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Programa Atenas: serviço pioneiro de atenção extra hospitalar ao aborto no primeiro trimestre por telemedicina

RESUMO

A criminalização do aborto no Brasil e o acesso restrito ao misoprostol obrigam mulheres a buscarem métodos inseguros para sua indução. Atenção hospitalar ao aborto induzido ou espontâneo é padrão. Na contracorrente, no cenário internacional, a telessaúde no aborto medicamentoso é padrão ouro da atenção às perdas gestacionais, espontâneas ou induzidas. Este artigo apresenta o Programa Atenas iniciativa inédita de atenção ao aborto no primeiro trimestre gestacional – com foco no atendimento extra-hospitalar, através de monitoramento telefônico por enfermeiras, facultando às mulheres escolher o método de esvaziamento uterino (expectante, medicamentoso ou cirúrgico), com vistas à humanização da atenção. Foi realizada pesquisa etnográfica, em maternidade pública nordestina, entre 2014 e 2021. No contexto de dificuldades estruturais e conjunturais, 723 participantes foram atendidas; 73,6% prescindiram de hospitalização para resolução do aborto: 58,4% ocorreram de forma espontânea e 15,2% através do misoprostol hospitalar. Não houve registro de complicações. O monitoramento telefônico promoveu vínculo e cuidado individualizado a este público invisibilizado. Esta iniciativa orgânica do SUS, sem apoio financeiro de órgãos externos, representa um avanço na atenção humanizada às mulheres com aborto. Recomenda-se estender a toda rede pública de saúde, visando ampliação do acesso a um cuidado integral e humanizado no aborto.

PALAVRAS-CHAVES
Aborto; Perda precoce da gravidez; Telemonitoramento; Misoprostol; Telemedicina

ABSTRACT

The criminalization of abortion and restricted access to misoprostol in Brazil force women to seek unsafe methods to terminate a pregnancy. Hospital care for miscarriage or abortion is standard. In contrast, telemedicine for the medical management of miscarriage and abortion is the gold standard of care internationally. This article presents the Atenas Program – an unprecedented initiative for first trimester abortion/miscarriage care, aiming at a humanized out-of-hospital service based on telephone monitoring by nurses, allowing women to choose the method of uterine evacuation (expectant, medical or surgical). For this purpose, ethnographic research was carried out in a northeastern public maternity hospital, between 2014 and 2021. In the context of structural and conjunctural difficulties, among the 723 Atenas participants, 73,6% dispensed with hospital admission for miscarriage and abortion resolution: 58,4% occurred spontaneously and 15,2% through hospital misoprostol. No complications were registered. Telephone monitoring by nurses provided the basis for continuity of individualized care for this invisibilized public. Atenas Program, initiative of a SUS institution run without external financial support, represents an advance in humanized care for women with miscarriage and abortion. It should be extended to the entire public health network, to expand access to rounded and humanized care for abortion and miscarriage.

KEYWORDS
Abortion; Miscarriage; Telemonitoring; Misoprostol; Telemedicine

Introdução

O aborto faz parte da vida reprodutiva das mulheres. No Brasil, a hospitalização associada à curetagem é o principal modelo de atenção direcionado àquelas com perdas gestacionais, espontâneas ou induzidas, atendidas na rede pública de saúde11 Aquino EML, Menezes G, Barreto-de-Araújo TV, et al. Qualidade da atenção ao aborto no Sistema Único de Saúde do Nordeste brasileiro: o que dizem as mulheres? Ciênc. saúde coletiva. 2012 [acesso em 2015 nov 23]; 17(7):1765-76. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1413-81232012000700015.
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. A utilização da curetagem contraria recomendações de organismos internacionais, considerada obsoleta, implicando maiores riscos à saúde das mulheres22 Organização Mundial da Saúde. Abortamento seguro: orientação técnica e de políticas para sistemas de saúde. Geneva: OMS; 2013. 136 p. [acesso em 2015 set 12]. Disponível em: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/70914/7/9789248548437_por.pdf.
http://apps.who.int/iris/bitstream/10665...
.

O presente artigo apresenta uma iniciativa inédita de atenção ao aborto no primeiro trimestre gestacional – intitulado Programa Atenas – em uma maternidade pública nordestina, com foco no atendimento extra-hospitalar, em consonância com normas nacionais e internacionais de humanização da atenção, dentro dos critérios legais e dos parâmetros de segurança da saúde. Nesse artigo, mostramos como a experiência do Programa Atenas serve como base para pensar uma ampla reforma da atenção ao aborto no Brasil.

