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A posição da Estratégia Saúde da Família na rede de atenção à saúde na perspectiva das equipes e usuários participantes do PMAQ-AB

The position of the Family Health Strategy in the health care system under the perspective of the PMAQ-AB participating teams and users

Resumos

O artigo analisa a posição da Estratégia Saúde da Família na rede de atenção à saúde sob a perspectiva das 16.566 equipes de Saúde da Família e dos 62.505 usuários participantes do Programa Nacional para Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica em 2012. Os resultados indicam que as equipes atuam cada vez mais como porta de entrada preferencial, atendendo a demandas diversas e exercendo a função de filtro para a atenção especializada. Contudo, persistem importantes barreiras organizacionais para acesso, os fluxos estão pouco ordenados, a integração da APS à rede ainda é incipiente e inexiste coordenação entre APS e atenção especializada.

Política de saúde; Atenção Primária a Saúde; Saúde da família; Avaliação; Acesso


The article analyses the position of the Family Health Strategy teams in the health care network of the Unified Health System in Brazil from the perspective of 16,566 family health teams and 62,505 users who participated in the 2012 Evaluation PMAQ-AB. The results show that Family Health teams act as first contact services and gatekeepers for specialized care. However, there are important organizational barriers to care access, the integration of Primary Health Care (PHC) in health care network is limited, and there is no coordination among PHC and specialized care providers.

Health policy; Primary Health Care; Family health; Evaluation; Access


Introdução

Recentemente, o Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB) foi proposto pelo Ministério da Saúde (MS) como estratégia para alcançar mudanças nas condições e modos de funcionamento das Unidades Básicas de Saúde (UBS), de forma a ampliar o acesso e a qualificação das práticas de gestão, cuidado e participação na Atenção Básica (AB). Essa ação faz parte das recentes diretrizes do MS para a Atenção Primária à Saúde (APS), dentre as quais, incentivar os gestores locais do Sistema Único de Saúde (SUS) a melhorar o padrão de qualidade da assistência na APS (BRASIL, 2012).

O PMAQ-AB é composto por quatro fases: (1) Adesão e contratualização; (2) Desenvolvimento; (3) Avaliação externa; e (4) Recontratualização. A terceira fase do programa, avaliação externa, inclui um conjunto de ações direcionadas para a averiguação das condições de acesso e de qualidade das equipes de AB participantes.

Para a realização da avaliação externa, o Departamento de Atenção Básica (DAB) do MS, com o apoio da Rede de Pesquisa em APS, desenvolveu parceria envolvendo mais de 40 Instituições de Ensino Superior (IES) em todo o território nacional. As IES contribuíram para a avaliação externa, desde a construção do instrumento de avaliação, a definição de estratégias, a organização do trabalho de campo em nível nacional até a aplicação dos questionários nos mais de cinco mil municípios brasileiros.

Estudos nacionais têm demonstrado que, mesmo havendo forte indução do governo federal, os processos organizacionais da APS são muito variados entre os municípios brasileiros, levando a crer que os diferentes contextos e formas de gestão da saúde nos municípios têm reflexos significativos na pluralidade de formas e resultados de processos de implementação da Política Nacional de Atenção Básica (VIANA ET AL., 2008VIANA, A. L.V. et al. Atenção Básica e dinâmica urbana nos grandes municípios paulistas, Brasil. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v.24, suppl.1, p.79-90, 2008. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2008001300013>. Acesso em: 10 jan. 2014.
http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2008...
; MEDINA; HARTZ, 2009MEDINA, M. G.; HARTZ, Z. M. A. O papel do Programa Saúde da Família na organização da atenção primária em sistemas municipais de saúde. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v.25, n.5, p.1153-1167, 2009. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/csp/v25n5/22.pdf>. Acesso em: 06 dez. 2013.
http://www.scielo.br/pdf/csp/v25n5/22.pd...
). Os desafios para a consolidação da política de Atenção Básica, em parte, estão relacionados com a melhoria dos processos assistenciais neste nível de atenção, assim como com as condições de integração da APS à rede de serviços de saúde em seus diversos níveis.

Este artigo tem como objetivo analisar a posição da Estratégia Saúde da Família na rede de atenção à saúde a partir da perspectiva das equipes de Saúde da Família e dos usuários participantes dos inquéritos do PMAQ-AB, considerando: i) a constituição das equipes de Saúde da Família como porta de entrada preferencial aberta e resolutiva, ii) o acesso a serviços especializados, iii) as estratégias para integração da rede assistencial e a iv) coordenação do cuidado pelas equipes.

Interessa para este estudo conhecer e analisar a situação atual da Atenção Básica no país no que concerne à integração à rede assistencial e como esse desafio se apresenta para municípios de distintos portes populacionais, na perspectiva da efetivação de uma APS abrangente no Sistema Único de Saúde (SUS).

Aspectos metodológicos

Trata-se de um estudo transversal, cujas informações selecionadas foram geradas a partir do banco de dados de base nacional da avaliação externa do PMAQ-AB realizada em 2012 pelo DAB/MS em parceria com instituições de pesquisa e ensino superior em todo país.

O instrumento utilizado para a realização do inquérito PMAQ-AB está organizado em três módulos: Módulo I - observação na Unidade Básica de Saúde (UBS) de variáveis para a realização de um censo de infraestrutura das UBS; Módulo II - entrevista com um profissional sobre processo de trabalho da equipe de Atenção Básica (EqAB) e verificação de documentos na UBS, direcionada para a realização da avaliação externa das EqAB; e Módulo III - entrevista com usuários na UBS sobre sua experiência de uso, condições de acesso, utilização de serviços de saúde e satisfação (BRASIL, 2012).

Para a definição de dimensões de análise e seleção das variáveis, parte-se do pressuposto que a efetivação de uma concepção de APS abrangente implica que os serviços da APS, nesse caso as UBS e EqSF, devem se constituir nos principais serviços de primeiro contato, de procura regular, integrados à rede e com função de organizar acesso e coordenar o cuidado no sistema de serviços de saúde, conforme preconiza a PNAB (BRASIL, 2011BRASIL. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria nº 2.488, de 21 de outubro de 2011. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes e normas para a organização da Atenção Básica, para a Estratégia Saúde da Família (ESF) e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Diário Oficial da União, Brasília, DF, 2011. Acesso em: 04 mar. 2014.).

