Open-access O fortalecimento da extensão no campo científico: uma análise dos editais ProExt/MEC

Strengthening extension in the science field: an analysis of ProExt/MEC notices

Resumo

O presente artigo traz como proposta a análise do fortalecimento da extensão universitária no campo científico. Para tanto, parte-se do principal edital de fomento à extensão em âmbito nacional: o Programa de Extensão Universitária (ProExt) - parceria entre o Ministério da Educação (MEC), o Ministério da Cultura (MinC) e o Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras (Forproex); mais especificamente, os resultados do referido edital entre os anos de 2009 e 2016 (a exceção de 2012). O texto tem início com breve contextualização acerca dos percursos da extensão universitária no país, desde seu surgimento na década de 1930 até o ano de 2016. Posteriormente, são observados pontos como a distribuição dos recursos entre as linhas de pesquisa, as regiões do país e os tipos de instituições, o crescimento e declínio do montante destinado ao edital, entre outros tópicos obtidos por meio dos resultados dos editais ProExt/MEC. Por fim, a busca foi pela análise das informações apreendidas tomando por subsídio a teoria de autores como Pierre Bourdieu, Renato Dagnino e Luciana Maria Cerqueira Castro, que traçam reflexões pertinentes e necessárias à compreensão dos efetivos significados do crescimento de 376% no investimento em projetos de extensão, desde o ano de 2008 no Brasil.

Palavras-chave: extensão universitária; campo científico; ProExt/MEC; salvacionismo

Abstract

The present article proposes the analysis of the strengthening of university extension in the scientific field. In order to do so, it departs from the main national extension notice: ProExt - University Extension Program - a partnership between the Ministry of Education (MEC), the Ministry of Culture (MinC) and the Pro-Rectors Forum Extension of the Brazilian Public Universities (Forproex). More specifically, the results of the mentioned notice between 2009 and 2016 (with the exception of 2012). The text begins with a brief contextualization of university extension in the country, from its appearance in the 1930s to the year 2016. Besides, it focuses on the distribution of resources between research lines, regions of the country and types of institutions, the growth and decline of the amount destined to the notice, among other topics obtained through the ProExt / MEC results. Finally, the article discusses the collected data using theories of authors such as Pierre Bourdieu, Renato Dagnino and Luciana Maria Cerqueira Castro, who draw relevant and necessary reflections to understand the effective meanings of the 376% growth in investment in projects of extension since the year 2008 in Brazil.

Keywords:  University extension; science field; ProExt/MEC; salvation

Introdução

Para que possamos compreender a extensão universitária no Brasil, é necessário observarmos antes a universidade e os elementos fundantes da mesma. Parte-se, para tanto, da concepção de que a universidade carrega, por um lado, um caráter social, uma vertente relacionada à socialização do conhecimento; por outro, busca a independência do político, a autonomia na produção do conhecimento e a autoridade na determinação de seus próprios rumos.

Tal autonomia, no entanto, não pôde se dissociar, ao longo da história, da construção de um projeto político elitista. Logo, como afirma Pereira,

a busca da autonomia ao longo da história das universidades no mundo teve conquistas e retrocessos conforme o tempo histórico, político e econômico de cada país (Pereira, 2009: 35).

Enquanto instituição social, a universidade possui uma relação intrínseca com o Estado, consequentemente, acompanha as transformações sociais, políticas e econômicas do meio em que está inserida. Afinal, a universidade “mais do que determinada pela estrutura da sociedade e do Estado seria, antes, um reflexo deles” (Chauí, 2003).

Ainda que um reflexo, na visão da autora, tais relações não eliminariam os conflitos e a resistência da universidade perante ambos. Ademais, os laços e as amarras não significam tampouco a ausência de autonomia intelectual e a anulação de qualquer ação política contra as regras da mesma. Na visão de Bourdieu:

Uma análise que tentasse isolar uma dimensão puramente “política” nos conflitos pela dominação do campo científico seria tão falsa quanto o parti pris inverso, mais frequente, de somente considerar as determinações “puras” e puramente intelectuais dos conflitos científicos (Bourdieu, 1983: 124).

Em outras palavras, o autor argumenta que, impreterível e reciprocamente, conflitos epistemológicos são sempre conflitos políticos, sob a ressalva de serem, ocasionalmente, somente conflitos políticos. São esses conflitos que destacam a relação da universidade com o seu exterior. Da iminência desta relação surge a extensão. Segundo Paula:

Das três dimensões constitutivas da universidade, a extensão foi a última a surgir, seja por sua natureza intrinsecamente interdisciplinar, seja pelo fato de se realizar, em grande medida, além das salas de aula e laboratórios, seja pelo fato de estar voltada para o atendimento de demandas por conhecimento e informação de um público amplo, difuso e heterogêneo, por tudo isso, talvez as atividades de extensão não têm sido adequadamente compreendidas e assimiladas pelas universidades (Paula, 2013: 5).

O autor aponta, no trecho citado, que a extensão seria a dimensão da universidade cuja finalidade é estar além das suas funções primárias: o ensino e a pesquisa. Tendo por base a interdisciplinaridade e o alcance de um público heterogêneo, posto que abarca em si a comunidade intra e a extramuros universitários. Consequentemente, a extensão configura-se como a única das três dimensões universitárias capaz de suprir o caráter social da universidade.

A necessidade, ou importância, de uma via que permita à universidade cumprir o que aqui chamamos de caráter social pode ser compreendida quando refletimos sob a luz da teoria de Bourdieu (1983). O autor coloca a escola e a universidade como instrumentos de manutenção e consolidação da posição do indivíduo na estrutura social.

