Mapeamento de competências essenciais: conhecimentos, habilidades e atitudes para gestão em saúde pública

RESUMO

Trata-se de estudo de corte transversal, com abordagem quantitativa do tipo exploratório descritivo que teve como objetivo mapear as competências essenciais em saúde pública de profissionais que atuam na gestão de uma secretaria de estado da saúde. A coleta de dados ocorreu de modo on-line, por meio de um questionário. Os dados foram analisados descritivamente, e as competências avaliadas de acordo com seis domínios do Marco Regional de Competências Essenciais em Saúde Pública e o Grau de Expressão de Competências no Trabalho. Participaram do estudo 119 profissionais, com predomínio do sexo feminino (70,6%) e idade média de 46,7 anos. O Domínio 1 - Análise de Situação de Saúde - apresentou o maior Grau de Expressão de Competências no Trabalho; e o Domínio 6 - Saúde Internacional e Global - obteve o menor valor. Houve relação significativa entre as variáveis estudadas e a escolaridade, evidenciando que níveis mais baixos de escolaridade estão associados a menores escores de competência nos seis domínios analisados. Conclui-se que desenvolver competências é um desafio na gestão pública devido às suas especificidades. Nesse contexto, o mapeamento de competências desempenha um papel fundamental para que ações de Educação Permanente em Saúde sejam planejadas e implementadas de forma assertiva.

PALAVRAS-CHAVE
Gestão em saúde; Saúde pública; Pessoal da saúde; Competência profissional.

ABSTRACT

This is a cross-sectional study, with a quantitative exploratory descriptive approach that aimed to mapp essential competencies in public health among professionals working in the management of a state health department. Data collection was conducted online through a questionnaire. Data were analyzed descriptively, and the competencies were assessed according to six domains of the Regional Framework for Essential Competencies in Public Health and the Degree of Competency Expression at Work. A total of 119 professionals participated in the study, with a predominance of females (70.6%) and an average age of 46.7 years. Domain 1 - Health Situation Analysis showed the highest Degree of Competency Expression at Work; while Domain 6 - International and Global Health obtained the lowest value. There was a significant relationship between the variables studied and education, highlighting that lower levels of education are associated with lower competence scores across the six analyzed domains. It is concluded that developing competencies is a challenge in public management due to its specificities. In this context, competency mapping plays a fundamental role in planning and implementing effective actions for Continuing Health Education.

KEYWORDS
Health management; Public health; Health personnel; Professional competence.

Introdução

A gestão em saúde pública no Brasil enfrenta debates complexos, dadas as diversas transformações ocorridas nas últimas décadas nas dimensões social, econômica, demográfica e ambiental, suscitando importantes desafios para os profissionais que atuam na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS). A Organização Mundial da Saúde (OMS) destaca que, frente a tais desafios, uma gestão eficaz requer comprometimento, facilitação de mudanças, uso eficiente de recursos e embasamento em competências^1,2.

A gestão baseada em competências corresponde a uma abordagem estratégica para a força de trabalho e o desenvolvimento organizacional, e se concentra na identificação, avaliação e utilização de competências individuais para atingir os objetivos de uma organização³. Nesse modelo, as competências correspondem a um conjunto básico de conhecimentos, habilidades e atitudes para a comunicação, negociação, tomada de decisão e resolução dos problemas de saúde da população de forma eficaz e eficiente, independentemente do cenário de atuação em que o profissional desenvolva suas atividades^3-6.

Países que adotam sistemas de saúde pública têm incorporado a gestão baseada em competências, a exemplo do Canadá, que trabalha com competências essenciais em saúde pública desde 2008⁷. Já a Associação de Escolas de Saúde Pública na Região da Europa (ASPHER - sigla em inglês) publicou, em 2006, a 1ª edição da Lista Europeia de Competências Essenciais para Profissionais de Saúde Pública, elaborada a partir da colaboração com especialistas e profissionais de saúde pública de diversos países europeus como Dinamarca, Bélgica, Suíça, França, Reino Unido, Holanda, Polônia, Sérvia, Hungria. Essa lista encontra-se na 5ª edição (última publicação em 2018) e tem a finalidade de estabelecer padrões comuns para a formação, capacitação e atuação dos profissionais de saúde e decisores, considerados essenciais para a construção de uma melhor saúde pública^6,8.

