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O diagnóstico psiquiátrico como racionalização da classificação ontológica negativa dos sujeitos sem-abrigo

Psychiatric diagnosis as rationalization of the homeless’ negative ontological classification

Resumo

Desde o final do século XX, a intervenção sobre a vida na rua é crescentemente medicalizada. Com base num trabalho de mais de 500 horas de observação direta, realizado numa cidade portuguesa de média dimensão entre 2010 e 2014, discuto como assistentes sociais, psicólogos, psiquiatras, entre outros atores da intervenção, compreendem a vida na rua como um problema de insuficiência ontológico-psiquiátrica de cada sujeito sem-abrigo. Nesse contexto medicalizado, o diagnóstico psiquiátrico é uma técnica de intervenção importante pois é através dela que o julgamento coletivo sobre a anormalidade de cada sujeito sem-abrigo é validado. Não sendo um momento de descoberta médico-científica dessa anormalidade, o diagnóstico oficial pronunciado por um psiquiatra é um instante em que a classificação ontológica negativa apriorística é racionalizada em termos médico-científicos. Através de procedimentos como o diagnóstico psiquiátrico, a medicalização invisibiliza as características estruturais da vida na rua, legitimando um modelo societal desigual e injusto que torna alguns sujeitos sem-abrigo.

Palavras-chave:
Medicalização; Psiquiatria; Racionalização; Serviço Social; Vida na Rua

Abstract

Since the late 20th century, intervention on homelessness became increasingly medicalized. Using fieldwork that consisted of more than 500 hours of direct observation in a medium-sized Portuguese city from 2010 to 2014, I discuss how social workers, psychologists, psychiatrists, among other actors, understand homelessness as the result of a ontological-psychiatric limitation of each homeless individual. In this medicalized context, psychiatric diagnosis is an important intervention technique since it validates the collective judgment on each homeless individual’s abnormality. The official psychiatric diagnosis pronounced by a psychiatrist, rather than a moment of medical-scientific discovery of this abnormality, constitutes an instant in which a previous negative ontological classification is rationalized in medical-scientific terms. By procedures such as the psychiatric diagnosis, medicalization renders the structural features of homelessness invisible, thus operating to legitimize an unjust and unequal societal model that makes certain individuals homeless.

Keywords:
Homelessness; Medicalization; Psychiatry; Rationalization; Social Work

Introdução

Desde a década de 1980, no Ocidente Norte, a intervenção sobre a vida na rua assumiu progressivamente uma forma medicalizada e, sobretudo, psiquiatrizada (Lovell, 1992LOVELL, A. Classification and Its Risks: How Psychiatric Status Contributes to Homelessness Policy. New England Journal of Public Policy, Boston, v. 8, n. 1, p. 247-263, 1992.; Mathieu, 1993MATHIEU, A. The Medicalization of Homelessness and the Theater of Repression. Medical Anthropology Quarterly, New York, v. 7, n. 2, p. 170-184, 1993.; Hopper, 2003HOPPER, K. Reckoning with Homelessness. New York: Cornell University Press, 2003.; Lyon-Callo, 2004LYON-CALLO, V. Inequality, Poverty and Neoliberal Governance: Activist Ethnography in the Homeless Sheltering Industry. 3. ed. Toronto: University of Toronto Press, 2004.; Gowan, 2010GOWAN, T. Hobos, Hustlers and Backsliders: Homeless in San Francisco. Minnesota: University of Minnesota Press, 2010.; Wasserman; Clair, 2010WASSERMAN, J. A.; CLAIR, J. M. At Home on the Street: People, Poverty & a Hidden Culture of Homelessness. Colorado: Lynne Rienner Publishers, 2010.). As orientações punitivas e penalizadas que até aí eram dominantes estão longe de ter desaparecido, mas tendem a se articular com a medicalização. Os procedimentos de intervenção tendem a se dirigir a um sujeito produzido como ontologicamente errado, isto é, como um ser com uma falha íntima fundamental que o torna inferior àqueles socialmente julgados como normais segundo critérios jurídicos, culturais e/ou médico-estatísticos. Na lógica da intervenção medicalizada sobre a vida na rua, esse sujeito ontologicamente errado é percebido por quem molda a sua vida como necessitando ser normalizado através do internamento psiquiátrico, da frequência de consultas de psiquiatria e psicologia ou da toma de medicação psiquiátrica, mas também é percebido como devendo ser ajustado à norma jurídico-cultural. Ainda que por vezes tal aconteça com a participação do sistema penal, este nem sempre está presente, ocorrendo o ajustamento através de ações de assistentes sociais e de profissionais do dispositivo psiquiátrico. Desse modo, as condutas dos sujeitos sem-abrigo continuam a ser definidas exogenamente como anormativas, mas passam a ser intervencionadas através de relações, procedimentos e atores que, típica idealmente, teriam como objetivo a sua normalização, transformando-se em questões de doença e/ou deficiência mental com as quais importa lidar medicamente.

A medicalização da vida na rua não se limita aos momentos em que os sujeitos sem-abrigo interagem com profissionais do dispositivo psiquiátrico. Antes, essa é um processo coletivo, levado a cabo por uma multiplicidade de atores e instituições. Desse modo, o momento em que um psiquiatra emite um diagnóstico de doença ou deficiência mental aplicável a um sujeito sem-abrigo não se apresenta como um instante de descoberta médico-científica da anormalidade desse sujeito. Antes, apresenta-se como um momento de validação desta anormalidade tal como essa começou já a ser produzida por outros sujeitos (por exemplo, assistentes sociais) noutras interações, muitas delas sem presença de profissionais do dispositivo psiquiátrico. O diagnóstico psiquiátrico oficial é então, sobretudo, um ato de racionalização da classificação dos sujeitos sem-abrigo como sujeitos patológicos, sendo essa pressuposta a priori do diagnóstico.

Neste texto, recorrendo ao trabalho de observação direta que realizei numa cidade portuguesa de média dimensão (Aldeia, 2011ALDEIA, J. “A barraca do Rui”: os laços sociais no fenómeno dos sem-abrigo. 2011. Dissertação (Mestrado em Sociologia) - Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, Coimbra, 2011., 2016ALDEIA, J. Governar a vida na rua: ensaio sobre a bio-tanato-política que faz os sem-abrigo sobreviver. 2016. Tese (Doutorado em Sociologia) - Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, Coimbra, 2016.), discuto a forma como se desenvolve a medicalização da vida na rua, focando-me na observação empírica dos procedimentos de diagnóstico psiquiátrico dos sujeitos que vivem na rua. Começo o texto descrevendo brevemente a metodologia utilizada nesta pesquisa. Depois, caracterizo a forma como em diversos países do Ocidente Norte, desde a década de 1980, a vida na rua foi, progressivamente, medicalizada. Em seguida, com base no meu trabalho de campo, discuto como os diagnósticos psiquiátricos de doença e/ou deficiência mental de sujeitos sem-abrigo resultam de atos sucessivos de múltiplos atores da intervenção, quer médicos, quer outros (por exemplo, assistentes sociais). Termino o texto analisando o momento em que o diagnóstico psiquiátrico é oficialmente pronunciado por um psiquiatra como um instante de racionalização médico-científica da classificação ontológica negativa apriorística que, coletivamente, é imputada a quem vive na rua pelos atores da intervenção.

