RESUMO
A conexão entre saúde mental e trabalho possui uma extensa trajetória, em muitos momentos implicando opressão e cerceamento da liberdade. Buscando um novo lugar do trabalho para usuários da Rede de Atenção Psicossocial (Raps), a economia solidária vem se destacando enquanto possibilidade múltipla no combate ao estigma, enfatizando a autonomia e a emancipação das pessoas por meio da solidariedade e do cooperativismo. Dessa forma, o presente artigo visa trazer um relato de experiência interprofissional sobre o projeto de extensão universitária de economia solidária e saúde mental. Trata-se de um trabalho descritivo, desenvolvido com base na observação participante e analisado à luz de Mikhail Bakhtin e Paulo Freire. Conclui-se que o presente projeto é de suma importância na construção de saberes múltiplos, visto que contempla profissionais das artes plásticas e cênicas, saúde e artesãos. Sendo assim, a prática formativa de diversos atores favorece um fazer potente por meio da arte, cultura e trabalho para uma gestão que objetiva a inclusão social, a reflexão crítica e a autonomia no campo da saúde mental.
PALAVRAS-CHAVE
Saúde mental; Desinstitucionalização; Autonomia; Inclusão social.
ABSTRACT
The connection between mental health and work has a long trajectory, often involving oppression and restriction of freedom. Seeking a new place of work for users of the Psychosocial Care Network (RAPS), the solidarity economy has been highlighted as a multiple possibility in the fight against the stigma, emphasizing people’s autonomy and emancipation through solidarity and cooperativism. Thus, this article aims to bring an interprofessional experience report on a universitary extension project of Solidarity Economy in Mental Health. This is a descriptive work, developed based on participant observation and analyzed in the light of Mikhail Bakhtin and Paulo Freire. It is concluded that this project is of paramount importance in the construction of multiple knowledge, as it includes professionals in the plastic and performing arts, health, and artisans. Thus, the training practice of several actors contemplates a powerful action through art, culture, and work for a management that aims at social inclusion, critical reflection, and autonomy in the field of mental health.
KEYWORDS
Mental health; Deinstitutionalization; Autonomy; Social inclusion.
Introdução
A extensão universitária no Brasil é abarcada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei nº 9.39411 Brasil. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Brasil. Diário Oficial da União. 20 Dez 1996., e pelas Diretrizes para a Extensão na Educação Superior Brasileira, Lei nº 13.00522 Brasil. Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014. Aprova o Plano Nacional de Educação e dá outras providências. Diário Oficial da União. 25 Jun 2014., buscando contemplar os processos de ensino, pesquisa e extensão. A LDB destaca a importância da extensão para a formação em nível superior na medida em que tais práticas corroboram o conhecimento entre as diversas áreas dos saberes. A partir dessa interlocução, é possível ultrapassar sua área de formação e competências, trazendo novas perspectivas para um processo educacional crítico e ampliando os fazeres universitários às necessidades comunitárias33 Bazzo RP. Interdisciplinaridade no ensino de graduação na área da saúde: Percepção de estudantes. [monografia]. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina; 2012..
O fazer em saúde como prática coletiva vem sendo cada vez mais discutido. Nesse sentido, refletindo sobre o campo educacional na formação de futuros profissionais, percebe-se a importância de desenvolver formas de articulação dos saberes, para que haja uma interdisciplinaridade dos conhecimentos. A interdisciplinaridade constitui-se no viés de uma crítica contemporânea do saber, debatendo sobre a superação da separação dos saberes em partes cada vez mais especializadas, acarretando a dificuldade do diálogo44 Azevedo AB, Pezzato LM, Mendes R. Formação interdisciplinar em saúde e práticas coletivas. Saúde debate. 2017; 41(113):647-657.. A interdisciplinaridade surge como uma proposta de articulação entre áreas visto que “produz um deslocamento na formação de origem de cada uma dessas áreas, o que gera uma partilha, um espaço de contaminação e composição”44 Azevedo AB, Pezzato LM, Mendes R. Formação interdisciplinar em saúde e práticas coletivas. Saúde debate. 2017; 41(113):647-657.(648). Ou seja, a interdisciplinaridade tem como intuito agregar saberes diversos na busca pela partilha de conhecimentos, acrescentando olhares múltiplos ante o desafio da produção de conhecimentos.