No Brasil, a gestão por competências na área da saúde é relativamente nova, tendo como referência o Marco Regional de Competências Essenciais em Saúde Pública (MRCESP) para Região das Américas, publicado no ano de 2013. Tal documento complementa outras estratégias centrais da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), da OMS e da Organização das Nações Unidas, como a Atenção Primária à Saúde, as Funções Essenciais de Saúde Pública (Fesp) e os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio^1,6. Destarte, surge como resposta aos desafios identificados na Região das Américas e pode ser direcionada a qualquer organização envolvida na prestação de serviços de saúde e/ou saúde pública, que capacite ou empregue pessoas nessas áreas, o que engloba autoridades de saúde nacionais, regionais e locais, serviços de saúde, instituições acadêmicas, voluntariado, setor privado e outros setores cuja gestão impacta a saúde e o bem-estar¹.

O MRCESP pode ser utilizado para oferecer uma visão mais coerente do setor de saúde, facilitando o reconhecimento das contribuições dos diversos atores envolvidos e das interações entre eles; desenvolver uma força de trabalho de saúde mais unificada e qualificada para enfrentar as desigualdades em saúde e apoiar o desenvolvimento de planos de saúde pública; informar sobre os conhecimentos, habilidades, atitudes e trajetórias de desenvolvimento profissional necessários para aqueles que desejam contribuir para a melhoria da saúde e do bem-estar da população; fornecer um diagnóstico para o desenvolvimento de currículos, planos de treinamento e vias de carreira profissional; e, por fim, aprimorar a consistência dos termos de referência para ocupação de cargos e avaliação de desempenho profissional nos serviços de saúde, conectando educação e prestação de serviços^1,5,9.

Na busca de profissionais preparados para atuação em gestão em saúde pública, destaca-se a relevância de se conduzir pesquisas na área do desenvolvimento dessa força de trabalho, dada a escassez de estudos, principalmente no Brasil. Diante dessa perspectiva, justifica-se a realização deste estudo no contexto brasileiro, tendo em vista que se sustenta em uma abordagem inovadora, a qual contribuirá para a formulação de ferramentas que facilitem o desenvolvimento dos profissionais da referida área. Nesse sentido, este estudo teve como objetivo mapear as competências essenciais em saúde pública de profissionais que atuam na gestão de uma secretaria de estado da saúde.

Material e métodos

Trata-se de um estudo de corte transversal com abordagem quantitativa, do tipo exploratório descritivo, desenvolvido com profissionais que atuam na gestão em saúde pública do estado do Paraná, entre os meses de fevereiro e maio de 2020.

O Paraná localiza-se ao Sul do Brasil, com extensão territorial e população comparáveis a países inteiros. No escopo da gestão em saúde pública, tem-se a esfera estadual, a qual possui como responsabilidades: planejar, formular, coordenar e executar políticas, programas e ações voltados para a promoção, prevenção, assistência e vigilância em saúde no âmbito do estado. Tal esfera está sob coordenação da Secretaria de Estado da Saúde do Paraná (Sesa-PR), órgão público governamental que conta com uma estrutura central, na cidade de Curitiba, onde estão em funcionamento estruturas de apoio e assessoria, setoriais e gerenciais; e uma descentralizada, onde funcionam sedes administrativas que se localizam nas 22 Regionais de Saúde do estado. As equipes técnicas (central e descentralizada) dessa secretaria são compostas por profissionais de diversas disciplinas do conhecimento, que desenvolvem funções de gestão em saúde pública em três principais áreas: atenção e gestão em saúde, vigilância em saúde e administração, desempenhando um papel crucial na promoção do cuidado e no desenvolvimento das ações de saúde.

