Open-access A influência dos médicos nas políticas de recursos humanos em saúde: conclusões a partir da experiência brasileira

RESUMO

O artigo analisa a influência dos médicos, como ator social, na produção da Política para a Força de Trabalho em Saúde no Brasil, especialmente a partir de 2003, quando assume a direção do Ministério da Saúde (MS) um grupo interessado em fazer o Sistema Único de Saúde (SUS) ordenar essa política, mas sofre a resistência das organizações médicas. Trata-se de um estudo de caso que utilizou o process tracing como metodologia, documentos e entrevistas como fontes, e o Neoinstitucionalismo como recurso teórico. Os principais resultados são a identificação de um longo período de estabilidade na política (1960-2002), devido à atuação da Comunidade de Política Defesa da Medicina Liberal (CP-M Liberal). A análise de um período (2003-2009) no qual houve tentativa de mudança por parte da direção do MS, mas sem sucesso naquilo que sofria a oposição da CP-M Liberal; de um período no qual essa estabilidade foi rompida (2010-2016); e, por fim, de um período no qual foi restaurada a estabilidade em favor da CP-M Liberal, revertendo diversas mudanças feitas no período anterior. Porém, tampouco esta comunidade conseguiu implementar suas propostas que sofriam a oposição dos demais atores que influenciam a política. A estabilidade tendeu à reprodução do status quo.

PALAVRAS-CHAVES Recursos humanos em saúde; Política de saúde; Medicina

ABSTRACT

This article aims to analyze the influence of medical doctors as social actors on developing a policy for the medical workforce in Brazil. The analysis focuses on the years following 2003, when a seeking to include this policy within the scope of the National Health System took office at the Ministry of Health and met with resistance from medical societies. The study adopted sources were process tracing methodology, documents, and interviews. It is based on a neo-institutionalist theoretical approach. Findings reveal long-standing stability (1960-2002) in the policy and its institutional arrangement under the policy community formed by Liberal Medicine advocates (LM-PC); a period (2003-2009) when a thwarted attempt at change by the Ministry of Health met with the opposition of the LM-PC; a period (2010-2016) when such stability was undermined, and the policy was changed despite the opposition of the LM-PC; and, finally, a period when stability was recovered favoring the policy mentioned above community again, reversing several previous changes. However, the LM-PC could not implement its propositions since it faced opposition from other actors influencing the policy. Stability tended towards reproducing the status quo.

KEYWORDS Health workforce; Health policy; Medicine

Introdução

Políticas para a Força de Trabalho em Saúde (PFTS) vêm sendo desenvolvidas nos países da América desde as implantações dos ‘serviços civis obrigatórios’ nos anos 1930, visando à orientação da formação às necessidades dos sistemas de saúde, planejando a força de trabalho, combinando intervenções regulatórias, econômicas, educacionais e de apoio aos profissionais de saúde para assegurar atendimento a populações residentes em áreas subatendidas, entre outras1,2. Há registros de importantes discussões sobre PFTS desde os anos 1960, quando a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) teve grande participação na difusão de experiências de PFTS, no apoio a pesquisas e à organização de setores de Recursos Humanos (RH) nos governos dos países-membros1. No Brasil, a questão das insuficiências na oferta e formação médicas é objeto de políticas nacionais também nesse período, quando a Ditadura Militar criou o Projeto Rondon, que estimulava estudantes a atuarem em áreas subatendidas. Com o processo de Reforma Sanitária, a Constituição criou o Sistema Único de Saúde (SUS) e estabeleceu que ele deveria ordenar a PFTS. Porém, a análise dos relatórios das Conferências Nacionais de Saúde mostra que predomina entre os atores que atuam na área de PFTS a avaliação de que a determinação constitucional não fora efetivada3.

Estudos sobre reformas sanitárias em diferentes países e sobre a produção de PFTS mostram a dificuldade de promover mudanças quando os ‘médicos’ a elas se opõem2,4,5. Carapinheiro6 associa três fatores principais à capacidade de a profissão médica manter seu status quoe influenciar políticas de saúde: as relações que estabelecem com os grupos dominantes, o arranjo institucional do Estado e o grau de organização e atuação política da profissão. Diversos trabalhos tratam das relações e papéis que a Medicina estabelece na produção e reprodução social desempenhando funções econômicas, políticas, ideológicas e biopolíticas5,6,7,8,9,10. Associam essas relações com o monopólio que detém das práticas de saúde com maiores valores simbólicos e econômicos, com os diferentes graus de delegação do Estado para regular e fiscalizar o exercício profissional, bem como orientar a formação e a atuação dos médicos no mercado5,6,8,10. No caso do Brasil, além do monopólio e da autonomia científica e profissional, o arranjo institucional no qual é produzida a PFTS delega grande poder aos médicos.