Neste artigo, a integração assistencial é entendida como a integração vertical entre serviços de atenção primária e especializados/secundários, ou seja, como a "coordenação de serviços e integração da assistência em um processo único ao longo do tempo, lugares e disciplinas/especialidades" (KODDER, 2009KODDER, D. All together now: a conceptual exploration of integrated care. Health Care Quarterly, Toronto, v.13, special issue, p.6-15, 2009. Disponível em: <http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/20057243>. Acesso em: 10 mar. 2014.
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/20057...
, P. 11).

Entende-se que os serviços de APS devem ser definidos como serviços de primeiro contato para cada nova necessidade de saúde (novos e antigos problemas, prevenção e recuperação), constituindo-se em uma porta de entrada preferencial aberta e resolutiva. Para tal, devem identificar necessidades em saúde que podem ser respondidas no âmbito da própria UBS, assim como em outros níveis de atenção que compõem o sistema de serviços de saúde. Constituir-se em porta aberta envolve facilitação do acesso com atendimento oportuno às demandas dos usuários, com horários adequados de funcionamento das unidades, acolhimento e atendimento rotineiro da demanda espontânea. A capacidade em resolver as demandas relaciona-se à amplitude da oferta de ações pela equipe SF e do apoio de outros profissionais.

O exercício da coordenação do cuidado pela EqSF depende da integração à rede de serviços e supõe ações no nível da gestão dos serviços de saúde e da organização assistencial que envolvam a garantia e favoreçam o acesso a serviços de saúde especializados com integração dos diferentes níveis de assistência do sistema de serviços de saúde (STARFIELD, 2002STARFIELD, B. Atenção primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia. Brasília, DF: Unesco: Ministério da Saúde, 2002.; WATSON ET AL., 2004WATSON, D. E. et al. A results-based logic model for primary health care: laying an evidence-based foundation to guide performance measurement, monitoring and evaluation. Vancouver: University of British Columbia, 2004.; FEO; CAMPO; CAMACHO, 2006FEO, J. J. O.; CAMPO, J. M. F.; CAMACHO, J. G. La coordinación entre Atención Primaria y Especializada? Reforma del sistema sanitario o reforma delejercicioprofesional. Revista de Administración Sanitaria, Madrid, v.4, n.2, p. 357-382, 2006.; GIOVANELLA ET AL., 2009GIOVANELLA, L. et al. Saúde da Família: limites e possibilidades para uma abordagem integral de Atenção Primária à Saúde no Brasil. Ciênc. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v.14, n.3, p. 783-794, 2009.). A existência de mecanismos de coordenação assistencial com ordenamento dos fluxos e continuidade informacional favorece a articulação na interface entre a APS e os serviços especializados (ALMEIDA ET AL., 2010ALMEIDA, P. F. et al. Desafios à coordenação dos cuidados em saúde: estratégias de integração entre níveis assistenciais em grandes centros urbanos. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v.26, n.2, p.286-298, fev. 2010. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2010000200008>. Acesso em: 04 mar. 2014.
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).

A partir destas considerações, foram definidas três dimensões de análise e seus respectivos componentes para o exame da posição e integração da ESF à rede assistencial no SUS, conforme apresentado no quadro 1: (1) porta de entrada preferencial à rede de atenção: porta aberta e resolutiva; (2) acesso aos serviços de saúde especializados; e (3) estratégias para integração da rede assistencial e coordenação do cuidado.

Quadro 1
Dimensões e componentes da APS para análise da posição da ESF na rede de atenção à saúde - equipes SF participantes do PMAQ-AB, segundo municípios por porte populacional, Brasil, 2012

Para cada componente da matriz de análise, foram selecionadas do banco PMAQ-AB variáveis correspondentes ao estudo, cotejando-se informações dos profissionais e dos usuários em cada uma das dimensões estabelecidas.

Para este estudo, foram selecionadas variáveis dos questionários respondidos pelas 16.566 equipes de Saúde da Família (EqSF) que participaram do PMAQ-AB, representando aproximadamente 50% do total das EqSF existentes no país no ano de 2012. Foram selecionadas variáveis de estrutura das 13.438 UBS nas quais atuam as EqSF avaliadas, bem como variáveis dos 62.505 questionários de usuários vinculados às EqSF integrantes do PMAQ-AB.

O estudo baseou-se majoritariamente em variáveis do questionário direcionado aos profissionais: foram selecionadas 36 variáveis do módulo II, 16 variáveis do módulo III e três variáveis do módulo I. As variáveis de cada uma das dimensões e componentes estão listadas nas tabelas de resultados correspondentes.

A estratégia de análise utilizada no estudo parte da agregação dos dados por estratificação dos municípios, segundo porte populacional. A utilização dessa estratégia de análise se justifica em função do modelo de descentralização do sistema de saúde brasileiro, onde o município é o ente federado com responsabilidade e autonomia para executar as ações de saúde no primeiro nível de atenção, em seus limites territoriais. O tamanho da população é um elemento fundamental para a configuração de uma rede integrada de serviços de saúde, aspecto fundamental para efetivar, na prática, o conceito de APS abrangente. A organização da rede de serviços de saúde, nessa perspectiva, implica necessariamente a definição de bases populacionais maiores, essenciais à organização de cuidado especializado (KUSCHNIR ET AL.,2010KUSCHNIR, R. et al. Regionalização no estado do Rio de Janeiro: o desafio de aumentar acesso e diminuir desigualdades. In: UGÁ, M. A. D. et al. A gestão do SUS no âmbito estadual: o caso do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Fiocruz, 2010. p.215-240.)

Os resultados foram analisados nos seguintes estratos de municípios por porte populacional: até 10.000 habitantes (2.477 EqSF em 1.643 municípios); de 10.001 a 20.000 habitantes (2.775 EqSF em 951 municípios); de 20.001 até 50.000 habitantes (3.526 EqSF em 774 municípios); de 50.001 até 100.000 habitantes (1.785 EqSF em 252 municípios); de 100.001 até 500.000 habitantes (2.990 EqSF em 205 municípios); mais de 500.000 habitantes (3.013 EqSF em 32 municípios).

Aspectos éticos e conflitos de interesse

De acordo com as normas éticas em pesquisa envolvendo seres humanos, o estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisas em Seres Humanos da Ensp/Fiocruz, e recebeu o parecer Nº 32.012 em 06/06/2012.

Os autores declaram não haver conflito de interesses. Os autores pesquisadores integrantes de uma IES participaram direta ou indiretamente da avaliação externa do PMAQ-AB, programa financiado pelo Departamento de Atenção Básica do Ministério da Saúde.

Resultados

Os resultados, apresentados a seguir, estão organizados por dimensão e variáveis correspondentes.