Coleta de dados

O processo de amostragem foi probabilístico, com o método de amostragem aleatória simples, com desfecho em proporções. Considerando a população-alvo de 612 pessoas, uma frequência esperada do evento de interesse de 50%, que é o pior cenário considerado para amostragem aleatória simples, margem erro de 5% e um nível de confiança de 95%, a amostra foi calculada no software Epi Info 7¹⁰, com resultado de 277 indivíduos. Houve 368 acessos ao instrumento de coleta de dados e 353 respondentes, ultrapassando a amostra mínima necessária calculada, porém, apenas 119/353 (35,7%) de respostas completas. Considerando a mesma frequência esperada de 50%, para o total de 353, nível de confiança de 95%, a margem de erro de 119 respondentes foi equivalente a 7,3%. Isso foi maior do que a margem de erro inicial, de 5%, em virtude do critério de completude de todas as respostas do questionário, que, embora fosse necessário para garantir a qualidade dos dados, aumentou o erro amostral com relação à população total.

Adotou-se, ainda, como critério de inclusão: profissional que exerça atividades relacionadas à gestão no âmbito da Sesa-PR, seja por tomada de decisão, mediação, planejamento, controle e avaliação; sem qualquer restrição de sexo, idade, escolaridade, formação profissional, se servidor efetivo ou comissionado, tempo na função ou tempo de experiência em gestão. Em específico, o critério que não impôs qualquer restrição de tempo na função ou tempo mínimo de experiência em gestão foi definido por considerar que a capacidade de aprendizado e adaptação também possui repercussão nas competências requeridas às funções de gestão em saúde pública. Já os critérios de exclusão corresponderam a: profissional da Sesa-PR participante que não respondesse a todas as questões do questionário, objeto deste estudo, ou respondesse em duplicidade.

O instrumento de coleta de dados utilizado foi um questionário de autoavaliação semiestruturado, construído a partir do MRCESP, traduzido e adaptado à realidade brasileira⁵. O questionário é composto por uma escala tipo Likert de cinco pontos (variação de escores de 1 a 5 pontos), bivalente, assimétrica, com intervalos predefinidos, totalizando 56 questões ou competências essenciais agrupadas em seis Domínios: 1 - Análise da Situação de Saúde (nove competências); 2 - Vigilância e Controle de Riscos e Danos (14 competências); 3 - Promoção da Saúde e Participação Social (10 competências); 4 - Políticas, Planejamento, Regulação e Controle (sete competências); 5 - Equidade no Acesso e Qualidade nos Serviços Individuais e Coletivos (oito competências); e 6 - Saúde Internacional e Global (oito competências)^1,5.

A coleta de dados ocorreu de modo on-line, por meio do preenchimento do questionário na plataforma virtual Onlinepesquisa^®, cujo link para participação encontrava-se no e-mail enviado aos participantes. Os dados dos questionários foram armazenados na plataforma de maneira segura e anônima, administrados pelos pesquisadores. Desse modo, foi possível realizar a análise das respostas imediatamente após o preenchimento, sendo capaz de gerar relatórios no formato de planilha no Microsoft Excel^® e outro descritivo, inclusive, com gráficos no Adobe Acrobat Reader DC^®.

Análise dos dados

Para a análise dos dados, inicialmente, foi realizada análise descritiva com frequência simples (n) e relativa (%) das variáveis relacionadas às características dos participantes do estudo. Posteriormente, cada rol de competências foi analisado de forma descritiva por domínio, de acordo com o MRCESP, com estimativa de média, mediana, desvio padrão, primeiro quartil, terceiro quartil e intervalo interquartil. Aponta-se que, em específico, o valor da média de cada um dos domínios correspondeu ao Grau de Expressão das Competências no Trabalho (GECT), de acordo com os estudos de Almeida⁵ e Albini⁹, considerando os escores correspondentes às alternativas do questionário da escala de tipo Likert, apresentado no quadro 1.