Além desses fatores, identificamos que a existência de comunidades de políticas que influenciam a formulação e implementação de políticas públicas em geral e de saúde em particular é um fator decisivo para a compreensão das PFTS nas democracias liberais contemporâneas, em que políticas setoriais se desenvolvem em ambientes altamente especializados que atravessam as fronteiras entre Estado e sociedade. ‘Comunidades de Políticas’ (CP) são entendidas como grupos mais ou menos coesos de atores individuais e coletivos que se especializam sobre uma questão, desenhos e resultados de políticas setoriais, compartilham ideias e atuam de maneira coordenada para afetar a seu favor processos decisórios governamentais11. As três CP que têm atuado influenciando a PFTS são a CP Movimento Sanitário (CP-M Sanitário)12, a CP Defesa da Medicina Liberal (CP-M Liberal) e a CP Defesa da Regulação pelo Mercado (CP-R Mercado)3.

O ator coletivo CP-M Sanitário recentemente tem sido conceituado como uma comunidade epistêmica13,14. O conceito refere-se a “uma rede de profissionais com experiência reconhecida em um determinado campo e a uma reivindicação de autoridade de conhecimento da regulamentação nessa área”15(3) que atuam para promover mudanças políticas, “espalhar inovação, converter ideias, percepções e crenças e criar oportunidades para que a mudança ocorra”16(12). O papel da CP-M Sanitário para avançar na reforma do sistema de saúde brasileiro, desde a década de 1980, torna o conceito adequado para esse ator coletivo, mas não para os outros dois grupos, que apoiaram a reforma, muitas vezes agindo para impedir mudanças. Para tanto, utilizamos o conceito comunidade política, aplicável aos três grupos, que considera crenças compartilhadas entre os membros, sem nos referirmos à direção reformista usualmente associada às comunidades epistêmicas.

Os componentes destas comunidades e o que eles defendem podem ser vistos no quadro 1.

Quadro 1
Comunidades de Políticas

O objetivo deste artigo é analisar a influência dos médicos, como ator social, na produção da política de regulação, formação e provimento médicos no Brasil, especialmente a partir de 2003, quando assume a direção do Ministério da Saúde (MS) um grupo claramente identificado com a CP-M Sanitário, interessado em fazer o SUS ordenar as PFTS, mas que sofre a resistência da CP-M Liberal. Desenvolve-se o argumento de que, devido à sua atuação e posição vantajosa na estrutura social e no arranjo institucional vigente, os médicos têm conseguido impedir mudanças nesse arranjo e bloqueado a construção da PFTS desejada pelos atores melhor posicionados na hierarquia do SUS.

Material e métodos

O estudo utilizou a estratégia metodológica do process tracing17 para analisar documentos, transcrições de entrevistas e outras fontes, testando hipóteses derivadas de teorias e buscando explicar a atuação da CP-M Liberal na trajetória histórica da PFTS. Considerando o arranjo institucional relacionado à PFTS, o olhar foi dirigido à análise da atuação e aos objetivos da CP-M Liberal na conservação, mudança e restauração dessa política no período de 1960 a 2021. Os documentos examinados foram aqueles que normatizavam a PFTS no período (leis, decretos, portarias e resoluções) e textos publicados na mídia e meios próprios de comunicação das organizações médicas. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas com 19 informantes-chave (tabela 1) que ocuparam papel de decisão na PFTS em organismos multilaterais e governamentais, no período de 2003 a 2018, ano em que iniciou a gestão da coalisão governante que produziu as maiores mudanças nessa política e que tinha na direção do MS membros da CP-M Sanitário e ano em que se encerrou a gestão de outra coalisão governante que reverteu grande parte das mudanças realizadas anteriormente.

