Acessibilidade / Reportar erro

Morte em vida de Severina: uma cartografia do cuidado com as pessoas (com deficiência)

The Death in Life of Severina: a cartography of care for people (with disabilities)

Resumo

Neste artigo, analisa-se o acesso ao cuidado da saúde que produz vulnerabilidades, bem como as estratégias de resistência de usuários(as). No estudo, fruto de pesquisa qualitativa com abordagem cartográfica, recorre-se ao conceito-ferramenta “usuária-guia”, ao analisar a trajetória de uma mulher de 48 anos de idade com deficiência visual, acompanhada em pesquisa num centro especializado em reabilitação da cidade de João Pessoa, Paraíba, Brasil. Entre outubro de 2020 e abril de 2021, foram realizados 12 encontros virtuais com a usuária e duas entrevistas com profissionais do serviço, registrados em diários de campo. A análise gerou os seguintes eixos de interpretação: Várias mortes em vida, Severina; A fabricação de um corpo Severina: marcas de uma saúde prescritora do viver; e Teima a vida Severina, em sua produção de redes vivas de cuidado. Evidenciou-se que a organização da atenção à saúde direcionada a certos grupos leva à produção de vulnerabilidades e promove a morte (ou mesmo muitas mortes) em vida. Ao mesmo tempo, identificaram-se possibilidades de construção de outros fluxos, em que seria possível constituir, para si, meios de romper com o que se estrutura para nossas rotas, permitindo produzir furos nos muros.

Palavras-chave:
Barreiras ao Acesso aos Cuidados de Saúde; Serviços de Saúde para Pessoas com Deficiência; Pesquisa Qualitativa

Abstract

This article analyzes the access to health care that produces vulnerability, as well as the resistance strategies of users. The study, resulting from qualitative research with a cartographic approach, uses the concept-tool “guide-user” to analyze the trajectory of a 48-year-old woman, with visual impairment, accompanied in research at a specialized center in rehabilitation in the municipality of João Pessoa, Paraíba, Brazil. Between October 2020 and April 2021, 12 virtual meetings were held with the user and two interviews with service professionals, recorded in field diaries. The analysis generated the following interpretation axes: Several Deaths in Life, Severina; The fabrication of a Severina body: marks of a prescriptive health of living; and Severina insists on life, in her production of living networks of care. It was evidenced that the organization of health care directed at certain groups of people leads to the production of vulnerabilities and promotes death (or even many deaths) during life. At the same time, possibilities for the construction of other flows were identified, in which it would be possible to constitute, for themselves, means of breaking with what is structured for our routes, allowing to produce holes in the walls.

Keywords:
Barriers to Access of Health Services; Health Services for Persons with Disabilities; Qualitative Research

Introdução

O Sistema Único de Saúde (SUS) é um campo de disputas em que a produção de vida se torna pulsante em cada um dos seus pontos de operação (Merhy, 2012MERHY, E. Saúde e direitos: tensões de um SUS em disputa, molecularidades. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 21, n. 2, p. 267-279, 2012. DOI: 10.1590/s0104-12902012000200002
https://doi.org/10.1590/s0104-1290201200...
). Entretanto, muitas vezes, apesar dos esforços de operadores sociais, as condições estruturais impostas a alguns grupos, e mesmo as barreiras de acesso ao sistema de saúde, materializam-se em uma construção necrófila. Não só no sentido de cessar as funções biológicas de um indivíduo, mas de reduzir sua potência de vida, empobrecendo sua experiência existencial (Costa; Rizzotto; Lobato, 2021COSTA, A. M.; RIZZOTTO, M. L. F.; LOBATO, L. de V. C. Fome, desemprego, corrupção e mortes evitáveis: faces da necropolítica. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 45, n. 130, p. 555-558, 2021. DOI: 10.1590/0103-1104202113000
https://doi.org/10.1590/0103-11042021130...
).

Essa ‘despotencialização’ da vida, ou ‘produção de morte’, é marcada pelo não reconhecimento de que toda vida vale a pena ser vivida, de que todos(as) são dignos(as) de existir e que têm o direito constitucional de acesso aos serviços de saúde (Merhy, 2012MERHY, E. Saúde e direitos: tensões de um SUS em disputa, molecularidades. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 21, n. 2, p. 267-279, 2012. DOI: 10.1590/s0104-12902012000200002
https://doi.org/10.1590/s0104-1290201200...
). Os contextos de vulnerabilidade, no sentido que Ayres et al. (2003AYRES, J. R. C. M. et al. O conceito de vulnerabilidade e as práticas de saúde: novas perspectivas e desafios. In: CZERESNIA, D.; FREITAS, C. M. de (Org.). Promoção da saúde: conceitos, reflexões, tendências. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2003. p. 117-139.) dão ao termo, marcam profundamente as condições de produção de saúde, de vida e de acesso ao cuidado, em especial em um país como o Brasil, com estruturas coloniais de exploração e mortificação de determinados povos (Gonçalves et al., 2019GONÇALVES, L. A. P. et al. Saúde coletiva, colonialidade e subalternidades - uma (não) agenda? Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 43, n. spe8, p. 160-174, 2019. DOI: 10.1590/0103-11042019s812
https://doi.org/10.1590/0103-11042019s81...
).

Florêncio e Moreira (2021FLORÊNCIO, R. S.; MOREIRA, T. M. M. Modelo de vulnerabilidade em saúde: esclarecimento conceitual na perspectiva do sujeito-social. Acta Paulista de Enfermagem, São Paulo, v. 34, p. eAPE00353, 2021. DOI: 10.37689/acta-ape/2021AO00353
https://doi.org/10.37689/acta-ape/2021AO...
) evidenciam que as pessoas, por serem sujeitos sociais, ou seja, afetadas e constituídas a todo instante pela/na sociedade, estão imersas em relações dinâmicas de poderes as quais implicam diretamente na promoção, proteção e/ou recuperação (ou não) da saúde, permitindo (ou não) o equilíbrio do processo saúde-doença de indivíduos. Isso ficou ainda mais evidente durante a pandemia de covid-19, em que o maior índice de contaminação e óbito ocorreu em populações com piores condições socioeconômicas e em contextos de vulnerabilidade (Figueiredo et al., 2020FIGUEIREDO, A. M. de et al. Social determinants of health and COVID-19 infection in Brazil: an analysis of the pandemic. Revista Brasileira de Enfermagem, Brasília, DF, v. 73, n. suppl 2, 2020. DOI: 10.1590/0034-7167-2020-0673
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2020-0...
). O que emerge dessas relações em disputa, e da vulnerabilização, é a definição de Mbembe (2018MBEMBE, A. Necropolítica: biopoder, soberania, estado de exceção, política de morte. São Paulo: n-1 edições, 2018.) sobre necropolítica, ou seja, a destruição de pessoas e populações, a partir de ações políticas que definem quem irá morrer e como.

Lançar luz aos processos de subjetivação nos permite perceber que, mesmo em meio a um sistema despontencializador de vida (ou produtor de morte), as pessoas podem resistir. Um exemplo são as Redes Vivas construídas por usuárias(os) de saúde: como sujeitos-multidão, elas(es) vão tecendo seu próprio cuidado, produzindo e compartilhando saberes, autorregulando-se, bem como trilhando barreiras institucionais produzidas pela sociedade e pelos serviços de saúde (Merhy, 2014MERHY, E. E. et al. Redes Vivas: multiplicidades girando as existências, sinais da rua. Implicações para a produção do cuidado e a produção do conhecimento em saúde. Divulgação em saúde para debate, Londrina, v. 52, p. 153-164, 2014. Disponível em: Disponível em: https://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/lil-774076 . Acesso em: 28 maio 2024.
https://pesquisa.bvsalud.org/portal/reso...
).