A Organização Mundial da Saúde (OMS)33 World Health Organization. Abortion care guideline. Geneva: WHO; 2022. 230 p. [acesso em 2022 mar 13]. Disponível em: https://apps.who.int/iris/handle/10665/349316.
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orienta, para o esvaziamento uterino de gravidezes até 14 semanas, a utilização do método medicamentoso, com uso do misoprostol, isolado ou combinado com mifepristona, além da aspiração (manual ou elétrica). Mulheres com abortos espontâneos até 13 semanas podem ainda escolher a conduta expectante, além da medicamentosa ou cirúrgica-aspiração, sob anestesia local ou geral33 World Health Organization. Abortion care guideline. Geneva: WHO; 2022. 230 p. [acesso em 2022 mar 13]. Disponível em: https://apps.who.int/iris/handle/10665/349316.
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, 44 Beaman J, Prifti C, Schwarz EB, et al. Medication to Manage Abortion and Miscarriage. J. Gen. Intern. Med. 2020 [acesso em 2022 maio 30]; 35(8):2398-2405. Disponível em: https://doi.org/10.1007/s11606-020-05836-9.
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O esvaziamento uterino medicamentoso, seja para abortos induzidos ou espontâneos, tem mostrado segurança33 World Health Organization. Abortion care guideline. Geneva: WHO; 2022. 230 p. [acesso em 2022 mar 13]. Disponível em: https://apps.who.int/iris/handle/10665/349316.
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, 44 Beaman J, Prifti C, Schwarz EB, et al. Medication to Manage Abortion and Miscarriage. J. Gen. Intern. Med. 2020 [acesso em 2022 maio 30]; 35(8):2398-2405. Disponível em: https://doi.org/10.1007/s11606-020-05836-9.
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, 55 Blum J, Raghavan S, Dabash R, et al. Comparison of misoprostol-only and combined mifepristone-misoprostol regimens for home-based early medical abortion in Tunisia and Vietnam. Int. J. Gynaecol. Obstet. 2012 [acesso em 2022 maio 30]; 118(2):166-71. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.ijgo.2012.03.039.
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, 66 Dahiya K, Ahuja K, Dhingra A, et al. Efficacy and safety of mifepristone and buccal misoprostol versus buccal misoprostol alone for medical abortion. Arch. Gynecol. Obstet. 2012 [acesso em 2022 mar 27]; 285(4):1055-8. Disponível em: https://doi.org/10.1007/s00404-011-2110-8.
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, 77 Ngoc NT, Blum J, Raghavan S, et al. Comparing two early medical abortion regimens: mifepristone+misoprostol vs. misoprostol alone. Contraception. 2011 [acesso em 2022 mar 27]; 83(5):410-7. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.contraception.2010.09.002.
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, efetividade33 World Health Organization. Abortion care guideline. Geneva: WHO; 2022. 230 p. [acesso em 2022 mar 13]. Disponível em: https://apps.who.int/iris/handle/10665/349316.
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, 44 Beaman J, Prifti C, Schwarz EB, et al. Medication to Manage Abortion and Miscarriage. J. Gen. Intern. Med. 2020 [acesso em 2022 maio 30]; 35(8):2398-2405. Disponível em: https://doi.org/10.1007/s11606-020-05836-9.
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, 55 Blum J, Raghavan S, Dabash R, et al. Comparison of misoprostol-only and combined mifepristone-misoprostol regimens for home-based early medical abortion in Tunisia and Vietnam. Int. J. Gynaecol. Obstet. 2012 [acesso em 2022 maio 30]; 118(2):166-71. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.ijgo.2012.03.039.
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, 66 Dahiya K, Ahuja K, Dhingra A, et al. Efficacy and safety of mifepristone and buccal misoprostol versus buccal misoprostol alone for medical abortion. Arch. Gynecol. Obstet. 2012 [acesso em 2022 mar 27]; 285(4):1055-8. Disponível em: https://doi.org/10.1007/s00404-011-2110-8.
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, 77 Ngoc NT, Blum J, Raghavan S, et al. Comparing two early medical abortion regimens: mifepristone+misoprostol vs. misoprostol alone. Contraception. 2011 [acesso em 2022 mar 27]; 83(5):410-7. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.contraception.2010.09.002.
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e boa aceitabilidade55 Blum J, Raghavan S, Dabash R, et al. Comparison of misoprostol-only and combined mifepristone-misoprostol regimens for home-based early medical abortion in Tunisia and Vietnam. Int. J. Gynaecol. Obstet. 2012 [acesso em 2022 maio 30]; 118(2):166-71. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.ijgo.2012.03.039.
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, 66 Dahiya K, Ahuja K, Dhingra A, et al. Efficacy and safety of mifepristone and buccal misoprostol versus buccal misoprostol alone for medical abortion. Arch. Gynecol. Obstet. 2012 [acesso em 2022 mar 27]; 285(4):1055-8. Disponível em: https://doi.org/10.1007/s00404-011-2110-8.
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, 77 Ngoc NT, Blum J, Raghavan S, et al. Comparing two early medical abortion regimens: mifepristone+misoprostol vs. misoprostol alone. Contraception. 2011 [acesso em 2022 mar 27]; 83(5):410-7. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.contraception.2010.09.002.
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. O esquema combinando mifepristona-misoprostol é considerado o mais eficiente. Misoprostol isolado é igualmente seguro, mas menos efetivo, requerendo mais tempo e mais doses para que o aborto se complete55 Blum J, Raghavan S, Dabash R, et al. Comparison of misoprostol-only and combined mifepristone-misoprostol regimens for home-based early medical abortion in Tunisia and Vietnam. Int. J. Gynaecol. Obstet. 2012 [acesso em 2022 maio 30]; 118(2):166-71. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.ijgo.2012.03.039.
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, 66 Dahiya K, Ahuja K, Dhingra A, et al. Efficacy and safety of mifepristone and buccal misoprostol versus buccal misoprostol alone for medical abortion. Arch. Gynecol. Obstet. 2012 [acesso em 2022 mar 27]; 285(4):1055-8. Disponível em: https://doi.org/10.1007/s00404-011-2110-8.
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, 77 Ngoc NT, Blum J, Raghavan S, et al. Comparing two early medical abortion regimens: mifepristone+misoprostol vs. misoprostol alone. Contraception. 2011 [acesso em 2022 mar 27]; 83(5):410-7. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.contraception.2010.09.002.
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. Mais barato do que a mifepristona e, na indisponibilidade desta, o misoprostol isolado é alternativa importante para favorecer o acesso ao aborto seguro em países de baixa renda66 Dahiya K, Ahuja K, Dhingra A, et al. Efficacy and safety of mifepristone and buccal misoprostol versus buccal misoprostol alone for medical abortion. Arch. Gynecol. Obstet. 2012 [acesso em 2022 mar 27]; 285(4):1055-8. Disponível em: https://doi.org/10.1007/s00404-011-2110-8.
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O monitoramento do aborto, mesmo após 12 semanas, tem sido realizado em alguns países por enfermeiras, parteiras e médicos33 World Health Organization. Abortion care guideline. Geneva: WHO; 2022. 230 p. [acesso em 2022 mar 13]. Disponível em: https://apps.who.int/iris/handle/10665/349316.
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. Não há mortes registradas associadas ao aborto medicamentoso, pouca necessidade de hospitalização e os efeitos adversos são toleráveis, autolimitados, controláveis com medicações profiláticas e terapêuticas55 Blum J, Raghavan S, Dabash R, et al. Comparison of misoprostol-only and combined mifepristone-misoprostol regimens for home-based early medical abortion in Tunisia and Vietnam. Int. J. Gynaecol. Obstet. 2012 [acesso em 2022 maio 30]; 118(2):166-71. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.ijgo.2012.03.039.
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, 66 Dahiya K, Ahuja K, Dhingra A, et al. Efficacy and safety of mifepristone and buccal misoprostol versus buccal misoprostol alone for medical abortion. Arch. Gynecol. Obstet. 2012 [acesso em 2022 mar 27]; 285(4):1055-8. Disponível em: https://doi.org/10.1007/s00404-011-2110-8.
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, 77 Ngoc NT, Blum J, Raghavan S, et al. Comparing two early medical abortion regimens: mifepristone+misoprostol vs. misoprostol alone. Contraception. 2011 [acesso em 2022 mar 27]; 83(5):410-7. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.contraception.2010.09.002.
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, 88 Ng BK, Annamalai R, Lim PS, et al. Outpatient versus inpatient intravaginal misoprostol for the treatment of first trimester incomplete miscarriage: a randomised controlled trial. Arch. Gynecol. Obstet. 2015 [acesso em 2021 dez 19]; 291(1):105-13. Disponível em: https://doi.org/10.1007/s00404-014-3388-0.
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, além de favorecer a privacidade das mulheres88 Ng BK, Annamalai R, Lim PS, et al. Outpatient versus inpatient intravaginal misoprostol for the treatment of first trimester incomplete miscarriage: a randomised controlled trial. Arch. Gynecol. Obstet. 2015 [acesso em 2021 dez 19]; 291(1):105-13. Disponível em: https://doi.org/10.1007/s00404-014-3388-0.
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Com a pandemia de covid-19, ampliou-se o uso do método medicamentoso, visando garantir o acesso ao aborto seguro. Bélgica, Estônia, Irlanda, Finlândia, França, Alemanha, Noruega, Portugal, Suíça, Inglaterra, País de Gales, Escócia e Irlanda do Norte expandiram o seu acesso99 Moreau C, Shankar M, Glasier A, et al. Abortion regulation in Europe in the era of COVID-19: a spectrum of policy responses. BMJ Sex. Reprod. Health. 2021 [acesso em 2022 fev 20]; 47:e14. Disponível em: https://doi.org/10.1136/bmjsrh-2020-200724.
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; Argentina, Cidade do México e Colômbia forneceram orientações sobre aborto via telessaúde (telefone ou Whatsapp®); Reino Unido e França incentivaram a telessaúde, associada à utilização de mifepristona-misoprostol, para o aborto1010 Pilecco FB, Mccallum CA, Almeida MC, et al. Aborto e a pandemia da COVID-19: lições para América Latina. Cad. Saúde Pública. 2021 [acesso em 2021 nov 28]; 37(6):1678-4464. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0102-311X00322320.
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A telessaúde (aqui sinônimo de telemedicina) vem ganhando espaço, pela maior comodidade para usuários e oferta de cuidados a custos mais baixos, podendo ser usada de modo complementar ou substitutiva ao atendimento presencial1111 Dorsey ER, Topol EJ. Telemedicine 2020 and the next decade. Lancet. 2020 [acesso em 2020 nov 22]; 395(10227):859. Disponível em: https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)30424-4.
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. Recomendada pela OMS1212 World Health Organization. Maintaining essential health services: operational guidance for the COVID-19 context: interim guidance. Geneva: WHO; 2020. 61 p. [acesso em 2021 ago 26]. Disponível em: https://www.who.int/publications/i/item/WHO-2019-nCoV-essential_health_services-2020.2.
https://www.who.int/publications/i/item/...
, pela International Federation of Gynecology and Obstetrics (Figo)1313 International Federation of Gynecology and Obstetrics. FIGO endorses the permanent adoption of telemedicine abortion service]. London: FIGO; 2021. [acesso em 2021 dez 19]. Disponível em: https://www.figo.org/FIGO-endorses-telemedicine-abortion-services.
https://www.figo.org/FIGO-endorses-telem...
e pela Federación Latinoamericana de Sociedades e Obstetrícia y Ginecologia (Flasog)1414 Federación Latinoamericana de Sociedades e Obstetrícia y Ginecologia. Posición sobre la Telemedicina en el Aborto con Medicamentos. Boletín FLASOG. 2023 [acesso em 2023 jul 2]; 9(54):1-24. Disponível em: https://flasog.org/wp-content/uploads/2023/07/FLASOG_mayo_junio1_compressed-1.pdf.
https://flasog.org/wp-content/uploads/20...
, a telessaúde no aborto medicamentoso tem boa aceitação1515 Aiken A, Lohr PA, Lord J, et al. Effectiveness, safety and acceptability of no-test medical abortion (termination of pregnancy) provided via telemedicine: a national cohort study. BJOG. 2021 [acesso em 2022 jan 16]; 128(9):1464-74. Disponível em: https://doi.org/10.1111/1471-0528.16668.
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, 1616 Hyland P, Raymond EG, Chong E. A direct-to-patient telemedicine abortion service in Australia: Retrospective analysis of the first 18 months. Aust. N. Z. J. Obstet. Gynaecol. 2018 [acesso em 2021 jun 6]; 58(3):335-40. Disponível em: https://doi.org/10.1111/ajo.12800.
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e promove maior autonomia1616 Hyland P, Raymond EG, Chong E. A direct-to-patient telemedicine abortion service in Australia: Retrospective analysis of the first 18 months. Aust. N. Z. J. Obstet. Gynaecol. 2018 [acesso em 2021 jun 6]; 58(3):335-40. Disponível em: https://doi.org/10.1111/ajo.12800.
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e privacidade das mulheres; permite melhor gestão dos cuidados pelos profissionais, além de redução de insumos hospitalares1717 Aiken AR, Starling JE, Gomperts R, et al. Demand for self-managed online telemedicine abortion in eight European countries during the COVID-19 pandemic: a regression discontinuity analysis. BMJ Sex. Reprod. Health. 2021 [acesso em 2022 jan 9]; 47:238-45. Disponível em: https://doi.org/10.1136/bmjsrh-2020-200880.
https://doi.org/10.1136/bmjsrh-2020-2008...
e menor tempo médio de espera para o tratamento, comparada ao atendimento presencial1515 Aiken A, Lohr PA, Lord J, et al. Effectiveness, safety and acceptability of no-test medical abortion (termination of pregnancy) provided via telemedicine: a national cohort study. BJOG. 2021 [acesso em 2022 jan 16]; 128(9):1464-74. Disponível em: https://doi.org/10.1111/1471-0528.16668.
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. Configura-se como estratégia segura1515 Aiken A, Lohr PA, Lord J, et al. Effectiveness, safety and acceptability of no-test medical abortion (termination of pregnancy) provided via telemedicine: a national cohort study. BJOG. 2021 [acesso em 2022 jan 16]; 128(9):1464-74. Disponível em: https://doi.org/10.1111/1471-0528.16668.
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, 1616 Hyland P, Raymond EG, Chong E. A direct-to-patient telemedicine abortion service in Australia: Retrospective analysis of the first 18 months. Aust. N. Z. J. Obstet. Gynaecol. 2018 [acesso em 2021 jun 6]; 58(3):335-40. Disponível em: https://doi.org/10.1111/ajo.12800.
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, mesmo em contextos de inacessibilidade ao aborto seguro1212 World Health Organization. Maintaining essential health services: operational guidance for the COVID-19 context: interim guidance. Geneva: WHO; 2020. 61 p. [acesso em 2021 ago 26]. Disponível em: https://www.who.int/publications/i/item/WHO-2019-nCoV-essential_health_services-2020.2.
https://www.who.int/publications/i/item/...
, 1818 Gomperts RJ, Jelinska K, Davies S, et al. Using telemedicine for termination of pregnancy with mifepristone and misoprostol in settings where there is no access to safe services. BJOG. 2008 [acesso em 2018 abr 21]; 115(9):1171-8. Disponível em: https://doi.org/10.1111/j.1471-0528.2008.01787.x.
https://doi.org/10.1111/j.1471-0528.2008...
, a exemplo das helplines dos sites feministas Women Help Women e Women on Web1919 Jelinskaa K, Yanowb S. Putting abortion pills into women’s hands: realizing the full potential of medical abortion. Contraception. 2018 [acesso em 2018 fev 22]; 97(2):86-9. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.contraception.2017.05.019.
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A restrição de uso lícito do misoprostol em hospitais, no Brasil, entretanto, contribuiu para que este fármaco assumisse duas facetas: emprego por médicos e enfermeiras para procedimentos hospitalares obstétricos, e utilização clandestina pelas mulheres para abortar2020 Zordo S. The biomedicalisation of illegal abortion: the double life of misoprostol in Brazil. Hist. Cienc. Saúde-Manguinhos. 2016 [acesso em 2018 abr 18]; 23(1):19-36. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0104-59702016000100003.
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. A mifepristona segue indisponível no país.

