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O impacto da pandemia de Covid-19 no acesso à justiça de mulheres em situação de violência doméstica no Rio de Janeiro

RESUMO

O presente artigo apresenta barreiras no acesso à justiça enfrentadas pelas mulheres em situação de violência doméstica e familiar durante a pandemia de Covid-19. A metodologia da Grounded Theory, associada à Análise Situacional, possibilitou o mapeamento dos entraves mediante revisão das atas dos encontros periódicos de representantes de instituições que compõem a Rede de Enfrentamento à Violência contra a Mulher do Estado do Rio de Janeiro. A codificação permitiu o mapeamento de entraves no acesso à justiça que não são visíveis nas pesquisas quantitativas que utilizam como fonte as bases de dados de órgãos oficiais, já que os casos expostos nas reuniões e sistematizados na pesquisa se referem a mulheres que não conseguiram acesso à justiça por diversos motivos. Como resultado, observou-se que a articulação de marcadores de gênero, raça, idade, existência de deficiência física ou exclusão digital foi determinante para mitigar o acesso à justiça em um período de emergência sanitária, isolamento social, insegurança alimentar, desemprego e consequente aumento da tensão nos lares. Verificou-se a ausência de perspectiva de gênero nas políticas públicas durante a emergência sanitária. Respostas institucionais aos obstáculos decorrentes da emergência sanitária podem ser úteis para ampliar o acesso à justiça em períodos ordinários.

PALAVRAS-CHAVE
Violência contra a mulher; Violência doméstica; Acesso à justiça; Pandemia; Covid-19

ABSTRACT

This article presents barriers faced by the victims of domestic violence on accessing justice during the COVID-19 Pandemic. Periodic meetings of representatives from the institutions that make up the justice system were coded by the grounded theory and the situational analysis methodology. Coding made possible mapping the barriers to access to justice that are not visible in quantitative research that uses the databases of official bodies as a source, since the cases exposed in the meetings and systematized in the research refer to women who did not obtain access to justice for several reasons. As a result, it was observed that the articulation of two or more markers of gender, race, age, existence of physical disability or digital exclusion were crucial to mitigate access to justice in a period of health emergency, social isolation, food insecurity, unemployment and the resulting increase in tension in homes. There was a lack of a gender perspective in public policies during the health emergency. Institutional responses to obstacles proposed by them on the health emergency can be useful to expand access to justice in ordinary periods.

KEYWORDS
Violence against women; Domestic violence; Access to justice; Pandemic; COVID-19

Introdução

O primeiro óbito por complicações decorrentes da contaminação pelo Sars-Cov-2 no Brasil foi o de Rosana Urbano, diarista e moradora de São Paulo, segundo boletim epidemiológico de junho de 2020 do Sistema de Vigilância Epidemiológica da Gripe (Sivep-Gripe) do Ministério da Saúde(11 Martins E, Roxo S. O drama da família da primeira vítima do coronavírus no país. O Globo. 2020 ago 8. [acesso em 2023 mar 30]. Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/o-drama-da-familia-da-primeira-vitima-do-coronavirus-no-pais-24575672.
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. No Rio de Janeiro, o primeiro óbito registrado foi o de Cleonice Gonçalves, de 63 anos, empregada doméstica, contaminada pela empregadora, moradora do Leblon, que havia acabado de chegar da Europa(22 Melo ML. Primeira vítima do RJ era doméstica e pegou coronavírus da patroa no Leblon. UOL Notícias. 2020 mar 19. [acesso em 2023 mar 30]. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2020/03/19/primeira-vitima-do-rj-era-domestica-e-pegou-coronavirus-da-patroa.htm.
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. Miguel, de 9 anos de idade, morreu ao cair do nono andar de um apartamento em Recife enquanto acompanhava sua mãe, Mirtes, que trabalhava como empregada doméstica(33 Furst BR, Gávez CGSG, Ramos NA. Ouçam Mirtes, mãe de Miguel: precarização e resistência no emprego doméstico durante a pandemia. Cad. Psicol. Soc. Trab. 2023 [acesso em 2023 dez 1]; 26:e-191677. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/cpst/article/view/191677.
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. Ele, assim como milhares de crianças, estava com as aulas presenciais suspensas, e sua mãe, como milhares de mães brasileiras, encontrava dificuldades para administrar a situação escolar do filho com o próprio trabalho. As mortes de Rosana, Cleonice e do menino Miguel são simbólicas dos impactos diferenciados da pandemia de Covid-19 em um país com tantas iniquidades de classe, gênero e raça.

O confinamento provocado pela pandemia e as medidas de combate ao novo coronavírus exacerbaram, em diversos países, a situação de violência doméstica e familiar. A tensão global vivida nesse período se reflete nos lares(44 Campos B, Tchalekian B, Paiva V. Violência contra a mulher: vulnerabilidade programática em tempos de sars-cov-2/covid-19 em São Paulo. Psicol. Soc. 2020 [acesso em 2023 maio 30]; 32:e020015. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1807-0310/2020v32240336.
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5 Marcolino EC, Santos RC, Clementino FS, et al. O distanciamento social em tempos de Covid-19: uma análise de seus rebatimentos em torno da violência doméstica. Interface (Botucatu). 2021; 25(1):e200363.

