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Mecanismos de homogeneização da atividade científica: o caso da ciência das mudanças climáticas* 1 . O estatuto de problema global e urgente atribuído às mudanças climáticas não pode ser tomado como simples fato natural. Conforme argumentou Steven Yearley (2005: 41-54), alguns fenômenos ambientais que transcendem barreiras nacionais são socialmente construídos como globais, ao passo que outros não. No caso específico das mudanças climáticas, Yearley apontou dois fatores que foram centrais para a “globalização” deste fenômeno: o interesse de países desenvolvidos em questões ambientais associado à possibilidade de interferirem em políticas de países em desenvolvimento - por exemplo, no Brasil e no gerenciamento da Amazônia; e a atuação de ONGs ambientalistas de países desenvolvidos na propagação do discurso sobre a globalidade das mudanças climáticas. Similarmente, a centralidade adquirida pelas mudanças climáticas na agenda científica internacional também deve ser compreendida como fruto da construção social da relevância ambiental do tema. O consenso na comunidade científica a respeito da realidade e dos riscos do aquecimento global foi formado principalmente pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), órgão da Organização das Nações Unidas (ONU) encarregado de revisar o estado da arte da literatura sobre o clima para informar sobre a formulação de políticas climáticas (O’Riordan & Jäger, 1996; Weart, 2003; Miller, 2004). Do ponto de vista da atenção pública dada ao aquecimento global, Allan Mazur (1998) chamou a atenção para a influência da mídia, no final dos anos 1980, no sentido de inserir esse fenômeno na agenda de riscos a serem enfrentados com urgência pela humanidade.

Resumo

Neste artigo, analiso alguns mecanismos que viabilizam a existência da ciência das mudanças climáticas, um campo de pesquisa extremamente heterogêneo uma vez que é formado por membros de todas - ou quase todas - as disciplinas científicas. Examino, especificamente, o papel desempenhado pelos dois principais mecanismos de homogeneização da atividade científica encontrados na literatura dos estudos sociais da ciência e tecnologia: a translação (Callon, 1986; Latour, 1987) e a padronização (Latour, 1987; Jasanoff & Wynne, 1998; Star & Lampland, 2009; Edwards, 2010). A translação consiste no processo através do qual um determinado grupo de atores faz com que os interesses de outros membros de uma determinada rede sociotécnica passem a convergir com os seus. Já a padronização se refere ao desenvolvimento de conceitos, medidas, instrumentos, práticas, técnicas e métodos de pesquisa padronizados, reduzindo, assim, a heterogeneidade dentro de um determinado campo de investigação científica. Argumento que estes dois mecanismos são fundamentais para se compreender os padrões colaborativos e de fluxo de informação que se formaram dentro da ciência das mudanças climáticas. Processos de translação ajudaram a diminuir a heterogeneidade de interesses nessa área de pesquisa fazendo com que os interesses de uma diversidade de atores passassem a convergir com aqueles das modeladoras computacionais que utilizam Modelos de Circulação Geral (MCGs). Processos de padronização, por sua vez, fizeram com que dados de pesquisa coletados ao redor do mundo mediante as mais diversas técnicas, instrumentos e métodos de pesquisa pudessem ser inseridos, mesmo que às vezes de modo fragmentário e imperfeito, nos MCGs.

Palavras-chave:
homogeneização da atividade científica; translação; padronização; ciência das mudanças climáticas; estudos sociais da ciência e tecnologia

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