Tabela 1
Entrevistados

O instrumental teórico que orientou o exame do material empírico proveio do Neoinstitucionalismo Histórico, que dá ênfase aos legados históricos entendendo que fatos anteriores estabelecem parâmetros e influenciam decisões, eventos subsequentes e a dinâmica da relação agente/estrutura. Nele valoriza-se a análise dos atores sociais e de seus objetivos, compostos por interesses e ideias, e a análise da posição que esses atores ocupam em um dado arranjo institucional, permitindo-lhes manejar recursos e regras com a finalidade de alcançar seus objetivos18,19,20. Dentro desta vertente, foi utilizada a Teoria da Mudança Institucional Gradual (TMIG)21.

Segundo Roit e Bihan22, há uma distinção entre (a) transformações radicais provocadas por choques exógenos, (b) estabilidade institucional associada a adaptações endógenas e lentas23 e (c) processos de mudança que podem ser incrementais ou radicais e que podem produzir continuidade ou descontinuidade24,25,26. Este último, que inclui a TMIG, compreende a mudança como uma ruptura dos equilíbrios vigentes devido a fatores exógenos e/ou endógenos e enfatiza como o contexto político, os arranjos institucionais e o poder de veto dos atores mais bem posicionados dentro de tais arranjos podem influenciar não apenas mudanças, mas também a estratégia de outros atores. Utilizamos o TGIC devido às características de nosso objeto de pesquisa: a participação de longo prazo dos médicos no desenvolvimento de uma política de regulação, formação e oferta de médicos no Brasil, em que houve persistência de políticas, mas também mudanças devido a fatores incrementais e exógenos.

A análise da política mostrou que as organizações médicas têm forte influência nas decisões de política de saúde, na medida em que podem vetar propostas às quais se opõem27,28,29. A literatura sobre o poder de veto frequentemente enfatiza o papel dos atores com poder de veto (veto players) que ocupam posições institucionais importantes. Já outras, como Immergut28, referem-se à importância dos pontos de veto (veto points) dentro da estrutura institucional31,32 porque permitem focar nas formas como atores coletivos, como associações médicas, podem explorar tais pontos por meio de lobby, litígio e outros meios.

Resultados

A análise da atuação da CP-M Liberal, liderada pelas organizações da profissão médica, mostrou que seus principais objetivos relacionados às PFTS no período estudado têm sido: 1) implementar Lei que regula o ato médico, mantendo ou mesmo expandindo o monopólio das práticas da profissão; 2) impedir medidas que aumentem a quantidade de médicos no mercado de trabalho, incluindo aqueles formados no exterior, brasileiros ou estrangeiros; 3) instituir moratória na ampliação de vagas de graduação em Medicina; 4) ampliar o controle da profissão sobre a formação de especialistas; 5) rejeitar propostas de provimento médico que não respeitem a livre escolha dos médicos; e 6) criar uma ‘carreira médica’ em nível nacional para atuação na atenção primária.

No Brasil, as organizações da profissão médica, em especial, ocupam um lugar mais privilegiado que o MS no arranjo institucional responsável pela PFTS, principalmente no que diz respeito à regulação, formação e provimento médicos.

O Mistério da Educação (MEC) decide sobre a formação em nível de graduação e pós-graduação, mas com grande participação de representantes da CP-M Liberal em fóruns responsáveis pelas análises técnicas e decisões. Em espaços institucionais como o antigo Departamento de Hospitais Universitários e a Comissão de Especialistas, ambos ligados à Secretaria de Educação Superior do MEC, membros da CPM-Liberal tinham o poder de vetar propostas e, muitas vezes, essa posição era mantida pelo Secretário ou Ministro da Educação (Entrevistas 3;5;9;12;14;17;19).

Já o MS somente opina sobre mudanças na legislação que trata das profissões de saúde em tramitação no Congresso Nacional e participa de fóruns de discussão no MEC que decidem sobre a formação. A influência do MS na PFTS é relativamente pequena se comparada ao observado em grande parte dos demais países com sistemas públicos de saúde abrangentes, como são os casos do Canadá e Cuba no continente5,10,33,34.

