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O Sistema Teórico do Socialismo com Características Chinesas: Desenvolvimento como base ideológica dos pensamentos de líderes do Partido Comunista da China

The Theoretical System of Socialism with Chinese Characteristics: Development as the ideological basis of the thoughts of leaders of the Communist Party of China

Resumo

Registrados nas constituições do Partido Comunista da China e da República Popular da China, os pensamentos dos líderes centrais são referência para discursos de figuras políticas e estudados em todo o país. Imbuídos de um intuito modernizador, o conceito de desenvolvimento é revisitado por cada secretário-geral e constitui a base do arcabouço ideológico do partido, suscitando a pergunta do artigo: De que forma o conceito de desenvolvimento é explorado na construção de um discurso ideológico que fundamenta os pensamentos dos líderes chineses? Partindo da análise de discursos e documentos, o artigo examina o "pensamento de Mao Zedong”, a "teoria de Deng Xiaoping”, as “Três Representações” de Jiang Zemin, a “Perspectiva Científica sobre o Desenvolvimento” de Hu Jintao, e o “Socialismo com Características Chinesas para uma Nova Era” de Xi Jinping, buscando compreender como o conceito de desenvolvimento é adaptado, dependendo da conjuntura política, econômica e social da China.

Palavras-chave:
China; Partido Comunista Chinês; desenvolvimento; ideologia; líderes chineses

Abstract

Enshrined in the constitutions of the Communist Party of China and the People's Republic of China, the thoughts of the central leaders are referenced in speeches by politicians and are a subject of study all around the nation. Imbued with a modernizing intention, the concept of development is reviewed by each secretary-general and serves as the foundation of the party’s ideological framework, raising the question of the article: How is the conception of development explored in the construction of an ideological discourse on which the thoughts of Chinese leaders are based? Commencing with discourses and documents analysis, the article examines the "Thought of Mao Zedong", "Deng Xiaoping’s Theory", Jiang Zemin's "Three Represents", Hu Jintao's "Scientific Outlook on Development", and Xi Jinping’s "Socialism with Chinese Characteristics for a New Era" in order to understand how the concept of development is adapted depending on China’s political, economic, and social context.

Key words:
China; Communist Party of China; development; ideology; chinese leaders

A partir de 1978, a reforma e abertura de Deng Xiaoping inaugurou um novo período na República Popular da China (RPC), de abertura econômica e aliança do Partido Comunista da China (PCCh) com o setor produtivo, traçando como objetivo o desenvolvimento econômico. Essa aliança foi aprofundada anos depois, quando Jiang Zemin passou a admitir, entre quadros do partido, representantes do setor privado e das classes médias. Essas mudanças na condução da política econômica chinesa fizeram com que analistas decretassem um rompimento com o maoísmo e a inauguração de uma nova era para a China, a qual culminaria no abandono do regime de partido único, em uma futura democracia liberal.

Dessa forma, muitos autores declararam que o PCCh havia abandonado um modelo de governo fortemente ancorado na figura da liderança carismática e na ideologia do partido para seguir um caminho “pragmático”. Essa ruptura teria sido imposta pela necessidade de correção de rumos, após a “Revolução Cultural”, um período traumático na história da RPC, que, em nome da pureza ideológica e do culto ao líder, o PCCh promoveu uma crise humanitária que vitimou milhões de pessoas. Portanto, a hipótese desses autores é que, após 1978, o partido teria passado a experimentar um novo tipo de política econômica, que abandonou aspectos ideológicos para focar no pragmatismo econômico, social e político.

Porém, diferente de um rompimento com a ideologia do marxismo chinês, o argumento central deste artigo é que o que se observa, a partir de Deng Xiaoping, é a transformação do discurso de modo a incluir novas ideias políticas capazes de manter as estruturas do regime. Dessa forma, ao invés de abandonar a ideologia, o que se observa é uma reformulação, ao longo do tempo, da própria noção de desenvolvimento atrelada aos pensamentos de cada secretário-geral do PCCh, de modo a compor uma base ideológica coesa.

