Open-access Satisfação de mulheres hipertensas na atenção primária com relação aos atributos essenciais família e comunidade

Satisfaction of hypertensive women assisted in primary care with regard to family and community essential attributes

Resumos

A Estratégia Saúde da Família propõe assistência integral e resolutiva por meio da interação entre usuários, profissionais de saúde e comunidade no cuidado ao hipertenso. Utilizou-se uma adaptação do Primary Care Assessment Tool para avaliar a satisfação das usuárias com relação a duas dimensões essenciais da atenção primária: o 'Enfoque na Família' que apresentou índice composto satisfatório, enquanto a 'Orientação para a Comunidade' revelou menor satisfação em um dos Distritos Sanitários. A avaliação permitiu identificar os distritos que apresentam o melhor e o pior desempenho. Sugere-se a intervenção dos gestores de saúde para a melhoria da assistência às hipertensas assistidas na área com o pior desempenho.

Avaliação em saúde; Atenção Primária à Saúde; Hipertensão


The Family Health Strategy proposes a comprehensive and effective care of hypertensive patients by means of the interaction among users, health professionals and community. An adaptation of the Primary Care Assessment Tool was applied to assess users' satisfaction with respect to two key dimensions of primary care: 'Focus on Family' showed satisfactory composite index, while 'Community Guidance' revealed a lesser satisfaction index in one of the health districts. This study provided for the identification of the districts presenting the best and the worst performances. We suggest that health care managers take action so to improve care for hypertensive users in the district presenting the worst performance.

Health evaluation; Primary Health Care; Hypertension


Introdução

A Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) contribui para a elevada mortalidade cardiovascular em todas as regiões do País. Apesar de a aferição da pressão arterial ser um método simples para o diagnóstico da HAS, muitos hipertensos desconhecem a sua condição e, embora exista um vasto arsenal terapêutico para o tratamento da hipertensão, apenas um terço dos hipertensos em tratamento tem seus níveis tensionais controlados (CIPULLO ET AL., 2010).

Nos últimos 20 anos, observou-se a prevalência de HAS acima de 30% no Brasil. Considerando-se valores de pressão arterial (PA) ≥ 140/90 mmHg, a prevalência variou entre 22,3% e 43,9% (média de 32,5%), atingindo mais de 50% em pacientes entre 60 e 69 anos e 75% naqueles acima de 70 anos. Entre os gêneros, a prevalência foi de 35,8% nos homens e de 30% em mulheres (SOCIEDADE BRASILEIRA DE HIPERTENSÃO, 2010). Tais índices são atribuídos à crescente inserção do gênero feminino no mercado de trabalho e à sua maior exposição a outros agravos no modo de reproduzir a vida, resultados do movimento de urbanização e de desenvolvimento econômico e social das últimas décadas (MACHADO, 2008).

O aumento da incidência e prevalência da HAS nessa população tem enfatizado a atenção às questões de saúde para as mulheres. O rápido processo de envelhecimento do Brasil, sem serviços apropriados, constitui um dos problemas que preocupa os governos, tanto municipal, quanto estadual e federal. Desse modo, observa-se o crescente movimento pelo bem-estar e por aspectos que contribuem para a promoção da saúde e ampliação da qualidade de vida, principalmente das mulheres, dado que representam a maioria dos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) (OLIVEIRA ET AL., 2008).

Contandriopoulos et al. (1997) entendem que a ajuda na tomada de decisões depende de julgamento de valor a respeito de determinada intervenção ou qualquer um de seus componentes.

Um dos aspectos centrais da avaliação em saúde está relacionado à qualidade dos serviços prestados. No Brasil, observa-se um destaque para as iniciativas de avaliação da Atenção Primária à Saúde (APS) em prol da melhoria da qualidade dos serviços (BRASIL, 2005; ALMEIDA; MACINKO, 2006; CASTRO ET AL., 2012; ELIAS ET AL., 2006; JORGE, 2007; MACINKO; ALMEIDA; SÁ, 2007; MORAES; BERTOLOZZI; HINO, 2011). Desse modo, a satisfação do paciente tornou-se um dos elementos-chave na avaliação da qualidade em saúde e uma meta a ser alcançada pelos serviços. No País, os estudos sobre satisfação têm se desenvolvido por intermédio da participação da comunidade nos processos de planejamento e avaliação (ESPERIDIÃO; TRAD, 2006).