6 Guimarães SS, Alves Júnior RT, Medeiros MN. Isolamento social, proteção à saúde e risco para violência durante a pandemia de COVID-19. Psicol. Argum. 2021 [acesso em 2023 maio 30]; 39(104):339-358. Disponível em: https://periodicos.pucpr.br/psicologiaargumento/article/view/27842.
https://periodicos.pucpr.br/psicologiaar...
-77 Oliveira D, Oliveira P, Rocha FF, et al. COVID-19, isolamento social e violência doméstica: evidências iniciais para o Brasil. Anais. 2020. [acesso em 2023 maio 30]. Disponível em: https://www.anpec.org.br/encontro/2020/submissao/files_I/i12-18d5a3144d9d12c9efbf9938f83318f5.pdf.
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e aumenta o trabalho doméstico, historicamente desenvolvido por mulheres e sem qualquer remuneração. O cuidado com as crianças (que tiveram as aulas presenciais suspensas), de idosos (que requerem atenção especial), as tarefas habituais de cuidados com a casa, somados à instabilidade no emprego e à incerteza em relação ao futuro da pandemia, fizeram com que os casos de violência doméstica aumentassem em muitos países(88 Vieira PR, Garcia LP, Maciel ELN. Isolamento social e o aumento da violência doméstica: o que isso nos revela? Rev. Bras. Epidemiol. 2020 [acesso em 2023 maio 30]; 23:e200033. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1980-549720200033.
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Estrato socioeconômico, gênero, etapa do ciclo de vida, condição étnico-racial, território, situação de deficiência ou migratória são eixos estruturantes de sociedades marcadas por uma matriz de desigualdade social que, quando atingidas pela Covid-19,

geram cenários de exclusão e discriminação múltipla e simultânea que redundam em maior vulnerabilidade ante os efeitos sanitários, sociais e econômicos dessa doença(9(61).

O relatório de Desenvolvimento Humano Regional 2021 do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) aponta o agravamento das desigualdades socioeconômicas na América Latina durante o período da pandemia de Covid-19, notadamente com o fechamento de empresas e exclusão digital, que impediram o trabalho e o estudo em casa e afetaram sobejamente a população mais vulnerável(1010 Organização das Nações Unidas. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Relatório de desenvolvimento humano regional 2021: Presos em uma armadilha: alta desigualdade e baixo crescimento na América Latina e no Caribe. Nova Iorque: ONU; 2021..

A articulação entre marcadores sociais - como baixa escolaridade, renda, raça, maior número de filhos - e uso de drogas lícitas ou ilícitas possui relevância estatística para indicar maior vulnerabilidade de mulheres sofrerem violência física, e foram descritos como fatores de risco para aumento da violência contra a mulher durante a pandemia de Covid-19 no Brasil(1111 Rocha SSM, Sokolonski AR. Violência contra mulher no período da COVID -19. Cmbio. 2022 [acesso em 2023 maio 30]; 21(3):650-656. Disponível em: https://periodicos.ufba.br/index.php/cmbio/article/view/52005.
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12 Santana M, Santos R, Barreto A, et al. Vulnerabilidade feminina a violência física no período da pandemia de Covid-19. Rev. Enferm. UERJ. 2022 [acesso em 2023 maio 30]; 30(1):e65076.
-1313 Coelho ACVD, Araujo GB, Silva JFT, et al. Perfil sociodemográfico de registro de mulheres vítimas de violência física no Ceará durante a covid-19, 2019-2021. SaudColetiv (Barueri). 2022 [acesso em 2023 jun 10]; 12(74):9961-9968. Disponível em: https://revistasaudecoletiva.com.br/index.php/saudecoletiva/article/view/2354.
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Os impactos da pandemia também foram sentidos no acesso aos serviços de atendimento às mulheres. Instituições que compõem a Rede de Enfrentamento à Violência contra a Mulher passaram a funcionar quase exclusivamente de forma virtual, e as rotinas foram alteradas. Nesse contexto, representantes das instituições da Rede de Enfrentamento à Violência contra a Mulher realizaram reuniões periódicas com o propósito de estreitar a comunicação, relatar as principais dificuldades encontradas nas rotinas de atendimento, propor ações de melhorias para facilitar o acesso ao sistema de justiça e centros de referências, bem como garantir um atendimento célere e efetivo em toda a rede.

No Rio de Janeiro, em razão do aumento dos casos de violência doméstica e da dificuldade de acesso à justiça durante a pandemia, a articulação de políticas judiciárias de atendimento a vítimas de violência doméstica ficou a cargo da Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar que, no Rio de Janeiro, recebeu como sigla ‘Coem’.

Desde o início da emergência sanitária em função da Covid-19, a Coem promoveu constante articulação externa com a Rede de Enfrentamento à Violência contra a Mulher, composta por Ministério Público, Polícia Civil, Polícia Militar, Defensoria Pública, Centros de Referência de Atendimento à Mulher (Cram) do Estado e do Município do Rio de Janeiro e, eventualmente, secretarias vinculadas aos Poderes Executivos municipais e estadual.

Criada em 2017 por meio do Ato Executivo nº 182/2017, a Coem compõe a estrutura do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) com competência para promover articulação interna e externa do Poder Judiciário com outros órgãos governamentais e não governamentais, para concretização dos programas de combate à violência doméstica.

As Coordenadorias Estaduais se consolidaram no ano seguinte quando, em 2018, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por meio do Resolução nº 254, instituiu a Política Judiciária Nacional de Enfrentamento a Violência Contra as Mulheres, que tornou obrigatória sua presença na estrutura organizacional de todos os Tribunais de Justiça do País. A resolução marcou uma nova forma de atuação do Poder Judiciário, mais ativa, responsável não somente pela aplicação da lei e resposta aos casos de violência doméstica, mas também como agente de prevenção. A postura do CNJ inaugurou a adoção de uma perspectiva de gênero no âmbito da administração judiciária e consolidou nacionalmente um modo de atuação judicial preventivo que já era observado pontualmente em alguns Tribunais de Justiça estaduais(1414 Sabadell AL, Paiva LML. La actuación de las instituciones del sistema de justicia brasileño en la elaboración de acciones de combate a la violencia doméstica. Studi sulla questione criminale. 2019; 14(1-2):107-130.. A centralidade dessa nova forma de atuação do Poder Judiciário foi caracterizada pela integração da atuação institucional e pelo viés proativo, responsáveis não só pela sanção, mas também pela prevenção da violência contra a mulher.