A última, em específico, atuaria enquanto local de reconhecimento dos valores dominantes, uma vez que a seleção daqueles que estariam aptos ou não ao universo universitário, a quem é permitido o ingresso nas universidades, nada mais é que um mecanismo de manutenção dos jogos de poder.

Para Bourdieu,

as diferenças mais marcadas que se observavam no seio da classe trabalhadora concernem a todos os graus de conhecimento da cultura dominante e estão ligadas às diferenças de escolarização (Bourdieu, 1983: 107).

É neste ponto que está a urgência em dar acesso à universidade para aqueles que não pertencem às classes dominantes, em reconhecer sua cultura e os seus conhecimentos, em construir vias que efetivamente atuem na quebra da estrutura social entre dominados e dominantes. Este é o papel da extensão no tripé que sustenta a universidade, em consonância com o ensino e a pesquisa.

A fim de compreendermos melhor de qual extensão universitária estamos falando, como ela se configura e, principalmente, o processo de expansão pelo qual vem passando desde 2008, o ponto de partida deste artigo é o edital de fomento às atividades extensionistas do Programa de Extensão Universitária (ProExt) do governo federal.

Caracterizado como primeiro, principal e maior edital voltado à extensão universitária, o ProExt/MEC foi criado em uma parceria entre o Ministério da Educação (MEC), o Ministério da Cultura (MinC) e o Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras (Forproex). Seu objetivo, desde o princípio, além de destinar recursos aos projetos de extensão das instituições de ensino superior (IES), foi regulamentar e aplicar os mecanismos de avaliação desenvolvidos pelo Forproex para análise da situação extensionista do Brasil.

A escolha deste enquanto base para a análise proposta dá-se justamente por se tratar atualmente da via institucionalizada de maior alcance dos projetos de extensão. Apesar de ter sido criado entre 1994 e 1995 e de sua institucionalização ter ocorrido em 2008, os editais ProExt/MEC estão restritos aos anos de 2009, 2010, 2011, 2013, 2014, 2015 e 2016, último edital com resultado divulgado até a finalização deste artigo. Observa-se que no ano de 2012 não houve edital ProExt/MEC.

Partiremos, assim, reportando-nos a uma breve contextualização acerca dos percursos da extensão universitária no país, considerando-os desde o seu surgimento, na década de 1930, até o ano de 2016, data do último resultado do ProExt/MEC disponibilizado.

Posteriormente é realizada uma análise dos resultados do referido edital entre os anos 2009 e 2016 (a exceção de 2012), na qual foram observados pontos como a distribuição dos recursos entre as linhas de pesquisa, as regiões do país e os tipos de instituições beneficiados, o crescimento e o declínio do montante destinado ao edital, entre outros tópicos relevantes à compreensão da expansão das atividades extensionistas no Brasil.

Por fim, a busca foi pela análise das informações apreendidas. Tomou-se por subsídio a teoria de autores como Pierre Bourdieu, Renato Dagnino e Luciana Maria Cerqueira Castro, que traçam reflexões pertinentes e necessárias à compreensão dos efetivos significados do crescimento de 376% no investimento em projetos de extensão.

Surgimento e consolidação da extensão universitária

Delimita-se que a extensão começou a tomar forma no Brasil durante a década de 1930, com a participação de três atores principais: os discentes, por meio do movimento estudantil, do Estado - representado pelo MEC- e das IES. Consolida-se com a promulgação do Primeiro Estatuto das Universidades Brasileiras e o Decreto n.o 19.851/31, art. 42 (Brasil, 1931), no qual se lê que “a extensão universitária será efetivada por meio de cursos e conferências de caráter educacional ou utilitário”.

Tal caráter ilustra como, desde o princípio, a finalidade da extensão caminhou junto com a proposta de tornar a universidade útil para a comunidade, para o social. Entretanto, somente com o fortalecimento do movimento estudantil durante o golpe militar a extensão passa a ser vista como ferramenta de “envolvimento político, social e cultural da universidade com a sociedade” (Sousa, 2010: 52).

Por estar direcionada, durante muitos anos, à elite brasileira como público essencial, a consolidação da extensão universitária se deu paulatinamente. Perpassou, para tanto, por seminários estudantis que apregoavam uma transformação social profunda, que atingisse efetivamente reformas estruturais na sociedade. Para Arthur Poerner, com base na Declaração da Bahia, carta de orientação da União Nacional dos Estudantes (UNE), divulgada em 1961,

[...] a universidade, em nosso país, falha em suas missões cultural, profissional e social. Culturalmente, porque, incapaz de elaborar uma cultura nacional e popular, se limita a repetir valores e padrões importados; profissionalmente, porque não forma os profissionais que a realidade nacional exige, ao insistir numa educação formalista, que pouco oferece além do diploma; e socialmente, pelo caráter antidemocrático dos critérios que lhe dão acesso, aos quais, de cunho econômico, pouco importam as capacidades ou as possibilidades culturais dos candidatos (ingressam na universidade os que podem pagar cursinhos, caríssimas taxas de universidades particulares ou que, dispensados de ganhar o seu sustento ou da família, dispõem de mais tempo para o estudo) (Poerner, 2004: 175-176).

Sob tais pensamentos, conforme o autor, a Declaração da Bahia definiu três objetivos básicos para que a universidade cumprisse sua verdadeira missão e se tornasse um instrumento de superação do status quo. Seriam eles:

  1. a luta pela democratização do ensino, com acesso de todos à educação, em todos os graus;

  2. a abertura da universidade ao povo, mediante a criação de cursos acessíveis a todos: de alfabetização, de formação de líderes sindicais (nas faculdades de direito) e de mestres de obras (nas faculdades de engenharia), por exemplo; e

  3. a condução dos universitários a uma atuação política em defesa dos direitos operários (Poerner, 2004: 176).