Quadro 1
Escores para o cálculo do Grau de Expressão de Competências no Trabalho (GECT) nas alternativas do questionário

Escores	1	2	3	4	5
Alternativas do questionário	Não tenho conhecimento do assunto	Já ouvi falar, mas tenho pouco conhecimento do assunto	Tenho conhecimento limitado sobre o assunto para aplicação na prática	Tenho conhecimento sobre o assunto e sei ou saberia como aplicar na prática	Tenho bom conhecimento sobre o assunto, coloco em prática e saberia ensiná-lo a outros

⁵

Para avaliar as diferenças entre os escores e as características dos participantes, foi utilizado o teste de normalidade Shapiro-wilk para determinação da abordagem paramétrica e não paramétrica. Todos os escores não tiveram distribuição normal, portanto, a abordagem não paramétrica foi utilizada. A diferença entre características dos participantes com dois grupos foi verificada com o teste U de Mann-Withney e 3 ou mais grupos com a prova de Kruskall-walys, seguida de Dunn como post-hoc. Todos os testes foram considerados significativos quando p < 0,05, e as análises foram realizadas no ambiente R Core Team¹¹.

Aprovação ética

O estudo foi aprovado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa do Conselho Nacional de Saúde (Conep), sob os pareceres nº^s 3.242.059 e 3.284.670 (CAAE 09188519.9.0000.0102 e CAAE 09188519.9.3001.5225 respectivamente). Todos os preceitos éticos contidos na Resolução CNS nº 466/2012 e na Resolução nº 510/2016 foram respeitados^12,13.

Resultados

Participaram do estudo 119 profissionais, sendo 70,6% (n = 84) do sexo feminino e 29,4% (n = 35) do sexo masculino, com idade média de 46,7 anos (desvio padrão: 10,06 anos), variando entre 29 e 67 anos. Foi constatado, ainda, que, do grupo de respondentes, houve a participação de profissionais do nível central e de 21 entre as 22 Regionais de Saúde da Sesa-PR. Os dados referentes às características demográficas e funcionais dos participantes são apresentados na tabela 1.

Tabela 1
Características demográficas e funcionais dos participantes (n = 119)

Variável		n	%
Sexo	Feminino	84	70,6%
	Masculino	35	29,4%
Faixa etária	29 a 40 anos	41	34,5%
	41 a 50 anos	29	24,4%
	51 a 59 anos	37	31,1%
	60 anos ou mais	12	10,1%
Escolaridade	Ensino Médio	3	2,5%
	Graduação	17	14,3%
	Especialização	60	50,4%
	Mestrado	30	25,2%
	Doutorado	9	7,6%
Nível de atuação	Central	47	39,5%
	Regional	72	60,5%
Experiência em gestão em saúde pública	Até 6 meses	24	20.2%
	De 7 meses a 3 anos	17	14,3%
	De 4 a 10 anos	40	33,6%
	De 11 a 20 anos	26	21,8%
	De 21 a 30 anos	5	4,2%
	+ de 30 anos	6	5%
Categoria Profissional	Médico veterinário	8	7%
	Assistente social	4	3%
	Biólogo	4	3%
	Fisioterapeuta	2	2%
	Psicólogo	3	3%
	Tecnólogo saneamento	2	2%
	Terapeuta ocupacional	2	2%
	Tecnólogo em gestão pública	2	2%
	Técnico enfermagem	4	3%
	Bacharel em Direito	3	3%
	Administrador	9	8%
	Farmacêutico	7	6%
	Médico	9	8%
	Enfermeiro	44	37%
	Nutricionista	2	2%
	Outros	13	11%

Fonte: elaboração própria.

Os dados descritivos dos questionários e o GECT foram tabulados a partir dos pesos atribuídos às respostas do questionário, agrupados por domínios, calculando-se o GECT (média), mediana e desvio padrão, variância, intervalo, mínimo e máximo, desvio padrão, primeiro e terceiro quartil, intervalo interquartil e p-valor (tabela 2).

Tabela 2
Dados descritivos dos questionários e Grau de Expressão de Competências no Trabalho por domínios (n = 119)

Domínio	GECTa	MDb	Min	Máx	DPc	Q1d	Q3e	IIQf	p-valor
D1 - Análise da situação de saúde	3,76	3,78	1,78	5	0,84	3,22	4,44	1,22	0,001
D2 - Vigilância e controle de riscos e danos	3,36	3,43	1	5	1,01	2,82	4,07	1,25	0,007
D3 - Promoção da saúde e participação social	3,61	3,7	1	5	0,92	3	4,2	1,2	< 0,001
D4 - Políticas, planejamento, regulação e controle	3,71	3,86	1	5	0,93	3,14	4,43	1,29	< 0,001
D5 - Equidade no acesso e qualidade nos serviços individuais e coletivos	3,65	3,88	1	5	0,93	3,25	4,25	1	< 0,001
D6 - Saúde internacional e global	3,15	3,12	1	5	1,02	2,75	3,81	1,06	< 0,001