No Brasil, a criminalização do aborto obriga mulheres que decidem interromper uma gestação, a realizá-lo de forma insegura, seja recorrendo a clínicas privadas sem controle sanitário, seja utilizando por conta própria Cytotec® (misoprostol), em circuitos de drogas ilícitas2121 Goes EF, Menezes G, Almeida MC, et al. Vulnerabilidade racial e barreiras individuais de mulheres em busca do primeiro atendimento pós-abor-to. Cad. Saúde Pública. 2020 [acesso em 2020 set 6]; 36:e00189618. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0102-311X0018961.
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, 2222 Diniz D, Madeiro A. Cytotec e aborto: a polícia, os vendedores e as mulheres. Ciênc. saúde coletiva. 2012 [acesso em 2018 abr 24]; 17(7):1795-1804. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1413-81232012000700018.
https://doi.org/10.1590/S1413-8123201200...
. Não há garantia de qualidade ou autenticidade do produto, tampouco aconselhamento por profissionais de saúde treinados. Alternativamente, mulheres procuram informações em redes de amigas, parentes e conhecidos2222 Diniz D, Madeiro A. Cytotec e aborto: a polícia, os vendedores e as mulheres. Ciênc. saúde coletiva. 2012 [acesso em 2018 abr 24]; 17(7):1795-1804. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1413-81232012000700018.
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, ou acompanhamento com organizações feministas ainda pouco investigado2323 Duarte NI, Moraes LL, Andrade CB. A experiência do aborto na rede: análise de itinerários abortivos compartilhados em uma comunidade online. Ciênc. saúde coletiva. 2018 [acesso em 2021 out 17]; 23(10):3337-46. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1413-812320182310.14062018.
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.

A Pesquisa Nacional de Aborto (PNA) de 2021 estimou que 43% daquelas que interromperam a gestação foram hospitalizadas para finalizar o procedimento ou cuidar de complicações pós-aborto2424 Diniz D, Medeiros M, Madeiro A. National Abortion Survey - Brazil, 2021. Ciênc. saúde coletiva. 2023 [acesso em 2023 abr 16]; 28(6):1601-6. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1413-81232023286.01892023.
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. No Brasil, hospitais-maternidades constituem-se etapa obrigatória dos cuidados2525 Heilborn ML, Cabral CS, Brandão ER, et al. Itinerários abortivos em contextos de clandestinidade na cidade do Rio de Janeiro – Brasil. Ciênc. saúde coletiva. 2012 [acesso em 2015 nov 23]; 17(7):1699-1708. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1413-81232012000700008.
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, onde a maioria das mulheres é compulsoriamente submetida à curetagem uterina, terceiro procedimento obstétrico mais realizado na rede pública2626 Brasil. Ministério da Saúde. Atenção humanizada ao abortamento: norma técnica. Brasília, DF: MS; 2011. 62 p. [acesso em 2015 set 8]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/atencao_humanizada_abortamento_norma_tecnica_2ed.pdf.
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicaco...
, em detrimento da Aspiração Manual Intrauterina (Amiu), recomendada pela OMS22 Organização Mundial da Saúde. Abortamento seguro: orientação técnica e de políticas para sistemas de saúde. Geneva: OMS; 2013. 136 p. [acesso em 2015 set 12]. Disponível em: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/70914/7/9789248548437_por.pdf.
http://apps.who.int/iris/bitstream/10665...
. Nos serviços de aborto legal, também persiste a curetagem como principal técnica, preteridos o Amiu e o misoprostol2727 Fonseca SC, Domingues M, Leal MC, et al. Aborto legal no Brasil: revisão sistemática da produção científica, 2008-2018. Cad. Saúde Pública. 2020 [acesso em 2021 out 3]; 36:e00189718. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0102-311X00189718.
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.