Este relato de experiência busca descrever a atuação interdisciplinar em um projeto de extensão do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (ISC/UFBA) intitulado Rede Gerar de Economia Solidária e Saúde Mental, localizado em Salvador/BA. A Rede Gerar se fundamenta nos preceitos da economia solidária, visando à inclusão social pelo trabalho de pessoas em sofrimento psíquico usuárias da Rede de Atenção Psicossocial (Raps). Essa atuação envolve usuários da Raps, docentes, alunos de graduação e pós-graduação e profissionais das mais diversas áreas. O relato aqui descrito diz respeito ao período de prática do Gerar Virtual, compreendido entre dezembro de 2020 e julho de 2021, desenvolvido em meio à pandemia da Covid-19.
A saúde mental e o trabalho se cruzam em diversos momentos no seu processo histórico. Desde os Hospitais Gerais na Europa, em meados do século XVII, até as Santas Casas de Misericórdia no Brasil, no século XIX, o que se via era um processo de exclusão do meio social dos que não se enquadravam nos padrões da moral e da razão da época55 Foucault M. Doença Mental e Psicologia. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro; 1975.,66 Portocarrero V. Arquivos da loucura: Juliano Moreira e a descontinuidade histórica da psiquiatria. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2002.. O contexto brasileiro, durante muitas décadas, teve no asilamento um proeminente algoz nas práticas excludentes dos indesejados sociais. Os tempos de hospício tiveram uma ligação próxima ao trabalho, tendo em vista que se acreditou que a reprodução da vida por meio do trabalho era uma forma de tratamento. Assim, criaram, em diversos estados brasileiros, as Colônias Agrícolas como estratégia terapêutica, cuja empreitada pela cura da loucura contrapunha-se ao número cada vez maior de internos no decorrer dos tempos77 Resende H. Política de Saúde Mental no Brasil: uma visão histórica. In: Tundis AS, Costa NR. Cidadania e Loucura: políticas de saúde mental no Brasil. Editora: Vozes; 2000. p. 15-73..
A partir do período pós-Segunda Guerra, as condutas e as práticas psiquiátricas passaram a ser questionadas devido às constantes violações dos direitos humanos. Assim, diversos movimentos surgiram em busca de práticas humanizadas. No Brasil, atrelado à luta pela saúde como direito do povo, nos anos 1970, ganharam força o movimento da luta antimanicomial e o imperativo da revisão do modelo assistencial destinado aos considerados loucos88 Tenório F. A reforma psiquiátrica brasileira, na década de 1980 aos dias atuais. Hist. Ciênc. Saúde - Manguinhos. 2002; 9(1):25-59.. Um importante processo na consolidação da Reforma Psiquiátrica Brasileira (RPB) ocorreu em 1989, a partir do Projeto de Lei nº 3.657/89, que propôs a regulamentação dos direitos da pessoa em sofrimento psíquico no processo de cuidado e uma lógica substitutiva dos manicômios por recursos assistenciais de base territorial99 Amarante P. Loucos pela vida: a trajetória da Reforma Psiquiátrica no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 1995..
Mesmo com a ampliação dos serviços de base territorial, programas e projetos que objetivam concretizar o processo de desinstitucionalização, viu-se que era preciso ampliar o olhar às necessidades dos usuários, principalmente, no âmbito da articulação entre saúde e trabalho1010 Brasil. Saúde mental e economia solidária: inclusão social pelo trabalho. Brasília, DF: Editora do Ministério da Saúde; 2005.. No que tange à inclusão social, política e econômica, viu-se na junção entre Ministério da Saúde e do Trabalho e Emprego uma importante perspectiva por meio da economia solidária. Com apoio da já extinta Secretaria Nacional de Economia Solidária, foi realizada, em 2004, a I Oficina Nacional de Experiências de Geração de Renda e Trabalho de Usuários de Serviços de Saúde Mental, sendo um marco no incentivo ao cooperativismo solidário no campo da saúde mental. Essa aliança foi firmada por intermédio da Portaria Interministerial nº 353, de 2005, que pauta a saúde mental e a economia solidária enquanto política, trazendo incentivos formativos, de mapeamento e a construção de redes para mobilização do campo1111 Andrade MC, Burali MAM, Vida A, et al. Loucura e trabalho no encontro entre saúde mental e economia solidária. Psic. Ciênc. Prof. 2013; 33(1):174-191..
