Open-access Fluoretação da água em capitais brasileiras no início do século XXI: a efetividade em questão

Water fluoridation in Brazilian capitals in the beginning of the XXI century: the effectiveness in question

Resumos

A evolução do nível de cárie aos 12 anos de idade foi analisada por meio da diferença percentual média dos valores obtidos em 27 capitais estaduais brasileiras, em 2003 e 2010. Observou-se declínio médio nos valores do índice de cárie nas capitais com água fluoretada (-8,6%) em comparação com as não fluoretadas, que registraram aumento médio da ordem de 12,8%. Conclui-se que essa medida preventiva não apenas deve ter continuidade, mas ser ampliada, como parte de políticas públicas orientadas pela busca da equidade em saúde.

Política de saúde; Fluoretação; Cárie dentária; Inquérito epidemiológico; Desigualdades em saúde


The evolution of dental caries prevalence in Brazilian capitals was analyzed by measuring average percent difference in each city from 2003 to 2010. Between 2003 and 2010, we observed an average decline in the DMFT values in the fluoridated capitals (-8.6%) and an average increase of approximately 12.8% in non-fluoridated capitals. We concluded that fluoridation of public water supplies remains as a strategic measure for preventing dental caries in Brazilian capitals, despite concomitant exposure to multiple sources of fluoride. It should not only continue but be expanded as part of health equity-based public policies.

Health policy; Fluoridation; Dental caries; Health surveys; Health inequalities


Introdução

Ainda que a fluoretação das águas seja reconhecidamente eficaz na prevenção da cárie dentária, e mesmo que a Organização Mundial da Saúde (OMS) siga recomendando-a como medida estratégica de saúde pública (PETERSEN; LENNON, 2004), há questionamentos quanto à sua efetividade em contextos em que as populações estão expostas a múltiplas fontes de flúor (KUMAR, 2008). Este é o caso brasileiro, onde, desde meados dos anos 1980, os dentifrícios mais consumidos passaram a conter fluoretos (RICOMINI FILHO ET AL., 2012). Para além de saber se a fluoretação das águas de abastecimento público é eficaz ou não (MCDONAGH ET AL., 2000), é relevante seguir avaliando se essa tecnologia de saúde pública é ou não efetiva na prevenção da cárie, sobretudo em contextos socioeconômicos marcados por desigualdades, como é o caso do Brasil.

Essa relevância decorre do fato de que, a depender dos resultados dessas avaliações, políticas públicas de saúde que contemplam a fluoretação das águas em suas estratégias de implementação podem ter continuidade ou serem interrompidas.

Embora dados atualizados periodicamente sobre a cobertura da fluoretação das águas não estejam disponíveis no Brasil, o Ministério da Saúde admite uma cobertura em torno de 60% da população, com importantes desigualdades entre as regiões. No sul e sudeste do País mais de 70% da população urbana são beneficiados pela fluoretação, enquanto essa porcentagem é inferior a 30% na região norte (ANTUNES; NARVAI, 2010). Há, contudo, informações de melhor qualidade para as capitais estaduais, tanto sobre a cobertura da fluoretação (CESA; ABEGG; AERTS, 2011) quanto em relação à experiência de cárie, avaliada segundo critério preconizado pela OMS (PIOVESAN ET AL., 2011).

A publicação, pelo Ministério da Saúde, do relatório da Pesquisa Nacional de Saúde Bucal realizada em 2010 (SB BRASIL, 2010), contendo informações sobre a epidemiologia da cárie dentária no País, incluindo dados específicos sobre a situação nas capitais estaduais e no Distrito Federal, permite analisar o contexto brasileiro e o papel preventivo da fluoretação das águas. Neste artigo, analisa-se o efeito da exposição à água fluoretada sobre a experiência de cárie em jovens de 12 anos, residentes nas capitais do Brasil.