Porta de entrada preferencial à rede de atenção: porta aberta e resolutiva

A análise da dimensão 'Porta de entrada preferencial à rede de atenção aberta e resolutiva' tem uma complexidade de componentes que ora realçam seu caráter aberto do ponto de vista organizacional (funcionamento, acolhimento, organização da agenda, formas de atendimento e acessibilidade) ora seu caráter resolutivo, com ênfase na oferta de ações pelas EqSF e seus apoios matriciais. Sempre se leva em consideração na avaliação a perspectiva das equipes e dos usuários como contraponto à normatividade proposta pela gestão.

Para tratar da subdimensão 'aberta', ou seja, a garantia de acesso e acessibilidade dos serviços de AB, alguns componentes foram destacados, como 'horários e dias de funcionamento da UBS', 'existência e frequência do acolhimento pela EqSF', 'reserva de vagas para atendimento da demanda espontânea', 'realização e busca por atendimento de urgência e emergência', 'organização da agenda e acesso a consultas de AB'. Com isso, privilegia-se observar o funcionamento da UBS a partir de uma avaliação por profissionais da EqSF e usuários, das facilidades ou barreiras do acesso, em tempo oportuno, e de acordo com as necessidades da população.

Na tabela 1, observa-se que, no Brasil, a maioria das UBS onde atuam as equipes participantes do PMAQ-AB (83%) se encaixa no funcionamento considerado como mais acessível - no mínimo cinco dias na semana, com a carga horária de oito horas ou mais. Dentre os municípios com equipes que aderiram ao PMAQ-AB, quanto maior o porte populacional do município, maior a quantidade de UBS que funcionam dessa forma, exceto para o estrato de mais de 500 mil habitantes.

Tabela 1
Subdimensões e indicadores da APS como porta de entrada preferencial à rede de saúde: porta aberta - equipes SF participantes do PMAQ-AB* Fonte: Elaboração própria , segundo municípios por porte populacional, Brasil, 2012

Essa configuração chamada de 'acessibilidade temporal' é comparável a estudo sobre municípios brasileiros de grande porte, em que a acessibilidade considerada adequada em um município obedecia ao padrão de atendimento de três turnos e aos sábados. Nos demais municípios, o horário de funcionamento de 8h às 17h era apresentado como fator dificultador do acesso da população de trabalhadores aos serviços de saúde (ESCOREL ET AL., 2007ESCOREL, S. et al. O Programa de Saúde da Família e a construção de um novo modelo para a Atenção Básica no Brasil. Rev. Panam. Salud Publica, Washington, DC, v.21, n.2-3, p.164-176, 2007. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S1020-49892007000200011>. Acesso em: 29 jan. 2014.
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). Logo, podemos supor, de acordo com os resultados do PMAQ-AB comparado a esse estudo, que pelo menos 17% das UBS não possuem acessibilidade temporal. Essa afirmação é reforçada quando se compara o funcionamento das UBS nos fins de semana, o que ocorre em apenas 12%, com destaque para os municípios de até 10.000 habitantes (20%) e de mais de 500.000 habitantes (19%). Observando-se o funcionamento das UBS algumas vezes no fim de semana, esse percentual é um pouco mais expressivo, correspondendo a 25% das unidades em nível nacional.

Ao analisar-se a percepção dos usuários, verifica-se que avaliam positivamente o horário de funcionamento das UBS quanto ao atendimento de suas espectativas, especialmente nos municípios de menor porte populacional (90%).

O 'Acolhimento' é considerado diretriz operacional para reorganizar a lógica de funcionamento dos serviços de saúde na prestação do cuidado. Observa-se, na tabela 1, que a equipes realizam a prática de acolhimento com forte regularidade indicando integração desta atividade no processo de trabalho: 68% das EqSF informam disponibilidade de acolhimento em todos os dias e turnos de funcionamento da UBS. Há uma variação dessa proporção quanto ao porte populacional dos municípios: quanto menor o porte populacional do município menor a frequência de realização de acolhimento cinco ou mais dias na semana e em dois ou mais turnos.

O acolhimento vem sendo, ao longo do tempo, valorizado como prática e preconizado como característica do processo de trabalho na ESF e atribuição comum a todos os membros da equipe multiprofissional, favorecendo a ampliação do acesso aos serviços da APS. Todavia, encontram-se alguns desafios para a operacionalização e qualificação do acolhimento, a depender do profissional que o realiza, e como, por exemplo, a ausência de articulação em redes integradas (MITRE; ANDRADE; COTTA, 2012MITRE, S. M.; ANDRADE, E. I. G.; COTTA, R. M. M. Avanços e desafios do acolhimento na operacionalização e qualificação do Sistema Único de Saúde na Atenção Primária: um resgate da produção bibliográfica do Brasil. Ciênc. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v.17, n.8, 2012. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232012000800018>. Acesso em: 19 fev. 2014.
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).

Já o 'atendimento à demanda espontânea', tem como objetivo avaliar como a APS atua como serviço de primeiro contato e garante o acesso oportuno e universal dos usuários às ações de saúde, independentemente de sua condição de membro de grupos prioritários/programáticos. De acordo com a tabela 1, 93% das EqSF declaram que reservam vagas para atendimento no mesmo dia, comportamento semelhante aos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), em que 96% da população entrevistada declarou ter sido atendida na primeira vez em que buscou atendimento (IBGE, 2008).

Nesse sentido, em menor proporção, 83,5% das EqSF entrevistadas dizem agendar consultas para grupos não integrantes dos 'programas de saúde', destacando-se uma variação para menos nos municípios de menor porte (78,5%) e para mais nos de maior porte (88%). Isso indica que, nos municípios menores, o foco pode se constituir nas atividades programadas de saúde e vigilância. O atendimento à demanda espontânea inclui também respostas assistenciais às situações de urgência e emergência. A realização de 'atendimento de urgência e emergência' foi informada por três quartos das equipes (73%). Todavia, 35% dos usuários afirmam que não buscaram atendimento de urgência e emergência nas UBS quando precisaram. Entre os que procuraram atendimento nas UBS, 82,5% relatam ter conseguido, em caso de urgência, ser atendidos na UBS na mesma hora e sem consulta marcada. Observa-se, nesse caso, uma variação decrescente do menor para o maior porte populacional, possivelmente pela ausência ou insuficiência de serviços de urgência e emergência nas cidades menores.

Entre os usuários que necessitaram atendimento de urgência e não buscaram a UBS, as principais razões apontadas foram: a unidade não atende a urgência (32%) e a UBS estava fechada no momento da urgência (35%). No primeiro caso, quanto maior o porte populacional maiores as proporções de UBS que não atendem urgência e, em relação ao segundo, quanto maior o porte populacional, menores são as possibilidades de a UBS estar fechada. Em suma: municípios de menor porte atendem mais urgências, mas apresentam maiores limitações de acessibilidade temporal.