Fonte: elaboração própria.^abcdef

O Domínio 1 (Análise de Situação de Saúde) obteve o maior valor de GECT (3,76); seguido do Domínio 4 (Políticas, Planejamento, Regulação e Controle) (3,71); do Domínio 5 (Equidade no Acesso e Qualidade nos Serviços Individuais e Coletivos) (3,65); e do Domínio 3 (Promoção da Saúde e Participação Social) (3,61), os quais se aproximam do Escore 4 - ‘Tenho conhecimento sobre o assunto e sei ou saberia como aplicar na prática’. Já o Domínio 6 (Saúde Internacional e Global) apresentou o menor GECT (3,16), seguido do Domínio 2 (Vigilância e Controle de Riscos e Danos) (3,43), ambos se aproximando do Escore 3 - ‘tenho conhecimento limitado sobre o assunto para aplicação na prática’. Todos os domínios alcançaram valores de desvio padrão e IIQ próximos a 1, sendo possível inferir que os valores em conjunto de dados apresentaram dispersão moderada, e, ainda, considerando o p-valor < 0,05, existência de relação estatisticamente relevante entre as variáveis analisadas.

A variável escolaridade foi a que exerceu maior influência e repercussão nos GECT dos seis domínios analisados. Observou-se que, mesmo na ocorrência de outliers, os níveis de escolaridade dos participantes deste estudo tiveram impacto diretamente proporcional nos escores obtidos, ou seja, quanto menor a escolaridade, menor o GECT (figura 1).

Figura 1
Gráfico boxplot referente aos escores dos domínios segundo a escolaridade

Discussão

Dos 119 participantes deste estudo, verificou-se que 70,6% (n = 84) eram do sexo feminino. Artigo publicado pela Associação Nacional dos Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental (Anesp) identificou que mais de 65% da força de trabalho na saúde na área assistencial, em instituições públicas ou privadas, são mulheres, assim como na gestão do SUS no Brasil, em sua esfera tripartite, 69,2% são compostas pelo sexo feminino¹⁴. Portanto, a maior representação das mulheres entre os gestores pode indicar empoderamento do papel feminino nos cargos de liderança e na esfera política nacional¹⁵.

A média de idade, correspondente a 47 anos, justifica-se em razão de os profissionais que atuam na gestão em saúde pública vincularem-se a cargos geralmente assumidos, dada a sua expertise, adquirida com o passar dos anos^16,17. Frente às fases de ‘Formação profissional’ (de 26-35 anos de idade), ‘Maturidade Profissional’ (36-50 anos de idade) e ‘Desaceleração profissional’ (acima de 51 anos de idade), os participantes do estudo encontram-se, em média, dentro da fase de ‘Maturidade Profissional’, cujo perfil é de serem profissionais em pleno desenvolvimento de suas capacidades cognitivas, técnicas e práticas, já preparados e devidamente qualificados, inserindo-se, em definitivo, no mercado de trabalho¹⁸.

Sobre a escolaridade, 83,2% (n = 99) dos profissionais possuíam pós-graduação lato sensu ou stricto sensu. Essa configuração de dados corrobora estudos que apontam que os profissionais possuem mais competências no que diz respeito à complexidade da gestão pública em saúde e à exigência de qualificação necessária para sua atuação, a fim de que estejam preparados para o enfrentamento de todas as situações vivenciadas no dia a dia e para a tomada das melhores decisões^17,19.