Este artigo resume parte dos resultados de pesquisa realizada em 2022 pelo Núcleo de Pesquisa em Gênero Raça e Etnia da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro acerca dos impactos da pandemia de Covid-19 no acesso à justiça. Consideramos que o mapeamento das barreiras ao acesso à justiça que agravaram, durante a pandemia de Covid-19, a subnotificação desses tipos de crime(1515 Kind L, Orsini MLP, Nepomuceno V, et al. Subnotificação e (in)visibilidade da violência contra mulheres na atenção primária à saúde. Cad. Saúde Pública. 2013; 29(9):1805-1815. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0102-311X00096312.
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,1616 Ruiz H, Dusek P, Avelar K, et al. Violência doméstica e quarentena: a subnotificação nos tempos de pandemia. SJRJ. 2020 [acesso em 2023 maio 30]; 26(55):43-63. Disponível em: http://revistaauditorium.jfrj.jus.br/index.php/revistasjrj/article/view/648/412.
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pode contribuir para o aprimoramento da prestação jurisdicional. A sistematização de entraves visa auxiliar a atuação das instituições que compõem o sistema de justiça na elaboração de estratégias de enfrentamento da violência contra as mulheres que mitiguem os obstáculos ao pleno acesso à justiça.

Material e métodos

Trata-se de pesquisa qualitativa exploratória de fonte exclusivamente documental, composta por 76 atas das reuniões da Coem do TJRJ, de acesso público, realizadas em 2020 (quadro 1).

Quadro 1
Data e assuntos das atas das reuniões

Todos os documentos foram inseridos no software atlas.ti. A análise foi orientada pela teoria/metodologia da Grounded Theory(1717 Glaser B, Strauss AL. The discovery of Grounded Theory: Strategies for qualitative research. New Brunswick; Aidine Transaction, 1967., também conhecida como Teoria Fundamentada nos Dados, associada à Análise Situacional, desenvolvida por Adele Clarke(1818 Clarke AE. Situational Analyses: Grounded Theory Mapping After the Postmodern Turn. Symbolic Interaction. 2003 [acesso em 2023 jun 10]; 26:553-576. Disponível em: https://doi.org/10.1525/si.2003.26.4.553.
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, a qual permitiu a codificação e a interpretação dos dados coletados em dois grandes eixos: 1) entraves ao acesso à justiça e 2) respostas do poder público aos obstáculos.

As reuniões com as instituições que compõem a Rede de Enfrentamento à Violência doméstica e familiar contra a Mulher ocorreram semanalmente, desde o início da pandemia, com objetivo de aproximar cada vez mais as instituições, a fim de compartilharem suas dificuldades e boas práticas em busca de melhorias para prover um atendimento rápido e eficaz às mulheres vítimas de violência doméstica e familiar.

A dificuldade de mapear os entraves do acesso das mulheres ao sistema de justiça - especialmente com a expressiva cifra oculta - foi suprida parcialmente por uma metodologia de exposição pontual de casos adotada pelas envolvidas nas reuniões. Assim, quando eram narrados casos de mulheres que não conseguiram acessar alguma instituição (do sistema de justiça, da assistência ou saúde), a solução para superar o entrave era pensada em conjunto. Então, ainda que fora das estatísticas oficiais - já que essas mulheres não chegaram ao serviço desejado formalmente -, os obstáculos ao sistema de justiça puderam, em parte, ser mapeados.

Nas reuniões, as participantes expuseram casos de mulheres que não possuíam recursos financeiros para chegar às delegacias, dificuldades de registros on-line, revitimização nos serviços médico-legais durante a realização do exame de corpo de delito, dificuldade de atendimento no canal 197, entre muitos outros. As instituições com maior frequência nas reuniões da Coem foram: Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública, Polícia Civil, Polícia Militar e Cram (especialmente o Centro Especializado de Atendimento à Mulher - Ceam Chiquinha Gonzaga e o Centro Integrado de Atendimento à Mulher - Ciam Marcia Lyra).

As reuniões também contaram com a participação de representantes de outras instituições de forma pontual: Guarda Municipal, Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, Centro Estadual de Direitos da Mulher (Cedim), Ordem dos Advogados do Brasil (OAB Mulher), Casa Abrigo Cora Coralina, Companhia Brasileira de Lixo Urbano (Comlurb), Coordenadoria Estadual da Saúde da Mulher, Conselho Regional de Farmácia, Secretarias e Subsecretarias de políticas para mulheres de alguns municípios (Rio de Janeiro, Queimados, Nova Iguaçu, Itaperuna, Cabo Frio) e Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Resultados

Entraves ao acesso à justiça

A codificação dos casos narrados durante os encontros possibilitou a sistematização de alguns entraves encontrados por essas mulheres em distintas instituições da Rede. No mapa de arena (figura 1), a ‘arena rede’ contém as instituições que compõem a Rede de Enfrentamento à Violência contra a Mulher que, por sua vez, está inserida em uma arena maior, denominada ‘Arena Violência doméstica’. A inicial ‘M’ representa a palavra ‘Mulher’ e as distintas numerações ‘M1’, ‘M2’, ‘M3’ etc. representam distintos casos em que foram identificados entraves no acesso à justiça. Assim, ‘M1’ não representa somente uma mulher, mas distintas vítimas que não chegaram a nenhuma das instituições que compõem a rede de enfrentamento; ‘M2’ representa diversos casos de mulheres que encontraram obstáculos na Polícia Civil; ‘M3’, nos Institutos Médico-Legais (IML); ‘M4’, no Ministério Público; ‘M5’, na saúde; ‘M6’, nos Cram; ‘M7’, na Defensoria Pública; ‘M8’, na Patrulha Maria da Penha; e ‘M9’, nos Juizados Especializados de Violência Doméstica e Familiar. Nenhuma dessas mulheres completou o ‘percurso ideal’ que terminaria no julgamento das demandas judiciais.