A assistência integral e resolutiva depende da adequada interação entre usuários, profissionais de saúde e comunidade durante o processo de cuidado integral. A família representa o elo afetivo do paciente e o alicerce de sua identidade social, de sua sobrevivência material e espiritual, por meio da qual se constrói seu modo de vida. A atenção voltada para o núcleo e dinâmica familiar foi retomada a partir da implantação da Estratégia Saúde da Família (ESF), de modo a possibilitar acesso mais igualitário e inclusivo segundo os princípios doutrinários do SUS, com ênfase na integralidade, equidade e universalidade.

A família brasileira é predominantemente nuclear, mas apresenta divergências no contexto socioeconômico e cultural. Além dos estreitos laços afetivos pode existir, também, um círculo de amigos considerado parte da família, mesmo sem consanguinidade, formando uma rede de suporte (CECAGNO; SOUZA; JARDIM, 2004). A saúde da família está interligada à saúde de seus membros. Por exemplo, a comunicação ineficaz no seio familiar pode influenciar negativamente a saúde de seus membros, dificultando as relações com outras pessoas que não pertencem ao círculo familiar (ELSEN, 1994).

A integralidade da assistência pode ser alcançada por meio da identificação do usuário em seu núcleo familiar e inserida em contexto sociocultural específico. A equipe de saúde deve conhecer a estrutura e a dinâmica da família, de modo a possibilitar a inclusão participativa e o envolvimento da família no cuidado ao hipertenso para que, em conjunto, possam estabelecer a coparticipação e responsabilidade no processo terapêutico (NOGUEIRA ET AL., 2011).

A avaliação das dimensões 'Enfoque na Família' e 'Orientação para a Comunidade' nos serviços de atenção primária se faz necessária para promover transformações que possam refletir na qualidade, além de reforçar o compromisso e o envolvimento entre profissionais de saúde, indivíduo, família e comunidade.

Considerando a importância da HAS no âmbito da APS e da participação da mulher no contexto social do núcleo familiar e comunitário, o objetivo deste estudo é o de avaliar essas duas dimensões e sua influência no controle pressórico de mulheres usuárias da ESF.

Material e métodos

Trata-se de estudo transversal, descritivo e analítico, de base populacional, realizado de maneira aleatória e probabilística por meio de amostra com 340 usuários (do sexo masculino e feminino) da ESF com idade acima de 19 anos, no município de João Pessoa (PB), nos anos de 2006 e 2007 e acompanhados pelo serviço durante o ano de 2008. O Município de João Pessoa apresentava cobertura de saúde da família de 89,2% no período do estudo, representando o acompanhamento de 626.728 pessoas. No Município, a saúde é descentralizada e organizada em cinco Distritos Sanitários, compostos por 180 Unidades de Saúde da Família e cinco Unidades Básicas de Saúde com 43.953 pacientes hipertensos cadastrados no Sistema de Atenção Básica (Siab) até 2006.

A amostra dos participantes foi selecionada aleatoriamente nas Unidades de Saúde da Família, contemplando os cinco Distritos Sanitários do município no período de novembro de 2009 a março de 2010. Os dados foram obtidos a partir de um recorte do estudo 'Avaliação da efetividade no controle da hipertensão arterial sistêmica e associação com fatores de risco comparando a atenção da ESF e de Unidades Básicas de Saúde de municípios do Nordeste do Brasil', que compõe a primeira etapa de uma coorte iniciada em 2008. Do universo do estudo, 273 são mulheres.

O instrumento elaborado para o estudo foi baseado no Primary Care Assessment Tool (PCATool), validado para avaliar os aspectos críticos da APS em países industrializados (STARFIELD, 2002). No Brasil, a adaptação e revalidação foram feitas por meio de estudo realizado no município de Petrópolis (ALMEIDA; MACINKO, 2006). Para este estudo foi feita uma adequação e validação do instrumento para avaliar doentes de hipertensão arterial, usuários da ESF (PAES, 2014).

Desse modo, tomaram-se como base as oito dimensões da atenção primária: Saúde do Caso Confirmado de HAS; Acesso ao Diagnóstico; Acesso ao Tratamento; Adesão/Vínculo; Elenco de Serviços; Coordenação; Enfoque na Família; Orientação para a Comunidade.