O modo de atuação da CP-M Liberal, desde a década de 1960, segue um padrão35,36: articula lobbies nos poderes Executivo, Judiciário e Legislativo, principalmente junto a colegas de profissão que ocupam cargos no Executivo e Legislativo e são parlamentares; mantém uma proporção importante de parlamentares médicos (na legislatura 2003-2007, dos 626 deputados titulares e suplentes que assumiram o mandato, 71 eram médicos, 11,3%)37; ocupa espaços na mídia, formando opinião e sendo reconhecida como tendo legitimidade superior a governantes e outros profissionais para opinar sobre políticas de saúde; orienta as organizações médicas a defenderem o que considera serem os interesses da profissão, a influenciarem e coagirem os médicos a defenderem o mesmo; seus membros ocupam posições em comissões técnicas e cargos de alto ou médio escalão governamentais que decidem sobre os ‘assuntos médicos’ tratados pelo MEC e MS. Assim, dirigentes, das três esferas de governo, no período 2003 a 2018, reconheciam a influência da CP-M Liberal sobre a PFTS:

Tinha uma barreira corporativa importante da corporação médica no establishment político. Uma visão de muita força e muito poder político da categoria médica, que nunca se quis confrontar com ela temendo as consequências que pudessem advir disso. (E. 6, 08-02-2019).

As corporações médicas eram muito fortes, elas controlavam o aparelho formador, elas tinham um peso muito grande no Conselho Nacional de Educação, elas comandavam a formação no âmbito da residência médica. (E. 9, 08-07-2019).

Fizemos a avaliação de [...] quais iniciativas [...] eram mais negociáveis com as entidades médicas. [...] A gente foi avaliando essas possibilidades que não tinham um enfrentamento drástico. (E. 17, 06-01-2019).

Tanto as entrevistas quanto a análise da composição de determinados espaços institucionais mostraram que a chamada ‘corporação médica’ exercia significativo ‘poder de veto’, restringindo o universo de políticas possíveis. Destacam-se entre estes espaços o então Departamento de Hospitais Universitários e a Comissão de Especialistas na Secretaria de Educação Superior, a Comissão Nacional de Residência Médica e o Conselho Nacional de Educação, todos ligados ao MEC. Há ainda a Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados. Além disso, as entrevistas apontaram constante atuação política de membros da CP-M Liberal junto a dirigentes do MEC, MS, Presidência e Congresso Nacional para desestimular medidas que teriam sua oposição. Decisores relataram que frequentemente havia desistência de medidas que, julgavam, teriam oposição da CP-M Liberal (Entrevistas 3;5;8;9;12;13;15;17;19).

Quando uma medida exigia ato legislativo, a influência e capacidade de bloquear a aprovação da medida da CP-M Liberal mostrou-se ainda mais forte, porque os dirigentes entendiam que a ação teria um custo político maior devido ao enfrentamento da corporação médica em uma arena pública (Entrevistas 3;5;6;9;12;13;15;16;17). Acresce-se a isso o fato de membros da CP-M Liberal terem acesso e influenciarem decisores ao atuarem como seus médicos ou médicos de pessoas de seu entorno (Entrevistas 2;3;6;9;12;13;16;17).

Os principais programas da PFTS implementados pelo MS de 1960 a 2002, o Projeto Rondon, o Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento (Piass), o Programa de Interiorização do SUS (Pisus) e o Programa de Interiorização do Trabalho em Saúde (Pits) visavam atrair, respectivamente, estudantes, profissionais de saúde de nível médio e, nos últimos dois casos, médicos, enfermeiros e dentistas para atuarem na atenção básica à saúde nas áreas subatendidas. Não eram compostos por medidas às quais a CP-M Liberal se opunha – em nenhum deles havia a criação de obrigações aos médicos para atuarem em áreas subatendidas, alterações no arranjo institucional que delega às organizações médicas a autorização para o exercício profissional e medidas que aumentassem a quantidade de médicos no mercado de trabalho.

No segundo Governo de Fernando Henrique Cardoso, de 1998 a 2002, duas iniciativas desafiaram essas restrições: a implementação do Serviço Civil Obrigatório e a autorização do exercício profissional de médicos cubanos por meio de cooperação de alguns estados do Brasil com Cuba (Acre, Pernambuco, Roraima e Tocantins). No primeiro caso, o governo federal formulou a política, colocou-a em debate, mas recuou ante a resistência da CP-M Liberal (Entrevistas 3;12). No segundo, cerca de 140 médicos cubanos chegaram a atuar em 50 municípios por até quatro anos, mas uma forte reação da CP-M Liberal fez com que o Congresso Nacional revogasse a Convenção Regional de Reconhecimento de Estudos, Títulos e Diplomas de Ensino Superior na América Latina e no Caribe, de 1974, tornando ilegal e interrompendo a atuação dos médicos cubanos3,36,38.