Figura 1
Arena violência doméstica e acesso à justiça

Como exemplo de percursos realizados pela ‘M1’, citamos: a imersão no ciclo de violência que impede a comunicação do crime às autoridades judiciárias; o medo de contágio em delegacias, unidades de saúde e centros de atendimento; a ausência de políticas públicas emergenciais para abrigar essas mulheres de forma segura ou mesmo a carência de infraestrutura de casas-abrigo municipais.

As mulheres que sofreram com percalços na Polícia Civil, representadas por ‘M2’, encontraram: delegacias fechadas (uma vez que a violência doméstica explicitamente incluída no rol de violências que demandariam atendimento presencial); dificuldades no preenchimento do Registro de Ocorrência on-line; inoperância do canal 197; cancelamento do pré-registro de ocorrência e má orientação, como em um caso em que a mulher foi informada de que a Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha)(1919 Brasil. Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Diário Oficial da União. 8 Ago 2006. somente se aplicaria a relações íntimas de afeto.

Destaca-se, ainda, um caso grave de estupro de vulnerável narrado em uma das reuniões em que uma mãe teve que percorrer três delegacias de polícia até conseguir formalizar a comunicação da violência sofrida pela filha. Por fim, mulheres encontraram dificuldade no registro das ocorrências de forma presencial, quando, após se dirigirem à unidade policial, eram informadas de que o canal adequado era o aplicativo Maria da Penha Virtual. Idealizado para ampliar o acesso à justiça em um período de isolamento social, quando o acesso presencial foi prejudicado, o aplicativo não é instrumento substitutivo do registro de ocorrência.

Com relação ao atendimento nos IML, a maior parte dos obstáculos impostos às vítimas (‘M3’) se relacionaram com redução da equipe, ausência de condições mínimas das salas de atendimento (pouco ventiladas em algumas localidades) e relatos de revitimização/retraumatização durante a perícia. Um caso narrado durante as reuniões cita atendimento abusivo com uma vítima que estava sendo periciada em um serviço médico-legal em um município da Baixada Fluminense e acompanhada pela gestora pública, que também sofreu agressão por parte do perito.

Os obstáculos encontrados no Ministério Público, representados por ‘M4’, relacionam-se com casos em que promotores se recusaram a receber os documentos físicos, exigindo que fossem digitalizados, realização de transações penais (proibida por lei em casos que envolvem violência doméstica) e ausência de promotor para realizar as audiências de violência doméstica em determinada comarca.

As mulheres que enfrentaram obstáculos com relação à saúde são representadas por ‘M5’. Os obstáculos citados dizem respeito a dificuldades para realizar o aborto legal, situação agravada, segundo fala das próprias profissionais, pelas regulamentações do Ministério da Saúde realizadas no ano de 2020 e pelo medo de contágio nos serviços de atendimento. Hoje revogada, a Portaria nº 2.282, de 28 de agosto de 2020, do Ministério da Saúde(2020 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.282, de 27 de agosto de 2020. Dispõe sobre o Procedimento de Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez nos casos previstos em lei, no âmbito do Sistema Único de Saúde-SUS. Diário Oficial da União. 20 Ago 2020. [acesso em 2023 jun 10]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2020/prt2282_28_08_2020.html.
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obrigava profissionais de saúde a notificarem a polícia no atendimento do aborto legal. Essa medida por si só já afasta muitas mulheres desse tipo de serviço. Ademais, a portaria estabelecia entre seus anexos um “termo de aprovação de procedimento de interrupção da gravidez resultante de estupro” que deveria ser assinado por, no mínimo, três integrantes da equipe de saúde multiprofissional atestando a ausência de vícios no depoimento da paciente e um “termo de consentimento livre e esclarecido” que deveria ser assinado pela própria paciente, no qual constam os “riscos da realização da intervenção por abortamento”, servindo como desestímulo à realização do aborto (em especial de mulheres que estão extremamente vulnerabilizadas pela violência sexual praticada contra elas).

As mulheres que, no mapa, estão situadas nos Cram (‘M6’) enfrentaram dificuldades nos atendimentos em função da precarização desses equipamentos que há anos sofrem com falta de investimento público. Problemas simples de serem resolvidos, como a falta de um celular para realizar os atendimentos virtuais ou de um carro para uso exclusivo para o encaminhamento de vítimas aos abrigos, representam um grande obstáculo no acesso a esses serviços. Além disso, os Cram sofreram com cortes de energia, furtos, sucateamento, falta Equipamentos de Proteção Individual (EPI).