Cada dimensão foi representada por perguntas com respostas correspondentes a uma escala de possibilidades pré-estabelecidas (Escala do tipo Likert), atribuindo-se valores de um a cinco para as respostas 'nunca', 'quase nunca', 'às vezes', 'quase sempre' e 'sempre', respectivamente, além das opções 'não se aplica' e 'não sabe/não respondeu' para captar todas as possibilidades.

Segundo recomendação do Ministério da Saúde, o acompanhamento pelo serviço foi considerado quando o indivíduo compareceu a pelo menos três consultas durante o ano, com registro da pressão arterial no prontuário (BRASIL, 2006). Além disso, agregou-se mais um recorte de acompanhamento considerando todos os valores da pressão arterial constantes no prontuário, independente do número de consultas em 2008.

Para as dimensões 'Enfoque na Família' e 'Orientação para a Comunidade', o perfil dos hipertensos foi investigado no instrumento por meio das variáveis: sexo, faixa etária, tipo de usuário, etnia, escolaridade, situação conjugal e indicador de satisfação.

Para a dimensão 'Enfoque na Família', considerou-se o indivíduo em seu ambiente cotidiano, sendo que a avaliação das necessidades de saúde enfatizou o contexto familiar e a exposição a ameaças à saúde de qualquer ordem, além do enfrentamento do desafio dos recursos familiares limitados. A dimensão 'Orientação para a Comunidade' implica o reconhecimento de que todas as necessidades de saúde da população ocorrem num contexto social determinado, que deve ser conhecido e tomado em consideração (SHI; STARFIELD; XU, 2001).

Para avaliar o grau de satisfação das usuárias quanto às dimensões analisadas, utilizou-se a curva ROC e o índice de Youden, de modo a identificar o ponto de corte do valor que seria considerado satisfatório para a obtenção do controle pressórico.

O teste de Kruskal-Wallis verificou a diferença entre os índices compostos das dimensões dos Distritos Sanitários, considerando evidência estatística valores abaixo de 5% de significância. Em seguida, realizou-se o teste de comparações múltiplas ou post-hoc de Dunnett para identificar quais Distritos Sanitários diferiram significativamente entre si.

Para a construção do banco de dados, utilizaram-se os softwares Microsoft Office Access(r), Microsoft Office Excel(r) e para as análises estatísticas, o software IBM SPSS Inc PASW Statistics versão 18.0. O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Hospital Lauro Wanderley da Universidade Federal da Paraíba, protocolo n.o 0101 de 29/04/2009.

Resultados

O perfil das participantes do estudo pode ser visualizado na tabela 1, que apresenta a distribuição das usuárias por Distrito Sanitário. A faixa etária predominante foi de adultas, com idade acima de 18 anos, com exceção dos Distritos 1 e 3, que apresentaram maior percentual de idosas.

Tabela 1.
Caracterização da amostra de mulheres por Distrito Sanitário

Com relação à etnia, observou-se um predomínio de não brancas em todos os Distritos Sanitários do Município. Neste estudo, 17,3 % das entrevistadas declararam não saber ler nem escrever e 78,3% moravam com o companheiro. Ao investigar o número de consultas realizadas em um ano, observou-se que em apenas 27,8% dos casos houve mais de três consultas, destacando-se o Distrito Sanitário 3, onde 75,9% das mulheres realizaram mais de três consultas ao ano.

A análise da curva ROC e o cálculo do índice de Youden permitiram mensurar o ponto de corte para o valor do índice composto satisfatório para se alcançar controle pressórico. Para a dimensão 'Enfoque na Família', o ponto de corte foi 1,50, enquanto para a 'Orientação para a Comunidade', 1,16. Desse modo, valores superiores a esses indicaram satisfação com o serviço para as respectivas dimensões. Quando as duas dimensões foram avaliadas em conjunto, o ponto de corte foi de 1,50.

A dimensão 'Enfoque na Família' apresentou índice composto satisfatório para todos os Distritos Sanitários. O Distrito 1 revelou menor satisfação com relação à dimensão 'Orientação para a Comunidade' (tabela 1).

O teste de Kruskal Wallis não evidenciou qualquer relação entre as variáveis que compuseram o perfil sócio demográfico e a satisfação com o serviço (índice composto das dimensões) ao avaliar a distribuição regional por Distritos Sanitários.