Nesse cenário, o Atenas oferece um estímulo para pensar uma ampla reforma da atenção ao aborto no Brasil, com oferta de orientações, possibilidade de escolha do método de esvaziamento uterino e suporte no período de resolução do aborto.

Material e métodos

O presente estudo se insere em uma pesquisa mais ampla, de cunho etnográfico, na Maternidade Climério de Oliveira, instituição pública em Salvador-Bahia (BA), vinculada à Ebserh (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares), que albergou o Atenas. O estudo envolveu análise documental, observação participante e entrevistas semiestruturadas com profissionais do hospital e ‘ex-pacientes’ da iniciativa, realizadas entre julho e setembro de 2018. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição (CAAE 91231818.5.3001.5543, número de protocolo 077258/2018, parecer nº 5.153.976).

Foram analisadas informações da pesquisa documental realizada nos protocolos do serviço e da consulta à base de dados construída a partir dos registros dos prontuários das mulheres atendidas, desde 2014, além de análise das características sociodemográficas, reprodutivas e clínicas das mulheres. Para mensuração do tempo de acompanhamento no Programa segundo o tipo de método de esvaziamento, foi calculado a mediana, por não se tratar de distribuição normal.

Também foram utilizadas notas de campo, produzidas pela primeira autora do presente trabalho, a partir da observação participante realizada, durante três turnos de dias úteis e finais de semana, em espaços da maternidade onde as mulheres circulavam. Na observação, atentou-se para rotinas, dinâmicas do serviço e interações entre profissionais e mulheres.

Entre 2014 e 2021, 814 mulheres foram atendidas no Atenas. Para esta pesquisa, foram retiradas da base de dados 85 participantes com perdas de seguimento (dez tentativas seguidas de contato sem êxito das enfermeiras e/ou faltas injustificadas às consultas presenciais) e 6 excluídas por serem inelegíveis para o Atenas, com outros diagnósticos (3 gestações ectópicas e 2 tópicas; 1 Síndrome de Asherman). Ao final, foram analisadas informações de 723 participantes (gráfico 1).

Gráfico 1
Participantes do Programa Atenas, segundo ano de admissão. Maternidade Climério de Oliveira, 2014- 2021(1)

Resultados

O Atenas foi criado em 2014 por iniciativa de médicos que ocupavam cargos estratégicos na gestão hospitalar. À época, a Maternidade – imóvel centenário com estrutura física precária – enfrentava problemas comuns às instituições públicas do Sistema Único de Saúde (SUS), como superlotação e déficit de leitos obstétricos2828 Assunção MF, Soares RC, Serrano I. A superlotação das maternidades em Pernambuco no contexto atual da política de saúde. Serv. Soc. Rev. 2014 [acesso em 2022 mar 13]; 16(2):05-35. Disponível em: https://doi.org/10.5433/1679-4842.2014v16n2p05.
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. Naquele período, propostas da Rede Cegonha e do HumanizaSUS2929 Brasil. Ministério da Saúde. Cadernos HumanizaSUS: atenção hospitalar. Brasília, DF: MS; 2011. 137 p. v. 3. [acesso em 2018 fev 11]. Disponível em: https://re-dehumanizasus.net/wp-content/uploads/2017/09/Cadernos-HumanizaSUS-Volume-3-Atenc%C-C%A7a%CC%83o-Hospitalar-1.pdf.
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colocavam a pauta do atendimento humanizado nos hospitais, contribuindo para implementação de melhorias da atenção nas maternidades. Em consonância com tais propostas, o Atenas objetivava oferecer uma atenção humanizada às mulheres com aborto; reduzir hospitalizações por esvaziamento uterino cirúrgico; e diminuir o consumo de insumos hospitalares3030 Maternidade Climério de Oliveira. Norma técnica: assistências às pacientes em situação de abortamento. Salvador: MCO; 2014. 43 p., 3131 Maternidade Climério de Oliveira. Protocolo do Programa Atenas. Salvador: MCO; 2021. 71 p..

O primeiro protocolo foi elaborado em 20143030 Maternidade Climério de Oliveira. Norma técnica: assistências às pacientes em situação de abortamento. Salvador: MCO; 2014. 43 p., com atualizações em 2015, 2017 e 20213131 Maternidade Climério de Oliveira. Protocolo do Programa Atenas. Salvador: MCO; 2021. 71 p.. Estas incluíram acompanhamento de mulheres não alfabetizadas e estrangeiras (com tradutoras); administração de maleato de ergometrina apenas no primeiro atendimento; telemonitoramento exclusivamente pelas enfermeiras; e informatização do prontuário3131 Maternidade Climério de Oliveira. Protocolo do Programa Atenas. Salvador: MCO; 2021. 71 p.. O fluxo de atendimento e o protocolo foram ajustados diante da reforma estrutural da Maternidade entre 2017 e 20213131 Maternidade Climério de Oliveira. Protocolo do Programa Atenas. Salvador: MCO; 2021. 71 p..

Eram convidadas a participar mulheres com diagnóstico de abortamento, sendo elegíveis aquelas com perda gestacional (inevitável, inviável, incompleta, retida, ou medicamentosa domiciliar); com menos de 12 semanas de gestação; tendo relatado de um a dois episódios prévios de abortamento (não molar, não ectópico e não infectado). Ao primeiro contato, deveriam estar hemodinamicamente estáveis; possuir telefone próprio; residir em Salvador-BA (ou ter fácil acesso à instituição). No Atenas, as mulheres eram acompanhadas por equipe multidisciplinar (profissionais de medicina, enfermagem, psicologia e serviço social) e usufruíam da estrutura da Maternidade (atendimento de urgência/emergência e ambulatorial; exames de imagem e laboratoriais)3030 Maternidade Climério de Oliveira. Norma técnica: assistências às pacientes em situação de abortamento. Salvador: MCO; 2014. 43 p., 3131 Maternidade Climério de Oliveira. Protocolo do Programa Atenas. Salvador: MCO; 2021. 71 p..

Após avaliação inicial na emergência obstétrica e realização de exames (laboratoriais e ultrassonográficos), elas recebiam explicações sobre o Atenas; iniciava-se o método espontâneo com administração de medicamento maleato de ergometrina para estimular contrações uterinas e controlar o sangramento vaginal; assinavam o TCLE e eram liberadas para casa3030 Maternidade Climério de Oliveira. Norma técnica: assistências às pacientes em situação de abortamento. Salvador: MCO; 2014. 43 p., 3131 Maternidade Climério de Oliveira. Protocolo do Programa Atenas. Salvador: MCO; 2021. 71 p. (gráfico 1).