Em meio às iniquidades, determinados corpos existem como pura resistência (ou rexistência), ‘teimando’ contra um sistema capitalístico excludente/aniquilador. Nessa perspectiva, este artigo busca evidenciar alguns processos necropolíticos de privação de acesso ao cuidado à saúde com qualidade, marcado por situações de vulnerabilidade produzidas por um sistema capitalístico que permite a certos corpos viver e deixa morrer vidas que valem menos, bem como as linhas de fuga e as estratégias de resistência de usuários(as) em busca de produção de vida.

Metodologia

Este é um estudo qualitativo, com abordagem cartográfica, que tem como premissa o acompanhamento dos fluxos de intensidade, analisando a construção de redes e rizomas desses enlaces e não apenas a observação dos fenômenos (Barros; Passos, 2009BARROS, R. B. de; PASSOS, E. A cartografia como método de pesquisa-intervenção. In: PASSOS, E.; KASTRUP, V.; ESCÓSSIA, L. da. (Org.). Pistas do método de cartografia: pesquisa-intervenção e produção de subjetividade. 1. ed. Porto Alegre: Sulina, 2009. p. 17-31.). Para tanto, procura compreender a constituição dos processos de subjetivação operantes no campo social e seus efeitos nos atores envolvidos na pesquisa, que se desafiam a “dar condições de visibilidade e dizibilidade ao que se passa individual e coletivamente nos processos de produção de saúde, de cuidado e de vida” (Ferigato; Carvalho, 2011FERIGATO, S. H.; CARVALHO, S. R. Pesquisa qualitativa, cartografia e saúde: conexões. Interface - Comunicação, Saúde, Educação , Botucatu, v. 15, n. 38, p. 663-676, 2011. DOI: 10.1590/S1414-32832011005000037.
https://doi.org/10.1590/S1414-3283201100...
, p. 672).

Para isso, foi utilizado o conceito-ferramenta “usuária-guia”, que traz à cena a pessoa não como mera informante do que os(as) pesquisadores(as) desejam saber, mas como aquela que conduz os caminhos, os anseios, as afecções e as impressões na pesquisa. A usuária-guia deste estudo é um sujeito-multidão no sentido que Abrahão e Merhy (2014ABRAHÃO, A. L.; MERHY, E. E. Formação em saúde e micropolítica: sobre conceitos-ferramentas na prática de ensinar. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, Botucatu, v. 18, n. 49, p. 313-324, 2014. DOI: 10.1590/1807-57622013.0166
https://doi.org/10.1590/1807-57622013.01...
) dão ao termo: além de seu papel como usuária dos serviços de saúde, performatiza outros modos de existir importantes de serem cartografados, por meio de suas vivências e experiências diversas.

A usuária-guia era uma mulher de 48 anos de idade, branca, mãe, casada, cuidadora de crianças e de pessoas idosas, trabalhadora doméstica, de comunidade periférica, que no momento da pesquisa estava desempregada. Ela foi identificada a partir da imersão cartográfica do grupo de pesquisa num Centro Especializado em Reabilitação do tipo IV (CER IV), localizado na cidade de João Pessoa, capital da Paraíba, Brasil, onde recebia cuidados por ser uma pessoa com deficiência visual.

Para atender ao sigilo ético em pesquisa, ela foi nomeada como Severina, inspirada em suas vivências que se aproximavam das desventuras do personagem Severino, de João Cabral de Melo Neto (2016NETO, J. C. de M. Morte e vida severina: um auto de natal pernambucano. Rio de Janeiro: Alfaguara, 2016.), em seu livro “Morte e Vida Severina”.

No percurso cartográfico, os encontros com Severina se deram, devido ao distanciamento físico imposto pela covid-19, via chamada de vídeo do aplicativo Whatsapp®, entre outubro de 2020 e abril de 2021. Foram realizados 12 encontros virtuais, com duração de uma hora cada. Além disso, foram realizadas duas entrevistas com profissionais do CER IV que atendiam Severina. Todos os momentos foram registrados em diários de campo cartográficos e processados com o grupo da pesquisa, a partir dos referenciais teóricos que embasam este estudo, fazendo emergir três eixos de análise: (1) Várias mortes em vida, Severina; (2) A fabricação de um corpo-Severina: marcas de uma saúde prescritora do viver; e (3) Teima a vida Severina, em sua produção de Redes Vivas de cuidado.

O presente artigo fez parte da pesquisa "Análise da implementação da rede de cuidados à saúde das pessoas com deficiência - os usuários, trabalhadores e gestores como guias" financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), com base no edital/chamada nº 35/2018, processo n° 442816/2018-9. Tendo sido aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) - Campus Macaé, com o Certificado de Apresentação de Apreciação Ética (CAAE): 17725919.2.1001.5699.

Resultados e discussões

Várias mortes em vida, Severina

Severina morreu fisicamente em 2021, vítima da covid-19. Começar a narrativa de sua vida a partir de sua morte é uma escolha deste produto cartográfico, porque mesmo que essa morte tenha acontecido neste ano, Severina vinha morrendo desde o seu nascimento, pelos diversos contextos de vulnerabilidade aos quais era exposta. Ayres (2003AYRES, J. R. C. M. et al. O conceito de vulnerabilidade e as práticas de saúde: novas perspectivas e desafios. In: CZERESNIA, D.; FREITAS, C. M. de (Org.). Promoção da saúde: conceitos, reflexões, tendências. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2003. p. 117-139.) aponta que a vulnerabilidade das pessoas não está em seus corpos, mas nos contextos em que vivem. Assim, nesta seção, serão analisados os processos de morte em vida de Severina, desde o seu nascimento até o seu falecimento. “Já visse pobre ter história bonita? Mas queria tanto que essa história um dia virasse um livro”. (Severina, 2020)

Logo de partida, é preciso considerar que Severina nasce numa sociedade estruturalmente organizada nas desigualdades de gênero. Para Lugones (2014LUGONES, M. Rumo a um feminismo descolonial. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 22, n. 3, p. 935-952, 2014. DOI: 10.1590/s0104-026x2014000300013
https://doi.org/10.1590/s0104-026x201400...
), nascer mulher é iniciar a vida condicionada a diversos agravos à saúde, não pelo fato de ser biologicamente um ser com vagina, mas por estar em uma sociedade marcada pela negação desse gênero, uma sociedade misógina, na qual corpos femininos são constantemente oprimidos e docializados.

Severina nos contou suas experiências, marcadas por fragmentos de violência sexual e obstétrica, que expressam opressões de gênero e de classe, as quais permitem que corpos femininos, categorizados como corpos-objetos, possam ser abusados pelo simples fato de existirem (Lugones, 2014LUGONES, M. Rumo a um feminismo descolonial. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 22, n. 3, p. 935-952, 2014. DOI: 10.1590/s0104-026x2014000300013
https://doi.org/10.1590/s0104-026x201400...
).

A usuária-guia não entra em detalhes sobre a violência sexual que sofrera na adolescencia, mas expressa as suas consequências: “Eu era uma criança cheia de sonhos, mas isso foi tirado de mim” (Severina, 2020). Uma experiência que não encontra espaço de escuta e acolhimento, pois ao falar em um dos grupos virtuais do CER IV sobre o assunto, uma usuária solicita que o grupo se ativesse a temas mais leves. Assim, o corpo Severina é também calado, reforçando a invisibilidade das violências de gênero.