A tabela 2 mostra os indicadores estatísticos descritivos: média, desvio padrão e intervalo de confiança de cada item correspondente à dimensão analisada. O padrão de respostas variou de 1 a 5, sendo 1 = Nunca e 5 = Sempre. Na dimensão Enfoque na Família, o primeiro item (M1) se refere à importância de os profissionais da unidade conhecerem as pessoas que moram com a paciente. A média de respostas mais baixa correspondeu ao Distrito 1, indicando que a resposta mais frequente era a de que os profissionais não procuravam conhecer as pessoas que moravam com a usuária. O segundo item (M2) indagou se os profissionais conversavam com as pessoas que moravam com a usuária sobre HAS, estilo de vida, tratamento e outros problemas de saúde. A média mais baixa ocorreu no Distrito 1, indicando insatisfação. O terceiro item questionou se os profissionais conversavam sobre a importância do envolvimento da família no tratamento e, novamente, a média de respostas mais baixa ocorreu no Distrito Sanitário 1, sugerindo insatisfação também quanto a esse requisito.

Tabela 2.
Distribuição dos índices nos questionamentos das dimensões estudadas, por Distritos Sanitários

Na dimensão 'Orientação para a Comunidade', todas as médias foram mais baixas que a dimensão anterior. Esta dimensão trata do questionamento sobre a participação em instituições da comunidade como apoio para resolução de problemas de saúde (N1), sobre ações desenvolvidas pelo serviço de saúde na comunidade (N2) e sobre a influência dos amigos/colegas no tratamento (N3). O Distrito Sanitário 1 apresentou pior desempenho dentre os Distritos Sanitários. O item que aborda a integração dos serviços de saúde com igrejas, associações de bairros, escolas e sociedade civil organizada (N2) apresentou menor aproveitamento dentre os itens explorados ( tabela 2).

A distribuição geográfica do índice composto pelas dimensões 'Enfoque na Família' e 'Orientação para a Comunidade', por Distrito Sanitário, é apresentada na figura 1. Observa-se maior índice na região central e sul do Município, correspondendo aos Distritos Sanitários 2 e 3, e menor índice na periferia da cidade, onde se localiza o Distrito Sanitário 1.

Figura 1.
Mapa espacial dos Distritos Sanitários em João Pessoa (PB)

Esses índices compostos referem-se à média das duas dimensões avaliadas em conjunto e foram identificadas por cores no mapa. O desempenho do Distrito Sanitário 1 apresenta o índice de 2,06 (pior desempenho). Localiza-se na região sudoeste, sendo composto por 48 unidades de saúde da ESF, representa 14 bairros do Município, tem um Centro de Assistência Integrada à Saúde (Cais), duas Farmácias Populares, 94,5% de hipertensos cadastrados e cobertura da ESF de 86%.

O quarto desempenho calculado diz respeito ao Distrito Sanitário 4. Localiza-se na região Nordeste do município de João Pessoa, é composto por 26 unidades da ESF, representa 12 bairros, tem uma farmácia Popular e não tem Cais. Esse Distrito Sanitário possui 88,9% de hipertensos cadastrados e apenas 58,1% com cobertura da ESF.

O Distrito Sanitário 5 foi classificado como o terceiro melhor desempenho. Localizado no litoral do Município, tem 18 unidades da ESF e representa 20 bairros. Nesse distrito, 80,2% dos hipertensos estão cadastrados e 28,1% possuem cobertura da ESF.

O Distrito Sanitário 2 foi classificado como segundo melhor desempenho. Está localizado no Noroeste do município de João Pessoa, possui 37 unidades da ESF e contém quatro bairros. O Distrito Sanitário disponibiliza para a população, nessa região, um Cais, uma Farmácia Popular e um Centro de Atenção Psicossocial (Caps).

O Distrito Sanitário 3 obteve o melhor desempenho para as dimensões em conjunto. Seu índice composto é de 2,98, fica localizado na região sudeste do município de João Pessoa, é composto de 53 unidades da ESF e 13 bairros. Apresenta 80,2% de hipertensos cadastrados e 90,5% de cobertura da ESF.

O teste de Dunnet permitiu a análise de comparações múltiplas, identificando quais Distritos Sanitários diferiam entre si. Analisando-se isoladamente a dimensão 'Enfoque na Família' (tabela 3), obteve-se diferença significativa entre os Distritos Sanitários 2 e 3, sendo considerados os melhores índices em comparação ao Distrito Sanitário 1.