Na primeira consulta médica ambulatorial, avaliava-se a manutenção do método espontâneo ou a troca para os demais, medicamentoso ou cirúrgico – preferencialmente Amiu (figura 1). Dose de 600 mcg de misoprostol da estratégia medicamentosa era aplicada pela equipe médica do Atenas, com reavaliação em quinze dias através de ultrassom transvaginal e exames laboratoriais. Na ausência de esvaziamento uterino completo, reaplicava-se o misoprostol ambulatorialmente; na persistência de restos ovulares, encaminhava-se a participante para esvaziamento uterino cirúrgico na instituição. Apesar de a literatura preconizar 600 mcg via vaginal para aborto incompleto e 800 mcg para retido3232 Federación Latino Americana de Sociedades de Obstetrícia Y Ginecología. Uso de misoprostol em obstetrícia y ginecología. Santa Cruz de la Sierra: FLASOG; 2007. 106 p. [acesso em 2018 abr 24]. Disponível em: https://livrozilla.com/doc/1190818/uso-de-misoprostol-em-obstetr%C3%ADcia-e-ginecologia.
https://livrozilla.com/doc/1190818/uso-d...
, o primeiro protocolo institucional2929 Brasil. Ministério da Saúde. Cadernos HumanizaSUS: atenção hospitalar. Brasília, DF: MS; 2011. 137 p. v. 3. [acesso em 2018 fev 11]. Disponível em: https://re-dehumanizasus.net/wp-content/uploads/2017/09/Cadernos-HumanizaSUS-Volume-3-Atenc%C-C%A7a%CC%83o-Hospitalar-1.pdf.
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recomendava 600mcg via vaginal para estes dois tipos de perda gestacional, orientação mantida nas versões subsequentes. Ainda que o misoprostol seja medicamento facilmente manejável e seguro55 Blum J, Raghavan S, Dabash R, et al. Comparison of misoprostol-only and combined mifepristone-misoprostol regimens for home-based early medical abortion in Tunisia and Vietnam. Int. J. Gynaecol. Obstet. 2012 [acesso em 2022 maio 30]; 118(2):166-71. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.ijgo.2012.03.039.
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, 66 Dahiya K, Ahuja K, Dhingra A, et al. Efficacy and safety of mifepristone and buccal misoprostol versus buccal misoprostol alone for medical abortion. Arch. Gynecol. Obstet. 2012 [acesso em 2022 mar 27]; 285(4):1055-8. Disponível em: https://doi.org/10.1007/s00404-011-2110-8.
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, 77 Ngoc NT, Blum J, Raghavan S, et al. Comparing two early medical abortion regimens: mifepristone+misoprostol vs. misoprostol alone. Contraception. 2011 [acesso em 2022 mar 27]; 83(5):410-7. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.contraception.2010.09.002.
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, 88 Ng BK, Annamalai R, Lim PS, et al. Outpatient versus inpatient intravaginal misoprostol for the treatment of first trimester incomplete miscarriage: a randomised controlled trial. Arch. Gynecol. Obstet. 2015 [acesso em 2021 dez 19]; 291(1):105-13. Disponível em: https://doi.org/10.1007/s00404-014-3388-0.
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, para evitar resistência dos profissionais da instituição, não foi cogitada a autoadministração em domicílio, como acontece nos países onde o aborto não é criminalizado.

Figura 1
Fluxograma de funcionamento do Programa Atenas. Salvador-Bahia, 2021

Neste ínterim, enfermeiras do Atenas monitoravam as participantes a cada três dias3030 Maternidade Climério de Oliveira. Norma técnica: assistências às pacientes em situação de abortamento. Salvador: MCO; 2014. 43 p., por telefone, em linha não exclusiva do programa. Na primeira ligação, repetiam-se informações sobre a iniciativa; realizava-se monitoramento e orientações sobre sinais e sintomas clínicos (febre, dor, odor, sangramento, sinais de infecção, entre outros). Nos telefonemas subsequentes, realizava-se a escuta das mulheres ou discutiam-se questões identificadas pela equipe (ansiedade pelo sangramento ou pressão dos familiares para realizarem imediatamente a curetagem); monitorava-se a evolução do quadro clínico; acompanhavam-se as demandas socioemocionais (como violência doméstica, ansiedade pela finalização do aborto) e agendamentos de consultas e exames (figura 1).

Na alta do Atenas, elas recebiam orientações médicas: planejamento familiar; aconselhamento para futura gestação (caso quisessem); prescrição de contraceptivos (inclusive DIU – Dispositivo Intrauterino); encaminhamento para outros setores da instituição, como acompanhamento de perdas gestacionais recorrentes. Enfermeiras e assistentes sociais do programa abordavam aspectos relativos aos direitos sexuais e reprodutivos; à violência contra a mulher e às questões trabalhistas (afastamento legal das atividades laborais) (figura 1).

Por decisão interna do Atenas, a equipe multiprofissional era orientada a não questionar o tipo do aborto, se provocado ou espontâneo, a menos que este dado fosse importante para viabilizar algum tipo de cuidado. Contudo, esse questionamento podia ocorrer nas interações com outros profissionais de saúde da Maternidade.

Elaborados protocolos e fluxos de atendimento, foram direcionados profissionais, alocados no setor ambulatorial ou com escala laboral administrativa, à equipe do Atenas. A médica coordenadora capacitou estrategicamente profissionais responsáveis pelo primeiro atendimento das mulheres na emergência obstétrica, colocando-se disponível para sanar dúvidas por telefone e mensagens de texto via WhastApp®.

Desafio inicial foi superar a resistência dos profissionais, de um lado relacionada aos temores acerca do monitoramento telefônico, do outro, aos aspectos éticos legais envolvidos. Para enfrentar o medo de “perder o carimbo” por complicações ou morte das mulheres por desassistência e o receio de processos judiciais, buscou-se junto à equipe atestar a segurança das condutas propostas. Esclarecimentos, apoiados em evidências científicas, eram abordados nos protocolos e nos treinamentos, reite-rando-se o baixo risco dos procedimentos propostos, e a conformidade do Atenas à legislação nacional sobre aborto e às normas do exercício profissional.

Perfil dos atendimentos

As 723 mulheres assistidas no Atenas tinham características sociodemográficas diversificadas, embora largamente autodeclaradas negras (37,3% pretas, 47,9% pardas) e adultas jovens (80,5% entre 20 e 39 anos). Metade (54,1%) era casada ou em união estável/consensual. A maioria (62,5%) possuía ensino médio; e 14,4% superior. Grande parte (80,4%) professava algum credo religioso, destacando-se católicas (42,2%) e evangélicas (32,1%) (tabela 1).

Tabela 1
Mulheres atendidas no Programa Atenas entre 2014 e 2021, segundo características sociodemográficas e reprodutivas. Salvador-Bahia, 2021

Ressaem-se como ocupação, donas de casa (12,6%), estudantes (11,1%); profissionais da área da saúde (8,2%); educadoras (3,0%) e administradoras (1,4%). Maior parcela das mulheres foi proveniente da emergência da Maternidade, encaminhada pelos plantonistas; outra parte vinha de consultórios e instituições da rede privada que buscava o serviço por recomendação de profissionais que trabalhavam na Maternidade ou colegas, mas não há registro do quantitativo destas participantes (dados não apresentados). Isto tem expressão no perfil das participantes, com parcela das mulheres de nível superior de escolaridade, diferenciado das usuárias do SUS.

Para esvaziar o útero, a maioria (73,6%) não precisou de internação hospitalar: para 58,4% delas, isto ocorreu de forma espontânea e 15,2% pelo método medicamentoso (tabela 2). Apenas 191 (26,4%) mulheres realizaram esvaziamento cirúrgico, a maioria na instituição: 14,5% curetagem, 10,4% Amiu e 1,5% Amiu seguida de curetagem (tabela 3). Entre aquelas submetidas ao esvaziamento cirúrgico, 21,5% o fizeram após falha do misoprostol hospitalar. Quase a metade (52,4%) das que optaram pelo esvaziamento cirúrgico o fizeram por desistência do método espontâneo; dor; sangramento; e medo de complicações, e 47,6% receberam indicação médica, relacionada a sangramento intenso, risco infeccioso, suspeita de Doença Trofoblástica Gestacional e a quadros não resolvidos pelos métodos anteriores (dados não apresentados).

Tabela 2
Mulheres atendidas no Programa Atenas entre 2014 e 2021, segundo tipo de desfecho e duração do tempo de acompanhamento. Salvador-Bahia, 2021
Tabela 3
Tempo de resolução (em dias) dos tipos de desfecho do Programa Atenas. Salvador-Bahia, 2021

Durante o acompanhamento, as mulheres geralmente se queixaram de sintomas de fácil resolução, como “dor de cabeça” e “dor no pé da barriga”, sanados com analgésicos recebidos. Não houve episódios de complicação grave, transferência para Unidade de Terapia Intensiva (UTI), nem registro de mortes no período analisado (dados não apresentados).

As mulheres, ao seguimento telefônico, mostravam-se particularmente ansiosas no momento do sangramento vaginal domiciliar. Apesar do acompanhamento individualizado e da busca de construção de vínculo entre enfermeiras e mulheres (tratavam-se pelos prenomes, por exemplo), muitas relataram pressão da rede de familiares e amigos para realização imediata da curetagem. Como este procedimento tornou-se referência na atenção hospitalar ao aborto no país, parte dessa rede, por desconhecimento, assumia posição contrária às condutas, expectante e medicamentosa, mesmo com suporte da equipe multiprofissional.

