...] nem física e nem mental, para tomar conta desses dois (Informante 5, agente comunitário de saúde).
[...] um adolescente de 14 anos; ele é usuário de drogas e mora com a avó, o avô e mais dois irmãos [...] coitada, ela é doente, o avô é doente [...] e ela me fala sempre que ele bateu nela [...] porque queria dinheiro pra comprar droga, e a avó disse que não tinha o dinheiro. Aí ele começa a agredir a avó [...] ele bateu mesmo, empurrou ela da escada e ela quase quebrou o fêmur (Informante 24, agente comunitário de saúde).
A violência que eu mais identifico na minha área é a negligência [...] contra idoso principalmente (Informante 13, agente comunitário de saúde).
A partir dos relatos dos informantes pudemos observar situações em que os idosos foram submetidos à violência física por parte de seus familiares, principalmente filhos e netos, em decorrência de problemas mentais e do uso das drogas. Evidenciamos por meio dos discursos que a violência financeira contra os idosos está presente de maneira bem expressiva no contexto em que trabalham as equipes da ESF deste estudo. Também são marcantes a negligência e a violência psicológica, uma vez que o idoso, muitas vezes, sente-se abatido pela impotência diante da situação, desencadeando uma avalanche de perdas relacionadas aos aspectos financeiros, psíquicos e físicos, frequentemente irreversíveis (Sanches e col., 2008).
Além da criança e da mulher, a pessoa idosa também se torna mais vulnerável à violência à medida que apresenta maior dependência em virtude das limitações físicas, emocionais e cognitivas inerentes ao processo de envelhecimento. O convívio familiar estressante e cuidadores despreparados ou sobrecarregados tendem a agravar essa situação.
Abuso físico, maus-tratos físicos, ação ou omissão que contemple agressões verbais ou gestuais e causa ou visa causar dano à autoestima, à identidade ou ao desenvolvimento da pessoa idosa são manifestações interpessoais de violência física e psicológica, utilizadas para compelir o(a) idoso(a) a fazer o que não deseja, para ferir-lhe, provocar-lhe dores, incapacidades ou a morte (Brasil, 2006).
A violência financeira evidenciada nos discursos retrataram os filhos e netos como os principais agentes desse tipo de violência, principalmente em decorrência do uso de drogas, negando, assim, a autonomia dos idosos em relação ao seu autocuidado. A violência financeira contra a pessoa idosa consiste na forma de violência que se expressa na exploração indevida ou ilegal dos idosos ou ao uso não consentido por eles de seus recursos financeiros ou patrimoniais (Brasil, 2006).
Ressaltamos que neste estudo o uso de drogas pelos familiares do idoso propicia um ambiente familiar desestruturado, que culmina em atos violentos contra o idoso e desvela uma problemática social abrangente e complexa que requer intervenção dos profissionais de saúde e do Estado.
Os discursos retrataram a negligência por parte de alguns familiares em cuidar da saúde dos idosos de sua convivência, descuidando das necessidades de saúde, o que acarreta sequelas muito graves. Tal infração está contemplada no artigo 230 da Constituição Federal, que preconiza que a família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, além de assegurar sua participação na comunidade, defender sua dignidade e bem-estar e garantir o direito à vida (Brasil, 1988).
Dessa forma, é dever do Estado e da família colaborar para a conquista de uma velhice digna, preferencialmente no âmbito familiar, em que a família deve ser conscientizada de seu papel em relação à tutela jurídica e amparo desses idosos, uma vez que o Estado não poderá sozinho oferecer tal condição (Sanches e col., 2008).
Estratégias de atuação dos profissionais de saúde da ESF no enfrentamento da violência intrafamiliar
Nesta categoria verificamos que os profissionais das equipes da ESF procuram desenvolver ações de acompanhamento e enfrentamento dos casos de violência intrafamiliar. Identificamos que os informantes, ao se depararem com situações de violência intrafamiliar, recorrem à equipe da ESF de que fazem parte e juntos elaboram as medidas cabíveis para enfrentar o problema.
[...] relata [...] pra coordenadora. A partir daí a gente traça uma estratégia pra puder (sic) resolver ou ajudar a pessoa a resolver aquele problema (Informante 2, agente comunitário de saúde).
[...] o que a gente procura fazer é acalmar, conversar, convidar ela pra algum lugar que a gente possa ficar só, e a gente ali conversa [...] e no caso das crianças que as mães têm resistência a vacinar, a gente tenta convencer também, apresentando os riscos que aquela criança tá correndo, das doenças graves que ela possa vir a ter, até a morrer se não tomar a vacina e elas terminam aceitando também (Informante 4, técnica de enfermagem).
Geralmente a gente comunica a coordenadora, né? Infelizmente, são muitos casos de família que nem sempre são resolvidos, porque o que ela pode fazer nem sempre pode resolver, porque foge até da nossa alçada, né? Muitos casos de agressão, de violência contra a mulher, vê que não tem um apoio, não tem um, assim, uma eficácia, né, como deveria ter (Informante 25, Agente Comunitário de Saúde).