Quanto e à organização da agenda e ao 'acesso a consultas de AB' das EqSF, 55% dos profissionais relatam que as UBS agendam consultas a qualquer hora, em qualquer dia, enquanto apenas 28% dos usuários relatam conseguir agendar consulta indo à unidade a qualquer hora. Em ambos os casos, destacam-se os municípios com mais de 500.000 habitantes, com maiores percentuais, respectivamente, 64% no caso das respostas dos profissionais e 39 % nas dos usuários.

Outras formas de marcação de consultas chamam muito atenção pelo grau de dificuldades, que representam para osob usuários. O acesso a marcação de consultas por meio de distribuição de fichas nas UBS representam 23,5% das respostas dos usuários, sendo maiores nos municípios de até 10.000 habitantes (28%) e nos de até 20.000 habitantes (27%). Um grau de dificuldade ainda maior pode ser observado nas UBS onde, além de pegar a ficha, o usuário ter que fazer fila antes da unidade abrir, resposta indicada por 31% dos usuários.

Outras duas formas de agendamento propostas no questionário PMAQ-AB foram a marcação de consultas por telefone, extremamente incomum (2%), e a marcação pelo agente comunitário de saúde, que abarcou 11,5% das respostas dos usuários. Os usuários relatam que o agendamento pode ser realizado todos os dias (57%), sendo maiores os percentuais em municípios de até 10.000 habitantes (67,5%) e nos de 500.000 habitantes (60,5%).

Segundo a PNAD Saúde (IBGE, 2008), os usuários que relataram não ter conseguido atendimento na primeira vez que procuraram o serviço de saúde nas últimas duas semanas, informaram como motivos: a falta de vaga ou não terem conseguido senha (39,6%), seguido por falta de profissionais médicos (34,6%), o que reafirma a lógica observada no PMAQ-AB de atendimento por 'ficha, senha', i.e., quantidade de vagas limitadas. Esses achados remetem necessariamente à discussão sobre as limitações no acesso que ainda prevalecem nos serviços de APS do Brasil.

A subdimensão 'resolutiva' para APS como porta de entrada preferencial à rede de saúde analisa, por um lado, a 'oferta de ações pela equipe' sob a perspectiva dos profissionais (recebimento ou disponibilidade de procedimentos e recursos) e dos usuários (satisfação das necessidades, facilidade de acesso a consultas e disponibilização de recursos na unidade). Por outro lado, analisa a 'oferta de apoio de outros profissionais' à equipe de Atenção Básica pelos Núcleos de Apoio à SF e seus especialistas selecionados e pelos Centros de Atenção Psicossocial (tabela 2).

Tabela 2
Subdimensões e indicadores da APS como porta de entrada preferencial à rede de saúde: porta resolutiva - equipes SF participantes do PMAQ-AB* * Número de UBS nas quais atuam as Equipes de Saúde da Família: 13.843; Número de Equipes de Saúde da Família: 16.566; Número de usuários: 62.505 , segundo municípios por porte populacional, Brasil, 2012

No componente 'oferta de ações pela equipe' observa-se que 68% das EqSF relatam receber medicamentos suficientes da farmácia básica, não havendo quanto a essa variável diferenças substantivas entre os municípios de distintos portes populacionais. O mesmo não ocorre quanto à realização de coleta de material para exame pela EqSF. Observa-se que 52,5% do total de EqSF realizam coleta para exame, com destaque para municípios de mais de 500 mil habitantes, em que 88% das EqSF realizam essa ação. Quanto à oferta de vacinas, 82% das EqSF entrevistadas declaram que realizam todas as vacinas do calendário básico. Nas cidades de grande porte, essa ação é realizada por 92% das equipes. O calendário básico de vacinas é composto de treze itens imunobiológicos preconizados pela Política Nacional de Imunização e são: BCG-ID; Dupla tipo adulto-dT; Febre amarela; Influenza sazonal; Hepatite B; Meningocócica C; Pneumocócica 10 e 23 valente; Poliomielite oral; Tríplice viral e tríplice bacteriana; Tetravalente; Vacina oral de Rotavirus Humano.

A realização de procedimentos/pequenas urgências (drenagem de abscesso, sutura de ferimentos, retirada de pontos, lavagem de ouvido, extração de unha, nebulização/inalação, curativos, medicação injetável intramuscular e endovenosa) pelas equipes nas UBS nos municípios alcança 63% das equipes no país, sendo mais realizada nos municípios de pequeno porte - até 10 mil hab. (73,5%) ou de 10 até 20 mil hab. (66%) - do que nos municípios com mais de 500 mil hab. (58%) (BRASIL, 2012).

Ao analisar-se a resolutividade da porta de entrada na percepção dos usuários, 31% deles afirmam que os medicamentos sempre estão disponíveis quando receitados. Essa percepção é mais forte entre os usuários de municípios com até 10 mil habitantes (32%) e entre os municípios com mais de 500 mil hab. (38%). Contudo, 73% dos usuários consideram que a equipe busca resolver suas necessidades na própria unidade; 66% relatam ter facilidade para saber os resultados dos exames. No que diz respeito à atenção à saúde da mulher gestante, 71% das usuárias relatam ter feito a maioria das consultas de pré-natal na UBS e 76% relatam ter feito sete ou mais consultas de pré-natal.

O 'apoio matricial em saúde', que se introduziu mais recentemente na APS com a implementação dos NASF, objetiva assegurar retaguarda especializada a equipes e profissionais encarregados da atenção a problemas de saúde das pessoas. Caracteriza-se como um dispositivo importante para ampliação da clínica com maior resolutividade e abrangência da ação em APS. O NASF compõe-se de oito áreas estratégicas de apoio às EqSF, as quais correspondem oito especialidades: atividade físicas/práticas corporais, práticas integrativas e complementares, reabilitação (fisioterapia), alimentação e nutrição (nutrição), saúde mental (psicologia e psiquiatria), serviço social (assistência social), saúde da criança/adolescente/jovem (pediatria), saúde da mulher (ginecologia) e assistência farmacêutica (farmácia). Esse dispositivo é mais uma alternativa para ampliar o escopo das ações em APS atendendo as perspectivas de promoção, prevenção e recuperação.