Tabela 3.
Análise do índice composto das dimensões conjuntas por Distrito Sanitário (Comparações múltiplas - Post Hoc)

Abordando-se a dimensão 'Orientação para a Comunidade', obteve-se diferença significativa entre os Distritos Sanitários 2 e 3 (melhores desempenhos) e entre os Distritos Sanitários 1 e 4 (piores desempenhos).

Esses resultados foram reafirmados quando se avaliaram as duas dimensões em conjunto. O teste de Dunnet, representado pela matriz da tabela 3, identifica os Distritos Sanitários 1, 2 e 3, que apresentaram diferenças estatisticamente significantes entre eles.

Discussão

O Brasil tem experimentado mudanças significativas na organização de seu sistema de saúde por meio das ações desenvolvidas na ESF. O novo enfoque enfatiza a APS e se estabelece a partir de dimensões que o qualificam e o avaliam. A família e a comunidade assumem destaque no controle da HAS na tentativa de tornar as pessoas envolvidas com essa patologia, quer seja o paciente, equipe, terapêutica ou família, sujeitos ativos na busca por condições de vida saudável. Nessa perspectiva, este estudo avaliou a influência da família e da comunidade para o controle da hipertensão arterial sistêmica de mulheres usuárias dos serviços de saúde do município de João Pessoa.

O foco do estudo foi a atenção aos usuários por meio das ações básicas de saúde e o direcionamento para ações específicas das comunidades dos distritos estudados, incluindo dimensões que não abrangiam apenas o tratamento clínico da doença (LOPES ET AL., 2012).

No estudo realizado em São Luís utilizando os indicadores dos usuários na dimensão 'Orientação para a Comunidade', observou-se uma elevada porcentagem de 'não sabe' como resposta, o que chamou a atenção para a falta de conhecimento da comunidade acerca das atividades realizadas na ESF ou a sua incipiente participação nos processos democráticos ou, ainda, a quase inexistência dessas ações na ESF do município de São Luís (ALENCAR ET AL., 2014).

Os resultados desse estudo revelaram que as mulheres constituem maioria entre os usuários hipertensos da ESF. A responsabilidade pelas atividades domésticas, além do trabalho fora de casa, coloca essa população em uma tripla jornada de trabalho, aumentando sua carga de stress, o que gera a necessidade de inclusão da família e da comunidade na elaboração de um projeto terapêutico diferenciado. Nesse sentido, os serviços devem estar atentos para que o tratamento da hipertensão não se restrinja ao fato de 'tomar remédios', mas à mudança de comportamentos. Torna-se imprescindível uma abordagem específica da equipe de saúde direcionada à família para a melhoria da assistência às mulheres portadoras de HAS.

O estudo evidenciou também que não há relação entre os indicadores sociais e demográficos mais precários e o menor desempenho das equipes. Da mesma forma, observou-se que o perfil sócio-demográfico não influenciou o desempenho das equipes de saúde na realização de ações integradas com a família e a comunidade para melhorar a assistência das mulheres portadoras de HAS. A influência da equipe integrada com a comunidade, da gestão participativa e da integralidade entre profissionais da ESF entre si podem ser fatores norteadores para justificar tais achados (CRESWELL; FETTERS; IVANKOVA, 2004).

Em relação à enquete com os usuários dos Distritos Sanitários, observou-se que as ações dos serviços de saúde têm sido efetivas na responsabilização da família e da comunidade para o apoio no tratamento da HAS das mulheres em João Pessoa. Ao mesmo tempo, a família e a comunidade influenciam de tal maneira o controle da hipertensão arterial que há diferença entre os Distritos Sanitários de saúde no Município como apresentado nos resultados. A equipe de enfermagem, quando comprometida com suas competências, desenvolve vínculo com os portadores de doenças crônicas, promovendo a corresponsabilização do tratamento pela família (FORTIN ET AL., 2010).

Para Starfield (2002), o Enfoque na Família pressupõe a consideração do indivíduo em seu ambiente cotidiano, devendo a avaliação das necessidades de saúde considerar o contexto familiar e as ameaças à saúde de qualquer ordem, além do enfrentamento dos recursos familiares limitados. O fato de não se observar diferença entre os dois maiores e menores desempenhos implica reconhecer que as necessidades de saúde da população ocorrem num contexto social determinado, que deve ser conhecido e levado em consideração, direcionando para a reorganização da saúde na esfera pública (GOHN, 2004).