Os relatos explicitam que as equipes da ESF reconhecem que a violência intrafamiliar traz consequências para a saúde das pessoas e buscam intervir sobre a problemática. Estudo realizado por Kiss e Schraiber (2011) destaca que alguns profissionais, sobretudo os da ESF, têm conhecimento das situações de violência em suas comunidades, mas ainda há uma grande distância entre conhecê-las e reconhecê-las como inerentes à intervenção assistencial. As autoras referem ainda que nas situações em que a violência é reconhecida ela não se constitui como objeto de intervenção em saúde; e nos casos em que o profissional decide intervir, desenvolve-se uma ação de maneira pessoal e não profissional, deslocada e ineficaz.
A partir dos discursos verificamos que os profissionais da ESF buscam discutir os casos, traçar estratégias, apoiar, escutar e orientar as famílias envolvidas no contexto da violência. Entretanto, como referiu o Informante 25, em algumas situações as equipes da ESF se sentem sem condições de dar continuidade ao apoio à família em razão da violência ser um fenômeno de múltiplas causas.
Nesse contexto, percebemos que é de suma importância que as equipes da ESF, ao identificarem as situações de violência intrafamiliar, não atuem sozinhas no desenvolvimento de estratégias para enfrentar o problema, mas continuem buscando a ajuda da sua equipe de trabalho. Os informantes, quando identificam uma situação de violência intrafamiliar, referem que oferecem apoio à família agressora, estimulando a mudança de comportamento.
Na análise dos discursos observamos, ainda, que os informantes sentem-se mais livres para aconselhar ou orientar o grupo familiar envolvido quando existe uma boa relação entre os profissionais da ESF e a família. Ao dar oportunidade para o profissional atuar no contexto familiar, as famílias recebem orientações sobre o seu comportamento violento, sendo aconselhadas à mudança. Escuta ativa não é aconselhamento nem terapia. É uma maneira solidária de administrar o diálogo, de forma a ajudar a pessoa que está sendo ouvida a restaurar um laço de confiança, à medida que se sinta compreendida e respeitada (Brasil, 2005).
Entendemos que o estímulo à mudança de comportamento por si só não contempla as questões mais amplas que permeiam a violência. Assim, é preciso agregar a essa ação uma análise minuciosa das condições, situações e estilo de vida das famílias, bem como a garantia dos direitos humanos pelos gestores públicos, para não reduzirmos a complexidade que permeia a violência a ações tecnicistas, restritas e limitadas.
Os profissionais que atuam com o fenômeno da violência no contexto familiar precisam estar comprometidos com a causa, fazer os encaminhamentos que forem necessários na perspectiva de interromper o ciclo de violência, pois uma atuação inadequada pode comprometer seriamente a vida das pessoas em situação de violência, as quais, na maioria das vezes, não têm condições de se defender da violência que lhes é imposta (Rosas e Cionek, 2006).
Os profissionais da ESF relataram que procuram escutar e orientar as famílias em situações de violência e, a partir daí, encaminhá-las aos órgãos competentes.
[...] fica acompanhando essa família antes de tomar qualquer decisão, dentro desse padrão: se a gente não puder resolver nada, aí é que a gente parte pra uma atitude mais séria, como, por exemplo, fazer uma denúncia, né, pro Conselho tutelar ou qualquer órgão de direito (Informante 15, enfermeira).
Identificação, aconselhamento e encaminhamento ao órgão competente (Informante 8, enfermeira 8).
Converso e incentivo a procurar ajuda como a delegacia da mulher e em caso da criança ao juizado de menor (Informante 11, técnica de enfermagem).
Para o Ministério da Saúde só a partir da denúncia ao órgão competente para a averiguação dos casos de violência é que medidas de proteção poderão ser tomadas. Como um fenômeno de múltiplas causas, a superação da violência intrafamiliar requer a atuação multissetorial dos diferentes setores do governo, sociedade civil, comunidade e organizações não governamentais, atuando articuladamente (Brasil, 2002).
Entretanto, alguns profissionais das equipes da ESF retrataram dificuldades como a falta de articulação mais efetiva com os órgãos de proteção e assistência às pessoas em situação de violência, como observamos nos discursos a seguir.
E as dificuldades, é a omissão e a falta de retorno, entendeu? Nós fazemos o trabalho e depois de tudo pronto nós não temos o retorno, isso aí que é a dificuldade e é até desanimador (Informante 3, agente comunitário de saúde).
[...] e as dificuldades é só mesmo os órgãos competentes (Informante 6, agente comunitário de saúde).
Eu acho assim: a dificuldade é porque não temos, assim, onde a gente procurar [...] que seria no caso a Secretaria de Saúde, o assistente social. E a gente não acha apoio (Informante 9, enfermeira).
[...] e a dificuldade é essa, de dá (sic) assistência, porque muitas vezes a gente não acha uma pessoa pra dar esse respaldo,[...] pra gente buscar e vir pra dá (sic) essa assistência pra que acabe esse problema (Informante 10, agente comunitário de saúde).