No período de 2003 a 2010, quando a coalizão governante liderada pelo Partido dos Trabalhadores (PT) teve como Presidente Lula da Silva, dirigentes do MS, a maioria deles integrantes da CP-M Sanitário, não tiveram força para implementar as medidas que sofriam a oposição da CP-M Liberal. O Serviço Civil Obrigatório e os acordos de cooperação internacional e de reconhecimento mútuo de diplomas entre países das Américas, retornaram à agenda de discussão pública do governo, mas foram abandonados. O mesmo ocorreu com tentativas de aumentar o poder do MS na formação de RH. De outro lado, foram implementados programas de adesão voluntária na área da PFTS, que não tinham medidas que sofriam a oposição da CP-M Liberal e que concediam incentivos para médicos atuarem em áreas subatendidas em troca de um abatimento da dívida do empréstimo estudantil. Também foram dados incentivos para escolas e programas de residência que fizessem reformas curriculares que orientassem a formação às necessidades do SUS, como foram os casos do Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde – Pro-Saúde e do Programa Nacional de Apoio à Formação de Médicos Especialistas em Áreas Estratégicas – Pró-Residência (Entrevistas 3;8;9;12;13;17).

No período, somente duas iniciativas que continham medidas rechaçadas pela CP-M Liberal foram implementadas: o Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos Expedidos por Instituição de Educação Superior Estrangeira, o Revalida, e a expansão de vagas de graduação em Medicina em um ritmo maior do que era o tolerado pela CP-M Liberal. A primeira, no último ano do segundo mandato do Presidente Lula. A validação de diplomas de médicos formados no exterior entrou na agenda do Presidente no início de seu primeiro mandato, e ele exigiu que uma solução fosse dada antes que terminasse seu segundo mandato (Entrevistas 3;9;12;13;17). Embora o aumento de vagas de graduação em Medicina não fosse um objetivo específico do governo, ela foi um dos efeitos da grande expansão de vagas no ensino superior do Brasil, promovida pelo governo e fortemente apoiada, política e economicamente, pela CP-R Mercado (Entrevistas 12;17;19).

Diferentemente, no período de 2011 a 2016, quando a coalizão governante liderada pelo PT teve como Presidenta Dilma Rousseff, alguns fatores fizeram com que, progressivamente, o governo fosse propondo e implementando medidas que sofriam oposição crescente da CP-M Liberal. São eles: o agravamento da insuficiência de médicos no SUS, o aumento da percepção dessa questão por parte da população e atores do sistema político, o insucesso das iniciativas implementadas até então, a convicção do grupo dirigente de que esse problema precisava ser enfrentado mesmo com a oposição da CP-M Liberal e um contexto político favorável3.

Em 2011, foi implementado o Programa de Valorização dos Profissionais da Atenção Básica (Provab), que oferecia incentivos aos médicos para atuarem em áreas subatendidas. Ele foi rechaçado pela CP-M Liberal porque um desses incentivos interferia nas regras de seleção de médicos para a formação de especialistas, limitando a capacidade da corporação de controlar a seleção. Em 2012, foi proposto o Plano Nacional de Educação Médica (PNEM), que objetivava forte expansão pública e privada de cursos de Medicina, que poderia alterar o mercado de trabalho médico com a ampliação da oferta de profissionais e consequente redução de rendimentos da categoria.

Por fim, em 2013, foi criado o Programa Mais Médicos (PMM), que promoveu uma expansão ainda maior das vagas de graduação e de formação de especialistas (residência médica). O Programa também mudou as regras da formação, graduação e residência, para atender mais às necessidades do SUS, promoveu um recrutamento internacional de médicos, autorizou a atuação no país de médicos que não tinham o diploma validado e permitiu a celebração de acordos de cooperação e intercâmbio internacional de médicos, sem necessidade de aprovação um a um pelo Congresso Nacional. O PMM foi a política que sofreu a mais forte reação da CP-M Liberal em todo o período estudado.