Essa base está expressa na Constituição do PCCh, revisada no 19º Congresso Nacional do PCCh (CNPCCh), que passou a incluir o pensamento de Xi Jinping entre os guias para o “Socialismo com características chinesas”. Assim, o “marxismo-leninismo”, o “Pensamento de Mao Zedong”, a “Teoria de Deng Xiaoping”, a “Teoria das Três Representações” de Jiang Zeming, a “Perspectiva Científica sobre o Desenvolvimento” de Hu Jintao, e o pensamento de Xi sobre “Socialismo com Características Chinesas para uma Nova Era” constituiriam o alicerce das ações do partido.

Cada um desses pensamentos incorpora seu próprio conceito de desenvolvimento, que vai fundamentar os discursos e projetos dos secretários-gerais, sem, no entanto, negar jamais as inovações de seu antecessor. Este artigo usará as ideias-base apresentadas na Constituição do PCCh para identificar a evolução do conceito de desenvolvimento, pretendendo identificar: De que forma o conceito de desenvolvimento é explorado na construção de um discurso ideológico que fundamenta os pensamentos dos líderes chineses?

Para isso, será feita uma análise dos pensamentos de secretários-gerais do PCCh, a partir de seus discursos, almejando compreender de que forma o conceito de desenvolvimento é adaptado, de acordo com a conjuntura política, econômica e social da China. Começa com o "pensamento de Mao Zedong", incorporado de forma cuidadosa, já que o partido se preocupa com quais partes dos textos do líder permanecem válidos após a Revolução Cultural, e segue para a "teoria de Deng Xiaoping", as “Três Representações” de Jiang Zemin, a “Perspectiva Científica sobre o Desenvolvimento” de Hu Jintao, e o “Socialismo com Características Chinesas para uma Nova Era” de Xi Jinping. Cada líder contribui com novos conceitos e interpretações sobre ideias dos antecessores, evitando contradições e construindo uma unidade ideológica ao longo do tempo. Assim, o PCCh constrói uma narrativa ideológica linear e coesa, com o objetivo de evitar o surgimento de pressões sociais por reforma política.

2. O Pensamento de Mao Zedong

Nas palavras de Kerry Brown, “No contexto específico do século XX na China, a ideologia serviu para duas funções. A primeira é que esteva ligada à promoção e conquista da modernidade. A segunda é que entregou consenso e coesão em áreas onde havia fragmentação e desacordo” (2012, p. 54 - tradução nossa). A década de 1910 marcou o ingresso do pensamento marxista na China que, juntamente com outras correntes do pensamento ocidental, fez parte do pleito do “Movimento Quatro de Maio” (五四运动, Wusi Yundong, 1915-1921). Desde antes da chegada do PCCh ao poder, em 1949, Mao Zedong já havia assumido a vanguarda na construção de uma base ideológica de raiz marxista-leninista, capaz de conciliar a ideia de modernidade chinesa com a realidade agrária da economia.

Foi por meio de obras como Anti-Dühring (2015), de Friedrich Engels, que o ideal de um “socialismo científico” inseriu no pensamento de Mao Zedong a noção de que a sociedade deveria passar por etapas evolutivas no seu caminho para o desenvolvimento, chegando, inclusive, a se tornar uma recomendação de leitura do próprio líder comunista chinês. Porém, não cabia a sociedade chinesa, majoritariamente agrária, aguardar por uma revolução burguesa e industrial para que, posteriormente, pudesse experimentar uma luta de classes capaz de conduzir a sociedade a um regime socialista emancipador.

Com base nesse pensamento - de que o processo para o desenvolvimento deveria seguir etapas - foi feito o primeiro “Plano Quinquenal”, com o apoio da União Soviética (URSS), em 1953. Esse primeiro modelo de desenvolvimento, que orientou a linha geral do PCCh, impunha duas etapas a serem atingidas: uma primeira de “industrialização socialista” e uma segunda de “transformação socialista da agricultura, artesanato e indústria e comércio capitalistas” (MAO, 1953MAO Zedong. “The Youth League in Its Work Must Take the Characteristics of Youth Into Consideration”, in: MAO Zedong. Selected Works of Mao Tse-tung, v. 5. Beijing: Foreign Language Press, pp. 95-100, 1953., p. 99 - tradução nossa).