Considerar o Distrito Sanitário 1 como o de pior desempenho sugere que as unidades que o compõem possam estar atendendo a demanda maior que sua área de abrangência. Deve-se considerar que o Distrito Sanitário 1 tem cobertura da assistência da ESF abaixo da porcentagem de hipertensos cadastrados na região. Fica evidente também que, nessas unidades, não há uma interação com a comunidade atendida, dificultando o vínculo com o usuário (GOMES; MERHY, 2011).

O valor médio dos índices evidenciou uma melhor relação entre os profissionais e a família da usuária hipertensa, bem como relação satisfatória da equipe de saúde direcionada à Orientação para a Comunidade no Distrito Sanitário 3, sugerindo a existência de processo de trabalho interrelacional e educativo em prol do desenvolvimento de potencialidades individuais e coletivas para o enfrentamento da doença nesse distrito (CARDOSO; NASCIMENTO, 2010).

O estudo permitiu verificar a efetividade das ações dos serviços de saúde na responsabilização da família e da comunidade para o apoio no tratamento da HAS das mulheres em João Pessoa por meio da identificação dos Distritos Sanitários que apresentaram melhor e pior desempenho. Segundo Batista e Melo (2011), o incentivo à participação popular pode interferir positivamente nesse processo. Sugere-se a intervenção prioritária dos gestores de saúde no desenvolvimento de ações que incentivem à participação da comunidade no processo terapêutico.

Atualmente, novos indicadores estão sendo produzidos para avaliar também a qualidade da assistência ou o cuidado em saúde. O enfoque qualitativo complementa, com seus julgamentos e atribuições de valor e significado, novos sentidos à dimensão quantitativa, enriquecendo-a. Este estudo merece ser aprofundado com novas pesquisas de enfoque qualitativo para identificar de maneira aprofundada a influência da família e da comunidade no controle da hipertensão arterial, associada ou influenciada pela rede de assistência e pelos movimentos sociais que atuam na comunidade.

Conclusão

O Brasil tem experimentado mudanças significativas na organização de seu sistema de saúde, que se traduz no SUS. O novo enfoque enfatiza a Atenção Básica e se estabelece a partir de programas e estratégias que o qualificam como um conjunto de instituições inter-relacionadas - dentre as quais a família e a comunidade assumem destaque no controle da HAS -, na tentativa de tornar as pessoas envolvidas com essa patologia - paciente, equipe, terapêutica ou família - sujeitos ativos na busca por condições de vida saudável. Nessa perspectiva, este estudo avalia a influência da família e da comunidade para o controle da hipertensão arterial sistêmica de mulheres usuárias dos serviços de saúde do município de João Pessoa.

Os resultados sugerem, entretanto, que os profissionais do Distrito Sanitário 3 estabeleceram melhor relação com os usuários. Do ponto de vista dos usuários, os profissionais das ESF do Distrito Sanitário 3 são mais orientados para abordar a família e a comunidade do que aqueles que atuam no Distrito Sanitário 1.

Durante a execução deste estudo, observou-se atuação das equipes com graus diferenciados de comprometimento com suas funções tanto na atenção como no acompanhamento do usuário. Em algumas unidades, era perceptível o desconhecimento das ações desenvolvidas durante as atividades diárias das equipes. Sugere-se um acompanhamento ou fiscalização rotineira das ações desenvolvidas nos serviços e atividades dos profissionais por parte da gestão para que os trabalhos sejam desenvolvidos de maneira uniforme em todos os distritos.

Trabalhos exploratórios podem contribuir com um enfoque qualitativo sobre o modo de operar de algumas unidades dos Distritos Sanitários com pior desempenho. Nesse sentido, os gestores e profissionais poderiam ter subsídios que os ajudariam no processo de tomada de decisão para auxiliar na identificação das 'melhores práticas' a serem adotadas nas demais unidades. Esses serviços podem representar um exemplo ou um 'modelo' possível de ser alcançado pelas outras unidades da ESF, que, supostamente, por terem a mesma estrutura podem ter o mesmo potencial.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2015

Histórico

  • Recebido
    Mar 2014
  • Aceito
    Set 2014
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