O trabalho a partir da economia solidária busca a emancipação das pessoas, seu bem-estar na produção e expressão de sentidos pela arte e a inclusão social por meio do trabalho no território. Singer define a economia solidária como uma corrente sustentável e social centrada na produtividade coletiva e de divisão justa e cooperada, sendo uma “resposta organizada à exclusão pelo mercado, por parte dos que não querem uma sociedade movida pela competição”1212 Singer P. Introdução à Economia Solidária. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo; 2002.(11). Isto é, mediante a solidariedade, constroem-se formas de produzir, trocar e criar espaços sem exclusão. Contudo, para a efetiva consolidação desses projetos, são necessárias as políticas públicas e a participação social1010 Brasil. Saúde mental e economia solidária: inclusão social pelo trabalho. Brasília, DF: Editora do Ministério da Saúde; 2005..
Nesse sentido, a Rede Gerar surgiu em 2014, ainda sem local físico, utilizando espaços cedidos para suas atividades. Foi em 2018 que inaugurou a Casa Gerar, cedida pela UFBA, que passou a comportar uma loja, espaços para as oficinas, reuniões de coletivos e atividades culturais. As ações são sempre construídas pelos mais diversos atores sociais, compreendendo a importância da amplitude dos saberes na construção da economia solidária. Tais ações são efetivadas por meio da autogestão, buscando sempre perceber as necessidades na promoção de um espaço de acolhimento e resistência antimanicomial.
Muito embora se tenham, nas mais diversas formas, iniciativas de economia solidária e saúde mental no Brasil, é fundamental destacar a resistência que se estabelece na busca por mantê-las ativas, considerando as crescentes tentativas de desmonte e os retrocessos vivenciados no país no que diz respeito à economia solidária e à saúde mental1212 Singer P. Introdução à Economia Solidária. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo; 2002.,1313 Chiariello CL. Trajetória da SENAES em prosa e números. Rev. ORG & DEMO. 2021; 21(2):97-116..
Metodologia
Este relato de experiência busca expor e refletir acerca da atuação interdisciplinar que permeou as ações do projeto de extensão universitária Gerar Virtual, da Rede Gerar de Economia Solidária e Saúde Mental, situada na cidade de Salvador/BA, realizado no período de dezembro de 2020 a julho de 2021. Nesse período, as atividades do projeto foram todas desenvolvidas de forma virtual em decorrência da pandemia da Covid-19. Foram realizadas reuniões semanais para planejamento e discussão das atividades entre a equipe, grupo de estudo quinzenal, oficinas virtuais semanais e participação em 9 atividades externas ao projeto, como eventos e reuniões com outros atores. A equipe foi composta por 6 usuários da Raps que atuaram como trabalhadores na monitoria, 3 estudantes extensionistas e 7 profissionais de diversas áreas. Durante o projeto, foram realizadas 5 oficinas virtuais com aulas semanais, alocando o total de 55 alunos, 4 lives com empreendimentos de economia solidária de outros estados do Brasil, 1 encontro com 8 iniciativas locais, entre outras atividades complementares que serão descritas a seguir.
A pesquisa volta-se a um estudo descritivo e de abordagem qualitativa acerca das ações realizadas no período descrito acima. Considerando a linguagem um aspecto fundamental do presente estudo, optou-se pela natureza qualitativa pois “trabalha com o universo dos significados, dos motivos, das aspirações, das crenças, dos valores e das atitudes”1919 Minayo MC. Pesquisa social: teoria e método. Petrópolis: Vozes; 2010.(21), portanto, essa metodologia se faz necessária ao abordar fenômenos que são bastante específicos e tratam de singularidades do contexto social. O estudo se desenvolve com base na análise documental de 8 relatórios, sendo 7 mensais e 1 final, observação participante semanal e 28 diários de campo.