A violência de gênero, ou seja, que atinge as mulheres pelo fato de serem mulheres, é um fenômeno frequentemente privado, que acontece no âmbito das relações pessoais mais próximas da vítima (Oliveira et al., 2017OLIVEIRA, L. N de et al. Violência doméstica e sexual contra a mulher: revisão integrativa. Holos, Natal, v. 8, p. 275, 2017. DOI: 10.15628/holos.2017.1903
https://doi.org/10.15628/holos.2017.1903...
). Leis como Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) e a do Feminicídio (Lei nº 13.104/2015) foram conquistas dos movimentos de mulheres na luta para tornar a violência de gênero um fenômeno social, de âmbito público e, portanto, a ser falado, denunciado e enfrentado pelo Estado brasileiro.

Vale frisar que, no Brasil, a “Cultura do Estupro” torna socialmente naturalizado este ato violento (Mazagão; Carvalho, 2020MAZAGÃO, B.; CARVALHO, L. de S. Violência de gênero, cultura do estupro e saúde pública: uma análise sem recorte. Revista Encantar, Salvador, v. 2, p. 01-18, 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.revistas.uneb.br/index.php/encantar/article/view/8453 . Acesso em: 28 maio 2024.
https://www.revistas.uneb.br/index.php/e...
). Entender isso através do corpo-dor de Severina, coloca em questão a qualidade do acesso à saúde, em sua dimensão de acolhimento, escuta e encaminhamento de demandas, visto que, quanto a essa violência, Severina nunca foi cuidada pelo sistema de saúde.

Em sua saga, aos 19 anos, Severina foi vítima de violência obstétrica, caracterizada pela ocorrência, na gestação, no parto ou no puerpério, de violações exercididas pelo sistema de saúde (e seus(suas) profissionais) em diversas práticas, atitudes e omissões, como a negação de atendimento clínico e a realização de procedimentos desnecessários que põem em risco o bem-estar da diáde mãe-bebê, o tratamento hostil, a negação do alívio da dor, ou mesmo a violação sexual e o estupro (Sampaio; Tavares; Herculano, 2019SAMPAIO, J.; TAVARES, T. L. de A.; HERCULANO, T. B. Um corte na alma: como parturientes e doulas significam a violência obstétrica que experienciam. Revista Estudos Feministas , Florianópolis, v. 27, n. 3, p. e56406, 2019. DOI: 10.1590/1806-9584-2019v27n356406
https://doi.org/10.1590/1806-9584-2019v2...
). Ao falar do ocorrido, Severina mostra a reportagem de um jornal local que descrevia seu parto feito com fórceps e manobra de kristeller, práticas obstétricas desaconselhadas por causarem danos à parturiente e ao bebê (Lansky et al., 2019LANSKY, S. et al. Violência obstétrica: influência da Exposição Sentidos do Nascer na vivência das gestantes. Ciência & Saúde Coletiva , Rio de Janeiro, v. 24, n. 8, p. 2811-2824, 2019. DOI: 10.1590/1413-81232018248.30102017
https://doi.org/10.1590/1413-81232018248...
). Como resultado, seu filho nasceu com vários ferimentos e com uma perna fraturada. Após esse episódio, Severina sentia tanta insegurança em cuidar de seu filho, que o entregou aos cuidados de sua madrasta. Como muitas mulheres brasileiras, em sua maioria negras, pobres e periféricas, Severina é vítima de um sistema de saúde que submete o corpo feminino às práticas biomédicas, através da narrativa de corpos frágeis, dóceis e passíveis de intervenções (Novais et al., 2021NOVAIS, N. J. et al. Ensino, pesquisa, extensão, interdiciplinariedade e humanização para formação em saúde. Revista Extensão & Sociedade, Natal, v. 12, n. 2, 2021. DOI: 10.21680/2178-6054.2021v12n2id24465
https://doi.org/10.21680/2178-6054.2021v...
).

Corpos-Severina, com determinada cor, classe social e gênero, são constantemente ‘aglomerados’ em periferias urbanas, territórios-dejetos para populações-dejetos, expressão da necropolítica de deixar morrer os corpos subalternizados (Mbembe, 2018MBEMBE, A. Necropolítica: biopoder, soberania, estado de exceção, política de morte. São Paulo: n-1 edições, 2018.). Severina, mulher desempregada, morava num desses territórios, na periferia de João Pessoa, com baixo índice de desenvolvimento humano e com difícil acesso a políticas de proteção social (Menezes et al, 2022). “Coisa boa que você estudou; que é formada. Quando você tiver mais ou menos na minha idade, mais pra frente, e você precisar do INSS, ou alguma coisa, você já vai tá estruturada na vida”. (Severina, 2020)

O corpo de Severina denunciava suas condições precárias de vida, pobreza, insegurança alimentar e agravos à saúde. “Eu consigo fazer regime sim, mas a gente é pobre e tem que comer o que tem, né? Se só tem cuscuz, vai comer cuscuz; se só tem aquele feijão, vai comer aquele feijão” (Severina, 2020). Aos 20 anos, era uma mulher obesa e, posteriormente, desenvolveu diabetes mellitus tipo 2 (DM2). Devido ao precário acesso e ao inadequado acompanhamento pelo sistema de saúde, apesar de morar em uma área coberta pela Estratégia de Saúde da Família (ESF), Severina somente descobriu sua condição de pessoa com DM2 após ferir seu pé com um prego, apresentar inflamação no ferimento e ser hospitalizada, quando descobriu o risco de perder a visão.

Comecei a tomar injeção muito forte, todo dia pela manhã eram 6 injeções. Passei tão mal, eu vi minha morte, perdi minha vida, fiquei desesperada. Depois sai e com 4 meses a visão foi ficando ruim. Procurei vários hospitais e só ouvia que o problema era mais grave, era da retina, do fundo de olho e não tinha médico pra isso. E fui piorando até não enxergar mais nada. (Severina, 2020)

Após quatro meses, sua visão ficou turva e ela foi submetida a duas operações oftalmológicas para evitar a cegueira, evoluindo para um quadro de baixa visão que lhe outorgou a condição de pessoa com deficiência (PcD). “A diabetes atingiu a minha vista, fiquei com baixa visão. Só vejo de um olho só, o outro não”. (Severina, 2020)

A experiência de ser PcD no Brasil se caracteriza pela redução da garantia dos direitos sociais, em especial em saúde. Grande parte dos serviços, inclusive de atenção básica, não têm ambiência física e material ou profissionais habilitados que garantam acessibilidade arquitetônica, urbanística, tecnológica e atitudinal (Santos, 2021SANTOS, L. da S. A acessibilidade da pessoa com deficiência na atenção básica no Brasil: uma revisão integrativa de literatura. 2021. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Saúde Coletiva) - Universidade Federal de Pernambuco, Vitória de Santo Antão, 2021. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.ufpe.br/handle/123456789/43757 . Acesso em: 8 abr. 2022.
https://repositorio.ufpe.br/handle/12345...
). A atenção às PcD é priorizada em centros especializados em reabilitação, o que intensifica os processos de institucionalização, que segregam os(as) usuários(as) a determinados espaços institucionais, despotencializando a atenção básica como ordenadora do cuidado nos territórios, articulando equipamentos sociais como escola e mercado de trabalho (Novais et al., 2021NOVAIS, N. J. et al. Ensino, pesquisa, extensão, interdiciplinariedade e humanização para formação em saúde. Revista Extensão & Sociedade, Natal, v. 12, n. 2, 2021. DOI: 10.21680/2178-6054.2021v12n2id24465
https://doi.org/10.21680/2178-6054.2021v...
).