Metodologia

Durante a realização das minhas investigações de mestrado e de doutoramento sobre a vida na rua entre 2010 e 2014 (Aldeia, 2011ALDEIA, J. “A barraca do Rui”: os laços sociais no fenómeno dos sem-abrigo. 2011. Dissertação (Mestrado em Sociologia) - Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, Coimbra, 2011., 2016ALDEIA, J. Governar a vida na rua: ensaio sobre a bio-tanato-política que faz os sem-abrigo sobreviver. 2016. Tese (Doutorado em Sociologia) - Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, Coimbra, 2016.), realizei mais de 500 horas de observação direta de várias interações numa cidade portuguesa de média dimensão. O meu interesse nesta pesquisa foi compreender as práticas de governo da vida na rua, ou seja, o conjunto de procedimentos pelos quais são moldadas as vidas dos sujeitos sem-abrigo, quer como indivíduos, quer como população. Para isso, ao longo desse período, estive presente em diversos momentos de contacto entre sujeitos sem-abrigo e profissionais de instituições que com eles trabalham quotidianamente, bem como noutras interações em que os primeiros ou os segundos estavam ausentes.

Acompanhei sujeitos sem-abrigo na rua, ouvindo-os e conversando com eles, enquanto realizavam as suas atividades diárias. Entre outras atividades, fui com alguns deles a instituições de intervenção sobre a vida na rua quando tinham assuntos para aí resolver. Fui também a vários locais de pernoita desses sujeitos, participei com alguns deles na elaboração de obras de arte (por exemplo, murais de azulejos descartados em fachadas de prédios abandonados), pesquei à beira-rio com outros sujeitos e, simplesmente, deambulei pela cidade na sua companhia. Falávamos dos seus passados, dos seus presentes e dos seus receios e esperanças para o futuro. Os meus interlocutores sabiam que eu estava realizando uma pesquisa acadêmica e, de diferentes modos, deram-me o privilégio de partilhar parte das suas vidas comigo.

Participei em cerca de 50 “giros noturnos”, que são os momentos de distribuição alimentar organizados por algumas das instituições públicas e do Terceiro Setor da cidade na qual realizei o trabalho de campo. Ainda que os atores envolvidos soubessem que eu estava a realizar uma pesquisa acadêmica, nesses momentos, participei na distribuição alimentar como mais um voluntário destas instituições. Em algumas noites, foi possível conversar durante períodos de algumas horas com sujeitos sem-abrigo. Noutras, apenas curtas conversas ocorreram. Antes e depois de um giro noturno, enquanto preparávamos a comida para distribuição ou após o regresso à sede da instituição, bem como nos instantes de deslocação entre os locais de distribuição alimentar no veículo partilhado, conversei com profissionais e voluntários envolvidos nessas atividades.

Em 2013 e 2014, obtive autorização dos atores envolvidos para estar presente em reuniões periódicas entre assistentes sociais, psiquiatras, psicólogos, enfermeiros e outros profissionais de instituições ligadas à intervenção sobre a vida na rua. Assisti com regularidade a essas reuniões, que tinham como propósito explícito coordenar a intervenção sobre a vida na rua na cidade em que decorreu o trabalho empírico da minha investigação. Nessas interações, era claramente preponderante a mobilização de interpretações e formas de ação medicalizadas. Os atores envolvidos ocupavam a maioria do tempo de cada reunião discutindo casos de indivíduos sem-abrigo que consideravam particularmente problemáticos. Recorrentemente, a interpretação do sujeito e a forma de intervenção sobre a sua vida tinham uma base psiquiátrica - mesmo quando nenhum psiquiatra estava presente. Sentei-me junto dos restantes atores durante essas reuniões, tirando notas no meu caderno de campo e intervindo somente nas poucas situações em que me perguntaram algo.

Para além disso, observei vários eventos dedicados à vida na rua organizados por profissionais das instituições anteriores, desde conferências a cursos de formação para voluntários, passando por eventos de mediatização do fenómeno com a presença de políticos eleitos e membros da comunicação social. Os oradores desses eventos eram, predominantemente, assistentes sociais e profissionais do dispositivo psiquiátrico. Também nessas situações a vida na rua era discutida, sobretudo, como um problema individual causado pela anormalidade dos sujeitos sem-abrigo, que carecia de intervenções psiquiátricas como internamentos, medicação, consultas e frequência de hospital-dia.

Registei notas sobre a observação de todas essas interações no meu caderno de campo, quer durante a minha estadia no terreno, quer no regresso a casa. Em algumas situações foi impossível tirar notas enquanto estava no campo, tal como muitas vezes ocorreu enquanto conversava com sujeitos sem-abrigo. Noutras ocasiões, como quando estava sentado como mais um dos membros da audiência numa conferência ou curso de formação, foi possível registar longas notas in situ. Noutros casos ainda, apenas notas estenográficas puderam ser registadas entre conversas, tal como aconteceu quando eu acompanhava giros noturnos. Em todos os casos, notas de campo desenvolvidas foram registadas no meu caderno de campo no primeiro momento em que tal foi possível, quer imediatamente após uma ida ao terreno, quer no dia seguinte, no caso de deslocações noturnas.

Dado esse procedimento metodológico, é impossível afirmar sem qualquer dúvida que registei as falas dos meus interlocutores literalmente como foram enunciadas. É possível que palavras tenham sido omitidas, acrescentadas ou trocadas quando me sentei para reconstruir de memória uma interação de várias horas. Contudo, o treino da memória permite que esse registo de ocorrências do passado próximo tenha uma fidelidade razoável (Liebow, 1995LIEBOW, E. Tell Them Who I Am: The Lives of Homeless Women. London: Penguin Publishing Group, 1995. (Original publicado em 1993)., p. 322-323). De qualquer modo, tenho confiança suficiente nos meus registos para considerar que não alterei o significado que os atores do terreno atribuíram ao que disseram.

A medicalização da vida na rua

Desde o final do século XX, a intervenção sobre a vida na rua se tornou crescentemente medicalizada nas sociedades do Ocidente Norte.1 1 Alguns parágrafos dessa secção do texto foram publicados em Aldeia (2018). Surgem aqui numa versão revista. Ao longo das últimas décadas, os atores da intervenção passaram a se guiar por interpretações, representações, enunciados e procedimentos de origem psi, sobretudo, neuropsiquiátrica e psicológica.