No período de 2016 a 2021 a CP-M Liberal voltou a ter maior influência no governo, após a derrubada da Presidenta Dilma, com a mudança da coalizão governante com a posse do Presidente Michel Temer e, finalmente, com a nova mudança de coalizão com a eleição para Presidente de Jair Bolsonaro. Com este, lideranças da CP-M Liberal chegaram à posição de ministro, como foi o caso de Henrique Mandetta, e a liderar o segundo escalão do MS, como foi o caso de Mayra Pinheiro, Secretária do MS responsável pelas PFTS. Nesse período, os programas implementados a partir de 2010 sofreram mudanças importantes que, ou os interromperam, como foram os casos do Revalida, Provab e PNEM, ou neutralizaram dimensões que sofriam oposição da CP-M Liberal, como foi o caso do PMM, o qual foi reduzido a um recrutamento nacional de médicos brasileiros. O Governo Bolsonaro chegou a anunciar a substituição do PMM pelo Programa Médicos pelo Brasil (PMPB), lançado com apoio da CP-M Liberal, mas, apesar de ter tido sua lei aprovada em 2019, só iniciou sua implementação no último ano do Governo, já próximo das eleições.

Por fim, vale observar que a CP-M Liberal não conseguiu implementar suas propostas prioritárias que sofriam oposição do governo, da CP-M Sanitário e/ou da CP-R Mercado, como foram os casos da expansão do monopólio das práticas da profissão e da instituição de uma ‘carreira médica’ única e nacional. Não impediu também que as vagas de graduação em IES privadas tivessem a maior expansão da história justamente no período de 2016 a 202139.

Discussão

Os resultados do estudo confirmam constatações da literatura nacional e internacional acerca da relevância do papel e da influência dos médicos, enquanto ator social coletivo, na formulação e implementação de PFTS1,2,4,5,6,7,8,9,10,35,36. O estudo mostrou que esse poder está relacionado a elementos bem enfatizados na literatura5,6,7,8,9,10, tais como as relações que a profissão médica estabelece na estrutura social, o poder delegado pelo Estado às organizações médicas e o modo de atuação política das mesmas. Confirmou também a importância de outros elementos na explicação dessa influência, como a presença e atuação das organizações médicas em espaços estatais, principalmente no Poder Executivo e Legislativo, nos quais têm poder de veto na análise de alternativas e na formulação de políticas.

Além disso, observou outras três razões dessa influência menos exploradas na literatura. Identificou e analisou a existência e ação de uma comunidade de políticas, a CP-M Liberal, que tem tido uma atuação regular e influente nas PFTS nas últimas seis décadas. Apontou que considerar a composição, o modo de atuação e os objetivos defendidos por esta comunidade de políticas ajuda não só a compreender melhor a trajetória da PFTS no Brasil, mas a antecipar medidas que sofrerão, e como sofrerão, resistências das organizações médicas. Em segundo lugar, mostrou a relevância da análise das especificidades do arranjo institucional brasileiro responsável pelas PFTS, apoiando a compreensão de como as organizações médicas atuam para tentar vetar medidas das quais discorda. Por fim, revelou também que relações formais e informais que lideranças da CP-M Liberal estabelecem com decisores do sistema político têm papel destacado na influência que exercem.

O estudo rastreou alguns espaços institucionais nos quais a CP-M Liberal mais atuava para tentar vetar medidas contrárias a seus objetivos. O fato, de um lado, da atuação nestes espaços ter conseguido bloquear algumas políticas na maior parte do período estudado e, de outro, da superação desse bloqueio ter passado pela modificação desses espaços ou retirada dos mesmos de um lugar de decisão, reforça a importância desses espaços enquanto pontos de veto21,27,28,29,30,31,32. A atuação da CP-M Liberal no antigo Departamento de Hospitais Universitários, na Comissão de Especialistas e Comissão Nacional de Residência Médica, todos ligados à Secretaria de Educação Superior do MEC, conseguiu impedir mudanças de regras que favorecessem uma abertura maior de vagas de graduação e residência por iniciativa governamental. O estudo mostrou que foi central para a grande expansão de vagas de graduação e residência do PMM alterar a composição da Comissão Nacional de Residência Médica, aumentando os representantes governamentais, e deslocar o poder de decisão sobre as vagas de graduação para a Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior do MEC, que sofria menos influência da CP-M Liberal e mais da CP-R Mercado.