Material e método

Os dados sobre cárie (índice CPOD) aos 12 anos de idade foram obtidos pelas Pesquisas Nacionais de Saúde Bucal realizadas em 2003 e 2010 (SB BRASIL, 2003; 2010), disponibilizados pela Coordenação Geral de Saúde Bucal do Ministério da Saúde (RONCALLI ET AL., 2012), para as 26 capitais estaduais e o Distrito Federal (DF). Foram realizados exames bucais, em escolas (2003) e em domicílios (2010) de acordo com o preconizado pela OMS, para obtenção do índice CPOD (WHO, 1997). Embora as amostras (n=5.243 em 2003; n=5.521 em 2010) resultem de estratégias amostrais distintas, são admitidas como representativas da população de 12 anos de idade, das capitais brasileiras. As capitais estaduais e o DF foram consideradas fluoretadas ou não, conforme o critério adotado por Riley, Lennon e Ellwood (1999), segundo o qual é fluoretada a cidade em que a população esteve exposta ao benefício, continuamente, desde pelo menos cinco anos. Neste estudo, porém, buscando-se assegurar a ocorrência da exposição continuada à água fluoretada por jovens de 12 anos de idade, admitiu-se que havia fluoretação da água nas capitais que adotavam essa medida em 2000 e que não a interromperam até 2010. Segundo este critério não fluoretaram as águas de abastecimento público na primeira década do século: Belém, Boa Vista, Cuiabá, João Pessoa, Macapá, Maceió, Manaus, Natal, Porto Velho, Recife, Rio Branco e São Luis.

Segundo o IBGE é de 97,2% a proporção de domicílios abastecidos por água tratada nas 15 capitais que realizam a fluoretação e de 76,8% nas 12 capitais que não o fazem. Informações sobre exposição à água fluoretada mantida por pelo menos 10 anos foram obtidas junto ao Ministério da Saúde e ao IBGE e confirmadas por autoridades sanitárias das capitais quando da realização dos inquéritos de 2003 e 2010.

A evolução dos níveis de cárie dentária nas capitais foi medida por meio de dois procedimentos. No primeiro, foi calculada a diferença percentual entre as estimativas pontuais dos valores de CPOD entre 2003 e 2010 relativos a cada capital, comparando-se a diferença percentual média em cada capital, independentemente de haver ou não exposição ao método preventivo. Como resultados provenientes de diferentes estudos populacionais têm comprovado a correlação entre desenvolvimento humano e cárie dentária (FRAZÃO, 2012; GABARDO ET AL., 2008; PERES; ANTUNES; PERES, 2004), no segundo procedimento os valores do CPOD em 2010 foram correlacionados com os valores do Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) registrado para cada capital no ano 2000, segundo a condição da fluoretação. Os valores do índice de desenvolvimento humano correspondentes ao ano 2000 foram usados para expressar o contexto no qual essas crianças viveram no período em que houve exposição à água fluoretada, uma vez que esse índice composto contempla, simultaneamente, dimensões relacionadas com escolaridade, renda e expectativa de vida ao nascer. O pressuposto é que valores desfavoráveis de IDH, em 2000, teriam algum efeito contextual sobre as crianças, nos anos que se seguiram, com significado para a experiência de cárie. Por essa razão, admite-se que a aferição do IDHM em 2000 é adequada, por ser mais apropriada à avaliação da fluoretação como intervenção de saúde pública, tendo em vista as características dessa tecnologia, que é tempo-dependente (ANTUNES; NARVAI, 2010).

Assim, entre utilizar o valor do IDHM para o ano de 2010, concomitante ao desfecho que se está medindo e usar o valor correspondente ao ano 2000, optou-se, neste estudo, por utilizar uma medida que antecede o desfecho. Para medir o tamanho do efeito entre os valores do CPOD e do IDHM foi empregado o coeficiente de correlação de Pearson. A despeito de sua contribuição para o debate sobre a efetividade da fluoretação das águas em contextos de exposição a múltiplas fontes de flúor, inferências não podem ser extrapoladas para além da população brasileira residente nas capitais, uma vez que este estudo restringe-se ao observado na totalidade dessas capitais e se refere, especificamente, às estimativas populacionais produzidas sob essas condições, a partir de amostras probabilísticas estruturadas por conglomerados em um estágio em 2003 e em dois estágios em 2010. Nos dois planos amostrais, cada capital correspondeu a um domínio geográfico, sendo o setor censitário e o domicílio (2010) ou as escolas (2003) as unidades amostrais de cada estágio.

O Projeto SB-Brasil-2010 foi realizado em conformidade com a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, para pesquisa em seres humanos e teve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa do Ministério da Saúde, registrado na Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) com o número 15.498 e protocolo de aprovação 009/2010 em 07/01/2010.