O apoio matricial pretende oferecer tanto retaguarda assistencial quanto suporte técnico pedagógico às equipes de Atenção Básica. Sua presença também supõe a contratação de profissionais especialistas e maior dependência da construção compartilhada de diretrizes clínicas e sanitárias entre os integrantes da equipe responsável pelo cuidado e os especialistas que oferecem apoio matricial. Essas diretrizes clínicas devem prever critérios para acionar o apoio dos especialistas e definir o espectro de responsabilidade tanto dos diferentes integrantes da equipe de Atenção Básica quanto dos apoiadores matriciais. Trata-se de uma metodologia de trabalho complementar aos mecanismos de referência e contra referência e às centrais de regulação, que respondem a uma estrutura hierarquizada do sistema. (GIOVANELLA; MENDONÇA, 2012GIOVANELLA, L.; MENDONÇA, M.H.M. Atenção Primária à Saúde. In: GIOVANELLA, L. et al. (Org.) Políticas e sistemas de saúde no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2012. p.493-545.)

Na tabela 2, o componente 'apoio de outros profissionais' é apresentado pelo levantamento junto às EqSF quanto a receberem apoio de outros profissionais em geral, do NASF e do CAPS, a suas ações. Essa concepção de clínica ampliada em APS está presente nos municípios com variações importantes nos portes populacionais. O apoio do NASF é relatado por 64% das equipes. O apoio do CAPS é reconhecido por 48% das equipes no país, mas ainda permanece em torno dos 20% para os municípios de menos de 20 mil habitantes. O apoio do NASF diferencia-se conforme se analisa a presença das oito especialidades. Destaca-se o apoio de profissionais de psicologia (55%), fisioterapia (51%) e nutrição (50%), sendo também expressivo o apoio do serviço social (43%). Observa-se que o apoio do ginecologista e do pediatra do NASF é relatado por apenas 16% e 15% das EqSF, respectivamente, no país.

Na abordagem de apoio matricial concebe-se que a relação entre sujeitos com saberes, valores e papéis distintos - os especialistas e a equipe de Saúde da Família - pode ocorrer de maneira horizontal, dialógica, não hierárquica. O apoiador matricial é um especialista que agrega recursos de saber e contribui com intervenções para aumentar a capacidade de resolver problemas de saúde da equipe de Saúde da Família (GIOVANELLA; MENDONÇA, 2012GIOVANELLA, L.; MENDONÇA, M.H.M. Atenção Primária à Saúde. In: GIOVANELLA, L. et al. (Org.) Políticas e sistemas de saúde no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2012. p.493-545.). Todavia, as variáveis incluídas na avaliação externa do PMAQ-AB não permitem analisar esses processos de trabalho.

Acesso a serviços de saúde especializados

As condições de acesso a serviços de saúde especializados (consultas e exames) dos usuários do SUS atendidos por EqSF foram analisadas, considerando: as formas e facilidade de agendamento para serviços especializados de pacientes encaminhados pela EqSF; o tempo de espera para alguns serviços especializados, estimado pelos profissionais; o monitoramento pelas EqSF de listas de espera para serviços especializados de pacientes encaminhados; e a garantia de acesso a serviços específicos - mamografia e maternidade (tabela 3).

Tabela 3
Subdimensões e indicadores de acesso a serviços especializados, equipes SF participantes do PMAQ-AB* * Número de UBS nas quais atuam as Equipes de Saúde da Família: 13.843; Número de Equipes de Saúde da Família: 16.566; Número de usuários: 62.505 , segundo municípios por porte populacional, Brasil, 2012

Observa-se uma variedade de formas de agendamento para serviços especializados de pacientes encaminhados pelas EqSF com concomitância de diversas modalidades para uma mesma equipe. A forma mais comum é a consulta especializada marcada pela UBS com data informada posteriormente ao paciente, relatada por 61% das EqSF (variando de 40% das EqSF de municípios entre 10 e 20 mil habitantes a 90% das EqSF naqueles com mais de 500 mil hab.). Essa modalidade é confirmada por 49% usuários que informam esta experiência de uso. A segunda modalidade mais presente de encaminhamento, segundo as equipes, é a ausência de agendamento pela UBS: o paciente recebe uma ficha de encaminhamento e deve buscar um serviço, informada por 35% das EqSF (com maior predomínio em cidades médias, cerca de 40%). Todavia esta experiência é relatada por somente 20% dos pacientes. Por outro lado, 26% das equipes informam ser possível o paciente sair da unidade com a consulta especializada agendada; forma vivenciada por 14% dos pacientes. Outra modalidade de marcação é a consulta marcada pelo próprio usuário na central de marcação, informada por 34% das equipes e por 15% dos usuários. Há discrepância de resultados entre as informações prestadas pelos profissionais e aquelas prestadas pelos usuários, com percepção de maior dificuldade de agendamento para consultas especializadas por parte dos usuários. Os usuários tendem a ter respostas mais críticas com base em sua experiência e dificuldades de acesso. Por outro lado, essa discrepância pode, em parte, ser imputada a diferenças nas perguntas dos questionários. Para os profissionais, solicitavam-se múltiplas respostas, enquanto para os usuários, solicitava-se resposta única para a forma mais comum de agendamento de consulta especializada.

A maior parte dos usuários informa facilidade no agendamento: 68% relatam que, quando precisam, os profissionais das EqSF conseguem marcar uma consulta com outros profissionais. Todavia, 13% dos usuários nunca conseguem marcar uma consulta especializada quando precisam.

Para exemplificar as estimativas informadas pelos profissionais SF entrevistados quanto ao tempo de espera, foram selecionadas três especialidades para as quais uma maior proporção de equipes informou ter realizado encaminhamentos nos últimos três meses: cardiologia (67% das EqSF realizaram encaminhamentos), ortopedia (65%) e oftalmologia (65%). Para as três especialidades, 50% ou mais das equipes estimaram tempo de espera de até 30 dias, com pior situação nas cidades com mais de 500 mil habitantes, onde mais de 40% dos coordenadores das equipes estimaram tempo de espera maior que 90 dias para consulta em ortopedia; para oftalmologia, 32,5% das equipes estimaram espera maior do que 90 dias. Note-se que mais de 15% das equipes estimaram tempo de mais de 180 dias de espera para estas duas últimas especialidades.