Estou com a bengala, porque quase fui atropelada. É um jeito de sinalizar para motoristas que eu não enxergo. No começo eu caia muito no meio da rua. Na Epitácio [principal avenida da cidade de João Pessoa] é bem sinalizado, mas no meu bairro não, e é mais difícil de andar pelas várias barreiras que tem como entulhos, buracos. (Severina, 2020)

Durante a pandemia de covid-19, Severina, por estar desempregada e ter muitos de seus vínculos sociais fragilizados ao adquirir a baixa visão, conseguiu se manter em isolamento social. “Amigo de copo? Não existe mais não. Quando a pessoa adoece, não é ninguém mais não, aí abandona. Só é amigo quando tem dinheiro, tem bebida pra tomar…”. (Severina, 2020)

Contudo, seu marido, gari no município de João Pessoa, continuou trabalhando. Em 2021, Severina apresentou sintomas gripais e fez um teste rápido, com resultado negativo. Com o agravamento dos sintomas, procurou uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA), por insistência da psicóloga que a acompanhava no CER IV. Um dia, após chegar à UPA, ela foi encaminhada para a Unidade de Terapia Intensiva (UTI) de um hospital da cidade, ficando internada até sua morte, no dia 22 de abril.

Severina faleceu sem ter tomado a vacina contra a covid-19, ainda que, tardiamente, a vacinação no Brasil já estivesse iniciada há quatro meses. Apesar de Severina ser do grupo priorizado para a vacinação (PcD e com comorbidades), esta só foi liberada para seu grupo 15 dias após sua morte. Uma política negacionista adotada pelo Governo Federal sustentou a estratégia de imunidade de rebanho, aceitando que vidas fossem perdidas para que os interesses do capital fossem preservados (Campos, 2020CAMPOS , G. W. de S. O pesadelo macabro da Covid-19 no Brasil: entre negacionismos e desvarios. Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v. 18, n. 3, 2020. DOI: 10.1590/1981-7746-sol00279
https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol002...
), produzindo toda sorte de barreiras para o acesso à vacina, principalmente de pessoas racializadas e economicamente desfavorecidas (Figueiredo et al., 2020FIGUEIREDO, A. M. de et al. Social determinants of health and COVID-19 infection in Brazil: an analysis of the pandemic. Revista Brasileira de Enfermagem, Brasília, DF, v. 73, n. suppl 2, 2020. DOI: 10.1590/0034-7167-2020-0673
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2020-0...
), vidas-Severinas descartáveis.

Na declaração de óbito consta que Severina morreu por covid-19, mas um olhar mais atento evidencia que sua morte foi provocada por violações, às quais ela foi submetida por toda a vida. Severina foi uma mulher pobre, vítima de várias violências de gênero, de desassistência social e de garantia mínima de direitos humanos que lhe permitissem viver com dignidade. “Meu problema todo, todo, todo, é a pobreza. A pobreza fala mais alto na minha vida”. (Severina, 2020)

A fabricação de um corpo-Severina: marcas de uma saúde prescritora do viver

Logo que se descobriu com DM2, Severina precisou lidar também com a baixa visão. Pessoas que adquirem tal condição na vida adulta, inicialmente enfrentam certa perda de autonomia e passam por situações de dependência para realizar suas atividades cotidianas (Born; Pereira; Nascimento, 2015BORN, M. M.; PEREIRA, K. da S.; NASCIMENTO, G. C. C. do. Perfil funcional de adultos com deficiência visual adquirida. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, v. 26, n. 2, p. 244-249, 2015. DOI: 10.11606/issn.2238-6149.v26i2p244-249
https://doi.org/10.11606/issn.2238-6149....
).

Um dia eu fui arrumar o café e deixei o fósforo cair no chão e não consegui mais achar. Passei o dia inteiro comendo bolacha seca com água porque fiquei com vergonha de pedir ajuda para algum vizinho. Só a noite, quando o meu marido chegou é que fui comer direito. (Severina, 2020)

Assim, Severina precisou lidar com um novo modo de viver, que acarretou a perda do seu trabalho anterior, a necessidade de mudar hábitos alimentares, de realizar atividade física regularmente e de readaptação à redução da capacidade visual para realizar atividades básicas corriqueiras, como se alimentar, vestir-se e limpar a casa. “Me sinto como uma menina aprendendo a andar, tateando as coisas. É triste você ser uma pessoa normal e de repente você não vê mais. Você perde sua autoestima todinha, vai lá pra baixo”. (Severina, 2020)

Sobre sua rede afetiva, antes de adquirir a baixa visão, Severina tinha amigas, ia à praia, bebia cerveja e gostava de dançar. Mas diz que “depois que a gente adoece é que vemos quem são os amigos de verdade” (Severina, 2020), explicando que suas amizades ‘sumiram’. Durante a pandemia, sua rede de relações sociais se restringiu ao marido, ao seu único filho, a um irmão e aos seus pais. “Meu amigo é Jesus em primeiro lugar, meu filho, meu marido, minha mãe”. (Severina, 2020)

Severina ainda estava em processo de elaboração de sua nova condição no mundo, de sua nova corporeidade, ou seja, de ser uma pessoa com deficiência visual. “Tenho a carteirinha de deficiente visual, infelizmente, pois era uma coisa que eu não queria ter passado. Isso que eu passei não desejo pro meu pior inimigo” (Severina, 2020). A psicóloga que a acompanhava no CER IV a incentivou a procurar alguma vaga de emprego, mas Severina acreditava que, por ter baixa visão, jamais seria contratada. Tudo isso permeado pelo sentimento de culpa por não ter conseguido cuidar de sua saúde e evitado os agravos que surgiram em decorrência da DM2. Quando não conseguem seguir os ‘ditos’ hábitos de vida saudável, isso é associado ao surgimento de doenças ou agravos, as pessoas tendem a se sentir culpadas por sua condição de adoecimento (Coelho; Silva; Padilha, 2009COELHO, M. S.; SILVA, D. M. G. V. da; PADILHA, M. I. de S. Representações sociais do pé diabético para pessoas com diabetes mellitus tipo 2. Revista da Escola de Enfermagem da USP, São Paulo, v. 43, n. 1, p. 65-71, 2009. DOI: 10.1590/s0080-62342009000100008
https://doi.org/10.1590/s0080-6234200900...
).

Olhe, você se cuide. minha filha. Tô lhe dizendo isso como se eu fosse sua mãe. Não fique comendo muito açúcar, evite ao máximo refrigerante, bolo, essas coisas, evite. Se tiver filho, não deixe também seu filho fazer isso, não. Me matei pela minha boca mesmo. Depois que a gente vê o que fez e que não volta mais, aí é mais triste ainda. (Severina, 2020)

As práticas em saúde são frequentemente marcadas pela biomedicalização da vida que, pelo uso do aparato médico e suas discursividades, passa a intervir nos corpos, docilizando-os aos interesses do sistema dominante, normatizando como a vida de cada pessoa deve ser administrada (Iriart; Merhy, 2017IRIART, C.; MERHY, E. E. Disputas inter-capitalistas, biomedicalización y modelo médico hegemónico. Interface - Comunicação, Saúde, Educação , Botucatu, v. 21, n. 63, p. 1005-1016, 2017. DOI: 10.1590/1807-57622016.0808
https://doi.org/10.1590/1807-57622016.08...
). “Eu tinha uma vida normal, trabalhava, estudava, ia na praia. De repente comendo muita besteira, fiquei diabética. Guaraná e bolo todo dia. O povo dizia e eu não tava nem aí, não sentia nada. Bebia muita cervejinha em casa”. (Severina, 2020)

O comer é marcado por determinações sociais que operaram a política de morte em que Severina estava inserida. A condição social e econômica de nossa usuária-guia marcava suas possibilidades de escolhas alimentares, estando diretamente relacionadas a sua condição de insegurança alimentar e nutricional. Assim, por exemplo, para aliviar as tensões de uma dinâmica exaustiva de trabalho e ao que era possível financeiramente obter em termos de comida, coroava o dia com a compra de pães ou no “de vez em quando, quando dá, ele (seu marido) traz um pudim” (Severina, 2020). O comer, nessa situação, por certo, alterava todos os índices glicêmicos de Severina, mas acalmava, afetuosamente, sua dura vida e a de seu esposo.