A extensão de uma racionalidade médica a um campo de vida é sempre um processo que envolve médicos e vários outros atores (Conrad, 2007CONRAD, P. The Medicalization of Society: On the Transformation of Human Conditions into Treatable Disorders. Baltimore: John Hopkins University Press, 2007.). Assim, a medicalização da vida na rua se desenvolve mesmo em espaços e interações em que não se encontram profissionais do dispositivo psiquiátrico (Lovell, 1992LOVELL, A. Classification and Its Risks: How Psychiatric Status Contributes to Homelessness Policy. New England Journal of Public Policy, Boston, v. 8, n. 1, p. 247-263, 1992.; Mathieu, 1993MATHIEU, A. The Medicalization of Homelessness and the Theater of Repression. Medical Anthropology Quarterly, New York, v. 7, n. 2, p. 170-184, 1993.; Hopper, 2003HOPPER, K. Reckoning with Homelessness. New York: Cornell University Press, 2003.; Lyon-Callo, 2004LYON-CALLO, V. Inequality, Poverty and Neoliberal Governance: Activist Ethnography in the Homeless Sheltering Industry. 3. ed. Toronto: University of Toronto Press, 2004.; Gowan, 2010GOWAN, T. Hobos, Hustlers and Backsliders: Homeless in San Francisco. Minnesota: University of Minnesota Press, 2010.; Wasserman; Clair, 2010WASSERMAN, J. A.; CLAIR, J. M. At Home on the Street: People, Poverty & a Hidden Culture of Homelessness. Colorado: Lynne Rienner Publishers, 2010.).2 2 A crescente medicalização da vida na rua, em particular fora das interações classicamente médicas, está longe de ser idiossincrática no contexto mais geral da intervenção em fenómenos caracterizados por sujeitos de algum modo desqualificados, sendo todos eles crescentemente medicalizados (Conrad, 2007; Conrad; Schneider, 1992; Schram, 2000, p. 59-88).

Um processo de medicalização consiste em redefinir um fenómeno em termos médicos, levando a que os seus atores passem a abordá-lo usando uma cosmologia médica (Conrad, 1992CONRAD, P. Medicalization and Social Control. Annual Review of Sociology, California, v. 18, p. 209-232, 1992., 2007CONRAD, P. The Medicalization of Society: On the Transformation of Human Conditions into Treatable Disorders. Baltimore: John Hopkins University Press, 2007.; Conrad; Schneider, 1992CONRAD, P.; SCHNEIDER, J. Deviance and Medicalization: From Badness to Sickness. Philadelphia: Temple University Press, 1992. (Original publicado em 1980).). A medicalização é “um processo pelo qual problemas não-médicos passam a ser definidos e tratados como problemas médicos, habitualmente em termos de doença e distúrbios” (Conrad, 2007CONRAD, P. The Medicalization of Society: On the Transformation of Human Conditions into Treatable Disorders. Baltimore: John Hopkins University Press, 2007., p. 4).3 3 Todas as citações em língua original que não o português foram por mim traduzidas. O ponto fundamental da medicalização é a capacidade de definição (logo, de produção) da realidade, levando a que um fenómeno que, anteriormente, não era concebido em termos médicos passe a ser “definido em termos médicos, descrito usando linguagem médica, entendido através da adoção de um enquadramento médico, ou ‘tratado’ com uma intervenção médica” (Conrad, 2007CONRAD, P. The Medicalization of Society: On the Transformation of Human Conditions into Treatable Disorders. Baltimore: John Hopkins University Press, 2007., p. 5).

Focando-se na resolução de problemas do indivíduo no indivíduo, a medicalização de um fenómeno obscurece as suas características estruturais. A vida na rua era já intervencionada de forma individualizante quando a lógica punitiva e penalizante era predominante, mas sua medicalização modifica a forma dessa individualização. Nessa medida, a medicalização da vida na rua, inevitavelmente, protege, legitima e reproduz as desigualdades estruturais que tornam certos sujeitos sem-abrigo (Blau, 1992BLAU, J. The Visible Poor: Homelessness in the United States. Oxford: Oxford University Press, 1992.; Gowan, 2010GOWAN, T. Hobos, Hustlers and Backsliders: Homeless in San Francisco. Minnesota: University of Minnesota Press, 2010.; Hopper, 2003HOPPER, K. Reckoning with Homelessness. New York: Cornell University Press, 2003.; Lyon-Callo, 2004LYON-CALLO, V. Inequality, Poverty and Neoliberal Governance: Activist Ethnography in the Homeless Sheltering Industry. 3. ed. Toronto: University of Toronto Press, 2004.; Mathieu, 1993MATHIEU, A. The Medicalization of Homelessness and the Theater of Repression. Medical Anthropology Quarterly, New York, v. 7, n. 2, p. 170-184, 1993.; Wasserman; Clair, 2010WASSERMAN, J. A.; CLAIR, J. M. At Home on the Street: People, Poverty & a Hidden Culture of Homelessness. Colorado: Lynne Rienner Publishers, 2010.).4 4 Sobre o modo geral como a medicalização legitima e reproduz as desigualdades estruturais, confira Conrad (1992, 2007), Conrad e Schneider (1992), Ehrenberg e Botbol (2004), Nye (2003) e Szasz (1991). Especificamente para o caso da assistência aos sujeitos pobres, confira Schram (2000, p. 59-88).

Com ou sem presença de profissionais médicos, a medicalização assenta na tentativa de normalização - bem como ajustamento normativo - dos indivíduos e fenómenos intervencionados. Como Conrad e Schneider descrevem, “dado que as doenças são julgamentos sociais, elas são julgamentos negativos” (Conrad; Schneider, 1992CONRAD, P.; SCHNEIDER, J. Deviance and Medicalization: From Badness to Sickness. Philadelphia: Temple University Press, 1992. (Original publicado em 1980)., p. 31). Doenças são estados indesejáveis, a evitar se possível, e indicadores de uma qualificação negativa superimposta ao sujeito rotulado como doente. Assim sendo, o processo de medicalização transfere a negatividade imputada ao estado patológico para a ontologia do sujeito julgado como doente. Nos casos em que o estado patológico é caracterizado de modo negativo, simultaneamente, consoante os critérios da norma médico-científica e da norma jurídico-cultural, isso tem consequências significativas sobre as possibilidades de vida dos sujeitos (Conrad; Schneider, 1992CONRAD, P.; SCHNEIDER, J. Deviance and Medicalization: From Badness to Sickness. Philadelphia: Temple University Press, 1992. (Original publicado em 1980).; Foucault, 1978FOUCAULT, M. About the Concept of the “Dangerous Individual” in 19th-Century Legal Psychiatry. International Journal of Law and Psychiatry, Amsterdam, v. 1, n. 1, p. 1-18, 1978., 1999FOUCAULT, M. Les anormaux: Cours au Collège de France, 1974-1975. Paris: EHESS, Gallimard, Seuil, 1999., 2010FOUCAULT, M. Histoire de la folie à l’âge classique. Paris: Gallimard, 2010. (Original publicado em 1972)., 2011FOUCAULT, M. Maladie mentale et psychologie. 5. ed. Paris: Presses Universitaires France, 2011. (Original publicado em 1954)., p. 71-101, 2012FOUCAULT, M. Surveiller et punir: naissance de la prison. Paris: Gallimad, 2012.(Original publicado em 1975).; Mathieu, 1993MATHIEU, A. The Medicalization of Homelessness and the Theater of Repression. Medical Anthropology Quarterly, New York, v. 7, n. 2, p. 170-184, 1993.; Szasz, 1991SZASZ, T. The Myth of Mental Illness. In: SZASZ, T. Ideology and Insanity: Essays on the Psychiatric Dehumanization of Man. Syracuse: Syracuse University Press, p. 12-24, 1991. (Original publicado em 1960).).