Os três objetivos seriam possíveis, na visão dos estudantes atuantes nos movimentos estudantis, por meio das práticas de extensão, que promoveriam a abertura da universidade a ares mais populares e menos elitistas. Visão que, segundo asseverou Sousa, entre as décadas de 1960 e 1970 - ápice do militarismo -, permitiu ao Estado assumir as ações extensionistas como forma de repressão ao movimento estudantil e utilizá-la como “instrumento ideológico de grande potencial”, conferindo-lhe um “caráter salvacionista e integracionista” (Sousa, 2010). Em outras palavras, a extensão é consolidada como mais uma política assistencialista do governo militar.

O vínculo entre a extensão e os movimentos sociais, iniciado em 1930, bem como o processo de abertura da universidade perderam força durante o período ditatorial do país, momento em que, sob influência do cenário internacional, a relação entre a universidade e o Estado passa por nova movimentação, descrita por Rigolin (2013) como “o período da ênfase na política de inovação”. Este representa um período de inovação em resposta às mudanças produtivas e econômicas no plano internacional, mudanças impulsionadas pelo setor privado e seu viés competitivo. As críticas nesse ponto eram ao caráter linear e ofertante da política de ciência e tecnologia (C&T).

Em outras palavras, os militares passam utilizar a extensão como meio de divulgação do pretenso crescimento científico e tecnológico que permeava o país, buscando, desta forma, angariar novos adeptos ao regime.

Diante do cenário militar e das disputas acerca da função social da universidade, entra em cena mais um elemento: a economia. A dependência financeira da universidade em relação ao Estado, firmada como um dos únicos setores no Brasil que não passou plenamente pela privatização, sustenta a postura do mesmo em considerar a universidade enquanto estratégia de aumento da produtividade e de equilíbrio do setor econômico.

Desta forma, cabe ao Estado assumir os rumos e objetivos da ciência e orientar as pesquisas com foco em uma ordem militar, social e econômica. Visão que aponta a ciência como propulsora do desenvolvimento, logo, a necessidade de que seja financiada e conduzida pelo mesmo. Esta lógica se encontrava ancorada no processo de transferência de tecnologia dos programas tecnológicos públicos, militares e civis para o setor produtivo (Rigolin, 2013).

Neste sentido, para Ferreira, a universidade deveria centrar-se “na produtividade, na excelência, na competitividade e na utilização de indicadores quantitativos de performance” (Ferreira, 2010: 6).

Sequencialmente, é apontada por Rigolin (2013) uma nova fase em busca da ampliação da participação na C&T. Iniciada entre o final dos anos 1970 e o início dos anos 1980 e chamada de “período das prioridades sociais”, esta vincula novamente a C&T à solução dos problemas sociais emergentes. Nesta fase, destacam-se as discussões que suscitaram a importância de avaliar e comunicar ao público os riscos da produção e disseminação de novas tecnologias. Em outras palavras, desloca-se a prioridade das inovações (até então voltadas aos benefícios estatais) para o desenvolvimento e as políticas de bem-estar social.

É neste contexto, somente após a ditadura militar, já no final dos anos 1980, que a extensão universitária é institucionalizada e ressurge como ferramenta de participação civil na C&T. É quando

se inicia a discussão sobre indissociabilidade entre os fazeres acadêmicos e a desmistificação da extensão universitária como militância política; o conceito de troca; da extensão como via de mão dupla, e a extensão como produção de conhecimento (Serrano, 2014: 10).

A noção de indissociabilidade entre pesquisa, ensino e extensão surge na busca de manutenção de uma porta aberta entre a universidade e a comunidade, agora sem a influência dos movimentos políticos. Percepção advinda da necessidade de dissociar política e extensão, que perpassa pela legitimação da universidade diante da sociedade e do Estado. Pensamento este que foi iniciado com a criação do Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras (Forproex), no ano de 1987. Este, desde o início,

[...] tem como uma de suas principais reivindicações a criação de políticas específicas de extensão como parte das políticas públicas para a educação superior brasileira. Dentre essas políticas, o financiamento da extensão universitária sempre teve papel de destaque, como um ponto básico de reivindicação, visto a sempre presente necessidade de se fomentar projetos sistemáticos nas Instituições Públicas de Ensino Superior (Ipes), com interface com a comunidade, bem como, mecanismos metodologicamente respaldados de avaliação das ações de extensão universitária (Forproex, 2006: 13).

Para tanto, a proposta é uma mudança de foco sobre a finalidade da extensão. Esta deixa de ser apenas um meio para abrir as portas dos Ipes para aqueles que não poderiam ter acesso a eles por outras vias, como era previsto pelos movimentos estudantis, e passa a constituir um elo fundamental na formação do aluno e da produção de conhecimento dentro da universidade. Um elo institucionalizado, dotado de metodologia e avaliação próprias.

Nas palavras de Edineide Jezine, seu diferencial estaria em envolver

professores e alunos de forma dialógica, promovendo a alteração da estrutura rígida dos cursos para uma flexibilidade curricular que [possibilitasse] a formação crítica (Jezine, 2004: 3).

E isso sem abandonar, em momento algum, o vínculo com a comunidade, que a esta altura deixa de ser um ente passivo e passa a ser vista como mais um dos agentes implicados na estrutura extensionista.

Na mesma linha, para Laura Soares, o desafio da extensão universitária é

a defesa das políticas públicas, participando na formulação, acompanhamento e avaliação dessas políticas em todos os âmbitos da federação e setores de atuação (Soares, 2007: 2).