A assistência em saúde prescritiva recebida por Severina não dava conta e não acolhia as demonstrações de cuidado que aconteciam em sua família, nem parecia construir estratégias efetivas para a garantia de sua segurança alimentar. “Eu comia besteira demais. O médico dizia: tome cuidado que a senhora é pré [diabética]. E eu dizia: e o que danado é pré? Ou é, ou não é” (Severina, 2020). As impossibilidades (afetivas, culturais e econômicas) de Severina ter uma alimentação mais saudável e condizente com sua condição de pessoa com DM2 foram frequentemente traduzidas pelos profissionais de saúde como “falta de adesão ao tratamento”. Frases como poderia ter cuidado mais foram ouvidas e repetidas por Severina, reforçando condutas repressivas e de culpabilização nos contextos de disputa por planos de cuidado (Tavares et al., 2022TAVARES, G. F. et al. Management of obesity control and prevention from the perspective of primary care professionals in the state of Pará. Research, Society and Development, Vargem Grande Paulista, v. 11, n. 8, p. e13211830431, 2022. DOI: 10.33448/rsd-v11i8.30431.
https://doi.org/10.33448/rsd-v11i8.30431...
).

Cabe ressaltar que a DM2 em Severina só foi descoberta quando a descompensação surgiu (neuropatia diabética), ou seja, não houve possibilidade de prevenção do agravo pelo desconhecimento de sinais e sintomas da doença. Severina vivenciava a culpa, como se o adoecimento fosse exclusivamente resultante de seu mau hábito alimentar, desconsiderando as barreiras físicas, sociais, culturais e políticas que incidiram sobre suas dificuldades na vida. “É triste você ser uma pessoa normal e de repente você não vê mais. Você perde sua autoestima todinha, vai lá pra baixo”. (Severina, 2020)

As pessoas de grupos populares, por vivenciarem uma maior concentração de situações de vulnerabilidade, acabam por ter em seus corpos as marcas das desigualdades vivenciadas, e isto se manifesta com os altos índices de doenças e agravos à saúde que poderiam ser prevenidos. O desinvestimento em políticas públicas que enfrentem as desigualdades sociais produz um cuidado em saúde operado de forma prescritiva e despolitizada (Vasconcelos, 2015VASCONCELOS, E. M. Educação popular e a atenção à saúde da família. São Paulo: Hucitec, 2015.).

Levy (2019LEVY, N. Taking responsibility for responsibility. Public Health Ethics, Oxford, v. 12, n. 2, p. 103-113, 2019. DOI: 10.1093/phe/phz001
https://doi.org/10.1093/phe/phz001...
) ressalta que a conjunção de circunstâncias difíceis (como condições precárias de vida), capacidade decisória reduzida (por baixa escolaridade e renda) e dificuldades recorrentes (como falta de acesso aos serviços de saúde) dificultam grandemente a tomada de boas decisões sobre a própria vida. Responsabilizar as pessoas com baixas condições sócio-econômicas pelos resultados adversos à sua saúde é submetê-las a mais uma injustiça social: a penalização pelas escolhas que foram possíveis no modo de lidarem com suas vidas. Nessa perspectiva, a responsabilização pela doença está menos relacionada ao corpo-Severina e mais ao sistema sócio-político ao qual ele está inserido.

Além da culpa pela DM2, o corpo de Severina estava marcado pela deficiência visual, mais especificamente pela baixa visão, condição que em uma sociedade capacitista é também atribuída à responsabilidade individual e/ou tragédia pessoal, visto que o sentido da palavra capacitismo está ligado ao preconceito e à discriminação, devido à condição de deficiência. Nessas sociedades, a pessoa com deficiência é vista como alguém ‘incapaz’ e/ou dependente de outrem, como não iguais, menos aptas ou não capazes de gerir as próprias vidas quando comparadas com um referencial definido como ‘perfeito’, ou seja, com as pessoas sem deficiência, sugerindo um distanciamento da capacidade e da aptidão existente nos outros seres humanos (Dias, 2013DIAS, A. Por uma genealogia do capacitismo: da eugenia estatal a narrativa capacitista social. In: Simpósio Internacional de Estudos sobre a Deficiência, 1., 2013, São Paulo. Anais […]. São Paulo: USP, 2013. p. 1-14.; Vianna, 2018VIANNA, N. G. Ruídos e silêncios: uma análise genealógica sobre a surdez na política de saúde brasileira. 2018. 213 f. Tese (Doutorado em Saúde Coletiva) - Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Ciências Médicas, Campinas, SP, 2018.). O capacitismo se materializa como instrumento de opressão dos corpos-Severina, pois define as pessoas pela sua capacidade física, intelectual, visual e/ou auditiva.

Este modelo interpretativo ganha força com o surgimento das sociedades capitalistas, em que a ideia de ‘normalidade’, respaldada no modelo biomédico, e compreende que os corpos deveriam se enquadrar em um padrão de produção, ou seja, de corpos úteis ao mercado de trabalho. Os corpos dissoantes, por sua vez, são considerados ‘deficientes’ e, por isso, podem ser segregados e tratados como doença em instituições ditas ‘especiais’. Esse modelo segregacionista atribui a deficiência ao corpo biológico e não à estrutura relacional entre o corpo e o meio social, como define o modelo biopsicossocial, em que a deficiência se apresenta quando o ambiente não está preparado para lidar com os diferentes corpos (Vianna, 2018VIANNA, N. G. Ruídos e silêncios: uma análise genealógica sobre a surdez na política de saúde brasileira. 2018. 213 f. Tese (Doutorado em Saúde Coletiva) - Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Ciências Médicas, Campinas, SP, 2018.).

Apesar de Severina ser responsabilizada a todo momento por sua baixa visão adquirida, seria correto responsabilizar a insegurança alimentar, o modelo assistencial prescritivo e uma sociedade capacitista, pois produziam novas vulnerabilidades que mortificavam Severina paulatinamente. Othero e Ayres (2012OTHERO, M. B.; AYRES, J. R. de C. M. Necessidades de saúde da pessoa com deficiência: a perspectiva dos sujeitos por meio de histórias de vida. Interface - Comunicação, Saúde, Educação , Botucatu, v. 16, n. 40, p. 219-234, 2012. DOI: 10.1590/s1414-32832012005000010
https://doi.org/10.1590/s1414-3283201200...
) ressaltam a importância de escutar as pessoas e os seus sofrimentos para garantir acolhimento, atenção e cuidado integral. Talvez se a escuta atenta para as dificuldades de Severina tivesse sido priorizada, a relação dela com o adoecimento não precisaria ser atravessada pela culpa.

Procuramos pensar não em termos de ‘normalização’, mas de “normatividade vital”, noção que permite compreender que a vida não cabe em modelos e normas predefinidos (Neves; Porcaro; Curvo, 2017NEVES, T. I.; PORCARO, L. A.; CURVO, D. R. Saúde é colocar-se em risco: normatividade vital em Georges Canguilhem. Saúde e Sociedade , São Paulo, v. 26, n. 3, p. 626-637, 2017. DOI: 10.1590/S0104-12902017170016
https://doi.org/10.1590/S0104-1290201717...
). Nessa perspectiva, compreendemos que as dimensões biológica, ambiental, social, política e econômica interferem nas condições de vida e de trabalho das pessoas. Assim, a noção de autonomia pode ser ressignificada ao pensarmos não nas limitações biológicas para desempenhar certas funções ou realizar determinadas atividades cotidianas, mas na diversidade dos corpos como parte de outra ética do cuidado (Gaudenzi; Ortega, 2016GAUDENZI, P.; ORTEGA, F. Problematizando o conceito de deficiência a partir das noções de autonomia e normalidade. Ciência & Saúde Coletiva, v. 21, n. 10, p. 3061-3070, 2016. DOI: 10.1590/1413-812320152110.16642016
https://doi.org/10.1590/1413-81232015211...
).