Para a maioria dos profissionais da intervenção, a vida na rua só é compreensível nos termos de uma racionalidade médica mental, sobretudo de base neuropsiquiátrica. Para esses profissionais, viver na rua é o resultado da inferioridade ontológica fundamental de cada sujeito sem-abrigo. Na maioria dos casos, essa inferioridade é remetida para o campo de uma neurobiologia deficiente - que, paradoxalmente, se conjuga com o desajuste normativo voluntário de cada sujeito sem-abrigo. É no campo de uma forma de vida caracterizada de modo incontornável por uma essência onto-neuro-psiquiátrica menor que, para assistentes sociais e profissionais do dispositivo psiquiátrico - bem como, crescentemente, para jornalistas, académicos e outros atores - se encontra a causa de cada vida individual passada na rua e a justificação de todas as intervenções sobre essa individualidade patológica (Aldeia, 2011ALDEIA, J. “A barraca do Rui”: os laços sociais no fenómeno dos sem-abrigo. 2011. Dissertação (Mestrado em Sociologia) - Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, Coimbra, 2011., 2016ALDEIA, J. Governar a vida na rua: ensaio sobre a bio-tanato-política que faz os sem-abrigo sobreviver. 2016. Tese (Doutorado em Sociologia) - Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, Coimbra, 2016.).

Os procedimentos de diagnóstico psiquiátrico são uma parte fundamental da medicalização da vida na rua. Considerando cada sujeito sem-abrigo como onto-neuro-psiquicamente insuficiente, a intervenção sobre a vida na rua tem como objetivo formal transformar o íntimo patológico de cada um deles para que deixem de ser anormais e, ao mesmo tempo, se ajustem às normas jurídico-culturais que regulam as vidas das classes médias e elites. O diagnóstico de doença e/ou deficiência mental não é um procedimento incontornável da prossecução desse objetivo da intervenção, que visa modificar o íntimo patológico de cada sujeito sem-abrigo independentemente de existir ou não um diagnóstico psiquiátrico formal. A ativação dos sujeitos sem-abrigo recipientes de prestações públicas da pobreza obedece também a essa lógica: a menoridade ontológica do sujeito deve ser transformada para que este se aproxime da norma médico-científica e da norma jurídico-cultural. Nesse sentido, a intervenção sobre a vida na rua opera de modo dominante de acordo com uma lógica que é sócio-geneticamente derivada do objetivo de conversão terapêutica do sujeito doente.5 5 A conversão de si sócio-geneticamente derivada do modelo médico (terapia-cura do sujeito patológico, convertendo-o em sujeito normal) se articula e se indetermina com o processo de transformação de si cuja história se localiza no governo de formas variadas de desvio normativo - criminalidade, delinquência, etc. (Donzelot, 2005; Foucault, 2012).

Apesar disso, o diagnóstico psiquiátrico é um procedimento relevante nesse processo de normalização e de ajustamento normativo, levando a que diversos dos atores da intervenção sobre a vida na rua procurem ativamente gerar tais diagnósticos para validar as práticas de intervenção que levam a cabo sobre cada sujeito sem-abrigo. Contudo, como explicarei de seguida, o diagnóstico psiquiátrico de sujeitos sem-abrigo está longe de se circunscrever ao momento em que um psiquiatra o pronuncia. Antes, é um processo coletivo de produção da insuficiência onto-neuro-psíquica dos sujeitos sem-abrigo, levando a que comece antes do momento em que é formalizado por um psiquiatra - o que torna este momento não num instante de descoberta médico-científica de uma patologia individual, mas sim num instante em que uma patologia pressuposta é racionalizada a posteriori.

A produção de diagnósticos psiquiátricos de sujeitos sem-abrigo

A lógica dominante da intervenção sobre a vida na rua a fragmenta numa multiplicidade de corpos individualmente patológicos. Cada sujeito sem-abrigo é percebido pela maioria dos profissionais da intervenção como um ser ontologicamente errado, ou seja, como um ser cuja essência tem uma falha fundamental, localizando-se esse erro, firmemente, na sua neurobiologia inferior. De modo habitual, as condutas de quem vive na rua que são percebidas por assistentes sociais e profissionais do dispositivo psiquiátrico como indicadoras de um desajuste em relação à normatividade jurídico-cultural vigente (a exemplo do consumo de álcool ou de drogas ilegais) são relocalizadas no campo da neuropsiquiatria problemática.

Isso não anula a caracterização anormativa de quem vive na rua pois, contra o arquétipo de sujeito ideal típico do modelo médico mental, que é destituído de capacidade de ação e de reflexividade (Conrad, 2007CONRAD, P. The Medicalization of Society: On the Transformation of Human Conditions into Treatable Disorders. Baltimore: John Hopkins University Press, 2007.; Conrad; Schneider, 1992CONRAD, P.; SCHNEIDER, J. Deviance and Medicalization: From Badness to Sickness. Philadelphia: Temple University Press, 1992. (Original publicado em 1980).; Gowan, 2010GOWAN, T. Hobos, Hustlers and Backsliders: Homeless in San Francisco. Minnesota: University of Minnesota Press, 2010.), na praxis e como a longa história da medicalização dos sujeitos anormais demonstra, a negação de capacidade de ação e de reflexividade positivas coexiste com a imputação de capacidade de ação e de reflexividade negativas (Foucault, 1978FOUCAULT, M. About the Concept of the “Dangerous Individual” in 19th-Century Legal Psychiatry. International Journal of Law and Psychiatry, Amsterdam, v. 1, n. 1, p. 1-18, 1978., 2010FOUCAULT, M. Histoire de la folie à l’âge classique. Paris: Gallimard, 2010. (Original publicado em 1972)., 2011FOUCAULT, M. Maladie mentale et psychologie. 5. ed. Paris: Presses Universitaires France, 2011. (Original publicado em 1954)., p. 71-101, 2012FOUCAULT, M. Surveiller et punir: naissance de la prison. Paris: Gallimad, 2012.(Original publicado em 1975).). Desse modo, nas palavras de um psicólogo sobre um sujeito sem-abrigo, “a doença mental dele não o impede de distinguir o bem e o mal, nem de saber como tratar os técnicos com respeito”. Cada sujeito sem-abrigo é ontologicamente transformado num ser cuja inferioridade biológica fundamental não exime de culpa por condutas contranormativas.