O argumento da autora é construído sobre a premissa de que seria papel da universidade mediar a formulação de políticas públicas entre o Estado e a sociedade civil, e que a extensão seria o instrumento da instituição para efetivação de tal papel.

Soares (2011) ainda defende que a universidade deve priorizar os setores mais vulneráveis no quesito ciência, tecnologia e inovação (CT&I), e que cabe à extensão possibilitar que a universidade se porte enquanto propulsora das mudanças e transformações sociais.

Vertente sustentada também pelos estudos sociais da ciência e tecnologia, que pregam uma “certificação” dos conhecimentos científicos pela sociedade civil, em outras palavras, uma democratização do conhecimento. Esta deslocaria os atores heterogêneos do lugar de “receptáculos de políticas” por meio do reconhecimento do saber local e da elaboração de metodologias que viabilizem a participação pública na produção e saber científicos (Rigolin, 2013).

Pensamento este que tomou forma entre 1994 e 1995, com a formulação do Programa de Extensão Universitária (ProExt) do MEC/SESu em parceria com o Forproex. Em um primeiro momento, o ProExt dispôs de escassos recursos e se manteve organizado em torno de duas linhas principais: “articulação da universidade com a sociedade” e “integração da universidade com o ensino fundamental” (UFMG, 2015).

Poucos dados são encontrados a respeito da extensão universitária entre os anos de 1987, data de criação do Forproex, e o início dos anos 2000, quando começam a ser divulgados editais específicos de fomento aos projetos extensionistas. Entretanto, Os Quadros 1 e 2, produzidos pelo Forproex, demonstram as diferenças conceituais.

Quadro 1
Concepção de extensão nas instituições públicas de ensino superior (1993)
Quadro 2
Concepção de extensão nos instrumentos legais nas instituições públicas de ensino superior (2004)

A partir das questões “como é concebida na prática a extensão universitária pelas instituições públicas de ensino superior?”, formulada para o diagnóstico das atividades extensionistas do ano de 1993, e “como a extensão é expressa nos documentos basais das instituições públicas de ensino superior”, diagnóstico de 2004, a proposta foi estabelecer uma comparação entre a visão da função, das bases e dos parâmetros da extensão nos dois períodos distintos para, então, formular políticas públicas voltadas à extensão de modo mais sólido.

É possível observar nos Quadros 1 e 2 que a essência da extensão é a articulação entre universidade e a sociedade. Entretanto, enquanto em 1993 a visão dos representantes das IES está voltada para a questão da missão social e da prestação de serviço da universidade em reação à sociedade, em 2004 o escopo das preocupações dos pró-reitores de extensão volta-se para os tópicos da interdisciplinaridade e da indissociabilidade entre pesquisa, ensino e extensão. Mudança de perspectiva que foi fundamental para que as políticas de extensão iniciassem o processo de superação da vertente assistencialista (sustentada no período militar) e passassem a se estruturar metodologicamente, firmando-se enquanto uma das bases da universidade e, consequentemente, aos poucos, se tornando alvo de editais específicos de fomento.

Esse processo se inicia formalmente apenas em 2008, com o Decreto n.o 6.495/2008, que instituiu o Programa de Extensão Universitária (proExt), focando dois objetivos principais: ampliar a interação das universidades com a sociedade e a formalização da destinação de recursos aos projetos de base extensionista.

Sua solidificação ocorre a partir de 2009, com o primeiro edital de destinação de recursos ProExt/MEC. Neste ano, o Programa de Extensão Universitária do governo federal passou a ser interministerial, firmando parceria com o Ministério da Cultura (MinC), ação que resultou no aumento de recursos para as ações de extensão e na ampliação das temáticas abordadas. Essas, que em princípio eram duas e depois se voltaram para as políticas públicas, desdobraram-se em 20 linhas temáticas (que serão devidamente observadas em seguida), demonstrando a expansão das atividades extensionistas no cenário nacional e o ganho de visibilidade que obtiveram.

A expansão do ProExt/MEC

Conforme o exposto, apesar de ter sido criado entre 1994 e 1995, o Programa de Extensão Universitária foi legalizado somente em 2008. Por sua vez, o primeiro edital aberto de fomento à prática extensionista nas universidades brasileiras teve seu resultado divulgado em 2009. Antes disso, entre 2003 e 2008, o financiamento aos projetos não era realizado via edital, mas por cadastro de projetos no Ministério da Educação.

Para o presente artigo foram considerados os resultados dos editais entre 2009 e 2016, disponíveis na página do ProExt/MEC. Como já foi destacado, no ano de 2012 não foi aberto edital, portanto esse ano é configurado como lacuna nas análises aqui expostas. Nota-se, entretanto, que os demais editais apresentam uma linha clara de distribuição e crescimento, linha que, acredita-se, seria seguida pelo edital faltante.

Conforme é possível observar, entre 2003 e 2015 houve um aumento significativo, de quase 19 vezes, nos recursos disponibilizados pelo governo federal para as práticas extensionistas por todo o país. Investimento que cai pela metade entre os anos de 2015 e 2016, período de crise econômica e de contenção de gastos públicos.

Por si só o aumento monetário já é um reflexo do argumento posto neste texto, de que a extensão vem se fortalecendo no campo científico. Porém, mais do que a quantidade de dinheiro destinada aos projetos de cunho extensionista, chama a atenção o crescimento vertiginoso na quantidade de propostas aprovadas (Gráfico 2).