A excessiva positividade dos resultados dessas variáveis contrasta com resultados de pesquisas que identificam elevados tempos de espera (CARVALHO; GIANINI, 2008CARVALHO, T. C.; GIANINI, R. Equidade no tempo de espera para determinadas cirurgias eletivas segundo o tipo de hospital em Sorocaba, SP. Rev. bras. epidemiol., São Paulo, v.11, n.3, p.473-483, 2008.) e com pesquisas de opinião que mostram os excessivos tempos de espera como as principais queixas dos usuários do SUS (BRASIL, 2003), podendo-se questionar a validade dessa variável. Cabe lembrar que não é uma variável precisa, pois se refere a percepções dos profissionais e deveria ser validada por dados administrativos dos sistemas de regulação. Ademais, pode-se deduzir que as percepções dos entrevistados não se baseiam em acompanhamentos específicos, pois apenas metade das equipes informa monitorar listas de espera para pacientes com hipertensão ou diabetes mellitus, com pouca variação entre os estratos de municípios. Menos de um terço das equipes comprovou com documentos tal acompanhamento.

Para exemplificar o acesso a alguns serviços específicos, escolheu-se a mamografia, para a qual 88% das mulheres relataram ter conseguido fazer. Todavia, dada a baixa proporção de mulheres que informaram ter tido necessidade do exame (35%), pode-se supor desconhecimento da necessidade de rastreamento. Conforme preconizado, a partir dos 50 anos de idade, todas as mulheres deveriam ser submetidas a uma mamografia a cada três anos.

O acesso à maternidade, como um dos fluxos mais organizados, é corroborado nos dados PMAQ-AB: 66% das EqSF informam possuir maternidade definida para as gestantes acompanhadas. Todavia, um terço das mulheres com filhos menores de dois anos entrevistadas relataram não ter sido orientadas durante seu pré-natal sobre sua maternidade de referência, o que chama a atenção, dadas as iniciativas para conformação da rede cegonha no país pelo Ministério da Saúde.

Estratégias para integração da rede assistencial e coordenação do cuidado

Dois conjuntos de mecanismos para a coordenação assistencial são citados como favoráveis à interação dos profissionais de diferentes pontos de atenção e, consequentemente, à integração assistencial: (1) mecanismos normatizadores, cujos instrumentos são os protocolos de prática clínica, mapas de atenção, sistemas voltados para a formação continuada e a padronização de resultados; e (2) mecanismos informais, de iniciativa dos próprios profissionais, cujos meios de comunicação podem ser correio eletrônico, telefones, reuniões informais, entre outros (NAVARRETE; LORENZO, 2009NAVARRETE, M. L.V.; LORENZO, I. V. (Org.). Organizaciones sanitarias integradas: um estudio de casos. Barcelona: Consorci Hospitalari de Catalunya, 2009.).

A continuidade informacional é outro componente citado na literatura como favorável à integração assistencial. Os prontuários eletrônicos, quando utilizados de maneira integrada, ampliam as chances de comunicação entre a APS e os especialistas e favorece a transmissão e compartilhamento de informações sobre o pacientes entre os profissionais, com possibilidade de obter maior colaboração entre os distintos níveis assistenciais (NAVARRETE; LORENZO, 2009NAVARRETE, M. L.V.; LORENZO, I. V. (Org.). Organizaciones sanitarias integradas: um estudio de casos. Barcelona: Consorci Hospitalari de Catalunya, 2009.; ALMEIDA ET AL., 2010ALMEIDA, P. F. et al. Desafios à coordenação dos cuidados em saúde: estratégias de integração entre níveis assistenciais em grandes centros urbanos. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v.26, n.2, p.286-298, fev. 2010. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2010000200008>. Acesso em: 04 mar. 2014.
http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2010...
).

Para a análise das estratégias de integração da APS à rede assistencial e para a coordenação do cuidado, verificou-se a existência dos seguintes mecanismos de integração: continuidade informacional, ordenamento de fluxos assistenciais e coordenação do cuidado clínico (tabela 4).

Tabela 4
Subdimensões e indicadores das Estratégias para integração da rede assistencial e coordenação do cuidado - equipes SF participantes do PMAQ-AB*, segundo municípios por porte populacional, Brasil, 2012

Sobre a continuidade informacional, verificou-se que apenas 14% das EqSF declaram dispor de prontuários eletrônicos. As diferenças percentuais se acentuam quando se comparam as classes de municípios onde as equipes atuam. Nos municípios com mais de 500 mil habitantes, 41% das EqSF declaram possuir prontuários eletrônicos nas UBS, em relação a 5% das equipes das cidades entre 50 e 100 mil habitantes, por exemplo. Deve-se considerar, no entanto, que, mesmo nos municípios com mais de 500 mil habitantes, mais da metade das equipes não dispõem de prontuário eletrônico.

A existência de prontuários eletrônicos integrados com outros pontos de atenção é ainda menos presente nas UBS. Entre as 16.566 EqSF participantes do PMAQ-AB, apenas 11% declararam dispor de prontuários eletrônicos integrados com outros pontos da rede de atenção. Destaca-se que, nas cidades com mais de 500 mil habitantes, 32% das equipes dispõem de prontuários integrados.

Nota-se que há, na maioria dos municípios que aderiram ao PMAQ-AB, algum tipo de sistema de agendamento de consultas e procedimentos diagnósticos e que de alguma forma as EqSF têm acesso ao sistema para referir os usuários dos territórios onde atuam. Dentre as EqSF entrevistadas, 91% declararam haver no município uma central de regulação, 99% declararam existir central de marcação de consultas especializadas e 95,5% referiram haver central de marcação de exames. Percebe-se que quanto maior o porte populacional das cidades mais alto é o percentual de respostas positivas para essas questões.

No entanto, em relação ao ordenamento de fluxos assistenciais, menos da metade das EqSF (43%) referem dispor de protocolos que orientem a priorização de casos que precisam de encaminhamento, e pouco mais da metade das equipes (58%) declaram dispor de documentos contendo os serviços de referência e fluxos pactuados pela gestão municipal para os atendimentos de usuários do território da equipe.

Dentre as equipes que informaram haver referências e fluxos definidos no município, 53% declararam haver fluxos definidos para câncer de colo de útero e 52% para os casos com suspeita de câncer de mama. Chama a atenção o fato que apenas 48% das equipes declararam haver fluxos definidos para assistência ao parto (maternidade), ainda que 83% das equipes tenham informado possuir maternidade definida para as gestantes acompanhadas (tabela 3).

Sobre o uso de protocolos para a efetivação da coordenação do cuidado clínico, observa-se que 70% das equipes dispõem de protocolos para a condução de casos de câncer de colo uterino, 76% para pré-natal, 70,5% para hipertensão arterial e 71% para diabetes mellitus.

Nota-se que a definição de referências e fluxos e a existência de protocolos para a condução dos casos acima mencionados são mais frequentes entre as respostas das EqSF que atuam nas cidades de maior porte populacional.