Os dados coletados foram organizados em dois momentos. No primeiro momento, as ações serão descritas enquanto articulação e intercâmbio em rede, oficinas virtuais e Rede Gerar na internet. No segundo momento, será realizada a análise por meio das categorias práxis em Freire e dialogismo em Bakhtin. Salientamos que os nomes dos sujeitos participantes foram modificados, garantindo seu anonimato.
A análise dos dados pautou-se na reflexão crítica sobre as práticas discursivas e pedagógicas norteadas pela perspectiva de Bakhtin1515 Bakhtin M. Estética da criação verbal. São Paulo: WMF Martins Fontes; 2011. e Freire1616 Freire P. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 1983.,1717 Freire P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2018.. Vale ressaltar que as autoras trabalham ou trabalharam diretamente no projeto, de modo que as experiências próximas e distantes1818 Geertz C. A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: LTC; 2008. se entremearam durante todo o trabalho de campo e na análise dos dados. À luz de Bakhtin1515 Bakhtin M. Estética da criação verbal. São Paulo: WMF Martins Fontes; 2011., a análise discorre sobre os processos humanos, buscando compreender o mundo no qual se está inserido, suas vivências, sentimentos e tudo que o rodeia. Outra concepção utilizada para análise é a da pedagogia crítica de Freire1616 Freire P. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 1983., trazendo a importância de refletir sobre o diálogo como processo crítico-problematizador que é essencial no processo pedagógico, pois “testemunhar a abertura aos outros, a disponibilidade curiosa à vida, a seus desafios são saberes necessários à prática educativa”1616 Freire P. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 1983.(132-133).
Resultados e discussão
O Projeto Gerar Virtual
Diante da pandemia da Covid-19 e da necessidade de se adequarem às medidas sanitárias, a Rede Gerar se viu com o desafio de adaptar suas práticas e desenvolver novas ações que contemplassem as necessidades advindas do seu contexto social, tendo em vista possíveis dificuldades de comunicação, pois parte significativa das pessoas que atuam no Gerar se encontram em vulnerabilidade social.
A Rede Gerar desenvolve suas ações em diálogo com os atores que circulam seu espaço, contribuindo com necessidades e ideias que impulsionam a autonomia dos sujeitos. Seguindo os preceitos da economia solidária, a administração do projeto se funda de forma democrática por meio da autogestão. As decisões são discutidas em assembleias, bem como as informações acerca das possibilidades de desenvolvimento de ações são trabalhadas com o grupo de atores que se propõem à participação ativa de construção das atividades e resolução das demandas. Segundo Singer:
[...] a autogestão exige um esforço adicional dos trabalhadores na empresa solidária: além de cumprir as tarefas a seu cargo, cada um deles tem de se preocupar com os problemas gerais da empresa1212 Singer P. Introdução à Economia Solidária. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo; 2002.(19).
Surge então o Gerar Virtual, desenvolvido entre dezembro de 2020 e julho de 2021, e realizando ações pautadas por seus trabalhadores e trabalhadoras em conjunto com as necessidades elencadas pela Raps de Salvador. Contou com 16 trabalhadores: 6 usuários da Raps (bordadeira, mosaicistas, costureiras e tecelã), 3 estudantes extensionistas (bacharelado interdisciplinar em saúde, enfermagem e bacharelado interdisciplinar em artes) e 7 técnicos (professora universitária, artista plástico, duas psicólogas, cineasta, secretária e costureira). A composição da equipe foi constituída de forma interdisciplinar justamente pelo pressuposto de uma visão ampliada no campo da saúde, mais particularmente da saúde mental, com todas as suas especificidades de área da saúde que lida com produção de subjetividade, criatividade, ações de antiestigmatização e inclusão social de pessoas marginalizadas. A interdisciplinaridade é vista em diversas experiências na saúde e na educação, levando em conta que, por meio das discussões, surgem criações e análises críticas acerca das ideias1717 Freire P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2018..