Com relação à Defensoria Pública, por meio dos relatos e discussões nas reuniões, identificaram-se como principais obstáculos ao pleno acesso à justiça: a redução do quadro de profissionais no período da pandemia e a ausência de defensores(as) da vítima durante os atos processuais, especialmente nos interiores do estado com varas únicas. Mulheres cujos procedimentos tramitam em comarcas nos interiores têm mais dificuldade de acessar a assistência jurídica. A assistência jurídica gratuita e o acompanhamento em qualquer ato processual são direitos de qualquer mulher em situação de violência doméstica e familiar (arts. 27 e 28 da Lei Maria da Penha(1919 Brasil. Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Diário Oficial da União. 8 Ago 2006.), mas, na prática, observou-se que o pleno gozo do direito de acesso à justiça está condicionado à disponibilização de defensores(as) pelo poder público e às condições socioeconômicas da mulher de arcar com as despesas para o transporte caso não resida em localidade próxima aos núcleos de atendimento.

A Patrulha Maria da Penha desempenha importante função de acompanhamento das medidas protetivas de urgência. Por intermédio dos relatos trazidos pelos policiais militares (no mapa, ‘M8’), pudemos identificar entraves como: a demora no processo de renovação das medidas protetivas quando não existem fatos novos; a dificuldades das vítimas em realizar o registro de ocorrência presencial nos casos de lesão corporal, ameaça ou injuria; a demora na intimação do autor do fato; o baixo volume de novas medidas protetivas recebidas pela Patrulha (reflexo da redução dos pedidos de medidas protetivas de urgência); a dificuldade de acionar as vítimas em função de dados incompletos nos registros de acionamento da Patrulha; a ausência ou a demora no feedback do Poder Judiciário e do Ministério Público referente aos relatórios dos casos graves sinalizados pela Patrulha; o extravio de documentos das assistidas nos casos em que a Patrulha remete ao plantão judiciário as atualizações de endereços do autor do fato ou evidências novas e entraves sistêmicos enfrentados pelos próprios patrulheiros ao realizar o ‘registro de ocorrência on-line’.

Por fim, destacamos alguns casos que foram corretamente encaminhados ao Poder Judiciário e autuados. No entanto, mesmo com o correto processamento, a mulher, representada no mapa por ‘M9’, encontrou entraves de ordem socioeconômica, como falta de dinheiro ou de acesso à internet para comparecer às audiências e indeferimento de medidas protetivas de urgência. A seta de cor preta representa o retorno dessas mulheres à situação de exclusão da arena da rede, na medida em que, em muitos casos em o contato com a vítima é perdido, a medida protetiva perde o objeto e é extinta.

Respostas do poder público aos obstáculos

A codificação mediante o método da Grounded Theory realizada nas atas das reuniões da Coem revelou algumas categorias de análise acerca das respostas articuladas pelas instituições: 1) a pressão por políticas e ações com perspectiva de gênero; 2) a pressão para melhoria da infraestrutura das instituições que compõem a rede de proteção à mulher em situação de violência; e 3) os aprimoramentos dos serviços e expedientes que refletem no dever da devida diligência.

Os diálogos com os poderes públicos buscaram a inclusão das mulheres em situação de violência em ações e programas sociais, tais como o programa lançado pela prefeitura do Rio de Janeiro para abrigamento de idosos em hotéis, o aluguel social (destinado a vítimas de calamidades públicas) e a distribuição de cestas básicas como medida de emergência para mulheres em situação de insegurança alimentar. Isso porque, não obstante o aumento das tensões no ambiente doméstico e os impactos da pandemia nas condições socioeconômicas(2121 Marques ES, Moraes CL, Hasselmann MH, et al. A violência contra mulheres, crianças e adolescentes em tempos de pandemia pela COVID-19: panorama, motivações e formas de enfrentamento. Cad. Saúde Pública. 2020 [acesso em 2023 jun 10]; 36(4):e00074420. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0102-311X00074420.
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, nenhuma política pública se destinou às mulheres em situação de violência doméstica.

Nos últimos anos, os equipamentos públicos e os serviços de atendimento às mulheres sofreram com sucateamento devido à crise do estado do Rio de Janeiro, tais como Delegacias de Polícia, casas-abrigo e Cram. Durante as reuniões, diante da carência de equipamentos, pessoal e investimento em inovação, observamos que a Coem serviu como um instrumento para mediação e pressão por melhorias. Os Cram e as salas de perícia nos IML sofreram com a demora na entrega dos EPI, essenciais à proteção e à prevenção de contágio pelo vírus Sars-CoV-2. Verificamos que, também nesses casos, após a identificação das demandas, a Coem e a Defensoria Pública pressionaram os órgãos competentes para a aquisição dos equipamentos.

Por fim, destacamos, em uma terceira categoria de análise, as ações que objetivaram o aprimoramento dos serviços e expedientes que refletem no dever de devida diligência. Embora tenham sido pensadas em um período de emergência sanitária, as soluções encontradas podem servir para mitigar os entraves ao acesso à justiça mesmo após o término do período mais severo da pandemia de Covid-19.

Essas ações, articuladas em diálogo entre distintas instituições, objetivaram tanto a prevenção quanto o aprimoramento dos procedimentos judiciais depois de praticada a violência. Assim, observamos duas formas de atuação na prevenção: a elaboração de cursos de capacitação interinstitucionais e a estruturação de campanhas de conscientização.

Ao longo do período analisado, identificamos a organização de cursos de capacitação direcionados a: policiais civis; policiais militares (a exemplo de policiais da Patrulha Maria da Penha, operadores do 190, despachantes de viaturas, responsáveis pelas salas de operações dos interiores e os subcomandantes dos batalhões); farmacêuticos (participantes da Campanha Sinal Vermelho) e servidores do TJRJ.