Entre o grupo de participantes, a maioria atuava em nível regional (60,5%) e o restante em nível central (39,5%). Trata-se de informação relevante para o estudo, frente à representação abrangente de diferentes áreas geográficas do estado do Paraná, englobando tanto o nível regional, com 21 Regionais de Saúde, quanto o central, devido à diversidade das regiões do estado. Destarte, no Paraná, existem 22 Regionais de Saúde, sendo cada uma delas responsável pelo referenciamento territorial e administrativo da gestão em saúde pública de sua respectiva região, sob coordenação da Sesa-PR, que, em seu nível central, consolida informações e indicadores, política e planejamento em saúde no estado²⁰.

No que concerne ao tempo de experiência em gestão em saúde pública, a faixa de 4 a 10 anos apresentou o maior quantitativo de respostas (33,6%), seguida da faixa de 11 e 20 anos (21,8%), indo ao encontro da vinculação dos cargos nessa área, também relacionada à expertise profissional, adquirida ao longo dos anos¹⁷. No entanto, determinado quantitativo de participantes afirma ter menos de 6 meses de experiência (20,2%), sendo esse um possível resultado de um processo seletivo, ocorrido no ano de 2016, para provimento de 969 vagas para o Quadro Próprio dos Servidores da Saúde da Sesa-PR. Tal certame realizou a previsão de nomeação com validade de dois anos, que acabou sendo prorrogada por mais dois anos²¹. Logo, com relação à população estudada, pode-se inferir que o aparecimento de profissionais que atuam na gestão em saúde pública, com até seis meses de experiência, tem correlação com o concurso realizado.

Com relação à categoria profissional, destaca-se que 37% são enfermeiros. Entretanto, os achados deste estudo apontam uma grande heterogeneidade para o conjunto das categorias, tendo em vista que foram encontradas outras profissões, como administradores, médicos, médicos veterinários, farmacêuticos, terapeutas ocupacionais, odontólogos, biólogos, assistentes sociais, economistas, nutricionistas, advogados, contabilistas, educadores físicos, psicólogos, fisioterapeutas, geógrafos, técnicos em enfermagem, tecnólogos em gestão pública e saneamento, entre outros.

Uma justificativa plausível para os enfermeiros ocuparem boa parte dos cargos de gestão em saúde pública é que se trata de uma profissão polissêmica, que possui formação para atuar nos mais variados campos da área da saúde, como assistencial, em hospitais e clínicas; de promoção e proteção da saúde, em bases coletivas; e de gerenciamento público²². Também pode consubstanciar o destaque da enfermagem na gestão o fato de que os enfermeiros, ao realizarem funções administrativas, como cargos de chefia e papéis de liderança, encontram-se atrelados ao desenvolvimento do processo de trabalho do cuidar, assim como o de planejar e organizar as ações em saúde^22,23. Entretanto, a existência de outras profissões significa incorporar a multidisciplinaridade, que garante uma visão diferenciada e abrangente para contribuir cada vez mais para a melhoria da gestão pública em saúde¹⁶.

Na avaliação do GETC nos seis domínios propostos pelo MRCESP, constatou-se que o Domínio 1 - Análise de Situação de Saúde (capacidade de avaliação da situação de saúde da população e suas tendências em função do estudo de seus determinantes para a tomada de decisões e definição de políticas públicas de saúde) - obteve maior valor (muito próximo ao escore 4). Da mesma forma, o GETC, em ordem de valores, apresentou-se próximo ao escore 4 no: Domínio 4 - Políticas, Planejamento, Regulação e Controle (capacidade de gestão no marco regulatório de proteção e fiscalização na saúde pública, para a cooperação internacional, na elaboração de novas leis e regulamentos para o desenvolvimento de entornos saudáveis e a proteção dos cidadãos); no Domínio 5 - Equidade no Acesso e Qualidade nos Serviços Individuais e Coletivos (capacidade de garantir acesso aos serviços, os quais devem ser dispensados universalmente sem nenhum tipo de barreira, promovendo a qualidade e segurança na provisão e no enfoque multisetorial para a solução das iniquidades na atenção à saúde da população); e no Domínio 3 - Promoção da Saúde e Participação Social (capacidade de utilizar a educação para a saúde e a participação social como ferramenta de mudança)⁵.