Os informantes destacam também a falta de apoio e resolutividade de órgãos competentes como dificuldades para o desenvolvimento de estratégias no enfrentamento da violência intrafamiliar, que permitiriam pelo menos uma diminuição nas consequências decorrentes dos atos violentos.
Outro problema identificado nos depoimentos diz respeito à falta de retorno dos órgãos competentes em relação aos desdobramentos para a solução dos casos. Isso fica evidenciado nos relatos dos informantes que fizeram encaminhamentos de casos de violência aos órgãos assistenciais da rede e não encontraram respostas positivas, muito menos a solução do problema. Estudo sobre o enfrentamento da violência intrafamiliar contra crianças e adolescentes realizado com agentes comunitários de saúde revelou que a falta de apoio e retorno de órgãos competentes também estiveram presentes como dificuldades enfrentadas por esses profissionais (Rocha e col., 2011). O Ministério da Saúde reconhece a carência dos serviços e as respostas sociais inadequadas, assim como a intervenção apenas pontual, como sendo os obstáculos ou fatores de retardo na resolução do problema da violência intrafamiliar (Brasil, 2002).
Por fim, todo esse descompasso dificulta um atendimento integrado, necessário ao bom desfecho dos casos e das ações a favor da proteção das pessoas em situação de violência. Assim, observamos que para a prevenção e combate da violência intrafamiliar as equipes da ESF devem agregar-se à rede de serviços especializados das áreas de saúde, assistência social, segurança e justiça, bem como à comunidade, para uma atuação integral. Além disso, é importante a adoção de um processo contínuo de avaliação das políticas públicas para que os gestores públicos estabeleçam e mantenham um compromisso real com a melhoria das condições de vida da população e alternem de forma positiva a relação estabelecida entre o Estado e o cidadão (Tavares, 2000).
Considerações finais
Esta pesquisa possibilitou identificar o entendimento dos profissionais das equipes da Estratégia Saúde da Família nos casos de violência intrafamiliar, bem como as estratégias experienciadas por eles no enfrentamento desse fenômeno, em um município do interior da Bahia.
A realização deste estudo nos oportunizou uma compreensão mais abrangente sobre a problemática, considerando o contexto complexo que permeia a violência, principalmente nos grupos mais vulneráveis, como crianças, mulheres e idosos.
Constatamos a partir dos resultados encontrados que os profissionais das equipes da ESF identificam a violência intrafamiliar como aquela que ocorre no âmbito familiar, velada ao domicílio e decorrente da dominação do homem sobre a mulher, negligência e maus-tratos contra as crianças e idosos. Visualizam a violência como um problema de saúde, mas em geral focalizam o fenômeno na esfera privada, sem uma análise mais aprofundada dos determinantes sociais, inerentes ao contexto sociocultural e econômico das pessoas envolvidas.
Esses profissionais, ao suspeitarem ou confirmarem uma situação de violência intrafamiliar, dialogam com as pessoas em situação de violência, comunicam à equipe de saúde, além de orientarem as famílias, demonstrando que buscam agir, aproximando-se do que definem os Ministérios de Saúde e da Justiça nos casos de violência intrafamiliar. Entretanto, ainda se limitam à mudança de comportamento.
Os profissionais entrevistados relataram também as dificuldades em articular e encaminhar as pessoas em situação de violência intrafamiliar aos órgãos responsáveis. É fundamental destacarmos que a intervenção nesses casos é multiprofissional, interdisciplinar e interinstitucional. As equipes da ESF devem agregar as organizações e serviços disponíveis na comunidade às intervenções de prevenção e combate à violência, a exemplo das Delegacias da Mulher, dos serviços de assistência social, do Conselho Tutelar, Ministério Público e instituições como casas-abrigo, grupos de mulheres e creches, entre outros.
Entendemos que só a partir dessas iniciativas possibilitaremos a criação de espaços capazes de potencializar ações conjuntas, permitindo o fluxo dessas informações e respaldando a atuação dos profissionais que lidam com proteção e assistência às pessoas em situação de violência intrafamiliar, considerando que todos estarão se responsabilizando por esse fenômeno.
Assim, urge a capacitação das equipes da ESF para atuação mais efetiva mediante as situações de violência intrafamiliar, além do apoio dos gestores públicos e dos órgãos de proteção e assistência social, de maneira a subsidiar e fortalecer a prevenção e o combate à violência, agregando e estruturando a rede de serviços intersetoriais. Muitas vezes esses serviços não são disponibilizados em virtude de problemas estruturais, caso do município do estudo, que não dispõe de casa-abrigo e registra atraso na tramitação dos processos em virtude do número insuficiente de juízes, entre outros.
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A pesquisa foi financiada com recursos da Pró-Reitoria de Pesquisa da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (2010-2012) e contou ainda com uma bolsista de Iniciação Científica com recursos da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB) (2009-2010) e uma bolsista de Iniciação Científica Jr. com recursos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (2010-2011).
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Jul-Sep 2014
Histórico
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Recebido
10 Abr 2012 -
Recebido
15 Abr 2013 -
Aceito
25 Abr 2013