A relação de Severina com o sistema de saúde foi, assim, marcada pela normatização de seu corpo, pela prescrição de seus modos de ser, de viver, de comer e de se relacionar com o mundo. Um corpo marcado por sua condição de morte em vida, pelos contextos de vulnerabilidade aos quais esteve imerso, pelo capacitismo e pela aniquilação de corpos-periféricos-Severina.

Teima a vida Severina, em sua produção de Redes Vivas de cuidado

Em constante movimento de resistência para a garantia de sua existência, Severina conseguiu produzir ‘furos’ nas redes de atenção para ter acesso aos cuidados. Em relação ao seu processo de adoecimento, nos contou que, em 2016, quando foi internada por causa do corte no pé, acordou e estava parcialmente sem visão. A equipe médica disse que a falta de visão era em decorrência de sua DM2. Assim que recebeu alta hospitalar, Severina procurou assistência oftalmológica pelo SUS, junto à sua Equipe de Saúde da Família (EqSF), contudo, os profissionais deram a informação errada de que não havia retinólogo na rede para dar segmento ao seu cuidado.

A Política Nacional de Atenção Básica (Brasil, 2017BRASIL. Portaria nº 2.436, de 21 de setembro de 2007. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2017. Disponível em: Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prt2436_22_09_2017.html . Acesso em: 28 maio 2024.
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegi...
) atribui este nível de atenção às funções de coordenação do cuidado e de ordenação da rede, sendo esta a principal responsável pela construção de um cuidado acolhedor e singular, encaminhando os(as) usuários(as) de forma segura, e em tempo oportuno, para outros pontos da rede assistencial. Contudo, Severina nem foi acolhida quando necessitou da Atenção Básica para identificar e tratar sua DM2, nem foi referenciada para o oftalmologista para a continuação do seu cuidado devido à baixa visão.

Compreendemos que Severina é uma rede de existências, instituindo, por ser um sujeito-social, formas e estratégias de produzir sua vida nos encontros e agenciamentos com outros corpos, humanos e não humanos (Merhy, 2014MERHY, E. E. et al. Redes Vivas: multiplicidades girando as existências, sinais da rua. Implicações para a produção do cuidado e a produção do conhecimento em saúde. Divulgação em saúde para debate, Londrina, v. 52, p. 153-164, 2014. Disponível em: Disponível em: https://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/lil-774076 . Acesso em: 28 maio 2024.
https://pesquisa.bvsalud.org/portal/reso...
). Isso implica reconhecer nela uma potência agenciadora de redes, inclusive para a produção do seu cuidado, fabricando novas e diferentes lógicas, estratégias e esquemas para garantir sua assistência.

Por indicação de uma amiga, Severina acionou um médico na rede privada que aceitou fazer sua cirurgia oftalmológica ao custo de R$ 10 mil, que era o máximo de dinheiro que ela conseguiu emprestado com seu irmão. Após a cirurgia, no início de 2017, Severina não percebeu melhora, tendo como justifcativa disso a alta taxa glicêmica dela, ou seja, mais uma vez, Severina foi culpabilizada por sua condição de saúde. Ela passou a cobrar do médico uma nova cirurgia corretiva, que negou e a encaminhou para um colega que atendia pelo SUS. Para conseguir a autorização da cirurgia, o marido de Severina procurou o então prefeito de João Pessoa, apelando pela rápida autorização antes que sua esposa perdesse totalmente a visão. Além de não realizar o adequado encaminhamento para a cirurgia oftalmológica, quando Severina informou à equipe de saúde que iria fazer a cirurgia, apenas escutou da profissional: “Tá certo, boa sorte”. (Severina, 2020)

Severina, a partir de suas Redes Vivas (Merhy, 2014MERHY, E. E. et al. Redes Vivas: multiplicidades girando as existências, sinais da rua. Implicações para a produção do cuidado e a produção do conhecimento em saúde. Divulgação em saúde para debate, Londrina, v. 52, p. 153-164, 2014. Disponível em: Disponível em: https://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/lil-774076 . Acesso em: 28 maio 2024.
https://pesquisa.bvsalud.org/portal/reso...
), ou seja, aquelas em constante e permanente fabricação em seus agenciamentos, fez seus próprios ‘furos’ nas barreiras de acesso, buscando os serviços que ela acreditava poder acolhê-la. Mesmo sem nomear, Severina montou e desmontou sua própria rede, trilhando conexões com o prefeito, família e amigos, e trouxe novos integrantes para a cena do cuidado.

Essa fabricação de Redes Vivas de si e de cuidado, no caso de Severina, intensificou-se a partir do tensionamento produzido pela dificuldade dos pontos de atenção da Rede de Cuidado à Pessoa com Deficiência (RCPCD) em tecer fluxos de referência e contrarreferência com/para seus(suas) usuários(as). Destaca-se ainda que a cidade de João Pessoa tem uma importante oferta de serviços para PcD, contudo, os pontos de atenção não constroem redes de cuidado compartilhado, produzindo fragmentação, institucionalização e barreiras de acesso (Menezes et al., 2023MENEZES, T. A. et al. Distribuição espacial dos serviços de saúde especializados para pessoas com deficiência em João Pessoa/PB: uma análise sobre o acesso em saúde. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, Presidente Prudente, v. 24, n. 1, 2023. DOI: 10.22296/2317-1529.rbeur.202241
https://doi.org/10.22296/2317-1529.rbeur...
). Na prática, muitas vezes, é o(a) próprio(a) usuário(a) que trilha, em um movimento de autorregulação, os serviços ambulatoriais especializados para ter acesso às ações e aos serviços de reabilitação.

Essas tensões e desafios intensificaram um sentimento de desvalorização e descrédito no SUS em Severina. O que é público passa a ser desqualificado a partir da incorporação de valores capitalistas neoliberais que produzem uma falsa crença de que as ofertas de serviços privados são melhores e mais eficazes (Silva; Rasera, 2012SILVA, G. M.; RASERA, E. F. A desqualificação do SUS na Folha de São Paulo: construção discursiva de gestores e usuários. Psico, Porto Alegre, v. 44, n. 1, 2012. Disponível em: Disponível em: https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/revistapsico/article/view/10659 . Acesso em: 28 maio 2024.
https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs...
). Nesse modo subjetivo de relação com a coisa pública, Severina apostou inicialmente em uma cirurgia oftalmológica na rede privada ao custo de R$ 10 mil, em um contexto social em que ela estava desempregada, seu marido trabalhava como gari e que o salário mínimo da época era R$ 937,00. Mesmo frente ao insucesso dessa cirurgia, Severina continuava insistindo em um novo procedimento na rede privada de saúde. Em suas palavras: “Se no privado deu errado, imagina no público” (Severina, 2020). Entretanto, foi com a segunda cirurgia, realizada pelo SUS, no final de 2017, que Severina conseguiu algum sucesso terapêutico, garantindo a não evolução para a cegueira.

Contudo, as dificuldades em conseguir um atendimento qualificado se mantiveram. Severina nos falou, de maneira cômica, que levou anestesia local e ouviu quando o médico pediu para guardar seu olho na bandeja, ao que ela respondeu: “Cuidado com meu olho aí, não vá perder não, pelo amor de Deus” (Severina, 2020). Todos riram, o médico comentou que ela era engraçada, e após isso ela notou que a conversa entre os profissionais cessou.

O (des)cuidado recebido por Severina pela EqSF seguiu a mesma sina violenta no período pós-operatório. A equipe não a encaminhou para reabilitação visual no CER IV municipal, nem a nenhum outro serviço da RCPCD, deixando-a sem assistência para o tratamento de sua baixa visão.