Duas campanhas de conscientização foram elaboradas: ‘Sinal Vermelho contra a violência doméstica’ e ‘Confinamento sem Violência’. A primeira, idealizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) em parceria com o CNJ, objetivou constituir um canal silencioso de denúncia da violência doméstica. Diante da impossibilidade de pedir auxílio ao 190 ou comparecer à delegacia de polícia para noticiar a violência sofrida, as mulheres poderiam se dirigir a uma farmácia e mostrar um ‘X’ vermelho na palma da mão ao(a) farmacêutico(a) ou demais funcionários(as), os quais acionariam a polícia militar, para o acolhimento e demais providências pertinentes. A campanha nacional ‘Confinamento sem Violência’ teve como objetivos conscientizar sobre as diferentes formas de violência doméstica e divulgar números de serviço para buscar ajuda.

Dentre as ações impulsionadas pela Coem/TJRJ para aprimoramento do atendimento da autoridade policial, destacamos a criação do canal telefônico 197 da Polícia Civil para noticiar situações de violência contra as mulheres. A maior efetividade dessa medida esbarrou na falta de policiais que pudessem se dedicar exclusivamente ao atendimento das chamadas por esse canal.

A Polícia Militar, por meio da Patrulha Maria da Penha, investiu no monitoramento e no acompanhamento das mulheres com medidas protetivas de urgência em vigor. Ações como as visitas presenciais e a possibilidade de contato por celular e WhatsApp alargaram as possibilidades de comunicação das mulheres em caso de descumprimento de medidas protetivas de urgência.

Como exemplo do aprimoramento dos procedimentos e expedientes judiciais, identificamos a criação de um plantão extraordinário no TJRJ exclusivo para a violência doméstica e familiar contra a mulher e de um aplicativo intitulado Maria da Penha Virtual, um ‘web app’ (uma página virtual que se comporta como um aplicativo) que pode ser acessado de qualquer dispositivo eletrônico por meio de um link. Ao acessar o aplicativo, a vítima preenche um formulário com seus dados pessoais, do agressor e da agressão sofrida, além de poder anexar foto e áudio para comprovação da violência sofrida. Após a inserção dos dados, um documento de solicitação de medida protetiva é gerado e encaminhado ao Poder Judiciário.

Discussão

Os resultados da pesquisa revelam que a queda do número de registros formais dos casos de violência doméstica e familiar contra as mulheres não representou a diminuição da violência. Observou-se, como em outras pesquisas(66 Guimarães SS, Alves Júnior RT, Medeiros MN. Isolamento social, proteção à saúde e risco para violência durante a pandemia de COVID-19. Psicol. Argum. 2021 [acesso em 2023 maio 30]; 39(104):339-358. Disponível em: https://periodicos.pucpr.br/psicologiaargumento/article/view/27842.
https://periodicos.pucpr.br/psicologiaar...

7 Oliveira D, Oliveira P, Rocha FF, et al. COVID-19, isolamento social e violência doméstica: evidências iniciais para o Brasil. Anais. 2020. [acesso em 2023 maio 30]. Disponível em: https://www.anpec.org.br/encontro/2020/submissao/files_I/i12-18d5a3144d9d12c9efbf9938f83318f5.pdf.
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-88 Vieira PR, Garcia LP, Maciel ELN. Isolamento social e o aumento da violência doméstica: o que isso nos revela? Rev. Bras. Epidemiol. 2020 [acesso em 2023 maio 30]; 23:e200033. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1980-549720200033.
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,1717 Glaser B, Strauss AL. The discovery of Grounded Theory: Strategies for qualitative research. New Brunswick; Aidine Transaction, 1967.,1818 Clarke AE. Situational Analyses: Grounded Theory Mapping After the Postmodern Turn. Symbolic Interaction. 2003 [acesso em 2023 jun 10]; 26:553-576. Disponível em: https://doi.org/10.1525/si.2003.26.4.553.
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, o incremento de agressões em termos de quantidade e gravidade durante o isolamento social.

A diminuição das comunicações formais foi ocasionada pelo medo de contaminação e em razão isolamento social, imposto pelas necessárias medidas de emergência sanitária. Além disso, a exclusão dos casos de violência doméstica da lista de atendimento presencial da Polícia Civil contribuiu para a expressiva redução do acesso das mulheres às delegacias.

A Resolução nº 152, de 4 de julho de 2020(2222 Rio de Janeiro. Secretaria de Estado de Polícia Civil. Resolução nº 152, de 4 de junho de 2020. Estabelece as rotinas de funcionamento dos órgãos e secretarias de Estado de Polícia Civil para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrentes do coronavírus e dá outras providências. Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro. 8 Jun 2020., estabeleceu as rotinas de funcionamento dos órgãos da Secretaria de Estado de Polícia Civil para enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente do novo coronavírus, entretanto, não elencou a violência doméstica como uma das prioridades de atendimento policial. Considerou-se relevante incluir no rol de atendimento presencial os seguintes casos: a) roubos de veículos; b) casos em que possa ocorrer o perecimento da prova; c) homicídios e remoções de cadáver; d) autos de prisão em flagrante; e e) outros casos a critério da autoridade policial ou dirigente do órgão, em que seja configurada hipótese de emergência policial(2222 Rio de Janeiro. Secretaria de Estado de Polícia Civil. Resolução nº 152, de 4 de junho de 2020. Estabelece as rotinas de funcionamento dos órgãos e secretarias de Estado de Polícia Civil para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrentes do coronavírus e dá outras providências. Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro. 8 Jun 2020.. Até a volta do atendimento presencial de forma geral, ocorrida em 2023, os casos envolvendo violência doméstica não foram discriminados explicitamente no rol de casos urgentes que merecessem atendimento das vítimas nas unidades de polícia. Na prática, ficou a critério da autoridade policial determinar o que era ‘hipótese de emergência policial’. Em muitos casos, as vítimas não foram atendidas sob o argumento de que o serviço não constava entre aqueles previstos para atendimento presencial.