Gráfico 1
Recursos disponibilizados por ano pelo ProExt/MEC (milhões R$)

Gráfico 2
Projetos aprovados por ano pelo ProExt/MEC (tipo de instituição)

Se em 2009 foram 414 projetos submetidos e aprovados por todo o território brasileiro, em 2015 se atingiu o ápice de 826 aprovações, contra 328 no ano de 2016. A quantidade de projetos submetidos e aprovados demonstra como, não apenas a quantidade de recursos disponíveis a um dos pilares da universidade aumentou, mas ainda que os docentes locados nas universidades, instituições de ensino superior, nos centros de pesquisa, nas faculdades etc. estão se mostrando cada vez mais dispostos a elaborar, submeter e desenvolver projetos extensionistas. O que não significa que a proporção pesquisa/extensão esteja se invertendo, não temos aqui dados que comprovem isto, mas é fato que a extensão vem ampliando seu espaço no panorama posto.

É importante destacarmos, também com base no Gráfico 2, que as instituições federais de ensino continuam com dianteira em relação aos demais tipos de instituições, chegando a obter 79,46% do financiamento disponível em 2009, 85,71% em 2015 e 67,98% de todo o investimento destinado ao ProExt/MEC em 2016.

Ao se considerar que o Brasil possui 2.364 instituições de ensino superior1, sendo somente 63 federais, ressalta-se que uma média de 77% dos recursos dos editais ProExt/MEC estão concentrados em menos de 3% das instituições de ensino superior brasileiras. Este fato, ainda que reforce nosso argumento acerca do crescimento da extensão universitária, nos faz refletir sobre como tem se estruturado e quais rumos vem tomando tal crescimento.

Questão sustentada pelo Gráfico 3, que traça a distribuição de projetos aprovados por região brasileira.

Gráfico 3Projetos ProExt/MEC por região em % (2009/2016)

Ao observar a distribuição do total de projetos aprovados entre 2009 e 2016 pelas regiões brasileiras, é possível notar que o Sudeste é a região com maior número/porcentagem de aprovações desde o início do ProExt/MEC. Proporção esperada, posto que a região possui 30% das universidades federais do país. O Sudeste é seguido de perto pelo Sul e Nordeste, que permanecem consideravelmente à frente das regiões Centro-Oeste e Norte.

Outro ponto de observação diz respeito ao valor contemplado pelos projetos. Neste quesito, o Nordeste supera o total dos recursos destinados ao Sul em todos os editais abrangidos nesta pesquisa. Inclusive em 2016, ano no qual o Sul apresenta maior aprovação de projetos. Conforme explicitado no Gráfico 4.

Gráfico 4
Recursos ProExt/MEC por região/ano

Além da análise dos resultados dos editais ProExt/MEC por regiões, considerou-se relevante observar a distribuição dos projetos por linha temática. Conforme afirmado anteriormente, se no princípio essas eram apenas duas, com o passar dos anos novos temas foram incorporados aos editais, até somarem as 20 Linhas existentes atualmente. Estas podem ser observadas no Quadro 3, bem como o número de projetos aprovados dentro de cada uma entre os anos de 2009 e 2016.

Quadro 3
Projetos ProExt/MEC por Linha Temática em % (2009/2016)

No entanto, ao analisarmos o Quadro 3, é possível observar que ao todo 32 linhas temáticas já constaram nos editais ProExt/MEC no período citado. Algumas dessas foram extintas ou mudaram de nomenclatura, outras foram fundidas em decorrência de maior proximidade teórica. As vertentes abrangidas pelos editais, por outro lado, pouco sofreram alterações, estando concentradas nas seguintes macroáreas: inclusão/desigualdade social, cultura, desenvolvimento rural/urbano, educação, direitos, trabalho e saúde. Em suma, todas partindo da relação universidade/comunidade.

As áreas de maior expressão do Programa de Extensão Universitária em número de projetos aprovados são:

  • 1º educação (459);

  • 2º promoção da saúde (322);

  • 3º educação, desenvolvimento social e saúde (262);

  • 4º cultura e arte (255); e

  • 5º preservação do patrimônio cultural brasileiro (227).

No sentido oposto, as áreas com menor representatividade são: modernização da gestão pública (6); e garantia dos direitos das mulheres em situação de violência (7).

A variedade das linhas temáticas ao correr dos editais demonstra que os temas vigentes na prática extensionista têm se ampliado e diversificado, adquirindo um caráter mais específico e incorporando problemas e assuntos que vêm se destacando no campo acadêmico.

Se até 2010 predomina nos tópicos extensionistas temáticas como educação, cultura, desenvolvimento e desigualdade, entre 2011 e 2013 pode ser observado um movimento de inclusão das minorias no rol de preocupações do ProExt/MEC. Essas são representadas por linhas como igualdade racial, mulheres e gênero, população carcerária e desempregados.

Após o edital de 2014, no entanto, três novos temas ganham espaço nas discussões acadêmicas e, consequentemente, na dimensão da extensão universitária. São eles: meio ambiente, ciência e tecnologia (C&T) e políticas públicas/direito/gestão.

A inserção de novas linhas temáticas nos editais ProExt/MEC demonstra uma tentativa de aproximação dos assuntos trabalhados nos projetos extensionistas com a sociedade brasileira. É possível observar que tal aumento das linhas acontece na medida em que esses temas ganham destaque no cenário nacional.

A presença prioritária da extensão no âmbito público reforça a relação universidade/Estado. Por outro lado, a presença crescente dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia nos editais representa, mesmo que não saibamos ainda em qual proporção, uma reconfiguração na hegemonia das universidades federais no cenário da extensão. Afirmação sustentada por esses terem como origem a proposta de disseminação do acesso às conquistas científicas e tecnológicas2, proposta que sozinha já se aproxima dos propósitos extensionistas.