A luta contra o imperialismo e o colonialismo, a luta de classes e a preocupação de combinar teoria e práxis, extremamente relevantes para o pensamento marxista, também encontram eco nas obras de Mao, assim como é possível identificar a associação de ideias marxista-leninistas a conceitos trazidos da filosofia oriental2 2 A obra On Contradictions (MAO, 1937) é um exemplo dessa associação entre o pensamento marxista-leninista e a filosofia oriental, quando o materialismo dialético se encontra com a ideia de unidade de opostos (Yin e Yang) para dar origem a lei da contradição (BROWN, 2018). . A extensa obra de Mao fundou a base para ideologia do PCCh seguida até 1978, porém, após a Revolução Cultural afastar a “facção vermelha” do partido, em favor de Deng Xiaoping, alguns elementos, como a necessidade de acabar com todo o tipo de propriedade não estatal, e a violência como forma política, perdem o protagonismo. A partir da “Resolução sobre Certas Questões na História do Nosso Partido desde a Fundação da República Popular da China”, de 1981, o PCCh conduziu uma revisão sobre a figura de Mao e de seu pensamento.

O pensamento de Mao Zedong enquanto base fundamental para a ideologia do PCCh foi resumido a três princípios, exaltados desde a Resolução de 1981: “buscar a verdade por meio dos fatos”, a “linha das massas”, e “independência e autossuficiência” (PCCh, 1981).

Como primeiro princípio, “buscar a verdade por meio dos fatos” estimula a análise da realidade, como etapa fundamental para o estudo do Marxismo-Leninismo como teoria para inspirar a prática revolucionária chinesa. Dessa forma, Mao nega que o marxismo assuma uma posição dogmática na RPC, sendo necessário um repetitivo processo investigativo, que entrelaça o conhecimento com a prática. Esse processo tem por objetivo resolver a contradição existente entre teoria e prática, e fica expressa na resolução:

[...] a verdade existe em contraste com a falsidade e cresce na luta contra ela, que a verdade é inesgotável e que a verdade de qualquer conhecimento, a saber, se corresponde à realidade objetiva, pode ser decidida em última instância apenas por meio da prática social. (PCCh, 1981 - tradução nossa)

Dessa forma, o princípio da contradição passa a estabelecer a base fundamental para as mudanças políticas observadas na China, nos anos subsequentes, já que, somente por meio da investigação constante e da experimentação de diversos métodos, seria possível resolver os desafios encontrados.

A “linha das massas” (PCCh, 1981) parte da percepção do poder popular como um instrumento de transformação. Foi a partir do apoio popular que o Exército Vermelho engrossou suas fileiras para derrotar o Exército Nacionalista e conquistar o poder, experiência que, por si só, basta para fundamentar a ideia de que o apoio popular pode legitimar ou derrubar um regime. O PCCh deveria, portanto, traduzir os anseios emanados das massas, guiando o povo com sua liderança, em um processo intitulado “das massas, para as massas”. Conforme expresso na resolução, “[...] isso significa concentrar as ideias das massas e transformá-las em ideias sistemáticas, depois ir às massas para que as ideias sejam perseveradas e levadas adiante, e testar a exatidão dessas ideias na prática das massas” (PCCh, 1981 - tradução nossa).

Por fim, “independência e autossuficiência” expressa uma crítica ao imperialismo e ao colonialismo, que impuseram a China os traumas do “Século de Humilhação”3 3 Sobre como a experiência do “Século de Humilhação” fundou as bases da identidade nacional chinesa ver Vieira (2018). , desde a Primeira Guerra do Ópio, ao mesmo tempo em que exaltara a realidade e a experiência nacionais da luta revolucionária, inspirada pelo marxismo-leninismo como fundamentais para a vitória comunista. Contudo, a exaltação da experiência nacional e a crença na sua natureza autossuficiente não se traduz em isolamento do exterior, ou recusa ao estrangeiro, nem em um sentimento chauvinista. Ao contrário, PCCh anseia por ajuda internacional que possa contribuir na superação do que considera uma economia e cultura atrasadas, comparativamente, mas salvaguardando a independência nacional de qualquer tentativa de exploração e submissão. É com base nesse princípio que se fundamentam a Teoria do Terceiro Mundo4 4 Sobre a Teoria do Terceiro Mundo de Mao Zedong ver Vieira (2019). e o princípio primário da coexistência pacífica, defendido pela política externa chinesa, segundo o qual, deve haver assistência mútua respeitando a conjuntura de cada Estado e o seu direito à independência.