De modo maioritariamente implícito, esse arquétipo de sujeito sem capacidade de ação e reflexividade positivas, mas com capacidade de ação e reflexividade negativas - que, em simultâneo, é incapaz de se conduzir corretamente e deseja se conduzir erradamente - se apresenta como consideração apriorística de qualquer processo de diagnóstico psiquiátrico de sujeitos sem-abrigo.

O diagnóstico neuropsiquiátrico dos sujeitos sem-abrigo não é um momento em que um psiquiatra ou um psicólogo formaliza uma classificação. Antes, é uma sequência de classificações de condutas e ontologias de sujeitos sem-abrigo, surgindo o instante da sua formalização médica, sobretudo, como validação da construção apriorística da incapacidade-inferioridade fundamental de um sujeito sem-abrigo concreto tal como esta começou já a ser construída por outros atores da intervenção, noutros locais e noutras temporalidades, com ou sem presença de profissionais do dispositivo psiquiátrico.

Com frequência, conversas de poucos minutos com certos sujeitos sem-abrigo ou mesmo descrições rápidas de indivíduos sem-abrigo por terceiros são suficientes para que diversos atores da intervenção os classifiquem como doentes mentais e deem início a um processo de intervenção que implicará a frequência de consultas de psiquiatria, o internamento psiquiátrico e/ou a prescrição de medicação psiquiátrica. Citando a resposta de um psiquiatra a um relato de poucos minutos sobre um indivíduo sem-abrigo que nunca tinha conhecido, “então, tem uma debilidade muito grave! Nem preciso olhar para o homem!”. O momento em que o diagnóstico psiquiátrico é formalizado se apresenta, assim, como um dos procedimentos pelos quais o julgamento coletivo sobre a anormalidade de quem vive na rua ganha uma forma médico-científica e não, em si mesmo, como parte de um processo médico-científico de averiguação dessa anormalidade.

Na rua ou no interior de um edifício de uma instituição da intervenção, assistentes sociais lidam com sujeitos sem-abrigo cujas condutas avaliam como anormais. Noutros momentos, profissionais de outras instituições da intervenção interagirão com o mesmo sujeito, avaliando-o de modo semelhante. Nos instantes de coordenação da intervenção sobre a vida na rua nessa cidade, os casos desses sujeitos sem-abrigo são discutidos por assistentes sociais, enfermeiros, psicólogos e psiquiatras. O que esses trazem para a discussão não é uma exposição indiferente, axiologicamente neutra, da situação de cada sujeito sem-abrigo cuja vida é discutida. Antes, trazem para a discussão uma classificação apriorística e, tendencialmente, patologizada sobre cada um desses sujeitos, que se vai juntar a todas as outras classificações patológicas que são avançadas pelos outros atores envolvidos. Em interações variadas, conversando com um sujeito sem-abrigo percebido como patológico ou, sem a presença deste último, em reuniões entre profissionais da intervenção, a classificação como sujeito patológico vai sendo construída. De interação em interação, a sua produção como ser patológico vai dirigindo o sujeito sem-abrigo até aos espaços, temporalidades, atores e procedimentos do dispositivo psiquiátrico até chegar o instante da formalização do seu diagnóstico. Por esse encadeamento reticular de classificações, o diagnóstico psiquiátrico oficial daquele sujeito se apresenta como uma racionalização de uma classificação como sujeito anormal, que antecede e ultrapassa o momento em que essa é racionalizada para assumir uma forma médico-científica.

Sendo rigoroso, o processo de diagnóstico psiquiátrico não se inicia no primeiro instante em que um profissional da intervenção conhece um sujeito sem-abrigo concreto e o compreende (leia-se: produz) pela primeira vez como doente mental. Outros processos semelhantes aconteceram previamente e fornecem quer uma grelha de leitura prática daquele caso, quer uma predisposição para o classificar como doente mental.

O encadeamento de situações individuais, em espaços-tempo variados, nas quais foi concretizada a patologização de um sujeito sem-abrigo dá, progressivamente, origem a uma racionalidade global de intervenção que passa a condicionar os modos como cada um dos seus profissionais compreende o mundo e nele age, circunscrevendo o campo daquilo que é verosímil. Assim, para ser exato, o processo de diagnóstico de cada sujeito sem-abrigo é, em si mesmo, uma parte de um processo de diagnóstico total pelo qual o circuito interinstitucional da intervenção confere uma forma psiquiatrizada à vida na rua. Por trás de cada instante de formalização de um diagnóstico psiquiátrico de um sujeito sem-abrigo concreto, surge toda essa sucessão de interações, decisões e intervenções, tanto aquelas que se reportaram especificamente a esse sujeito quanto todas as que disseram respeito a todos os outros sujeitos sem-abrigo através dos quais, de forma semelhante, se expressou na praxis a psiquiatrização da vida na rua.

O diagnóstico psiquiátrico como racionalização de uma decisão prévia

Dada a forma como é produzido, o diagnóstico psiquiátrico de sujeitos sem-abrigo se revela como uma técnica de saber-poder em que a relação entre os dois termos é dissimétrica. Não negando a relação coprodutiva de saber e poder postulada por Foucault (1980FOUCAULT, M. Truth and Power. In: GORDON, C. (Ed.). Power/Knowledge: Selected Interviews and Other Writings, 1972-1977. New York: Pantheon Books, 1980. p. 109-133. (Original publicado em 1977)., 1994FOUCAULT, M. História da sexualidade I: a vontade de saber. Lisboa: Relógio D’Água, 1994. (Original publicado em 1976)., 2012FOUCAULT, M. Surveiller et punir: naissance de la prison. Paris: Gallimad, 2012.(Original publicado em 1975).), Flyvbjerg (1998FLYVBJERG, B. Rationality and Power: Democracy in Practice. Chicago: The University of Chicago Press, 1998. (Original publicado em 1991).) defende que, em certas situações, o primeiro termo se torna inteiramente dependente do segundo: “o poder tem uma racionalidade que a racionalidade não conhece, enquanto que a racionalidade não tem um poder que o poder não conhece” (Flyvbjerg, 1998FLYVBJERG, B. Rationality and Power: Democracy in Practice. Chicago: The University of Chicago Press, 1998. (Original publicado em 1991)., p. 2). Em questões como o processo de diagnóstico-classificação de doença ou deficiência mental de sem-abrigo, o poder de definição de realidade surge em primeiro lugar, dispensando qualquer saber, e é somente após a decisão estar tomada que ela é racionalizada (Flyvbjerg, 1998FLYVBJERG, B. Rationality and Power: Democracy in Practice. Chicago: The University of Chicago Press, 1998. (Original publicado em 1991)., p. 19-27). Nesse caso, apenas depois de uma classificação ontológica negativa ser imputada a quem vive na rua é que essa decisão procura a forma científica da sua legitimação, que é encontrada no momento formalizado do diagnóstico certificado por um psiquiatra ou psicólogo.