Nesse panorama, o ‘registro de ocorrência on-line’ foi uma solução alternativa ao atendimento presencial que possibilitou a comunicação dos crimes sem que a vítima precisasse ir presencialmente à delegacia de polícia. No entanto, por ser um sistema em processo de implementação - e diante da suspensão do atendimento presencial nas delegacias -, o registro on-line, que deveria ser uma alternativa, passou a ser a única possibilidade de comunicação dos crimes. Todavia, as vítimas que contavam com acesso à internet encontraram dificuldades de compreensão da linguagem jurídica durante o preenchimento do registro de ocorrência on-line.

No Brasil, a exclusão digital atinge 33,9 milhões de brasileiros que nunca acessam a internet (de maioria das classes ‘C’, ‘D’ e ‘E’), e quase 87 milhões de brasileiros(as), em sua maioria negros(as), não conseguem se conectar todos os dias(2323 Rede Penssan. Inquérito nacional sobre insegurança alimentar no contexto da pandemia da covid-19 no Brasil. [local desconhecido]:Vox Populi; 2021.. No atual contexto, o acesso à internet precisa ser visto como direito fundamental a ser assegurado de forma universal já que dele depende a efetivação de outros direitos humanos, como o de acesso à justiça.

Ademais, a análise das atas com as narrativas das profissionais que participaram das reuniões da Coem (magistradas, promotoras, defensoras públicas, assistentes sociais, policiais militares e civis, entre outras) revela o incremento de algumas vulnerabilidades decorrentes de condições socioeconômicas, como a insegurança alimentar e a falta de saneamento básico e água potável.

A insegurança alimentar foi mais acentuada em domicílios chefiados por mulheres de raça/cor autodeclarada preta ou parda e com baixa escolaridade, que perderam seus empregos e não tinham como sustentar seus(suas) filhos(as)(2424 PWC Brasil. Instituto Locomotiva. O abismo digital no Brasil: como a desigualdade de acesso à internet, a infraestrutura inadequada e a educação deficitária limitam nossas opções para o futuro. [local desconhecido]: PWC Brasil, Instituto Locomotiva; 2022. [acesso em 20 abr 2022]. Disponível em: https://www.pwc.com.br/pt/estudos/preocupacoes-ceos/mais-temas/2022/O_Abismo_Digital.pdf.
https://www.pwc.com.br/pt/estudos/preocu...
. Assim como em outras pesquisas empíricas sobre violência contra a mulher e a pandemia de Covid-19, a vulnerabilidade das mulheres foi percebida em seu caráter interseccional(88 Vieira PR, Garcia LP, Maciel ELN. Isolamento social e o aumento da violência doméstica: o que isso nos revela? Rev. Bras. Epidemiol. 2020 [acesso em 2023 maio 30]; 23:e200033. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1980-549720200033.
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,99 Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe. Panorama Social da América Latina 2020, (LC/PUB.2021/3-P). Santiago: CEPAL; 2021.. Os dados revelaram que mulheres pobres, com pouco ou nenhum acesso à internet, moradoras de localidades de difícil acesso pelo poder público, mães que não tinham com quem deixar seus filhos, mulheres idosas que procuravam os Cram em busca de apoio psicológico/mental por causa confinamento ou mesmo devido à dificuldade de manejo com a tecnologia foram as que sofreram com mais intensidade os impactadas com a pandemia.

As ações emergenciais articuladas pelos Poderes Executivos de Municípios, do Estado do Rio de Janeiro e da União em resposta à pandemia não foram transversalizadas desde uma perspectiva de gênero, isto é, não incluíram ou tentaram mitigar a vulnerabilidade das mulheres em situação de violência doméstica e familiar. Em nível nacional, o auxílio emergencial não contemplou essas mulheres; no município do Rio de Janeiro, uma estratégia utilizada pela prefeitura foi o abrigamento temporário de pessoas idosas em hotéis, e, de igual maneira, não incluiu as mulheres vítimas de violência doméstica em seu escopo. Nas reuniões, observou-se que o diálogo entre representantes das instituições do sistema de justiça (especialmente Poder Judiciário, Defensoria Pública e Ministério Público) e representantes dos Poderes Executivos Municipais e Estadual envolveu, em diversas situações e sem sucesso, a demanda para inclusão dessas mulheres como escopo de políticas públicas como aluguel social ou abrigamento.

A efetividade do direito de acesso das mulheres à justiça é fundamental para a garantia da realização de todos os direitos protegidos e previstos na Constituição Federal, na Convenção Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as mulheres (Cedaw) e na Convenção de Belém do Pará. Nesse contexto, as Recomendações Gerais nº 33 e 35 estabelecem que o direito de acesso à justiça é multidimensional, abarcando a justiciabilidade, disponibilidade, acessibilidade, boa qualidade, provisão de remédios para as vítimas e a prestação de contas do sistema de justiça. Elaborados por especialistas (Comitê Cedaw), os documentos apontam fatores que impedem o acesso das mulheres à justiça: a concentração de tribunais e órgãos judiciais nas principais cidades e sua não disponibilidade em regiões rurais e remotas; o tempo e o dinheiro necessários para acessá-los; a complexidade dos procedimentos; as barreiras físicas para as mulheres com deficiências; a falta de acesso à orientação jurídica de alta qualidade e competente em matéria de gênero, bem como as deficiências na qualidade dos sistemas de justiça (por exemplo, decisões ou julgamentos insensíveis a gênero devido à falta de formação, à demora e à duração excessiva dos procedimentos, à corrupção etc.)(2525 Nações Unidas. Comitê Cedaw. Recomendação nº 33 sobre o acesso das mulheres à justiça. CEDAW/C/GC/33. Nova Iorque: UN; 3 ago 2015.,2626 Nações Unidas. Comitê Cedaw. Recomendação nº 35 sobre violência baseada no gênero. CEDAW/C/GC/35. Nova Iorque: UN; 26 jul 2017..