Resultados

Entre 2003 e 2010, observou-se declínio médio nos valores do índice CPOD nas capitais com água fluoretada (-8,6%) (figura 1) em comparação com as não fluoretadas, as quais registraram aumento médio da ordem de 12,8% (figura 2). A ausência de fluoretação se associa com o aumento do índice de cárie em várias capitais brasileiras, enquanto sua presença se correlaciona com a redução desse índice. As diferenças entre as médias CPOD não foram estatisticamente significativas em 20 das 27 capitais. Contudo, nas 7 em que houve diferença, houve declínio na média CPOD em 4 (Brasília, Campo Grande, Florianópolis e Teresina) enquanto que em 3 houve elevação (Belém, Macapá e Porto Velho). A água é fluoretada nas 4 capitais em que houve declínio; não é fluoretada nas 3 em que houve elevação.

Figura 1
Porcentagem de aumento ou declínio nos valores do índice CPOD aos 12 anos de idade em capitais brasileiras fluoretadas entre 2003 e 2010

Nota: Em Brasília, Florianópolis, Teresina e Campo Grande, as diferenças das médias CPOD são estatisticamente significativas (p<0,05).

Fonte: Elaboração própria


Figura 2
Porcentagem de aumento ou declínio nos valores do índice CPOD aos 12 anos de idade em capitais brasileiras não fluoretadas entre 2003 e 2010

Nota: Em Belém, Macapá e Porto Velho, as diferenças das médias CPOD são estatisticamente significativas (p<0,05).

Fonte: Elaboração própria


A figura 3 mostra a correlação entre o IDHM em 2000 e o CPOD aos 12 anos de idade em 2010 em capitais brasileiras fluoretadas e não fluoretadas. O grau de desenvolvimento apresentou forte correlação negativa (r = -0,71) com os valores do CPOD, observando-se que nas capitais com água fluoretada os valores médios do índice CPOD em 2010 foram majoritariamente inferiores aos valores médios das capitais não fluoretadas. Além disso, a correlação entre os valores de CPOD e IDHM foi menor nas áreas fluoretadas (r = -0,30), correlação esta considerada fraca, em comparação com as não fluoretadas, cuja correlação foi moderada (r = -0,41), indicando que a exposição à água fluoretada tende a atenuar o efeito das diferenças de desenvolvimento humano sobre a variação dos valores do CPOD (figura 4). Isto ocorre, ainda que a diferença entre o menor e o maior valor médio do índice CPOD nas capitais fluoretadas (Florianópolis=0,8; Palmas=2,4) seja de 205% e a diferença entre o menor e o maior valor médio do índice CPOD nas capitais não fluoretadas (Recife=1,7; Porto Velho=4,1) seja menor (150%). Contudo, considerando-se o conjunto das capitais, a diferença entre o menor e o maior valor médio do índice CPOD (Florianópolis=0,8; Porto Velho=4,1) é de 439%.

Figura 3
Correlação entre o IDHM em 2000 e o CPOD aos 12 anos de idade em 2010 em capitais brasileiras fluoretadas e não fluoretadas

Fonte: Elaboração própria


Figura 4
Índice CPOD aos 12 anos de idade em capitais brasileiras fluoretadas e não fluoretadas segundo o IDHM