Assim sendo, a racionalização permitida por esse procedimento surge como justificativa para uma construção da realidade e da ontologia negativa de quem vive na rua que é anterior ao instante oficial em que o procedimento se torna visível e que, nesse ato momentâneo, não verifica a realidade, não a avalia, nem por si só a constrói mas, antes, contribui para a sua produção como uma entre várias interações encadeadas. Se o processo de produção da realidade da inferioridade ontológica neuro-psiquiatrizada começa antes da sua racionalização médico-científica como diagnóstico psiquiátrico formal, então “o resultado da avaliação é inevitável: ela serve para racionalizar uma decisão política [e ontológica] prévia” (Flyvbjerg, 1998FLYVBJERG, B. Rationality and Power: Democracy in Practice. Chicago: The University of Chicago Press, 1998. (Original publicado em 1991)., p. 35).

Este processo não implica forçosamente qualquer instrumentalização individual consciente dos procedimentos de psiquiatrização da vida na rua. Pelo contrário, ele é parte intrínseca da lógica da intervenção sobre a vida na rua e, efetivamente, a maioria dos atores envolvidos acredita que o diagnóstico psiquiátrico se reduz ao instante da sua formalização, não correspondendo à sequência de interações produtoras de realidade que de facto é. Como Flyvbjerg (1998FLYVBJERG, B. Rationality and Power: Democracy in Practice. Chicago: The University of Chicago Press, 1998. (Original publicado em 1991)., p. 228) defende, esse processo de racionalizações e validações formais de decisões que precedem os momentos da sua oficialização “não implica necessariamente desonestidade. Não é invulgar encontrar indivíduos, organizações e sociedades inteiras a acreditarem efetivamente nas suas próprias racionalizações” (1998, p. 228).6 6 Não sendo obrigatório que os procedimentos de diagnóstico psiquiátrico sejam instrumentalizados por atores da intervenção sobre a vida na rua, isso ocorre em diversas situações, tal como fica claro nos casos em que assistentes sociais mentem a sujeitos sem-abrigo ou a médicos para dar início a intervenções psiquiátricas (Aldeia, 2018).

O não reconhecimento do diagnóstico de doença ou deficiência mental como uma atividade coletiva pelos atores envolvidos é problemático. Essa produção coletiva da realidade tem consequências significativas sobre as possibilidades de vida dos sujeitos sem-abrigo. Muitos deles são compelidos a tomar medicação psiquiátrica com efeitos fisiológicos e psíquicos significativos, em muitos casos tendo de se deslocar diariamente a uma instituição do Terceiro Setor para que essa medicação seja administrada sob o olhar de assistentes sociais. Alguns sujeitos sem-abrigo são internados em hospitais psiquiátricos, de forma formalmente voluntária ou de modo compulsivo, nos quais as suas atividades, espaços de circulação, interações, horários e medicação são controlados por médicos e enfermeiros. Em geral, graças ao diagnóstico psiquiátrico é legitimada a anulação do discurso político de quem vive na rua, sendo os protestos e manifestações de sofrimento desses sujeitos, recorrentemente, (des)considerados como meras expressões de uma patologia psiquiátrica.

Desse modo, todas as práticas pelas quais o diagnóstico psiquiátrico é produzido são, inerentemente, políticas e têm consequências sobre a ontologia dos sujeitos sem-abrigo. Contudo, isso não é reconhecido pelos atores da intervenção. O diagnóstico é negado como processo de produção de realidade ao ser reinterpretado como um exercício único de averiguação de realidade patológica individual no qual a multiplicidade de influências interaccionais é relegada para o campo da obscuridade. O diagnóstico é também explicitamente rejeitado como político ao ser ressignificado como exercício de um (nas palavras de diversos profissionais da intervenção) “trabalho técnico” despolitizado, que, meramente, num instante único, se posiciona médico-cientificamente sobre a essência ontológico-biológica de um sujeito sem-abrigo. De forma inevitável, isso invisibiliza as responsabilidades de todos os atores envolvidos no processo de diagnóstico psiquiátrico: as dos profissionais médicos, dado que a sua ação é salvaguardada pela afirmação de si mesma como ato científico axiologicamente neutro; e as de todos os outros atores da intervenção, pois a sua indispensável participação é feita narrativamente desaparecer.

Desse modo, os procedimentos de diagnóstico psiquiátrico de sem-abrigo têm, necessariamente, um problema de legitimidade. Todas as ações medicalizantes de todos os elementos para além de psiquiatras no processo de diagnóstico são desenvolvidas a partir de uma posição reticular que não é formalmente legitimada para efetivá-las (por falta de mandato social ou institucional, por falta de qualificações académicas reconhecidas para o efeito, etc.). E as ações de psiquiatras fazem algo diferente daquilo que é pública e reflexivamente considerado que fazem ou devem fazer. Assim sendo, as interações em que o diagnóstico se desenvolve são situações em que sujeitos e enunciados produzem efeitos de realidade sobre a vida de outrem cuja posição reticular não lhes confere de jure. Ao produzirem de facto esses efeitos de realidade, os atores da intervenção negam o que ocorre realmente: diagnósticos de doença ou deficiência mental de sujeitos sem-abrigo que são realizados também por assistentes sociais e outros profissionais cujas competências formais não legitimam para tal, mas que, deslocando o locus de onde parte a identificação (leia-se: produção) desta ontologia anormal, aparentam ser realizados por médicos e psicólogos.