Visando promover a articulação e o intercâmbio de ideias no campo da saúde mental, ocorreram algumas atividades no Gerar Virtual que objetivaram atravessar o espaço do projeto. Foram realizadas lives transmitidas pelas redes sociais da Rede Gerar com participação de iniciativas de outros lugares do país, o que possibilitou conhecer novas experiências, interlocução de saberes e fortalecimento da própria rede. A equipe do Gerar Virtual também participou de eventos regionais, nacionais e internacionais, levando para outros lugares suas experiências. Buscando reestabelecer o vínculo com as iniciativas de geração de renda da Raps, foi realizado um encontro virtual chamado Reconectando a rede, objetivando compreender como as iniciativas estavam lidando com o enfrentamento da pandemia e pensar coletivamente formas de se manter ativas. Para dar continuidade a essa articulação, foi reativado o grupo de WhatsApp® como espaço de trocas de informações e acompanhamento das atividades desenvolvidas nos espaços. A economia solidária, sendo uma importante forma de construção social, também pode e deve ocupar espaços múltiplos enquanto possibilidade de construção coletiva; e considerando seu aspecto enquanto potência cidadã, ela traz os trabalhadores e trabalhadoras a um lugar de protagonismo2020 Santiago E, Yasui S. Saúde mental e economia solidária: cartografias do seu discurso político. Psic. Soc. 2015; 27(3):700-11..
Outro importante aspecto a ser destacado diz respeito à importância do processo ensino-aprendizagem durante o trabalho de extensão, por isso foi criado um grupo de estudos quinzenal para discussão de temas relacionados com saúde mental e economia solidária a partir de artigos e capítulos de livros. Atrelar a discussão teórica perante práticas tão complexas é essencial para o desenvolvimento de uma análise crítica das ações; para tal, as discussões provocam os extensionistas a lidar com as adversidades, buscar novos conhecimentos e experienciar as práticas profissionais33 Bazzo RP. Interdisciplinaridade no ensino de graduação na área da saúde: Percepção de estudantes. [monografia]. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina; 2012..
As ações formativas, especialmente as práticas artesãs, são um dos principais pilares na Rede Gerar. Porém, em decorrência do distanciamento social, foi necessário rever as formas de ofertar as oficinas. Para o desenvolvimento do novo formato das oficinas, foram criados grupos de trabalhos para constituição de novas práticas. A articulação da equipe interdisciplinar foi fundamental nessa construção, destacando a participação dos usuários da Raps - como membros da equipe - como essencial nessa construção, haja vista a abrangência de ideias e apontamentos quanto a facilidades e dificuldades nas possíveis práticas. Nessa formulação, percebe-se a importância da dialogicidade na construção de práticas, aproveitando ao máximo toda potencialidade advinda dos mais diversos espaços de saberes e no desdobramento para práticas que busquem abarcar o máximo de pessoas, considerando o papel emancipatório da economia solidária. Tendo em vista a relação histórica do trabalho enquanto prática terapêutica, espaços distintos daqueles abarcados pelo caráter tutelar são fundamentais na construção de uma possibilidade de inclusão pelo trabalho de usuários e usuárias de saúde mental. Sendo assim, são necessários os espaços de formação, de produção, de cuidado solidário e que visem à emancipação dos sujeitos, buscando neles toda sua potencialidade2020 Santiago E, Yasui S. Saúde mental e economia solidária: cartografias do seu discurso político. Psic. Soc. 2015; 27(3):700-11..
Foram ofertadas oficinas de tecelagem, costura, fuxico, pintura e ambiente virtual. É importante destacar que os educandos das oficinas de arte recebiam os materiais necessários para a confecção das peças. Cada oficina tinha seu grupo de WhatsApp®, pelo qual eram enviadas as videoaulas, semanalmente, e servindo também como um espaço dialógico - tendo em vista que, por meio dos grupos, os educandos trocavam informações, dúvidas, discussões de temas variados, bem como era um espaço de partilha do cuidado com o outro e de sociabilidade, especialmente tendo em conta o isolamento imposto pela pandemia.