Com relação à interface da APS com a atenção especializada (AE), 14,5% das EqSF declararam que sempre, e 52% algumas vezes entram em contato com especialistas para trocar informações sobre pacientes encaminhados. Por outro lado, quando se perguntou com que frequência o especialista entrava em contato com a EqSF para trocar informações sobre os pacientes encaminhados, 52% declaram que os especialistas nunca entram em contato com a EqSF.

Embora as características da relação na interface entre atenção primária e AE sejam bem semelhantes no total de EqSF do país, pode-se dizer que nas menores cidades há um pouco mais de possibilidade de interação entre os profissionais dos dois pontos de atenção. Nas cidades de menor porte populacional, as equipes foram mais positivas em suas respostas sobre as possibilidades de contato com os especialistas do que nas cidades de maior porte, possivelmente mais motivados por questões de proximidade e menos por iniciativas institucionalizadas para a integração sistêmica.

Ainda assim 50% das equipes informaram haver algum tipo de fluxo de comunicação entre AB e AE. O instrumento mais citado pelas equipes é a ficha de referência/contra referência (83%), independentemente do porte populacional das cidades onde atuam as equipes entrevistadas. A discussão de casos com especialista é referida por 35,5% das equipes e 26% informaram realizar reuniões técnicas com especialistas.

No que tange aos instrumentos para maior interação entre os profissionais da AB e AE para a qualificação e resolutividade das práticas das equipes de SF, apenas 18,5% das EqSF declaram ter acesso à teleconferência ou tele saúde para comunicação com os especialistas. As equipes dos municípios com menos de 10 mil habitantes foram as que mais referiram utilizar tais mecanismos de comunicação (31%). Do total de equipes, somente 13% relataram utilizar o prontuário eletrônico com essa finalidade, estando metade dessas equipes concentradas nas grandes cidades.

Chama a atenção que apenas 43% das equipes responderam existir na UBS uma lista de contato com os especialistas da rede SUS. Nos municípios com população entre 10 e 20 mil habitantes este percentual foi de 30%, indicando maior dificuldade para uma possível comunicação.

Discussão

As características atribuídas a uma APS efetiva variam entre autores, mas há certa concordância quanto a alguns componentes principais similares aos propostos por Starfield (2002)STARFIELD, B. Atenção primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia. Brasília, DF: Unesco: Ministério da Saúde, 2002.. Kringos et al. (2010)KRINGOS, D. S. et al. The breadth of primary care: a systematic literature review of its core dimensions. BMC Health Service Research, London, v.10, n.1, p.65-78, 2010., em extensiva revisão sistemática de literatura, propõem quatro dimensões essenciais para análise dos processos em APS relevantes para o alcance de bons resultados: acesso, continuidade do cuidado, coordenação do cuidado e integralidade ou abrangência do cuidado (comprehensiveness). Esses autores apontam evidências relacionando acesso a serviços de APS com continuidade, abrangência dos serviços prestados, redução de desigualdades socioeconômicas e qualidade com menores taxas de internação por condições sensíveis a cuidados ambulatoriais. Concordam, desse modo, com Starfield (2002)STARFIELD, B. Atenção primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia. Brasília, DF: Unesco: Ministério da Saúde, 2002. que essa é uma dimensão essencial de uma APS robusta. Encontram também evidências de que a continuidade dos cuidados em APS - em suas dimensões longitudinal, relacional e informacional - tem influência na qualidade da atenção com melhoria nas práticas preventivas, estabelecimento de diagnósticos mais precoces e promovem maior eficiência. Por sua vez, a coordenação entendida como a habilidade dos prestadores de APS para coordenar o uso de cuidados em outros níveis, o que inclui a função de porta de entrada e filtro (gatekeeping) e a integração entre atenção primária e secundária, apresenta relação com melhor qualidade e eficiência, segundo a revisão realizada pelos autores. Do mesmo modo, oferta mais integral de serviços em APS está associada à qualidade, equidade e saúde populacional (KRINGOS ET AL., 2010KRINGOS, D. S. et al. The breadth of primary care: a systematic literature review of its core dimensions. BMC Health Service Research, London, v.10, n.1, p.65-78, 2010.).

A integração assistencial está fortemente relacionada com as noções de continuidade e coordenação, havendo certa superposição nas definições destes termos. Reconhece-se amplamente a contribuição da integração para a efetividade e eficiência dos sistemas de serviços de saúde ao reduzir fragmentação, paralelismo e duplicação de ações, intervenções desnecessárias (KODDER, 2009KODDER, D. All together now: a conceptual exploration of integrated care. Health Care Quarterly, Toronto, v.13, special issue, p.6-15, 2009. Disponível em: <http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/20057243>. Acesso em: 10 mar. 2014.
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/20057...
).

Os dados coletados nos inquéritos do PMAQ-AB permitem traçar amplo panorama da APS e da atuação das EqSF em todo país. Os instrumentos aplicados englobam variáveis referentes à: estrutura e condições de funcionamento das UBS, acesso e qualidade da atenção, incluindo a organização do processo de trabalho, coordenação e continuidade do cuidado na rede; e acesso e utilização para diversas necessidades, participação e satisfação do usuário.

Sabe-se que, no ano de 2012, 95% dos municípios brasileiros contavam com um total de 33.404 equipes implantadas, com potencial para abranger 55% da população brasileira. Entretanto, os dados analisados sinalizam haver disparidades importantes no acesso e na oferta de cuidados nas UBS dos municípios visitados. Essas disparidades, em parte, espelham as condições de desigualdade social do país, com repercussões importantes no acesso e uso dos serviços de APS. A oferta de cuidados de uma EqSF pode ser mais ou menos acessível, resolutiva, abrangente e integrada, a depender do lugar onde as equipes atuam. Dados de contexto são cruciais para compreensão desses resultados. As diferenças encontradas nos distintos portes populacionais dos municípios podem significar diversidades no processo de institucionalização da Estratégia de Saúde da Família em razão do histórico dos municípios quanto à capacidade de gestão da AB, condições para articulação regional no que se refere ao conjunto de recursos em saúde ou mesmo em relação às condições de vida e saúde das populações.