Severina só começou a acessar o CER IV quando soube que tinha direito ao passe livre nos transportes públicos da cidade, pois muitas vezes não tinha dinheiro para as passagens de ônibus, dificultando a continuidade de seus tratamentos. No CER IV, teve acesso aos serviços de reabilitação visual para atividades de vida diária, habilitação para uso da bengala e acompanhamento psicológico. O centro a auxiliou na aquisição do Benefício de Prestação Continuada da Previdência Social, mas o processo estava travado por falta de alguns de seus documentos. Ele também a encaminhou para acompanhamento nutricional no Hospital Universitário Lauro Wanderley vinculado a UFPB, localizado na própria cidade de residência de Severina, buscando viabilizar uma cirurgia bariátrica, mas, com a pandemia, houve a descontinuidade do atendimento.

Severina continuou vinculada à sua EqSF, basicamente, para medir a glicemia e a pressão arterial. Também acessava, mas de forma intermitente, uma unidade do Programa Academia da Saúde, perto de onde morava, para realizar atividades físicas.

Em sua tecelagem, Severina acionou vários equipamentos sociais e pessoais, buscando costurar redes afetivas e assistenciais, hora produzindo nós firmes, hora rompendo laços, hora mantendo pequenos fios de conexões. Assim, Severina teimou em resistir, existir e exigir seus direitos de usuária-cidadã, frente a um sistema de saúde potente, mas enfraquecido pelos ataques neoliberais. Uma teimosia que cessou em 2021, quando, em meio à pandemia de covid-19, mais uma vez o Estado brasileiro falhou em garantir seus direitos à saúde e à vida.

Considerações finais

Procuramos nesta pesquisa analisar maneiras como a organização da atenção à saúde a certos grupos de pessoas, entre eles a vida de Severina, opera como um analisador, reproduzem vulnerabilidades ou ainda a(s) morte(s) em vida. Estratégias de sociedades capitalísticas de matar determinados corpos nas relações intersubjetivas e nas maneiras como a vida é valorada em escalas diversas, mesmo nos serviços de saúde. Demarcarmos, ainda, como isso opera com maior intensidade em corpos produzidos no lugar social da deficiência.

Ao cartografar a vida de Severina, vimos diversos processos de vulnerabilidade e desassistência que incidiram no seu corpo. Diversas políticas públicas poderiam ter acolhido nossa usuária-guia, como a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher, que, entre outros objetivos, busca reduzir os impactos das desigualdades de gênero, como a violência sexual e obstétrica; a Política Nacional de Atenção Básica, que visa ao cuidado integral, longitudinal e territorial, priorizando grupos em maior situação de vulnerabilidade social; a Política Nacional de Promoção da Saúde, que poderia ter evitado o quadro de obesidade e DM2, bem como a Programa Nacional de Imunização, que deveria ter garantido a vacina contra a covid-19 em tempo hábil. Contudo, na prática, a política pública que permeou o corpo de Severina foi a necropolítica, de fazer ou deixar morrer corpos periféricos, ou seja, corpos-Severinas (Mbembe, 2018MBEMBE, A. Necropolítica: biopoder, soberania, estado de exceção, política de morte. São Paulo: n-1 edições, 2018.).

Porém, Severina, que não abandonou a sua luta pela vida, evidencia possibilidades de construção de outros fluxos. Os caminhos que se produzem não são únicos, não levam sempre aos mesmos lugares por seguirem rotas fixas. É possível constituir, para si, meios de romper com o que se estruturam as nossas rotas. E isso é mais potente se operado coletivamente, embora as forças que incidem na subjetivação contemporânea tendam a ser cada vez mais individualizantes, demandando maiores esforços das pessoas que procuram (e que precisam) produzir ‘furos’ nos muros.

As reflexões que nos foram permitidas com e a partir da trajetória da Severina nos recolocam na centralidade das margens, das linhas de fuga, das rupturas e das rexistências, para que a saúde possa ser reposicionada no contemporâneo. Lançar luz sobre tais processos é mais que uma aposta teórica e metodológica; nos parece uma exigência e uma necessidade para a pesquisa que se veja como parte da construção de alternativas ao que vivemos e de outros mundos.

Agradecimento

Agradecemos a nossa Severina e a tantas outras(os) que morrem de velhice antes dos trinta, de emboscada antes dos vinte e de fome um pouco por dia.