A oficina de tecelagem contou com 4 educandos e teve como intuito desenvolver a criatividade por meio da transformação de linhas em tecidos com desenhos diversos, que, posteriormente, foram transformados em peças variadas. Por intermédio das videoaulas, foi possível demonstrar a produção completa das peças, complementando com a história da tecelagem. A oficina de costura foi um importante espaço de acolhimento para os 14 educandos que participaram; e, por meio das videoaulas, foram desenvolvidas técnicas de corte e costura, resgatando a herança cultural e a produção de diversas peças de vestuário. A já consolidada oficina de fuxico, que é ofertada há alguns anos e que contou nessa etapa com 7 participantes, objetivou o desenvolvimento e/ou aperfeiçoamento da técnica do fuxico para criação de peças criativas, bem como um resgate cultural da técnica. A oficina de pintura teve como proposta estimular a criatividade e a produtividade artística dos 10 educandos que participaram dela e que realizaram a pintura de diversos quadros. Por último, a oficina de ambiente virtual foi uma proposta que surgiu a partir da demanda dos usuários da Raps quanto à dificuldade de inserção digital para comunicação ante o distanciamento social da pandemia, formulando-se aulas a partir dos principais meios de comunicação digital na atualidade, que foram: WhatsApp®, Instagram®, Facebook® e Zoom®.
Os produtos confeccionados durante as oficinas fizeram parte da nova linha da Rede Gerar, composta por peças de vestuário, acessórios e decoração. A destinação dos valores das vendas e a sua divisão foram discutidas com os participantes, almejando uma forma justa e igualitária na tomada de decisão e na repartição dos bens.
Uma importante forma de chegar até as pessoas, não somente as que fazem parte da Rede Gerar, mas também outros sujeitos que podem conhecer e se aproximar, foi por meio das mídias sociais. Para além de informação sobre as atividade e ações, buscou-se discutir temas relevantes para o campo da saúde mental e economia solidária. Assim, ampliou-se de forma significativa a visibilidade da Rede Gerar no meio virtual. Outro passo importante foi a construção do site da Rede Gerar, que objetivou compilar a sua história por meio de memórias fotográficas, vídeos e cartilhas, promovendo, assim, o reencontro com momentos importantes de sua construção. A loja virtual também foi um importante marco atrelado ao site, dispondo dos diversos produtos produzidos nas oficinas e experienciando um novo formato para escoamento das produções.
A práxis freiriana e o dialogismo bakhtiniano como possibilidades de uma compreensão crítica
A partir da análise documental, da observação participante e dos diários de campo, buscou-se trazer as potencialidades e dificuldades mediante suas narrativas, acerca do Gerar Virtual, pelos sentidos que permearam a experiência enquanto construção, participação e realização dos trabalhadores e trabalhadoras, bem como dos educandos das oficinas. O encontro entre a saúde mental e a economia solidária se estabelece por meio de uma série de propostas coletivas, considerando que ambas provocam o estar no mundo perante a sua diversidade de crenças e culturas, almejando a mudança social para uma forma mais justa e solidária. É a partir da práxis transformadora, concebida na ação-reflexão, no modo como o sujeito compreende o mundo ao seu redor e a prática estabelecida, que a possibilidade da educação libertadora emerge1616 Freire P. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 1983..
Compreender o momento histórico vivenciado é considerado essencial na compreensão deste relato de experiência. Para tal, faz-se necessário abarcar a importância da Rede Gerar no contexto de vida dos usuários da Raps, percebendo esse espaço enquanto possibilidade emancipatória, empoderadora e de inclusão social. Ao analisar a narrativa por meio das considerações de usuários e trabalhadores da Raps, percebe-se que a pandemia da Covid-19 estabeleceu um momento bastante complexo, considerando o aumento das desigualdades sociais, bem como o afastamento das relações sociais. Refletindo que é a partir da relação dialógica que se estabelece a possibilidade de ser e estar no mundo, de construir e desconstruir significados1515 Bakhtin M. Estética da criação verbal. São Paulo: WMF Martins Fontes; 2011., é necessário pensar no impacto que o afastamento social implica nas pessoas em sofrimento psíquico, considerando que o afastamento social já foi e, por vezes, ainda é imposto a esses sujeitos como forma de exclusão social. As relações dialógicas estabelecidas na construção de uma nova prática, principalmente, no ambiente virtual, fizeram tal ação uma potência enquanto alternativa para minimizar o sofrimento provocado pelo afastamento social.