Deve-se considerar que, no Brasil, é muito diversa a configuração dos 5.565 municípios em termos estruturais e quanto ao tamanho da população. Segundo o Censo 2010 (IBGE, 2011INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Diretoria de Pesquisas. Coordenação de População e Indicadores Sociais. Indicadores Sociais municipais: uma análise dos resultados do universo do Censo Demográfico 2010. Rio de Janeiro, 2011. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/indicadores_sociais_municipais/default_indicadores_sociais_municipais.shtm>. Acesso em: 08 nov. 2013.
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), 2.513 municípios brasileiros (70,4%) são de pequeno porte, com população até 20.000 habitantes, onde vivem 17,1% da população (32 milhões). Nas cidades consideradas de médio porte (1.368 municípios entre 20 e 100 mil habitantes) vivem 28,1% da população, o que corresponde a 53,6 milhões de pessoas. Nas cidades com população maior do que 100 mil até 500 mil habitantes (245 municípios) vivem 25,5% da população (48,5 milhões). As 38 cidades com mais de 500 mil habitantes concentram 29,3% da população (56 milhões).

Limites relacionados à seleção das amostras de equipes e usuários implicam cautela na generalização dos resultados. As informações derivadas do banco de dados correspondem ao conjunto de EAB que aderiram voluntariamente ao PMAQ-AB. Pressupõe-se um viés de seleção positiva das equipes e de acentuação da positividade das respostas. O Programa vincula o resultado da avaliação de desempenho das equipes a repasses de recursos financeiros para o gestor municipal. Há interesse tanto do gestor municipal como das equipes participantes em fornecer respostas para o alcance dos melhores resultados. Do mesmo modo, a amostra de usuários dos serviços de AB apresenta limitações e vieses de seleção que aumentam a positividade dos resultados, posto que não ocorreu seleção aleatória. Os usuários se encontravam na unidade básica de saúde no momento da avaliação externa e tinham experiência anterior de uso.

Em relação à condição de porta de entrada preferencial, os resultados apontam uma percepção das EqSF em geral mais positiva que a dos usuários. Pela visão dos profissionais, as UBS apresentam a condição de uma porta aberta, com destaque para alguns componentes do funcionamento: organização da agenda, atendimento da demanda espontânea e acesso às consultas de AB. Por outro lado, as respostas dos usuários, 'consumidores' diretos desses serviços de saúde, apontam a importância de realizar avanços quanto à organização funcional, mais visíveis no que tange ao acolhimento, à disponibilidade da UBS para consultas de urgência e às formas de acesso às consultas. Os usuários identificaram que para marcar consulta precisam fazer fila e pegar ficha antes da UBS abrir, a despeito de as equipes atuarem nos moldes da Estratégia Saúde da Família. Conclui-se que os profissionais e a gestão precisam ter escuta mais ativa no que se refere à característica da APS como porta aberta e serviço de primeiro contato, de forma a garantir a universalidade do acesso e uso contínuo e adequado aos serviços de APS.

No que se refere à oferta de serviços e à resolutividade das ações realizadas nos serviços de APS, são visíveis os espaços para o desenvolvimento de ações que favoreçam a posição da APS como porta de entrada preferencial, com oferta de cuidados regulares e resolutivos. Entre 20% e 45% das UBS não dispõe de alguns dos serviços selecionados para verificação de sua resolutividade, dentre eles vacinação e coleta de material para exames. Analisando o grupo materno-infantil, aproximadamente 71% das mulheres entrevistadas mencionaram ter realizado a maioria das consultas de pré-natal na UBS de referência e 76% realizaram sete ou mais consultas de pré-natal, o que indica certa qualidade em relação à resolutividade. Questões relacionadas a acesso, vínculo e qualidade do cuidado devem ser consideradas nesse conjunto de serviços de APS.

Sobre o apoio de outros profissionais às EqSF, ficam evidentes as diferenças entre as equipes que atuam nos distintos perfis de municípios. Apenas 34% das equipes contam com equipe de apoio assistencial/matricial nos municípios com menos de 10 mil habitantes. Pode-se dizer que, neste caso, a oferta de cuidados na APS tende a ser restrita e com menor capacidade resolutiva se comparada à condição das EqSF que contam com apoio de outros profissionais em contextos municipais mais favoráveis.

Em relação ao acesso aos serviços especializados por intermédio dos serviços de APS, ainda se constitui em desafio para a ampliação do escopo dos serviços de APS e a superação da oferta restrita de cuidados. Embora haja diferenças percentuais entre os municípios, ficam evidentes as dificuldades de articulação da APS com a AE. Pouco mais de 1/4 das EqSF referem que seus usuários saem da UBS com consulta especializada agendada e 1/5 dos usuários relatam que quando necessitam ser encaminhados ao especialista recebem uma ficha de encaminhamento e devem procurar pelo serviço indicado.

Os resultados analisados sobre as estratégias para integração da rede assistencial e coordenação do cuidado apontam que ainda são incipientes as ações nessa direção. A continuidade informacional entre AB e AE por meio de prontuário eletrônico compartilhado está presente no processo de trabalho de apenas 11% das equipes participantes do PMAQ-AB. Somente metade das EqSF dispõe de referências/fluxos definidos para os atendimentos dos casos de suspeita de câncer de colo do útero, mamas e para maternidades, no caso das gestantes acompanhadas no pré-natal, a maior parte sem comprovação documental. Menos de 1/3 das equipes declararam nunca contatar o especialista para trocar informações e discutir casos relativos aos pacientes encaminhados.

Tal condição afeta diretamente a capacidade de resposta resolutiva da APS, i.e., a realização de cuidado adequado e oportuno dentro do SUS. Contudo, os elementos associados à integração da APS são dependentes de ações sistêmicas, extrapolam os limites da APS, mas têm implicação direta na sua condição de serviço de procura regular e base para a ordenação da rede.

As diferenças encontradas nas condições de oferta e uso de serviços de APS, principalmente nos municípios pequenos localizados em área rural e remota, coloca em discussão a condição da gestão municipal de, isoladamente, responder pelo conjunto de ações próprias da APS, conforme proposto na PNAB.

A formulação de políticas direcionadas para a conformação das redes regionalizadas e hierarquizadas deve, sobretudo, enfrentar o problema da qualidade e resolutividade das unidades básicas de saúde, ampliando serviços ofertados e acesso oportuno - porta aberta e resolutiva - para que, desde o primeiro contato do cidadão com os serviços de saúde do SUS, esteja presente a perspectiva da garantia do atendimento equânime e integral.

Em conclusão, os resultados indicam que as equipes atuam cada vez mais como porta de entrada preferencial, atendendo a demandas diversas e exercendo a função de filtro para a atenção especializada. Contudo, persistem importantes barreiras organizacionais para acesso, os fluxos estão pouco ordenados, a integração da APS à rede ainda é incipiente e inexiste coordenação entre APS e atenção especializada.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Out 2014

Histórico

  • Recebido
    Abr 2014
  • Aceito
    Jun 2014
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