Neste tópico foram apresentados alguns dados que servem de base para a apreensão da dinâmica pela qual vem passando a extensão universitária no país desde a consolidação do principal agente de fomento desta: o ProExt/MEC. No próximo tópico, retomaremos a discussão acerca dos rumos e das finalidades extensionistas aqui observados.

O fortalecimento da extensão universitária no campo científico

Diante dos dados postos, analisar a estrutura da extensão, a partir da teoria proposta por Bourdieu (2007), é fundamental para a compreensão de sua capitalização no âmbito universitário, logo, dos fatores que aproximam e afastam a expectativa teórica da realidade encontrada. E, somente assim, é possível a superação de um estudo restrito acerca da extensão.

O argumento de Bourdieu (2007) apresenta o campo científico como espaço de jogos, de luta, pautado pela concorrência e sustentado por um sistema de relações objetivas entre posições adquiridas nessas disputas, cujo prêmio - para o autor - é o monopólio da autoridade científica, a legitimação da capacidade técnica refletida no poder social do cientista.

Ao considerar que o campo científico e seus espaços de disputa estão inseridos em uma estrutura social estruturada e estruturante, portanto dinâmica, a busca é compreender os sistemas de relações que definem um determinado estado do campo científico. Em outras palavras, analisar por meio da dinâmica dos editais ProExt/MEC qual o peso, a influência do fazer extensionista nos jogos e nas disputas pelo poder, voltados ao melhor posicionamento do pesquisador no campo científico.

A partir de Bourdieu (1983b, 1996, 2007), defende-se que é necessário que compreendamos que a extensão é apenas uma das categorias implicadas no campo científico. Assim, sua eficácia depende do peso que a participação em editais e coordenação de projetos de extensão têm para a posição do pesquisador na estrutura social, na disputa pelo monopólio da autoridade científica e pela legitimação de sua capacidade técnica. Em suma, de múltiplas variáveis, dentre as quais estariam os editais do Programa de Extensão Universitária.

Os indicativos referentes ao ProExt/MEC trazidos à tona explicitam o fortalecimento da extensão dentro do campo científico. Processo notório desde os primeiros resquícios da extensão universitária nos anos 1930, passando por sua instituição formal com o decreto de 2008 e chegando ao último edital, lançado em 2016.

Se a distribuição de recursos, conforme demonstrado, segue um padrão, o montante aumentou considerável e proporcionalmente à estabilidade adquirida. O aumento de quase 19 vezes no financiamento e de 36 vezes no número de projetos submetidos demonstra que não apenas se investiu capital financeiro, mas, principalmente, que os pesquisadores das IES têm direcionado seus esforços ao desenvolvimento de projetos de extensão.

O aumento na concorrência com o passar dos editais, de 1 por 1 em 2003 para quase 10 submissões a cada aprovação, reflete um ganho de capital por parte da extensão universitária dentro do campo científico. Quanto maior a concorrência, maior o peso da aprovação do projeto.

Argumento reforçado ao tomarmos as informações de Duarte (2013) quando este explicita que o Edital Universal do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), principal edital nacional de pesquisa, teve um crescimento de apenas 12% entre 2007 e 2013. Enquanto, segundo os dados apresentados, o Pro­Ext/MEC teve expansão de 376% no mesmo período, ambos considerados a partir do número de propostas aprovadas.

Entretanto, se é notória a expansão da extensão no campo científico brasileiro, os rumos ou propósitos da mesma não têm se alterado tanto desde o Decreto n.o 6.495/2008, que, em seu texto, determina:

Art. 1o - Fica instituído, no âmbito do Ministério da Educação, o Programa de Extensão Universitária (ProExt), destinado a apoiar instituições públicas de educação superior no desenvolvimento de projetos de extensão universitária, com vistas a ampliar sua interação com a sociedade.

Parágrafo único. São objetivos do ProExt:

I - centralizar e racionalizar as ações de apoio à extensão universitária desenvolvidas no âmbito do Ministério da Educação;

II - dotar as instituições públicas de ensino superior de melhores condições de gestão das atividades acadêmicas de extensão, permitindo planejamento de longo prazo;

III - potencializar e ampliar os patamares de qualidade das ações de extensão, projetando-as para a sociedade e contribuindo para o alcance da missão das instituições públicas de ensino superior;

IV - fomentar programas e projetos de extensão que contribuam para o fortalecimento de políticas públicas;

V - estimular o desenvolvimento social e o espírito crítico dos estudantes, bem como a atuação profissional pautada na cidadania e na função social da educação superior;

VI - contribuir para a melhoria da qualidade da educação brasileira por meio do contato direto dos estudantes com realidades concretas e da troca de saberes acadêmicos e populares;

VII - propiciar a democratização e difusão do conhecimento acadêmico; e

VIII - fomentar o estreitamento dos vínculos entre as instituições de ensino superior e as comunidades populares do entorno.

Art. 2o - O Ministério da Educação prestará assistência financeira a programas e projetos desenvolvidos pelas instituições públicas de ensino superior, selecionados e aprovados a partir de edital de chamada pública [...] (BRASIL, 2008)

A partir do artigo primeiro, o decreto reforça as teorias e visões formuladas desde o final dos anos 1970 e, posteriormente, com a criação do Forproex, ao retomar termos como: “fortalecimento de políticas públicas”, “desenvolvimento social”, “cidadania”, “realidades concretas”, “troca de saberes acadêmicos e populares”, “difusão do conhecimento acadêmico” e “comunidades populares”.