O Gerar Virtual foi um grande desafio para toda a equipe. Elaborar um projeto levando em conta as adversidades quanto ao acesso aos meios digitais provocou a busca em outras experiências no campo da saúde mental, bem como traçar estratégias que visassem ao alcance às pessoas de uma forma viável. Percebeu-se que, embora a maioria dos usuários tenha aparelho celular, o acesso à internet e a expertise no uso de plataformas digitais ainda são precários, trazendo para a pauta a importância da inclusão digital para usuários de saúde mental. Entretanto, partiu-se da concepção de uma educação que se paute no contexto dos educandos, contemplando suas necessidades e não se conformando com as injustiças sociais e opressões1616 Freire P. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 1983.. Sendo assim, por meio das oficinas e interações virtuais, viu-se a potencialidade da construção coletiva, percebendo o processo educador como múltiplo, mútuo, como vemos na fala de Paula seguir:
[...] a gente tanto ensina como aprende e o aprendizado que a gente tem agora como online, [...] tô aprendendo fazendo as coisas pela internet, pelo celular, pra mim isso tá sendo um aprendizado muito importante tanto pra mim quanto para as pessoas.
É possível perceber o processo educativo como relacional, dialógico, visto que transiciona entre o aprender e o ensinar. Essa relação se estabelece a partir dos preceitos horizontais que se colocam nas ações, o apoio na dúvida, a ideia na construção, o pensar e fazer junto. O contexto inserido na saúde mental advém de práticas excludentes, mortificantes, almejando sujeitos passivos e afastados do meio social. Aqui se abarca uma educação para a liberdade1717 Freire P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2018., esta almejada quando se brada que a liberdade é terapêutica. Faz-se necessário provocar o meio, fazer-se presente, abordar uma proposta emancipatória e que tenha a práxis a partir das vivências dos sujeitos, compreendendo suas subjetividades e potencialidades para assim transformar o meio social1616 Freire P. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 1983..
Nos diálogos referentes às atividades das oficinas, percebeu-se o receio quanto às práticas, para que não culminassem em uma relação apenas de espectador, e sim uma relação dialógica. Assim, eram frequentes as falas sobre possibilidades e formas de provocar a participação ativa nos processos de aprendizagem. As oficinas tiveram avaliações positivas dos educandos, mesmo com as dificuldades atreladas ao meio virtual e à ausência do contato físico. Dessa maneira, tornou-se evidente que os vínculos estabelecidos por intermédio de dispositivos eletrônicos foram um espaço privilegiado para a elaboração das teias semânticas da rede, bem como um elemento tático1919 Minayo MC. Pesquisa social: teoria e método. Petrópolis: Vozes; 2010. relevante no enfrentamento do distanciamento social, trazendo momentos de alegria, acolhimento, brincadeiras, incentivos, aprendizagem e afeto.
A utilização da internet como forma de estabelecer rede com iniciativas de outros estados do país foi importante para ampliar possibilidades de diálogo, bem como levar as vozes que constroem a Rede Gerar em diferentes âmbitos, ampliando a autonomia dos sujeitos. Outrossim, levou a acreditar na possibilidade de uma articulação nacional que amplie as discussões sobre economia solidária e saúde mental. Já no âmbito municipal, essa construção foi dificultosa, tendo em vista a desarticulação dos coletivos que, em decorrência das medidas sanitárias, cessaram ou reduziram suas atividades, impossibilitando a produção e a comercialização por parte dos usuários da Raps. Porém, com base nas ações do Gerar Virtual, foi possível atuar enquanto incentivador na retomada das atividades a partir do encontro que se realizou a fim de discutir possibilidades, inclusive da venda por meio da loja virtual, que, posteriormente, foi implantada.
Outro aspecto a ser discutido é a contribuição dos estudantes extensionistas que, por meio da sua curiosidade e abertura para a vivência enquanto trabalhador, construíram fazeres importantes em todas as etapas do projeto. A experiência da atuação na equipe interdisciplinar é de grande valia no processo formativo do estudante, que ali passa a se ver como parte dela, com responsabilidade, opiniões, frustrações e construções práticas44 Azevedo AB, Pezzato LM, Mendes R. Formação interdisciplinar em saúde e práticas coletivas. Saúde debate. 2017; 41(113):647-657.. A educação é uma interação entre teoria e prática, constitui-se como dialógico-dialética, ou seja, “ninguém educa ninguém, tampouco ninguém se educa a si mesmo: os homens se educam em comunhão, mediatizados pelo mundo”1616 Freire P. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 1983.(79). Sendo assim, a educação parte da premissa transformadora, crítica, libertária, almejando desses futuros profissionais essa mesma dinâmica em suas vivências.