O Atenas não contabilizava o tempo relativo ao fim do aborto, evidenciado pelo esvaziamento cirúrgico ou pelos relatos das mulheres de eliminação de coágulos e restos ovulares em domicílio, ratificados pelo resultado “sem anormalidades” da ultrassonografia. Apenas o período total do acompanhamento no Atenas era quantificado: do primeiro dia de atendimento na emergência obstétrica até a alta do programa (após comparecimento da participante e avaliação dos exames), mesmo após Amiu/curetagem na própria instituição.

O período assistencial no Atenas variou de zero (alta no mesmo dia do ingresso) a 361 dias (difícil seguimento). Para 12,3% das mulheres, isto ocorreu em até 15 dias. A maioria (55,3%) recebeu alta entre 16 e 60 dias (tabela 2). O menor tempo de acompanhamento ocorreu com métodos cirúrgicos de esvaziamento uterino, com medianas de 28, 33 e 39 dias, respectivamente, para Amiu com curetagem; curetagem; e Amiu (tabela 3). Mesmo sendo métodos de resolução mais imediata, este período também inclui o recebimento da alta, ocorrida na consulta médica final do Atenas. Dificuldades financeiras para comparecer e/ou incompatibilidade de agenda das mulheres com as datas das consultas médicas presenciais também podem ter contribuído para o aumento do tempo de permanência no Atenas.

Além da dificuldade das mulheres em comparecer às consultas de alta – por questões profissionais, financeiras, familiares ou por acreditarem que o aborto já estava resolvido – adversidades relacionadas ao seguimento do Atenas envolveram problemas de acesso à ultrassonografia transvaginal, já que o setor de imagem supria a demanda de toda a instituição. Como o resultado deste exame era um condicionante para a alta, suas vagas limitadas postergavam o encontro final com o médico, aumentando o tempo de acompanhamento. Longos seguimentos ainda ocorreram entre participantes claudicantes, que ora atendiam ao telefone, ora não, até serem classificadas como perdas de seguimento. A partir de 2020, com a pandemia de covid-19, mulheres com sintomas gripais tiveram consultas ambulatoriais e ultrassonografias adiadas até a resolução do quadro, contribuindo também para o prolongamento no Atenas.

Para aquelas com relatos de abortos espontâneos, o tempo de acompanhamento mais demorado foi avaliado como benéfico, ajudando-as na elaboração de sentimentos relacionados ao luto, permitindo-lhes processar a perda gestacional e do ente perdido.

O Programa, como um todo, teve percalços, como mudança na coordenação, ausência de linha telefônica própria com espaço privativo e equipe multidisciplinar não exclusiva. Os profissionais dividiam esta atividade com outras relativas aos atendimentos de gestantes, parturientes e puérperas. Não houve processo seletivo interno para composição da equipe, sendo alocados profissionais de acordo com a escala do atendimento ambulatorial.

Entre 2017 e 2020, com a reforma da Maternidade, o serviço de emergência obstétrica (principal porta de entrada do Programa) só atendia pacientes por demanda referenciada, contribuindo para que menos mulheres ingressassem no Atenas, cuja demanda espontânea era a mais importante forma de acesso. Em 2020, devido à pandemia, o Atenas foi desativado, sendo retomado em 2021.

Discussão

O Atenas vem se mostrando uma iniciativa factível, segura e viável, em um contexto de criminalização do aborto. Apresenta-se como uma alternativa à atenção hospitalocêntrica, conformada por práticas consideradas como violência institucional: curetagem compulsória, maus tratos, negligência do atendimento, e mesmo denúncia das mulheres à polícia por profissionais de saúde11 Aquino EML, Menezes G, Barreto-de-Araújo TV, et al. Qualidade da atenção ao aborto no Sistema Único de Saúde do Nordeste brasileiro: o que dizem as mulheres? Ciênc. saúde coletiva. 2012 [acesso em 2015 nov 23]; 17(7):1765-76. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1413-81232012000700015.
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.

O programa foi elaborado à luz do marco da humanização da atenção ao aborto seguro, e consoante às normas nacionais e internacionais. Levou à desospitalização e redirecionamento de recursos humanos e hospitalares. Proporcionou atendimento baseado no vínculo e cuidado individualizado. Para mulheres com relatos de abortos espontâneos, representou um momento de elaboração de sentimentos, como o luto. Para aquelas que o induziram, tornou-se espaço mais protegido e seguro para que fossem objeto de cuidado. Distingue-se ao apresentar uma equipe de enfermeiras que telemonitora as mulheres, acolhendo-as e orientando-as sobre sinais e sintomas de alerta para buscar atendimento médico.

Na ausência de trabalhos sobre iniciativas como o Atenas na América Latina, recorre-se aqui a uma comparação com as helplines, tomadas como referência, ainda que estas tenham origem distinta e assumam configurações específicas nos contextos onde funcionam.

As helplines da América Latina (como Argentina, Chile, Equador, Peru e Venezuela) são lideradas por grupos feministas, sem apoio governamental, com necessidade regular de angariar fundos. Fornecem orientações por telefone sobre aborto medicamentoso (autogestão, dosagem dos medicamentos, via de administração, sintomas e complicações). Em contexto de ilegalidade, informam como se comportar em caso de atendimento hospitalar para evitar denúncias pelos profissionais de saúde3333 Drovetta RI. Safe abortion information hotlines: an effective strategy for increasing women’s Access to safe abortions in Latin America. Reprod. Health Matters. 2015 [acesso em 2022 jan 16]; 23(45):47-57. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.rhm.2015.06.004.
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. Diferentemente, o Atenas está inserido no SUS, é realizado por profissionais de saúde e fornece os cuidados relativos ao aborto.

Também há pouca comparabilidade do Atenas com estudos nacionais, pelo ineditismo do Programa, mas o telemonitoramento assemelha-se ao oferecido pelo Nuavidas3434 Instituto de Bioética; Global Doctors for Choice Brasil; Núcleo de Atenção Integral a Vítimas de Agressão Sexual (Nuavidas). Aborto legal via telessaúde: orientações para serviços de saúde. Brasília, DF: Letras Livres; 2021. [acesso em 2022 fev 20]. Disponível em: https://anis.org.br/publicacoes/aborto-legal-via-te-lessaude-orientacoes-para-servicos-de-saude-2021/.
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, que oferta aborto legal por telemedicina.