Fonte: Elaboração própria


Discussão

Desde que se consolidaram os conhecimentos acerca do papel desempenhado pelos dentifrícios fluoretados na prevenção da cárie dentária (FEATHERSTONE, 1999; NADANOVSKY; SHEIHAM, 1995), abriu-se o debate sobre a necessidade de se dar continuidade à fluoretação das águas de abastecimento público. Nesses contextos de exposição a múltiplas fontes de flúor, como é o caso brasileiro, a efetividade da fluoretação das águas poderia estar diminuída ou mesmo não existir (KUMAR, 2008). Porém, Horowitz (1996)pondera que ainda que não sejam mais conseguidas reduções de mais de dois terços na prevalência da doença, como se observavam nos ensaios comunitários pioneiros sobre a eficácia dessa medida, realizados em meados do século XX, quando a única fonte de fluoretos era a água, a fluoretação da água em si continua sendo tão eficaz como sempre foi entre os grupos de alto risco à cárie dentária, pois é uma fonte importante de flúor tópico e facilita a remineralização do esmalte dentário. Os dados brasileiros corroboram essa afirmação, uma vez que houve redução nos valores médios do CPOD em 4 das 15 capitais que mantiveram a fluoretação durante todo o período entre os dois inquéritos analisados, indicando que a manutenção da medida propiciou a manutenção do declínio da experiência de cárie. Além disso, é possível admitir efeito preventivo não tangível (KUMAR, 2008) nas demais 11 capitais que fluoretam, ao se constatar que em nenhum caso houve aumento estatisticamente significativo nas médias CPOD. Em acréscimo, é admissível que pode ter havido atenuação da força preventiva da medida em algumas capitais que fluoretam suas águas há mais de 30 ou 40 anos. Nessas situações, embora persista a ação preventiva, esta se encontra atenuada, efeito conhecido como perda da força preventiva atribuída especificamente à medida. É relevante assinalar que foi utilizado o índice CPOD, um indicador insensível para captar pequenas diferenças de experiência de cárie, comuns em contextos de baixa prevalência do agravo. Na análise da evolução da cárie, não se optou, neste estudo, por um delineamento do tipo antes-depois, situação em que os mesmos indivíduos são examinados em momentos diferentes na linha do tempo. Além disso, neste caso, o "antes" não correspondia à 'não exposição', em todas as situações, uma vez que em várias capitais, como Curitiba e São Paulo, para citar apenas dois exemplos, a fluoretação tinha sido iniciada havia muitos anos antes de 2003 (1958 e 1985, respectivamente). Tratou-se, apenas, portanto, de considerar medidas (média CPOD) obtidas em dois momentos do tempo, para empreender a análise. Portanto, no 'momento inicial' (2003) já havia exposição à água fluoretada nessas capitais e sabe-se que essa medida preventiva vinha produzindo efeitos havia mais de duas décadas (ANTUNES; NARVAI, 2010; CESA; ABEGG; AERTS, 2011). Considerar que não se trata de um delineamento do tipo antes-depois, mas de levar em conta, em conjunto, os efeitos em 15 áreas populacionais beneficiadas pela fluoretação, a partir de medidas em dois momentos do tempo, é essencial para discutir limites e possibilidades do presente estudo. Cabe registrar ainda que, nas capitais sem flúor, a simples exposição aos demais veículos (dentifrício, alimentos e bebidas como chás e fórmulas infantis, dentre outros) não resultou em redução similar dos níveis de cárie.

Analisando o contexto dos Estados Unidos na primeira década do século XXI, Burt (2002) reconheceu que naquele país a redução global na prevalência e severidade da cárie deveria ser atribuída, em grande parte, à exposição generalizada aos fluoretos, principalmente a partir da fluoretação da água potável. Admitiu também que, apesar da redução global, a doença vem afetando sobretudo a população de baixo nível socioeconômico. Por essa razão, o autor responde ao questionamento sobre a necessidade de continuar fluoretando as águas, argumentando que a medida segue sendo o método mais efetivo e prático de reduzir as desigualdades na carga da doença, não sendo possível identificar outro meio de conseguir essa redução. Enfatiza ainda que a fluoretação não apenas reduz a prevalência e a severidade da cárie, mas também reduz as desigualdades entre grupos sociais, razão pela qual advoga que a medida deve permanecer como uma prioridade de saúde pública. Cabe ponderar, a esse respeito, que a depender de cada contexto, a fluoretação pode aumentar a diferença relativa nos valores médios do índice CPOD, entre grupos sociais. Contudo, esse aumento da diferença relativa decorre, basicamente, de um padrão de baixa prevalência de cárie. Levando-se em consideração a população total, observam-se menores valores médios do índice CPOD para os segmentos de situação socioeconomica pior, nas localidades beneficiadas pela fluoretação em comparação com as localidades desprovidas do benefício. É a essa redução de desigualdades sociais que se refere Burt. Armfield (2010) analisou o contexto australiano, que é também, como o Brasil, de exposição a múltiplas fontes de fluoretos, e concluiu que a água fluoretada tem significativo impacto sobre a prevalência de cárie, que chegou a ser 28,7% menor para dentes decíduos e 31,6% para dentes permanentes. O mesmo contexto australiano, no qual mais de 90% da população recebem água de abastecimento público fluoretada, foi analisado por Neil (2012) que argumenta que, naquele país, a fluoretação da água continua a ser a medida mais eficaz e socialmente eqüitativa para prevenir cárie em todas as idades.

Os dados da análise empreendida neste estudo corroboram que, no contexto brasileiro, a situação é semelhante à dos Estados Unidos e da Austrália, dois países com longa história na utilização da fluoretação da água como uma tecnologia de saúde pública. Ambas as experiências com essa tecnologia têm mais de meio século. Em nosso caso, a medida da experiência de cárie (valores do índice CPOD) foi atenuada pela exposição à água fluoretada. Quando uma capital não beneficia sua população com água fluoretada, o valor médio do seu índice CPOD tende a ser maior do que os valores obtidos para as capitais que fluoretam, e maior do que a média nacional. A propósito, Peres, Antunes e Peres (2004), partindo da hipótese da equidade inversa, constataram que no Brasil as populações que vivem em cidades com piores condições socioeconômicas são justamente as que menos se beneficiam da fluoretação das águas como medida de saúde pública, uma vez que quando essa tecnologia é empregada isso acontece tardiamente em relação a cidades com melhores índices de desenvolvimento humano.