Em relação ao Gerar Virtual, nos mais diversos momentos, viram-se enunciados que pautavam a continuidade, a necessidade de incentivo governamental, a não finalização das atividades, entre outras demandas que cunham o receio de finitude das atividades. O constante desmonte de políticas públicas de saúde e a própria instabilidade por falta de incentivo financeiro da Rede Gerar se colocam em pauta, destacando o protagonismo dos sujeitos enquanto reivindicadores de direitos e o caráter de luta do movimento antimanicomial.
Ainda se vê uma fragilidade das políticas públicas voltadas para a saúde mental no que diz respeito ao trabalho e renda, visto que as iniciativas dependem muitas vezes de editais, apoio de instituições e doações para se manter. Há uma crescente investida do governo no desmonte da saúde pública/mental desde 20161414 Nunes MO, Mendes J, Portugal CM, et al. Reforma e contrarreforma psiquiátrica: análise de uma crise sociopolítica e sanitária a nível nacional e regional. Ciênc. Saúde Colet. 2019; 24(12):4489-4498., mas também de uma menor ênfase da política da saúde mental brasileira na efetivação de práticas de inclusão pelo trabalho. Assim, nota-se o cunho protagonista de sua história que os participantes do projeto apresentam, percebendo essa demanda e reivindicando aquilo que colabora para o seu bem-estar. Partindo desse cenário, entende-se a importância de relatar a história das iniciativas, demonstrando sua constituição, funcionamento e sentidos na sua relação com os diversos atores que as atravessam, levando em conta também os fatores que permeiam a produção de sentido quanto à pluralidade cultural, territorial, aspectos políticos e a relação dialógica2020 Santiago E, Yasui S. Saúde mental e economia solidária: cartografias do seu discurso político. Psic. Soc. 2015; 27(3):700-11..
Considerações finais
A Rede Gerar se consolida como uma iniciativa importante na saúde mental de Salvador, buscando firmar os preceitos da desinstitucionalização a partir da inclusão pelo trabalho, potencialização da autonomia e emancipação das pessoas em sofrimento mental. Compromete-se, portanto, com o desenvolvimento das potencialidades dos usuários no território e a desconstrução do estigma da loucura, a partir da interação do projeto com a sociedade. Idealizando alcançar tais objetivos, a Rede Gerar desenvolve ações com atores de diversos campos do saber, articulando e mobilizando a rede e sendo uma referência para os usuários, trabalhadores da Raps e estudantes no que tange à economia solidária e à saúde mental.
A interdisciplinaridade na construção do cuidado em saúde, enfatizando o usuário como agente ativo, possibilitou práticas inovadoras e potentes como o Gerar Virtual, que, apesar das dificuldades advindas do contexto pandêmico e da exclusão digital de muitos usuários, proporcionou novas construções e a capacidade de desenvolver habilidades para todos que participaram nas diversas esferas.
Pode-se ver, a partir da experiência aqui relatada, a importância de, como ensina Paulo Freire, fazer com e não fazer para. A construção advinda de uma prática pela liberdade, conjunta entre estudantes, pessoas em sofrimento psíquico e profissionais de áreas diversas, traz respiro em meio ao caos e nos provoca a refletir sobre as necessidades de políticas públicas que contemplem a saúde mental em sua diversidade, especificidade e subjetividade.
Considerando todo o arcabouço descrito, percebe-se que, mesmo em meio à fragilidade das políticas públicas que lidam com a triangulação saúde mental-trabalho-renda no contexto atual, as ações desenvolvidas contribuíram para a emancipação e o viver em liberdade. Nesse sentido, espera-se que a rede siga com suas atividades, agregando os conhecimentos adquiridos no período pandêmico em suas futuras ações, mais e mais colocando-se como um espaço interconectado de corações e mentes em defesa da vida e da reforma psiquiátrica brasileira.
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Suporte financeiro: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), processo nº 130836/2021-4
Referências
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
06 Mar 2023 -
Data do Fascículo
Dez 2022
Histórico
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Recebido
31 Out 2021 -
Aceito
22 Jun 2022