Referências

  • ABRAHÃO, A. L.; MERHY, E. E. Formação em saúde e micropolítica: sobre conceitos-ferramentas na prática de ensinar. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, Botucatu, v. 18, n. 49, p. 313-324, 2014. DOI: 10.1590/1807-57622013.0166
    » https://doi.org/10.1590/1807-57622013.0166
  • AYRES, J. R. C. M. et al. O conceito de vulnerabilidade e as práticas de saúde: novas perspectivas e desafios. In: CZERESNIA, D.; FREITAS, C. M. de (Org.). Promoção da saúde: conceitos, reflexões, tendências. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2003. p. 117-139.
  • BARROS, R. B. de; PASSOS, E. A cartografia como método de pesquisa-intervenção. In: PASSOS, E.; KASTRUP, V.; ESCÓSSIA, L. da. (Org.). Pistas do método de cartografia: pesquisa-intervenção e produção de subjetividade. 1. ed. Porto Alegre: Sulina, 2009. p. 17-31.
  • BORN, M. M.; PEREIRA, K. da S.; NASCIMENTO, G. C. C. do. Perfil funcional de adultos com deficiência visual adquirida. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, v. 26, n. 2, p. 244-249, 2015. DOI: 10.11606/issn.2238-6149.v26i2p244-249
    » https://doi.org/10.11606/issn.2238-6149.v26i2p244-249
  • BRASIL. Portaria nº 2.436, de 21 de setembro de 2007. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2017. Disponível em: Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prt2436_22_09_2017.html Acesso em: 28 maio 2024.
    » https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prt2436_22_09_2017.html
  • CAMPOS , G. W. de S. O pesadelo macabro da Covid-19 no Brasil: entre negacionismos e desvarios. Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v. 18, n. 3, 2020. DOI: 10.1590/1981-7746-sol00279
    » https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol00279
  • COELHO, M. S.; SILVA, D. M. G. V. da; PADILHA, M. I. de S. Representações sociais do pé diabético para pessoas com diabetes mellitus tipo 2. Revista da Escola de Enfermagem da USP, São Paulo, v. 43, n. 1, p. 65-71, 2009. DOI: 10.1590/s0080-62342009000100008
    » https://doi.org/10.1590/s0080-62342009000100008
  • COSTA, A. M.; RIZZOTTO, M. L. F.; LOBATO, L. de V. C. Fome, desemprego, corrupção e mortes evitáveis: faces da necropolítica. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 45, n. 130, p. 555-558, 2021. DOI: 10.1590/0103-1104202113000
    » https://doi.org/10.1590/0103-1104202113000
  • DIAS, A. Por uma genealogia do capacitismo: da eugenia estatal a narrativa capacitista social. In: Simpósio Internacional de Estudos sobre a Deficiência, 1., 2013, São Paulo. Anais […]. São Paulo: USP, 2013. p. 1-14.
  • FERIGATO, S. H.; CARVALHO, S. R. Pesquisa qualitativa, cartografia e saúde: conexões. Interface - Comunicação, Saúde, Educação , Botucatu, v. 15, n. 38, p. 663-676, 2011. DOI: 10.1590/S1414-32832011005000037.
    » https://doi.org/10.1590/S1414-32832011005000037.
  • FIGUEIREDO, A. M. de et al. Social determinants of health and COVID-19 infection in Brazil: an analysis of the pandemic. Revista Brasileira de Enfermagem, Brasília, DF, v. 73, n. suppl 2, 2020. DOI: 10.1590/0034-7167-2020-0673
    » https://doi.org/10.1590/0034-7167-2020-0673
  • FLORÊNCIO, R. S.; MOREIRA, T. M. M. Modelo de vulnerabilidade em saúde: esclarecimento conceitual na perspectiva do sujeito-social. Acta Paulista de Enfermagem, São Paulo, v. 34, p. eAPE00353, 2021. DOI: 10.37689/acta-ape/2021AO00353
    » https://doi.org/10.37689/acta-ape/2021AO00353
  • GAUDENZI, P.; ORTEGA, F. Problematizando o conceito de deficiência a partir das noções de autonomia e normalidade. Ciência & Saúde Coletiva, v. 21, n. 10, p. 3061-3070, 2016. DOI: 10.1590/1413-812320152110.16642016
    » https://doi.org/10.1590/1413-812320152110.16642016
  • GONÇALVES, L. A. P. et al. Saúde coletiva, colonialidade e subalternidades - uma (não) agenda? Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 43, n. spe8, p. 160-174, 2019. DOI: 10.1590/0103-11042019s812
    » https://doi.org/10.1590/0103-11042019s812
  • IRIART, C.; MERHY, E. E. Disputas inter-capitalistas, biomedicalización y modelo médico hegemónico. Interface - Comunicação, Saúde, Educação , Botucatu, v. 21, n. 63, p. 1005-1016, 2017. DOI: 10.1590/1807-57622016.0808
    » https://doi.org/10.1590/1807-57622016.0808
  • LANSKY, S. et al. Violência obstétrica: influência da Exposição Sentidos do Nascer na vivência das gestantes. Ciência & Saúde Coletiva , Rio de Janeiro, v. 24, n. 8, p. 2811-2824, 2019. DOI: 10.1590/1413-81232018248.30102017
    » https://doi.org/10.1590/1413-81232018248.30102017
  • LEVY, N. Taking responsibility for responsibility. Public Health Ethics, Oxford, v. 12, n. 2, p. 103-113, 2019. DOI: 10.1093/phe/phz001
    » https://doi.org/10.1093/phe/phz001
  • LUGONES, M. Rumo a um feminismo descolonial. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 22, n. 3, p. 935-952, 2014. DOI: 10.1590/s0104-026x2014000300013
    » https://doi.org/10.1590/s0104-026x2014000300013
  • MAZAGÃO, B.; CARVALHO, L. de S. Violência de gênero, cultura do estupro e saúde pública: uma análise sem recorte. Revista Encantar, Salvador, v. 2, p. 01-18, 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.revistas.uneb.br/index.php/encantar/article/view/8453 Acesso em: 28 maio 2024.
    » https://www.revistas.uneb.br/index.php/encantar/article/view/8453
  • MBEMBE, A. Necropolítica: biopoder, soberania, estado de exceção, política de morte. São Paulo: n-1 edições, 2018.
  • MENEZES, T. A. et al. Distribuição espacial dos serviços de saúde especializados para pessoas com deficiência em João Pessoa/PB: uma análise sobre o acesso em saúde. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, Presidente Prudente, v. 24, n. 1, 2023. DOI: 10.22296/2317-1529.rbeur.202241
    » https://doi.org/10.22296/2317-1529.rbeur.202241
  • MERHY, E. E. et al. Redes Vivas: multiplicidades girando as existências, sinais da rua. Implicações para a produção do cuidado e a produção do conhecimento em saúde. Divulgação em saúde para debate, Londrina, v. 52, p. 153-164, 2014. Disponível em: Disponível em: https://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/lil-774076 Acesso em: 28 maio 2024.
    » https://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/lil-774076
  • MERHY, E. Saúde e direitos: tensões de um SUS em disputa, molecularidades. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 21, n. 2, p. 267-279, 2012. DOI: 10.1590/s0104-12902012000200002
    » https://doi.org/10.1590/s0104-12902012000200002
  • NETO, J. C. de M. Morte e vida severina: um auto de natal pernambucano. Rio de Janeiro: Alfaguara, 2016.
  • NEVES, T. I.; PORCARO, L. A.; CURVO, D. R. Saúde é colocar-se em risco: normatividade vital em Georges Canguilhem. Saúde e Sociedade , São Paulo, v. 26, n. 3, p. 626-637, 2017. DOI: 10.1590/S0104-12902017170016
    » https://doi.org/10.1590/S0104-12902017170016
  • NOVAIS, N. J. et al. Ensino, pesquisa, extensão, interdiciplinariedade e humanização para formação em saúde. Revista Extensão & Sociedade, Natal, v. 12, n. 2, 2021. DOI: 10.21680/2178-6054.2021v12n2id24465
    » https://doi.org/10.21680/2178-6054.2021v12n2id24465
  • OLIVEIRA, L. N de et al. Violência doméstica e sexual contra a mulher: revisão integrativa. Holos, Natal, v. 8, p. 275, 2017. DOI: 10.15628/holos.2017.1903
    » https://doi.org/10.15628/holos.2017.1903
  • OTHERO, M. B.; AYRES, J. R. de C. M. Necessidades de saúde da pessoa com deficiência: a perspectiva dos sujeitos por meio de histórias de vida. Interface - Comunicação, Saúde, Educação , Botucatu, v. 16, n. 40, p. 219-234, 2012. DOI: 10.1590/s1414-32832012005000010
    » https://doi.org/10.1590/s1414-32832012005000010
  • SAMPAIO, J.; TAVARES, T. L. de A.; HERCULANO, T. B. Um corte na alma: como parturientes e doulas significam a violência obstétrica que experienciam. Revista Estudos Feministas , Florianópolis, v. 27, n. 3, p. e56406, 2019. DOI: 10.1590/1806-9584-2019v27n356406
    » https://doi.org/10.1590/1806-9584-2019v27n356406
  • SANTOS, L. da S. A acessibilidade da pessoa com deficiência na atenção básica no Brasil: uma revisão integrativa de literatura. 2021. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Saúde Coletiva) - Universidade Federal de Pernambuco, Vitória de Santo Antão, 2021. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.ufpe.br/handle/123456789/43757 Acesso em: 8 abr. 2022.
    » https://repositorio.ufpe.br/handle/123456789/43757
  • SILVA, G. M.; RASERA, E. F. A desqualificação do SUS na Folha de São Paulo: construção discursiva de gestores e usuários. Psico, Porto Alegre, v. 44, n. 1, 2012. Disponível em: Disponível em: https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/revistapsico/article/view/10659 Acesso em: 28 maio 2024.
    » https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/revistapsico/article/view/10659
  • TAVARES, G. F. et al. Management of obesity control and prevention from the perspective of primary care professionals in the state of Pará. Research, Society and Development, Vargem Grande Paulista, v. 11, n. 8, p. e13211830431, 2022. DOI: 10.33448/rsd-v11i8.30431.
    » https://doi.org/10.33448/rsd-v11i8.30431.
  • VASCONCELOS, E. M. Educação popular e a atenção à saúde da família. São Paulo: Hucitec, 2015.
  • VIANNA, N. G. Ruídos e silêncios: uma análise genealógica sobre a surdez na política de saúde brasileira. 2018. 213 f. Tese (Doutorado em Saúde Coletiva) - Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Ciências Médicas, Campinas, SP, 2018.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    08 Abr 2023
  • Revisado
    27 Jun 2023
  • Aceito
    17 Ago 2023
Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo. Associação Paulista de Saúde Pública. Av. dr. Arnaldo, 715, Prédio da Biblioteca, 2º andar sala 2, 01246-904 São Paulo - SP - Brasil, Tel./Fax: +55 11 3061-7880 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: saudesoc@usp.br