Esses termos são sustentados no corpo dos próprios editais. A exemplo do item 3.2 do Edital ProExt/MEC 2016:

3.2 - Da relação com a sociedade:

3.2.1 - impacto social, pela ação de superação dos problemas sociais, contribuição à inclusão de grupos sociais, ao desenvolvimento de meios e processos de produção, inovação e transferência de conhecimento e à ampliação de oportunidades educacionais, facilitando o acesso ao processo de formação e de qualificação;

3.2.2 - relação multilateral com os outros setores da sociedade, pela interação do conhecimento e experiência acumulados na academia com o saber popular e pela articulação com organizações de outros setores da sociedade, com vistas ao desenvolvimento de sistemas de parcerias interinstitucionais;

3.2.3 - contribuição na formulação, implementação e acompanhamento das políticas públicas prioritárias ao desenvolvimento regional e nacional;

3.2.4 - atendimento à comunidade ou setor, com vistas à futura autonomia das ações (MEC, 2016: 6).

A descrição dos objetivos da relação entre universidade e sociedade conduz a um direcionamento dos projetos para a formulação de políticas públicas de qualificação e articulação de saberes, visando autonomia futura. Tais proposições são sustentadas pela ampliação das linhas temáticas, com novas áreas de atuação como direito, gestão pública e participação social. A realidade apresentada pelos números, todavia, contradiz essa pretensão.

Ao tomarmos por base os dados coletados e expostos, é possível observar que mesmo diante da criação de novas linhas temáticas, as áreas que mais absorvem recursos nos editais são educação, saúde e cultura. Diferença que demonstra como aquilo que está previsto teoricamente não se solidifica na prática.

Se, por um lado, há a expectativa de que a extensão aproxime a universidade da comunidade, que democratize a produção de conhecimento, que medeie a relação Estado/sociedade, os estudos voltados para a análise dos resultados das ações extensionistas, bem como os dados levantados, apontam para outra realidade.

Para Castro (2004), o argumento é que a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão não conta com uma estrutura geral da universidade que permita sua consolidação, logo, seria ilusão considerar a extensão como “cura” para os problemas presentes no âmbito da mesma.

Dagnino, por sua vez, afirma:

A ideia de extensão tem uma conotação muito significativa, porque não indica um questionamento junto à sociedade ou aos atores sociais no intuito de saber o que lhes é considerado relevante, para que a comunidade de pesquisa, remunerada pela sociedade, redirecione suas atividades. Trata-se de uma extensão ofertista, pois sem que a sociedade tenha solicitado, a comunidade de pesquisa oferta o que lhe parece mais interessante e conveniente (Dagnino, 2010: 286).

A crítica dos autores recai sobre a distância entre a expectativa e a realidade de alcance da extensão, demonstrada pelo diferente peso dos diversos atores partícipes dos editais ProExt/MEC. Questiona-se: de que forma falar em aproximação, democratização e mediação sem que todos os atores sejam efetivamente envolvidos e ouvidos?

Para além destes fatos, fica claro - pelos gráficos apresentados - que a distribuição dos recursos disponíveis nos editais ProExt/MEC acontece de forma desigual. A predominância das IES federais, bem como da Região Sudeste, em detrimento de outros tipos de instituições e demais regiões caminha contra quaisquer intenções teóricas relativas à extensão universitária.

Pois, se a proposta extensionista é que os muros universitários sejam superados, que a comunidade passe a atuar ativamente na produção do conhecimento, que haja um diálogo entre os diversos atores implicados em prol de um desenvolvimento social comunitário, os recursos deveriam contemplar de forma uniforme as diferentes regiões e instituições. Somente desta forma os ideais de democratização efetiva do conhecimento seriam atingidos.

Tal disparidade na distribuição de recursos pode ser, entretanto, facilmente explicada ao retomarmos Bourdieu e sua definição de campo científico:

O campo científico, enquanto sistema de relações objetivas entre posições adquiridas (em lutas anteriores), é o lugar, o espaço de jogo de uma luta concorrencial. O que está em jogo especificamente nessa luta é o monopólio da autoridade científica definida, de maneira inseparável, como capacidade técnica e poder social (Bourdieu, 1983: 63, grifo do autor).

No caso do edital ProExt/MEC, a concorrência para aprovação dos projetos carrega em si todos os elementos dessas relações objetivas sustentadas por posições previamente adquiridas no âmbito científico brasileiro.

Essa afirmação se faz possível posto que um dos quesitos para a submissão do projeto é o envio do currículo Lattes dos pesquisadores envolvidos no mesmo. Documento este que localiza o pesquisador e sua relevância, por assim dizer, bem como o projeto em si, no campo científico em disputa. É, no momento da seleção e aprovação dos projetos, a posição em que o pesquisador principal, a instituição de origem e os demais envolvidos no projeto ocupam nas disputas pela autoridade científica que define os contemplados com recursos a cada ano.

Cada aprovação dota o pesquisador, cujo projeto foi aprovado, daquilo que Bourdieu denomina capital simbólico:

O capital simbólico, com as formas de lucro e de poder que assegura, só existe na relação entre as propriedades distintas e distintivas como corpo correto, língua, roupa, mobília [...] e indivíduos ou grupos dotados de esquemas de percepção e de apreciação que os dispõem a reconhecer (no duplo sentido do termo) essas propriedades, ou seja, a instituí-los como estilos expressivos, formas transformadas e irreconhecíveis das posições nas relações de força (Bourdieu, 2013: 109).

Em outras palavras, para o autor, o “peso” ou o capital simbólico do pesquisador no campo científico, a fim de aprovação no edital, dependeria de dois elementos:

  1. o conjunto de propriedades distintas e distintivas que possui, que no caso podem ser ilustradas como colocação do mesmo em instituição de destaque, aprovação de artigos em revistas reconhecidas, número de citações, aparecimento na mídia, número de orientandos, aprovações etc.;

  2. avaliação por indivíduos ou grupos que reconhecem e compartilham os mesmos esquemas de percepção e apreciação.