Um aspecto que poderia ser interpretado como uma limitação da presente análise se relaciona ao uso do índice IDHM para o ano 2000. Contudo, deve-se ponderar que essa antecedência é aceitável, levando-se em conta os seus próprios significados e efeitos sobre a doença. Como um indicador de contexto, faz sentido obter a medida antes do desfecho, para que se possa deduzir em que condições essas crianças viveram no período em que se desenvolveram e em que houve exposição à água fluoretada. Outra restrição diz respeito ao uso do índice CPOD, um instrumento epidemiológico que perde sensibilidade em contextos de baixa prevalência de cárie, em comparação com cenários de alta prevalência.

Não obstante essas restrições, os resultados observados neste estudo permitem afirmar que, nas capitais estaduais brasileiras, a fluoretação das águas de abastecimento público deve ter continuidade. Essa afirmação decorre da aplicação do princípio da precaução, favoravelmente à manutenção, admitindo-se que não há questionamento da eficácia dessa medida preventiva (MCDONAGH ET AL., 2000; PETERSEN; LENNON, 2004), ainda que haja limitações metodológicas que restringem a possibilidade de demonstrar sua efetividade no período de tempo considerado.

Com efeito, levando-se em conta que em 20 das 27 capitais não houve diferenças estatisticamente significativas entre as médias CPOD, tem-se cogitado considerar estacionário o quadro da cárie nas capitais brasileiras, uma vez que os resultados do SB Brasil 2010 podem ser interpretados como indicativos de que a fluoretação das águas não está sendo efetiva nas localidades em que é realizada. De acordo com esta interpretação teria chegado a hora de interromper a fluoretação das águas no País e revogar a lei 6050/74, que torna a medida obrigatória onde haja estação de tratamento de água.

Porém, não deveria ser esta a conclusão a se chegar da análise dos resultados do SB Brasil 2010. Num contexto socioeconômico marcado por desigualdades, como é o caso do Brasil, é relevante constatar que, com fundamento no princípio da precaução, a fluoretação das águas não apenas deve ter continuidade, mas ser ampliada no Brasil, como parte de políticas públicas orientadas pela busca da equidade em saúde, combinando-se com medidas de combate às desigualdades iníquas. Também em outros contextos (JONES ET AL., 1997) constata-se que a fluoretação das águas, nas localidades onde é utilizada, beneficia toda a população, mas nesses locais, seus efeitos são mais intensos entre os grupos socioeconomicamente mais vulneráveis. Além disso, Antunes e Narvai (2010) ponderaram que, no caso brasileiro, a cobertura da fluoretação da água é extremamente desigual, assinalando que a intervenção avançou mais nos estados do Sul e Sudeste, onde se concentra a maior parte da riqueza do País, sendo insuficiente nas regiões Norte e Nordeste, destacando que uma medida de saúde pública efetiva na redução de desigualdades é, ela própria, objeto de profundas desigualdades em sua implantação, no âmbito das políticas públicas de saúde em nível nacional. Por isso, ainda que não seja possível afirmar que, caso persistam desigualdades no acesso à água fluoretada, as desigualdades na distribuição da cárie no Brasil tenderiam a aumentar entre as capitais, a literatura sobre o tema (ARMFIELD, 2010; BURT, 2002; JONES ET AL., 1997; KUMAR, 2008; PETERSEN; LENNON, 2004; RILEY; LENNON; ELLWOOD, 1999) autoriza afirmar que em contextos de declínio na prevalência da doença, como é o caso brasileiro, essa tecnologia de saúde pública se mantém como um instrumento útil para diminuir as desigualdades sociais na sua distribuição, na medida em que atenua a carga de doença sobre o polo mais atingido, em decorrência de sua comprovada eficácia preventiva.

Conclusão

A análise feita neste estudo indica que, nas primeiras décadas do século XXI, a fluoretação das águas de abastecimento público, uma tecnologia de saúde pública empregada há mais de meio século no Brasil, segue sendo indispensável à implementação de políticas de saúde que tenham como princípios referenciais a universalidade e a equidade.

  • Suporte financeiro: não houve

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Set 2014

Histórico

  • Recebido
    Out 2013
  • Aceito
    Mar 2014
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