Nas reuniões de coordenação da intervenção sobre a vida na rua a que assisti, era abertamente reconhecido o reduzido desfasamento existente entre a identificação de doença ou deficiência mental por assistentes sociais, por um lado, e psicólogos e psiquiatras (aqueles que têm uma posição formalmente legitimada para tal diagnosticar), por outro. Isso é revelador em dois níveis. Desde logo, a interpretação dos atores da intervenção desloca o diagnóstico para o campo de ação exclusiva dos profissionais médicos mentais, recusando de jure (mas não de facto) a legitimação como diagnóstico aos atos de classificação realizados por outros atores. Mas, sobretudo, torna inegável que o diagnóstico é um procedimento coletivo e não um instante formalizado. De que outro modo explicar com o necessário rigor a similitude da classificação? A fé inabalável no funcionamento institucional da intervenção sobre a vida na rua e, logo, na articulação eficiente entre os dispositivos assistencialista e psiquiátrico, bem como nas competências profissionais não academicamente validadas dos assistentes sociais é, francamente, débil como explicação.

Qualquer possibilidade de nela crer desaparece imediatamente quando se introduz no argumento o papel dos assistentes sociais na triagem de sujeitos sem-abrigo com patologias mentais a dirigir para os espaços do dispositivo psiquiátrico. O procedimento de triagem é uma parte significativa do diagnóstico. São assistentes sociais quem inicialmente entra em contacto com cada sujeito sem-abrigo e, muitas vezes com base em apreciações superficiais e rápidas, consideram que esses revelam discursos que avaliam como sendo atípicos (leia-se: anormais) ou que, nas palavras de um assistente social, “têm umas atitudes estranhas”. Sendo a própria linguagem usada pela maioria dos assistentes sociais significativamente medicalizada, a possibilidade de considerarem estar perante uma patologia mental grave se apresenta com frequência. O passo seguinte, em geral decidido com celeridade, consiste em tentar enviar esses sujeitos sem-abrigo a consultas de psiquiatria, muitas vezes acompanhando-os. Nesses espaços psiquiátricos e na presença dos profissionais médicos que aí trabalham, os diagnósticos de doença e deficiência mental são oficializados. Mas não são produzidos nesse momento. Antes, ele é um ponto na sequência de produção dessa doença ou deficiência mental, não mais nem menos relevante do que os que o antecedem.

O simples facto de entrar em contacto com o dispositivo psiquiátrico torna quase nula a probabilidade de não ser diagnosticado. A partir do momento em que um sujeito sem-abrigo passa a soleira da porta do hospital, do consultório ou de um espaço semelhante, a sua insuficiência biológico-psiquiátrica se torna dificilmente descartável. Pois, se não existisse uma real necessidade do sujeito ali estar, ele não estaria ali. Se está, é porque precisa. E, se precisa ali estar, é porque tem um defeito, uma insuficiência fundamental no seu íntimo.

Na vida na rua, como noutros fenómenos, os diagnósticos de doença mental surgem a priori da interação face a face entre médico e paciente, levando a que o primeiro apenas procure identificar (leia-se: produzir) os sinais e sintomas que suportam o diagnóstico apriorístico - que não podem deixar de estar presentes (Laing, 2010LAING, R. D. The Divided Self: An Existential Study in Sanity and Madness. London: Penguin Books, 2010. (Original publicado em 1960)., p. 28). Dado que as “identidades loucas” são indissociáveis dos espaços e relações psiquiatrizadas em que são performatizadas como “loucas” (Parr; Philo, 2005PARR, H.; PHILO, C. Mapping ‘Mad’ Identities. In: PILE, S. e THRIFT, N. (Org.). Mapping the Subject: Geographies of Cultural Transformation. London: Routledge, 2005. (Original publicado em 1995). p. 182-207.), de facto se torna muitíssimo provável que, ao penetrar num espaço do dispositivo psiquiátrico, um sujeito a priori revelador de símbolos da sua desqualificação social seja diagnosticado como doente mental. Sendo diagnosticado como doente mental, é extremamente difícil para um sujeito sem-abrigo se afastar dessa posição, em grande medida, dada a dificuldade de um sujeito diagnosticado provar a sua sanidade - como, entre outras ocorrências históricas, a experiência Rosenhan (1973ROSENHAN, D. L. On Being Sane in Insane Places. Science, v. 179, n. 4070, p. 250-258, 1973.) tornou inegável.

A interpretação dos sujeitos sem-abrigo como tendo uma insuficiência íntima não é criada pela medicalização da ontologia negativa. Ela antecede-a, mas só ganha forma biológico-psiquiátrica quando é colocada no âmbito do dispositivo psiquiátrico. Ao diagnóstico-que-não-recebe-o-nome-de-diagnóstico realizado por assistentes sociais (em rigor, à parte do processo total de diagnóstico que com eles se inicia) corresponde, de modo direto, o diagnóstico oficial psiquiátrico.

Isso leva os próprios atores da intervenção a interpretarem a coincidência classificatória como uma validação das competências dos profissionais não médicos na despistagem de problemas psiquiátricos: pouquíssimos sujeitos sem-abrigo saem de uma primeira consulta psiquiátrica sem um qualquer diagnóstico oficial. Contudo, essa coincidência em nada decorre de competências atribuíveis a qualquer ator da intervenção sobre a vida na rua. Ela deriva tão somente das características do modelo medicalizado de intervenção, no qual os atos de psiquiatras e psicólogos validam a posteriori uma decisão coletiva sobre a ontologia negativa dos sujeitos sem-abrigo que começa a ser produzida a priori.

Conclusão

A medicalização da vida na rua é um processo coletivo que envolve múltiplos atores, espaços, discursos e procedimentos. Ainda que procedimentos como o diagnóstico psiquiátrico sejam sempre aplicados em momentos e locais específicos através de práticas concretas de atores individuais, essas são condicionadas pela lógica individualizante e patologizante da intervenção sobre a vida na rua de um modo que torna cada ato particular num elo de uma cadeia de procedimentos que foram, são e serão realizados por outros atores, noutros locais e noutros instantes. Reciprocamente, a medicalização da vida na rua resulta da sucessão de atos de classificação psiquiátrica da ontologia negativa de sujeitos sem-abrigo e cada um desses atos só é possível dado o carácter medicalizado da intervenção.

Dada a natureza coletiva das práticas pelas quais a vida na rua é medicalizada, o diagnóstico psiquiátrico de sujeitos sem-abrigo se apresenta como algo fundamentalmente diferente de um ato médico-científico no qual um psiquiatra ou psicólogo identifica uma doença ou deficiência mental individual. Isso ocorre por dois motivos: por um lado, o instante de diagnóstico psiquiátrico formal é precedido por uma série de atos de intervenção pelos quais vai sendo produzida a anormalidade do sujeito sem-abrigo concreto que, posteriormente, é objecto de diagnóstico médico-científico; por outro, cada diagnóstico psiquiátrico de um sujeito sem-abrigo específico ocorre no seio de uma série de atos mais vasta pelos quais os problemas de diversos outros sujeitos sem-abrigo são psiquiatrizados.