Destaca-se que o escore 4 reflete um nível de conhecimento substancial, indicando que os participantes possuem não apenas uma compreensão abrangente dos temas analisados, mas, também, a capacidade de aplicá-los. Tal valor de GECT pode ter sido influenciado pela formação desses profissionais, somada ao tempo de sua atuação na gestão de saúde pública. É razoável considerar que profissionais com uma base educacional sólida e uma longa trajetória de experiência acumulem conhecimentos, habilidades e atitudes mais aprofundados e, assim, tenham como respostas escores mais elevados. Além disso, a discussão contínua dos temas dos Domínios 2, 4 e 5 no contexto da gestão em saúde pública também fomenta a disseminação de saberes, visto que a interação prática e o diálogo enriquecem e contextualizam o aprendizado teórico^9,24,25.

Por outro lado, o Domínio 6, que aborda Saúde Internacional e Global (capacidade de utilizar a ferramenta das relações entre as autoridades sanitárias nacionais, por meio da diplomacia na área da saúde e da cooperação técnica), obteve o menor GECT e, portanto, maior lacuna de competências, seguido pelo Domínio 2 - Vigilância e Controle de Riscos e Danos (capacidade para realizar pesquisa e vigilância do surgimento de epidemias, e modelos de apresentação de doenças transmissíveis e não transmissíveis, fatores de comportamento, acidentes e exposição a substâncias tóxicas ou agentes ambientais prejudiciais para a saúde). Resultados semelhantes foram encontrados em pesquisas anteriores, os quais também apontaram lacunas de competências nos Domínios 2 e 6^9,24,25.

A expressiva lacuna de competências identificada no Domínio 6 - Saúde Internacional e Global - pode ter relação com o contexto atual, em que se considera a saúde internacional e global como um novo terreno em constante transformação, onde antigas disputas ideológicas, geopolíticas e metodológicas são reexaminadas em âmbito mundial. Esse cenário forma um campo complexo de oportunidades genuínas para a busca da equidade, ao mesmo tempo que pode obscurecer interesses e agendas particulares de diversas naturezas^26-28.

Um exemplo concreto desse processo ocorreu durante a emergência internacional relacionada à síndrome congênita do vírus Zika, com o Brasil no epicentro, em 2016²⁹. Da mesma forma, a atual declaração de emergência devido à covid-19 abriu espaço para intensa produção científica em periódicos internacionais de grande impacto, os quais têm priorizado e defendido o acesso aberto às publicações como forma de contribuir para a resposta global³⁰. No entanto, a história das crises sanitárias alerta que essa priorização provavelmente diminuirá após o término da emergência da covid-19, revelando uma estratégia global de investimento cíclico, cujo foco é imprevisível e sujeito às emergências específicas.

Já a lacuna de competências constatada no Domínio 2 - Vigilância e Controle de Riscos e Danos - pode ter relação com a restrição de conhecimentos, habilidades e atitudes a certo grupo de profissionais, por se tratar de uma área que aborda, em específico, competências essenciais, referentes ao planejamento intersetorial do monitoramento contínuo de todos os aspectos relacionados à ocorrência e disseminação de riscos e danos à saúde da população^5,6. Pesquisa realizada sobre as contribuições de um Modelo Simplificado de Gestão por Competências para uma secretaria municipal de saúde com 91 gestores de uma cidade do estado do Paraná também verificou lacuna de competências no Domínio 2, relacionada, principalmente, com: gestão de riscos, redução de risco à saúde, resposta imediata e reconstrução, todas referentes a desastres⁹. Esses resultados destacam a carência de conhecimento dos profissionais com relação ao tema.

Nesse contexto, enfatiza-se a importância das atualizações e capacitações, sob a lógica da Educação Permanente em Saúde, e do fomento a oportunidades de aprimoramento profissional, a partir da ampliação de ofertas de especializações na área de gestão em saúde pública. Isso é fundamental para assegurar que os profissionais envolvidos na gestão de saúde pública estejam adequadamente preparados para enfrentar os desafios da Vigilância e do Controle de Danos, bem como da Saúde Internacional e Global. Essa abordagem visa a garantir a proteção abrangente da saúde da população em todas as dimensões⁹.