Outro exemplo foi a criação pela Lei do PMM de um processo novo e paralelo de autorização do exercício da Medicina, concentrando o poder de decisão no MS. Porque em todas as outras vias – validação de diploma via universidade pública, avaliação e aprovação pelo Revalida e autorização pelos Conselhos de Medicina – a posição privilegiada da CP-M Liberal vinha permitindo reduzir ao mínimo a atuação no Brasil de médicos formados fora do País. A contenção do aumento de vagas de graduação e do número de médicos formados no exterior aptos a atuar no Brasil, sustentada pela CP-M Liberal, desde a década de 1980, com o objetivo de fazer a referida reserva de mercado, contribuiu para o quadro que justificou a criação do PMM no ano de 2013, quando o Brasil tinha uma proporção de 1,8 médico/1000 habitantes, uma média muito abaixo daquela observada na OCDE3,39.

É notável o sucesso que a CP-M Liberal teve, no período de 1960 a 2009, em bloquear medidas na PFTS que contrariavam posições e objetivos que defendeu e segue defendendo. Agiam dentro do Estado constrangendo o processo de formulação e de escolha de alternativas, bem como pressionavam lideranças do executivo e do legislativo para inibir a proposição de mudanças indesejadas. Porém, é também relevante o fato de que medidas propostas pela CP-M Liberal que iam contra posições das outras duas CP que atuam na área, a CP-M Sanitário e a CP-R Mercado, não conseguiram ser implementadas. Ou seja, a atuação destas comunidades de política no arranjo institucional analisado mostrou um equilíbrio de forças que tendeu a uma estabilidade institucional na maior parte da trajetória da PFTS.

Esse equilíbrio foi alterado no período de 2010 a 2016. A CP-M Sanitário assumiu a direção do MS em circunstâncias que permitiram que sua ação superasse a influência da CP-M Liberal e implementasse políticas que sofriam a oposição desta última3. O PMM foi o maior exemplo nesse sentido. Mesmo assim, a influência da CP-M Liberal, e sua força no arranjo institucional descrito, pode ser mais uma vez observada na capacidade que esta comunidade teve de interromper políticas e neutralizar medidas criadas entre 2010 e 2016 assim que o equilíbrio foi reestabelecido após a deposição da Presidenta Dilma, com a consequente saída da CP-M Sanitário da Direção do MS.

A análise dessa trajetória histórica da PFTS, à luz da Teoria da Mudança Institucional Gradual, mostra que há de fato uma estabilidade institucional duradoura, na qual atores que ocupam posições privilegiadas no arranjo institucional vigente atuam em pontos de veto e exercem considerável poder de bloquear mudanças significativas. Ajuda a compreender também que o único período de mudanças, que corresponde a sete anos dentre os mais de 60 considerados, foi fruto de uma ruptura do equilíbrio institucional, decorrente de fatores endógenos e exógenos, e que, reestabelecido o equilíbrio em favor da CP-M Liberal, as PFTS voltaram ao status quo anterior.

Conclusões

O artigo analisou a influência da corporação médica organizada como uma comunidade de política na produção de PFTS no Brasil, especialmente no período de 2003 a 2018. Constatou que a posição vantajosa na estrutura social e no arranjo institucional vigente de uma comunidade de políticas que defende o status quo da Medicina enquanto profissão liberal, que o modo de sua atuação no Estado, agindo em alguns pontos de veto decisivos, e na sociedade civil, pressionando dirigentes dos poderes executivos e legislativo, explicam seu relativo sucesso em impedir mudanças das quais discordam na PFTS.

A trajetória da PFTS no Brasil nos últimos 60 anos mostra uma notável estabilidade institucional na qual, nem esta comunidade permitia que mudanças significativas acontecessem, nem ela mesma conseguia impor a seu favor mudanças que eram rejeitadas por outras duas CP que atuavam na PFTS – uma que defende a reforma sanitária brasileira e outra que defende a regulação de setores de saúde e educação pelo mercado. Somente em 7 anos, de 2010 a 2016, devido a uma combinação de fatores endógenos e exógenos à PFTS, foi criada a circunstância na qual o governo conseguiu implementar medidas que vinham sendo propostas e bloqueadas há décadas. Mas parte dessas medidas foi revertida novamente com a mudança do governo federal e com o reposicionamento privilegiado daquela comunidade no arranjo institucional.

Assim, destaca-se que a análise e resultados desenvolvidos nesta pesquisa pode apoiar a compreensão e análise de outras políticas de longa trajetória no Brasil.

  • Suporte financeiro: não houve
  • *
    Orcid (Open Researcher and Contributor ID).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2023

Histórico

  • Recebido
    30 Set 2022
  • Aceito
    28 Fev 2023
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