Os resultados do Atenas dialogam com iniciativas semelhantes em países socioeconômico-culturamente diferentes, sobretudo quanto ao status legal do aborto. Nos EUA, para o aborto medicamentoso (misoprostol-mife-pristona) até 12 semanas, a telemedicina tem se consolidado como alternativa aos centros de planejamento reprodutivo, principalmente pós pandemia de covid-193535 Kumsa FA, Prasad R, Shaban-Nejad A. Medication abortion via digital health in the United States: a systematic scoping review. NPJ Digit. Med. 2023 [acesso em 2023 ago 20]; 6(1):128. Disponível em: https://doi.org/10.1038/s41746-023-00871-2.
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. Flexibilidade dos horários das consultas; privacidade; menor custo; não deslocamento; menos estigma; maior comodidade; e equivalência ao atendimento presencial são alguns atrativos apontados pelas mulheres3535 Kumsa FA, Prasad R, Shaban-Nejad A. Medication abortion via digital health in the United States: a systematic scoping review. NPJ Digit. Med. 2023 [acesso em 2023 ago 20]; 6(1):128. Disponível em: https://doi.org/10.1038/s41746-023-00871-2.
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, contribuindo para o acrescimento do aborto medicamentoso via telemedicina3636 Grossman DA, Grindlay K, Buchacker T, et al. Changes in Service Delivery Patterns After Introduction of Telemedicine Provision of Medical Abortion in Iowa. Am. J. Public Health. 2013 [acesso em 2018 abr 18]; 103:73-8. Disponível em: https://doi.org/10.2105/AJPH.2012.30109.
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. Com apenas câmera e computador, consultas são realizadas à distância3737 Grindlay K, Grossman D. Telemedicine provision of medical abortion in Alaska: Through the provider’s lens. J. Telemed. Telecare. 2017 [acesso em 2023 ago 20]; 23(7):680-5. Disponível em: https://doi.org/10.1177/1357633X16659166.
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. Usuárias do Planned Parenthood, um dos serviços reprodutivos estadunidenses, por exemplo, são assistidas através de videoconferência por médicos e enfermeiras, podendo contatar estes profissionais em caso de dúvidas ou falta de resposta da mifepristona/misoprostol3838 Planned Parenthood Federation of America. The Abortion Pill. New York: PPFA; 2023. [acesso em 2023 jul 15]. Disponível em: https://www.planne-dparenthood.org/learn/abortion/the-abortion-pill.
https://www.planne-dparenthood.org/learn...
. Na França, médicos e sage-femmes (parteiras) são autorizados a realizar todas as etapas do aborto medicamentoso por téléconsultation, com a dispensação dos comprimidos pela farmácia de escolha da mulher3939 Haute Autorisé de Santé. Interruption volontaire de grossesse par méthode médicamenteuse. Saint-Denis: HAS; 2021. [acesso em 2023 jul 24]. Disponível em: https://www.has-sante.fr/upload/docs/application/pdf/2021-03/reco406_recommandations_ivg_medicamenteuse_mel.pdf.
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. Também é possível, no Canadá, que médicos e enfermeiras usem a telemedicina em diferentes etapas do atendimento consulta inicial (86%), prescrição dos medicamentos (82,2%) e acompanhamento do processo de abortamento (92,2%) e monitorem as mulheres principalmente através do β-HCG (84,2%) e do telefone (56,4%)4040 Renner RM, Ennis M, Kyeremeh A, et al. Telemedicine for First-Trimester Medical Abortion in Canada: Results of a 2019 Survey. Telemed. J. E. Health. 2023 [acesso em ago 13]; 29(5):686-95. Disponível em: https://doi.org/10.1089/tmj.2022.0245.
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.

Entre 2014 e 2021, a maioria das participantes do Atenas (73,6%), até 12 semanas de gestação, não precisou de hospitalização para esvaziar o útero (58,4% o fizeram espontaneamente e 15,2% por misoprostol hospitalar). No Havaí, estudo evidenciou que 95,8% das mulheres, até 77 dias de gestação, que associaram à telemedicina ao aborto medicamentoso, não precisaram de intervenção cirúrgica4141 Kerestes C, Murayama S, Tyson J, et al. Provision of medication abortion in Hawai’i during COVID-19: Practical experience with multiple care delivery models. Contraception. 2021 [acesso em 2023 jul 30]; 104(1):49-53. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.contraception.2021.03.025.
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. Na Inglaterra, 98,8% das usuárias de três serviços de aborto, até 69 dias de gestação, igualmente obtiveram êxito com a telemedicina1515 Aiken A, Lohr PA, Lord J, et al. Effectiveness, safety and acceptability of no-test medical abortion (termination of pregnancy) provided via telemedicine: a national cohort study. BJOG. 2021 [acesso em 2022 jan 16]; 128(9):1464-74. Disponível em: https://doi.org/10.1111/1471-0528.16668.
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.

Apesar das potencialidades, o Atenas enfrentou dificuldades para sua implementação. Mudanças na coordenação, reforma institucional, pandemia de covid-19 e limites institucionais (falta de infraestrutura e equipe exclusiva) dificultaram a consolidação do programa. Em outros contextos, onde o aborto é legal, profissionais de saúde também relataram dificuldades entre usuárias dos serviços de aborto por telemedecina: nos EUA, confirmação da identidade; garantia de quem faria o uso dos medicamentos enviados; acesso daquelas de menoridade sem consentimento parental3535 Kumsa FA, Prasad R, Shaban-Nejad A. Medication abortion via digital health in the United States: a systematic scoping review. NPJ Digit. Med. 2023 [acesso em 2023 ago 20]; 6(1):128. Disponível em: https://doi.org/10.1038/s41746-023-00871-2.
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; no Canadá, datar a gestação pela ultrassom; dificuldade de pagamento dos profissionais; falta de acesso ao teste de β-HCG; ausência de serviço emergencial próximo – fatores que representariam barreiras de acesso ao aborto por telemedicina4040 Renner RM, Ennis M, Kyeremeh A, et al. Telemedicine for First-Trimester Medical Abortion in Canada: Results of a 2019 Survey. Telemed. J. E. Health. 2023 [acesso em ago 13]; 29(5):686-95. Disponível em: https://doi.org/10.1089/tmj.2022.0245.
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. Algumas usuárias de serviço nos EUA apontaram falhas técnicas (com internet ou plataformas de acesso) que atrapalharam a teleconsulta; receio de quebra de privacidade e preferência pelo atendimento presencial4242 Ruggiero S, Seymour J, Thompson T, et al. Patient and provider experiences using a site-to-site telehealth model for medication abortion. Mhealth. 2022 [acesso em 2023 jun 18]; 8:32. Disponível em: https://doi.org/10.21037/mhealth-22-12.
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.

Fatores macroestruturais também interferiram negativamente no Atenas, como a criminalização do aborto, pois as mulheres retardam a busca por atendimento hospitalar, pelo medo de serem denunciadas ou maltratadas2121 Goes EF, Menezes G, Almeida MC, et al. Vulnerabilidade racial e barreiras individuais de mulheres em busca do primeiro atendimento pós-abor-to. Cad. Saúde Pública. 2020 [acesso em 2020 set 6]; 36:e00189618. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0102-311X0018961.
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. Também a ausência de mifepristona no Brasil impede o acesso a uma tecnologia mais efetiva, pois o uso isolado de misoprostol torna o tempo de expulsão do conteúdo uterino mais demorado55 Blum J, Raghavan S, Dabash R, et al. Comparison of misoprostol-only and combined mifepristone-misoprostol regimens for home-based early medical abortion in Tunisia and Vietnam. Int. J. Gynaecol. Obstet. 2012 [acesso em 2022 maio 30]; 118(2):166-71. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.ijgo.2012.03.039.
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, 66 Dahiya K, Ahuja K, Dhingra A, et al. Efficacy and safety of mifepristone and buccal misoprostol versus buccal misoprostol alone for medical abortion. Arch. Gynecol. Obstet. 2012 [acesso em 2022 mar 27]; 285(4):1055-8. Disponível em: https://doi.org/10.1007/s00404-011-2110-8.
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, 77 Ngoc NT, Blum J, Raghavan S, et al. Comparing two early medical abortion regimens: mifepristone+misoprostol vs. misoprostol alone. Contraception. 2011 [acesso em 2022 mar 27]; 83(5):410-7. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.contraception.2010.09.002.
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, prolongando o acompanhamento no programa.

Grupos feministas latino-americanas, que orientam o aborto medicamentoso via telemedicina e fornecem as pílulas de mifepristona-misoprostol, com atuação no Brasil, também identificaram dificuldades relacionadas ao acesso das usuárias. Estudo com entrevistas e grupo focal com ativistas aponta que, nos atendimentos de 2019, houve maior utilização do serviço por mulheres mais velhas, brancas, com maior escolaridade, assim como por residentes em estados mais ricos, com maior escolarização e menor proporção de racialização populacional, situadas nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste. Desigualdades sociais, relacionadas à gênero, raça e classe estão sendo reproduzidas no acesso à internet, tornando-se barreiras ao serviço de aborto por telemedicina4343 Larrea S, Palència L, Borrell C. Medical abortion provision and quality of care: what can be learned from feminist activists? Health Care Women Int. 2021 [acesso em 2022 set 4]; 45(09):1-20. Disponível em: https://doi.org/10.1080/07399332.2021.1969573.
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. Neste sentido, Kerestes e colaboradores4141 Kerestes C, Murayama S, Tyson J, et al. Provision of medication abortion in Hawai’i during COVID-19: Practical experience with multiple care delivery models. Contraception. 2021 [acesso em 2023 jul 30]; 104(1):49-53. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.contraception.2021.03.025.
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enfatizam a importância de manter o atendimento presencial como opção para pessoas com acesso tecnológico limitado.