Configura-se, deste modo, um ciclo de manutenção e valorização do capital simbólico desses pesquisadores, logo de sua posição estruturada e estruturante do campo científico, no qual, o “peso” do pesquisador é determinante para a aprovação de seu projeto no edital ProExt/MEC, o qual contribui para o aumento do capital simbólico do mesmo.

Tal ciclo justifica e sustenta os dados apresentados anteriormente, os quais ilustram a distribuição dos recursos destinados à extensão universitária pelo referido edital.

Considerações finais

A história da extensão universitária no Brasil está repleta de críticas à proximidade desta com os movimentos sociais e estudantis. Argumentou-se por muito tempo que a extensão possui um caráter salvacionista, que seria apenas um meio de redenção da universidade e do Estado para com a sociedade, que atuaria em substituição às políticas públicas de assistência social. Ou, sob outra perspectiva, um “faz de conta” que estamos abrindo os muros da universidade a outros atores quando, em realidade, apenas se está a manter a mesma estrutura social de sempre.

Essa crítica pode ser encontrada em trabalhos como os de Jezine (2004), Angelim (2010) e Soares (2007), que afirmam não importar quantos mecanismos de avaliação e validação das atividades extensionistas existam - a exemplo do Forproex -, a extensão não consegue efetivamente superar seu caráter salvacionista, posto que não corresponde a uma demanda que parte da comunidade, mas de imposição construída sob os termos daqueles que detêm o capital cultural instituído.

A utilização do Lattes para a aprovação dos projetos ProExt/MEC - em detrimento de outros fatores, como a participação da comunidade na formulação do projeto, o número de pessoas beneficiadas - evidencia essa assertiva.

Por outro lado, é fato que a regulamentação da extensão via Forproex e ProExt/MEC - prioritariamente, mas também por meio de editais específicos dentro das próprias universidades - possibilitou a esta consolidar-se, adquirir reconhecimento e, consequentemente, ampliar seu espaço no interior das IES.

Conforme foi apresentado, os investimentos em atividades extensionistas cresceram consideravelmente em comparação com outros, no âmbito universitário, desde 2008. O aumento de quase 19 vezes no financiamento e de 36 vezes no número de projetos submetidos, demonstra que os pesquisadores das IES têm direcionado seus esforços ao desenvolvimento de projetos de extensão ao observarem que a extensão tem trazido resultados válidos ao acúmulo de capital. Afinal, quanto mais recursos esses captam para suas universidades por meio de financiamento, maior o seu reconhecimento no domínio do campo científico.

Ainda que tal expansão não tenha acontecido proporcionalmente entre as diferentes regiões e tipos de instituições, as diferenças apresentadas apenas refletem o movimento sociopolítico do país. O Sudeste é a região com maior número/porcentagem de aprovações desde o início do ProExt/MEC (28%), fato esperado, posto que a região possui 30% das universidades federais do país e é responsável por 55% do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil3. Enquanto região com maior peso econômico, consequentemente político, torna-se usual que esta receba maiores investimentos. Questiona-se, para que haja uma efetiva ruptura na lógica dominante a proporção PIB versus investimento, se não deveria acontecer de modo inverso.

A condição das universidades federais é a mesma. Em um universo de 2.364 IES4, somente 3% (63) são universidades federais e dominam 77% dos recursos dos editais ProExt/MEC. O desequilíbrio é grande, porém é importante destacar que os pesquisadores com maior acúmulo de capital simbólico estão lotados nessas instituições. Essas possuem a exigência de manutenção da produtividade para a obtenção de financiamento e das melhores posições, abrigando, consequentemente, em seus quadros os funcionários com maiores chances de projetos selecionados em editais.

Bourdieu apresenta o campo científico como lugar de luta política pela dominação científica. O que implica dizer que em meio às disputas vivenciadas pelos pesquisadores, em função da posição que ocupam ou pretendem ocupar, os objetos de pesquisa serão também frutos indissociavelmente políticos e científicos. Ou seja, desde a determinação das linhas de pesquisa contempladas pelo edital, passando pelo currículo dos pesquisadores, até a aprovação dos projetos, estamos em meio a um complexo jogo que caminha entre a ciência e o Estado.

Afirmação que pode ser apreendida ao observarmos a extensão universitária desde o seu princípio. Dentre declarações (como a da Bahia, de 1961), leis (como o I Estatuto das Universidades Brasileiras e os decretos n.os 19.851/31 e 6.495/2008) e a utilização da extensão pelos militares contra o movimento estudantil, a atividade extensionista é permeada por tentativas de controle e regulamentação. Ações que têm origem em acordos entre a universidade e o Estado, que determinam os âmbitos e contextos do desenvolvimento da extensão universitária no país.

O fortalecimento da extensão no campo científico perpassa, portanto, pelo estabelecimento de regras, mecanismos e ações que a qualifiquem enquanto capital válido. Processo que tem se concretizado desde seu surgimento nos anos 1930.

Por fim, como pudemos observar em Bourdieu, é essencial que analisemos tal fortalecimento sem que seja deixada de lado a estrutura em que a extensão está inserida. Ressalta-se, no entanto, que estruturas não são fixas, movimentam-se de acordo com as batalhas travadas em seus campos. A extensão propõe acrescentar ao jogo científico mais um elemento: a sociedade. E com isso, quem sabe, mudar as regras em vigor. Eis, talvez, a função salvacionista associada à extensão universitária.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2018

Histórico

  • Recebido
    29 Nov 2016
  • Aceito
    02 Ago 2017
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