Não obstante as inúmeras normativas que impõem ao Estado brasileiro o dever de garantir o acesso à justiça, o que ficou evidenciado a partir da análise das narrativas foi: 1) o duplo impacto negativo da pandemia (na vida das mulheres com o aumento da violência nos lares, diminuição do acesso à formalização de denúncias e maior vulnerabilidade socioeconômica, e nas instituições que compõem a Rede de Enfrentamento à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher); e 2) a ineficácia dos Poderes Executivos em articularem políticas públicas e/ou ações pontuais capazes de mitigar a violência nos lares, que se revelavam mais intensas durante o período de emergência sanitária.

A principal limitação desta pesquisa diz respeito à identificação dos casos de obstáculos que sequer chegaram ao conhecimento de quaisquer profissionais que participaram das reuniões durante o período analisado. Isto é, as mulheres que sofreram violência doméstica e não chegaram a comunicá-la a nenhum serviço público (seja nos centros de atendimento, na Polícia Civil ou Militar, na Defensoria Pública, no Ministério Público, entre outros) não puderam ser alcançadas pela pesquisa devido ao objeto selecionado. Como explicitado, a violência doméstica é uma forma de violência com altos índices de cifras ocultas, que seguem sendo um desafio para pesquisas empíricas que pretendem refletir sobre o acesso à justiça.

Conclusões

A pandemia de Covid-19 contribuiu para o aumento da tensão nos lares. Enquanto os números oficiais relativos a crimes praticados no âmbito da violência doméstica apontavam um decréscimo da formalização de registros de ocorrência, profissionais dos Cram relatavam maior procura de mulheres em situação de violência. Diante da subnotificação de casos, a análise das atas da Coem permitiu a sistematização de entraves ao acesso à justiça de difícil detecção. A análise do conteúdo das atas das reuniões periódicas revelou entraves no acesso à justiça que não são visíveis nas pesquisas quantitativas, sobretudo de órgãos oficiais do governo, que têm como fonte de dados os registros formalizados pelas vítimas.

As narrativas das profissionais revelaram o impacto da pandemia na vida das mulheres e no acesso às instituições do sistema de justiça. Dessa forma, a pesquisa conseguiu mapear entraves que impediram mulheres de realizar o registro de ocorrência ou de ingressar formalmente nos serviços de assistência.

O impacto negativo da pandemia foi observado tanto na maior vulnerabilização socioeconômica com a insegurança alimentar, o desemprego, o aumento do trabalho doméstico de cuidado com crianças e idosos/as quanto no aumento das tensões e violências nos lares devido ao confinamento das mulheres com seus agressores em casa e às incertezas diante da emergência sanitária.

Com relação às instituições que compõem a Rede de Enfrentamento à violência contra a Mulher, a pandemia agravou alguns obstáculos estruturais já existentes, como a falta de investimento em infraestrutura e de recursos humanos. A ausência de servidores capacitados e sensíveis a gênero, a falta de EPI, de telefone nos Cram de atendimento às mulheres, a distância dos fóruns e o medo da contaminação pelo vírus da Covid-19 foram alguns dos obstáculos identificados. O fechamento de serviços essenciais, como as delegacias de polícia, que não incluíram expressamente no rol de crimes que demandariam atendimento presencial obrigatório aqueles praticados em contexto de violência doméstica e familiar, representou um dos maiores entraves no acesso à justiça durante o período analisado. Portanto, no Rio de Janeiro, a queda dos números de registros de ocorrência não possui correlação com a diminuição da violência. O isolamento social, o medo do contágio e as dificuldades encontradas de acessar instituições que não consideraram o serviço como essencial motivaram a diminuição na formalização dos registros.

Com relação à resposta do Poder Executivo de Municípios, Estados e União, identificou-se a ausência da transversalização da perspectiva de gênero. A análise das dinâmicas das reuniões revelou a ineficácia na articulação de políticas públicas e/ou ações pontuais capazes de mitigar a violência nos lares, já que as mulheres em situação de violência doméstica não foram incluídas como grupo prioritário em quaisquer programas/ações sociais.

Por fim, concluímos que a Coem se estabeleceu como um órgão estratégico para identificar obstáculos e articular, em diálogo com as instituições que compõem a rede, estratégias de enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher. O processo de codificação das atas revelou algumas categorias de análise acerca das respostas articuladas pelas instituições: 1) a pressão por políticas e ações com perspectiva de gênero; 2) a pressão para melhoria da infraestrutura das instituições que compõem a rede de proteção à mulher em situação de violência; e 3) os aprimoramentos dos serviços e expedientes que refletem no dever da devida diligência. Consideramos que algumas medidas tomadas em caráter de urgência como uma resposta à pandemia podem ser soluções para a atuação institucional em períodos ordinários. Recomenda-se o acompanhamento e a sistematização dos relatos das profissionais que compõem a Coem de forma contínua para identificação dos entraves ao acesso à justiça e busca articulada por soluções.

Agradecimentos

À Coem e à Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro pelo acesso aos dados.

  • Suporte financeiro: não houve

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Editado por

Editora responsável: Vania Reis Girianelli

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    21 Jul 2023
  • Aceito
    12 Nov 2023
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