As potencialidades do Atenas, na realidade brasileira, suscitam novos estudos sobre o programa, quanti e qualitativos, de modo a analisar a experiência distinta das mulheres, segundo marcadores sociais, como escolaridade e raça/cor, além do tipo do aborto; investigar as implicações sobre a não declaração do tipo de aborto e se houve uma predileção de indicação ao Programa de mulheres com abortos espontâneos; compreender os fatores associados à escolha pelo tipo de esvaziamento uterino e as razões declaradas pelas participantes; verificar a relação entre a escolha do método, o tempo de espera e o tipo de aborto, haja vista que supostamente mulheres com aborto provocado preferem rápida resolução.

Este é o primeiro estudo que evidenciou a importância de uma iniciativa inédita de atenção ao aborto no SUS, com oferta de métodos espontâneo e medicamentoso na resolução dos abortos retidos e incompletos. Mostrou a boa aceitabilidade das participantes para o esvaziamento espontâneo e farmacológico, poucas perdas de seguimento, bem como o reconhecimento de profissionais, que encaminharam mulheres do serviço privado. Revelou o pioneirismo no SUS, apresentando a tecnologia do monitoramento telefônico de enfermagem como estratégia de vínculo e manutenção do cuidado integral; de gestão de leitos; e de realocação de recursos.

Considerações finais

A telessaúde, alternativa consolidada de atenção às mulheres com aborto, apresentou forte crescimento nas últimas décadas. Definida desde 2002 pelas instâncias competentes no Brasil4444 Conselho Federal de Medicina. Ofício CFM Nº 1756/2020 – COJUR. Brasília, DF: CFM; 2020. 2 p. [acesso em 2021 jun 27]. Disponível em: https://portal.cfm.org.br/images/PDF/2020_oficio_telemedicina.pdf.
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, frente à pandemia de covid-19, foi fortalecida através da Lei nº 13.989/20204545 Brasil. Lei nº 13.989, de 15 de abril de 2020. Dispõe sobre o uso da telemedicina durante a crise causada pelo coronavírus (SARS-CoV-2). Diário Oficial da União. 15 Abr 2020. [acesso em 2020 ago 16]. Disponível em: https://legislacao.presidencia.gov.br/atos?-tipo=LEI№=13989&ano=2020&ato=596MT-Q61EMZpWT585.
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; da Portaria nº 467/20204646 Brasil. Ministério da Saúde do Brasil. Portaria nº 467, de 20 de março 2020. Dispõe, em caráter excepcional e temporário, sobre as ações de Telemedicina, com o objetivo de regulamentar e operacio-nalizar as medidas de enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional previstas no art. 3º da Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, decorrente da epidemia de COVID-19. Diário Oficial da União. 23 Mar 2020. [acesso em 2020 ago 16]. Disponível em: https://legislacao.presidencia.gov.br/atos/?tipo=PRT№=467&ano=2020&ato=491ETTU5EMZpWT75f.
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do Conselho Federal de Enfermagem.

A OMS1212 World Health Organization. Maintaining essential health services: operational guidance for the COVID-19 context: interim guidance. Geneva: WHO; 2020. 61 p. [acesso em 2021 ago 26]. Disponível em: https://www.who.int/publications/i/item/WHO-2019-nCoV-essential_health_services-2020.2.
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orienta a garantia dos serviços de saúde sexual e reprodutiva, sobretudo em crises sanitárias e humanitárias, sob risco de expor a população de mulheres e meninas, a gestações não intencionais; abortos inseguros, complicações de partos e mortes maternas. Estima-se que, devido às medidas não farmacológicas de enfrentamento à covid-19 (quarentena, distanciamento social e restrição da locomoção), ou ainda medo da doença, milhares de mulheres tenham ficado sem acesso a serviços importantes, como pré-natal e planejamento reprodutivo4949 Reis AP, Goes EF, Pilecco FB, et al. Desigualdades de gênero e raça na pandemia de Covid-19: implicações para o controle no Brasil. Saúde debate. 2020; 44(esp4):324-40. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0103-11042020E423.
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. A inacessibilidade de métodos contraceptivos pode resultar em milhões de gestações não intencionais. No Brasil, 45% dos 76 serviços de aborto legal foram descontinuados já antes da pandemia4949 Reis AP, Goes EF, Pilecco FB, et al. Desigualdades de gênero e raça na pandemia de Covid-19: implicações para o controle no Brasil. Saúde debate. 2020; 44(esp4):324-40. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0103-11042020E423.
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. Nesse contexto, a telessaúde tem sido fortemente recomendada por diversas entidades internacionais (OMS1212 World Health Organization. Maintaining essential health services: operational guidance for the COVID-19 context: interim guidance. Geneva: WHO; 2020. 61 p. [acesso em 2021 ago 26]. Disponível em: https://www.who.int/publications/i/item/WHO-2019-nCoV-essential_health_services-2020.2.
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, Figo1313 International Federation of Gynecology and Obstetrics. FIGO endorses the permanent adoption of telemedicine abortion service]. London: FIGO; 2021. [acesso em 2021 dez 19]. Disponível em: https://www.figo.org/FIGO-endorses-telemedicine-abortion-services.
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, Flasog1414 Federación Latinoamericana de Sociedades e Obstetrícia y Ginecologia. Posición sobre la Telemedicina en el Aborto con Medicamentos. Boletín FLASOG. 2023 [acesso em 2023 jul 2]; 9(54):1-24. Disponível em: https://flasog.org/wp-content/uploads/2023/07/FLASOG_mayo_junio1_compressed-1.pdf.
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) e nacionais (Federação Brasileira da Sociedade de Ginecologia e Obstetrícia – Febrasgo5050 Federação Brasileira da Sociedade de Ginecologia e Obstetrícia. Interrupções da gravidez com fundamentos e amparos legais. São Paulo: FEBRASGO; 2021. 32 p. [acesso em 2022 jan 9]. Disponível em: https://www.febrasgo.org.br/images/pec/anticoncepcao/n69---O---Interrupes-da-gravidez-com-fundamen-to-e-amparo-legais.pdf.
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), sobretudo no aborto, para que as mulheres usufruam dos seus direitos sexuais e reprodutivos.

O Atenas – iniciativa orgânica da Maternidade, sem apoio financeiro de órgãos externos, em consonância com as recomendações nacionais e internacionais – representa um avanço em direção à atenção humanizada às mulheres com aborto. Deveria ser estendido a toda rede pública de saúde, visando ampliação do acesso ao cuidado integral e humanizado ao aborto. Suas premissas de humanização deveriam integrar e apoiar toda a atenção obstétrica, inclusive no parto e no puerpério.

Para superar as dificuldades encontradas, é necessário equipe exclusiva (com definição de critérios de seleção e fixação de escala para todos os integrantes), considerando que os profissionais do Atenas atuam em outras atividades; sensibilização de todos os profissionais do hospital, inclusive de estudantes e residentes, devendo se constituir em campo de estágio obrigatório; implantação de linha telefônica exclusiva em espaço com privacidade garantida; oferta de vagas de ultrassonografia ou de outras tecnologias que comprovem a resolução do aborto; ampla divulgação do Programa na rede de serviços de saúde, inclusive nas mídias digitais.

O surgimento (e consolidação) do Atenas no âmago do SUS é um símbolo de resistência e avanço. Representa o quanto o sistema público de saúde – apesar do subfinanciamento e sucateamento – é capaz de proporcionar um serviço de mais qualidade às mulheres.

O Atenas resistiu a uma conjuntura política adversa, de ataque aos direitos sexuais e reprodutivos; negação de direitos das mulheres; edição de portarias dificultando o acesso ao aborto legal; perseguição a estudiosos e instituições que atuavam com a temática; inflexibilidade do legislativo e ativismo antiaborto do executivo federal. Com o terceiro mandato presidencial de Lula, espera-se que ocorram mudanças na condução dessa pauta no Ministério da Saúde, não respaldando suas decisões e políticas públicas em questões morais e religiosas, mas em evidências científicas, de modo a qualificar a atenção ao aborto, assegurando o direito das mulheres à saúde e à vida.

  • Suporte financeiro: não houve

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Editado por

Editora responsável: Ana Maria Costa

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2024

Histórico

  • Recebido
    08 Out 2023
  • Aceito
    22 Mar 2024
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