Desse modo, o diagnóstico psiquiátrico surge como uma técnica de racionalização de uma classificação ontológica negativa que o precede e ultrapassa. Precede-o, pois o diagnóstico começa a ser produzido antes do momento em que é oficialmente pronunciado por um psiquiatra ou psicólogo. Ultrapassa-o, pois cada processo individual de medicalização da classificação ontológica negativa de um sujeito sem-abrigo é parte da teia total de atos pelos quais a vida na rua é produzida em si mesma como um fenómeno inextricável da anormalidade (e do desajuste normativo psiquiatrizado) de todos os sujeitos sem-abrigo. É tudo isso que o diagnóstico psiquiátrico valida, mesmo que quem participa na sua produção não o compreenda desse modo.

Ao remeter os problemas da vida na rua para o íntimo anormal de cada sujeito que nela vive, a medicalização, em geral, e o diagnóstico psiquiátrico, em particular, escondem todos os problemas que estão fora desse íntimo, mas que dirigem os sujeitos para a rua e nela os mantêm. Se a vida na rua resulta da insuficiência onto-neuro-psíquica individual, então é essa que tem de ser intervencionada. Assim, as características político-económicas da modernidade capitalista são aceites como inevitáveis e deixam de ser compreendidas como causas da vida na rua. A desigual distribuição de riqueza e de propriedade privada, as fragilidades das políticas públicas, a legislação que regula o mercado habitacional ou o mercado de trabalho: na lógica medicalizada da intervenção, tudo isto é tornado de facto irrelevante para compreender e transformar as vidas dos sujeitos sem-abrigo. No seio de um modelo societal injusto e desigual, apenas importam as falhas do íntimo individual das vítimas dessa injustiça e dessas desigualdades, e mesmo essas são supostas a priori. Dificilmente seria possível defender de modo mais eficaz essa injustiça e essas desigualdades.

Agradecimentos

Este texto é uma versão revista de uma secção da minha tese de doutoramento em sociologia (Aldeia, 2016ALDEIA, J. Governar a vida na rua: ensaio sobre a bio-tanato-política que faz os sem-abrigo sobreviver. 2016. Tese (Doutorado em Sociologia) - Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, Coimbra, 2016.). A investigação foi realizada na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, teve o acolhimento científico do Centro de Estudos Sociais da mesma universidade e foi financiada pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia com a bolsa individual de doutoramento SFRH/BD/85867/2012. Agradeço a Sílvia Portugal, orientadora científica da investigação, e a Ana Manso pela leitura de uma versão anterior deste texto e pelos seus comentários. Todos os problemas que permaneçam são da minha exclusiva responsabilidade.

Referências

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  • ALDEIA, J. Governar a vida na rua: ensaio sobre a bio-tanato-política que faz os sem-abrigo sobreviver. 2016. Tese (Doutorado em Sociologia) - Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, Coimbra, 2016.
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  • WASSERMAN, J. A.; CLAIR, J. M. At Home on the Street: People, Poverty & a Hidden Culture of Homelessness. Colorado: Lynne Rienner Publishers, 2010.
  • 1
    Alguns parágrafos dessa secção do texto foram publicados em Aldeia (2018)ALDEIA, J. O governo dos sem-abrigo pela mentira. Oficina do CES, Coimbra, n. 441, 2018.. Surgem aqui numa versão revista.
  • 2
    A crescente medicalização da vida na rua, em particular fora das interações classicamente médicas, está longe de ser idiossincrática no contexto mais geral da intervenção em fenómenos caracterizados por sujeitos de algum modo desqualificados, sendo todos eles crescentemente medicalizados (Conrad, 2007CONRAD, P. The Medicalization of Society: On the Transformation of Human Conditions into Treatable Disorders. Baltimore: John Hopkins University Press, 2007.; Conrad; Schneider, 1992CONRAD, P.; SCHNEIDER, J. Deviance and Medicalization: From Badness to Sickness. Philadelphia: Temple University Press, 1992. (Original publicado em 1980).; Schram, 2000SCHRAM, S. F. After Welfare: The culture of postindustrial social policy. New York: New York University Press, 2000., p. 59-88).
  • 3
    Todas as citações em língua original que não o português foram por mim traduzidas.
  • 4
    Sobre o modo geral como a medicalização legitima e reproduz as desigualdades estruturais, confira Conrad (1992CONRAD, P. Medicalization and Social Control. Annual Review of Sociology, California, v. 18, p. 209-232, 1992., 2007CONRAD, P. The Medicalization of Society: On the Transformation of Human Conditions into Treatable Disorders. Baltimore: John Hopkins University Press, 2007.), Conrad e Schneider (1992)CONRAD, P.; SCHNEIDER, J. Deviance and Medicalization: From Badness to Sickness. Philadelphia: Temple University Press, 1992. (Original publicado em 1980)., Ehrenberg e Botbol (2004)EHRENBERG, A.; BOTBOL, M. Depressão, doença da autonomia? Entrevista de Alain Ehrenberg a Michel Botbol. Ágora, Rio de Janeiro, v. 7, n. 1, p. 143-153, 2004., Nye (2003)NYE, R. A. The Evolution of the Concept of Medicalization in the Late Twentieth Century. Journal of History of the Behavioral Sciences, New York, v. 39, n. 2, p. 115-129, 2003. e Szasz (1991)SZASZ, T. The Myth of Mental Illness. In: SZASZ, T. Ideology and Insanity: Essays on the Psychiatric Dehumanization of Man. Syracuse: Syracuse University Press, p. 12-24, 1991. (Original publicado em 1960).. Especificamente para o caso da assistência aos sujeitos pobres, confira Schram (2000SCHRAM, S. F. After Welfare: The culture of postindustrial social policy. New York: New York University Press, 2000., p. 59-88).
  • 5
    A conversão de si sócio-geneticamente derivada do modelo médico (terapia-cura do sujeito patológico, convertendo-o em sujeito normal) se articula e se indetermina com o processo de transformação de si cuja história se localiza no governo de formas variadas de desvio normativo - criminalidade, delinquência, etc. (Donzelot, 2005DONZELOT, J. La police des familles. Paris: Les éditions de Minuit, 2005. (Original publicado em 1977).; Foucault, 2012FOUCAULT, M. Surveiller et punir: naissance de la prison. Paris: Gallimad, 2012.(Original publicado em 1975).).
  • 6
    Não sendo obrigatório que os procedimentos de diagnóstico psiquiátrico sejam instrumentalizados por atores da intervenção sobre a vida na rua, isso ocorre em diversas situações, tal como fica claro nos casos em que assistentes sociais mentem a sujeitos sem-abrigo ou a médicos para dar início a intervenções psiquiátricas (Aldeia, 2018ALDEIA, J. O governo dos sem-abrigo pela mentira. Oficina do CES, Coimbra, n. 441, 2018.).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    27 Fev 2023
  • Revisado
    10 Set 2023
  • Aceito
    27 Dez 2023
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