Por fim, no que se refere à influência da escolaridade nos seis domínios do MRCESP, essa foi evidenciada como um fator de relevância na determinação dos níveis de competência manifestados pelos profissionais que atuam em gestão em saúde pública. A tendência observada foi de que, à medida que a escolaridade diminui, os GECT também diminuem, indicando que participantes com níveis mais baixos de escolaridade tendem a apresentar escores mais baixos quanto à expressão de competência no trabalho, não apenas nos Domínios 2 e 6, mas, também, em todos os outros. Isso ressalta a importância do nível educacional na capacidade percebida de realizar tarefas e desempenhar funções dentro do contexto analisado.

Essa relação entre escolaridade e GECT também revela a necessidade de estratégias de desenvolvimento de competências específicas para grupos com níveis educacionais mais baixos, visando a aprimorar seus conhecimentos, habilidades e atitudes, para atingir um desempenho mais eficaz no trabalho^9,16,19.

Como limitação deste estudo, apontam-se dificuldades nas respostas ao questionário com completude dos dados por parte dos profissionais que atuam na gestão da Sesa-PR, visto que a coleta de dados se deu no início da pandemia de covid-19 no Brasil. Apesar de todos os esforços dos pesquisadores em entrar em contato para que houvesse maior participação, o momento não se mostrou propício à realização da coleta. Além disso, não houve a possibilidade de outra forma de contato a não ser o e-mail, acarretando prejuízo no recrutamento dos participantes. Outra limitação foi o fato de que, nesse contexto, os profissionais se depararam com um instrumento extenso, ao começarem a responder à pesquisa, com desistências ao longo do caminho.

Conclusões

Considera-se que o mapeamento realizado possibilitou a identificação das competências essenciais expressas nos respectivos domínios dos profissionais que atuam na gestão estadual e das lacunas existentes, com base no MRCESP; e, ainda, a determinação do GECT.

O MRSCP responde às competências requeridas aos profissionais que atuam na gestão estadual, de modo que os dados quantitativos do estudo demonstram que a maioria dos participantes possui conhecimento sobre o assunto e saberia como aplicar, na prática, tais competências. Entretanto, foram identificadas lacunas expressivas de competências essenciais no Domínio 2, que trata da Vigilância e Controle de Riscos e Danos, e no Domínio 6, que se refere à Saúde Internacional e Global. Para tanto, ressalta-se a necessidade do fortalecimento da integração ensino-serviço-comunidade na área da saúde pública, bem como o reforço desses conteúdos nas grades curriculares dos cursos de graduação de profissionais de saúde, tendo em vista o conhecimento limitado sobre o assunto para aplicação na prática evidenciado neste estudo.

Recomenda-se a realização de mais pesquisas sobre o tema, com ampliação para demais atores que atuam em secretarias de saúde dos estados do Brasil, e, ainda, que envolvam propostas de avaliação de desempenho, a fim de que ocorram melhorias, intervenções assertivas e reorganização dos processos de gestão e Educação Permanente em Saúde, que culminem em prestação de serviços com qualidade aos usuários do sistema de saúde nos variados contextos.

Por fim, o desenvolvimento de competências essenciais é um desafio a ser enfrentado na gestão pública, dadas as suas especificidades na produção de resultados satisfatórios. Nessa lógica, o mapeamento de competências tem papel basilar para que as ações de Educação Permanente em Saúde sejam planejadas e implementadas de forma assertiva.

• Suporte financeiro: Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior/Capes, bolsa de mestrado e auxílio financeiro Capes/PRINT; Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico/CNPq, bolsa produtividade (Processo: 315565/2020-9) e Projeto Universal (Processo: 422114/2023-5)

Referências

• ¹
  Organización Panamericana de la Salud. Competencias esenciales em salud pública: um marco regional para las Américas [Internet]. Washington, DC: OPS; 2013 [acesso em 2023 ago 16]. Disponível em: http://www.observatoriorh.org/sites/default/files/webfiles/fulltext/2014/competencias_sp.pdf
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Editado por

Editor responsável: Ronaldo Teodoro

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  30 Set 2024
• Data do Fascículo
  2024

Histórico

• Recebido
  18 Dez 2023
• Aceito
  20 Jun 2024