3. A Teoria de Deng Xiaoping

A morte de Mao e o banimento da “Gangue dos Quatro” abriu espaço para a reabilitação de Deng Xiaoping5 5 Sobre os debates acerca da hierarquia entre teoria (lilun), pensamento (sixiang), espírito (jingsheng) e linha (luxian), na ideologia chinesa e a ascensão das ideias de Deng ao patamar de teoria, estando acima do pensamento de Mao, e no mesmo patamar do marxismo-leninismo. Cf. Maria H. Chang (1996). e sua ascensão ao poder. Antes mesmo da formulação da Resolução de 1981, a política de “reforma e abertura”, adotada por Deng, já levantava questionamentos de uma parcela do partido mais alinhada com o puritanismo revolucionário das décadas anteriores. Diferentemente do que é, muitas vezes, propagado no Ocidente, o regime do partido único na China não se confunde com a ausência de divergência interna entre a elite política, ou com a existência de um pensamento uniforme dentro do PCCh.

Deng precisava justificar ao partido que as quatro modernizações não eram uma ruptura com sua trajetória, e que estavam cobertas pelo pensamento de Mao Zedong. Foi com esse intuito que, ao final da reunião sobre princípios do trabalho teórico do partido do Comitê Central, em 1979, Deng condicionou as quatro modernizações a respeitarem os Quatro Princípios Cardeais políticos e ideológicos do PCCh, que são: “devemos seguir o caminho socialista”; “devemos defender a ditadura do proletariado”; “devemos defender a liderança do Partido Comunista”; e “devemos apoiar o marxismo-leninismo e o pensamento de Mao Zedong” (DENG, 1979). Essa combinação, entre “reforma e abertura” e o respeito aos Quatro Princípios Cardeais, recebeu posteriormente a denominação de “Socialismo com características chinesas”, uma das principais contribuições de Deng para a ideologia do PCCh.

Ainda que a Teoria de Deng Xiaoping só fosse reconhecida oficialmente como ideologia guia, e incluída na Constituição do PCCh após o 15º CNPCCh, de setembro de 1997, a emergência de uma nova corrente de pensamento concorrente com a radicalidade imposta durante a “Revolução Cultural” remonta aos debates da Terceira Sessão Plenária do 11º Comitê Central do PCCh, de dezembro de 1978. Assim como ocorreu com o pensamento de Mao Zedong, recortado por Deng - de modo a melhor acomodar as suas políticas -, a teoria de Deng Xiaoping foi delimitada após sua morte por seu sucessor, Jiang Zemin (1993-2003), como base fundamental para as mudanças promovidas ao longo do seu governo.

Conforme destacado por Jiang Zemin (1997JIANG Zemin. Hold High the Great Banner of Deng Xiaoping Theory for an All-round Advancement of the Cause of Building Socialism with Chinese Characteristics’ Into the 21st Century. Report Delivered at the 15th National Congress of the Communist Party of China on September 12, 1997. Disponível em: <http://www.bjreview.com.cn/document/txt/2011-03/25/content_363499_4.htm>. Acesso em: 3 dez. 2020.
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), desde a Terceira Sessão Plenária de 1978, o PCCh deliberou que a RPC se encontrava ainda no primeiro estágio do socialismo, uma fase de longa duração que havia se estendido durante todo o processo de Deng no poder, e perduraria por mais um período de 100 anos6 6 A definição de um período de 100 anos, segundo o qual a RPC estaria em um estágio primário do socialismo, fruto de debates ao longo do 13º e 14º Congressos Nacionais, quando, na tentativa de silenciar questionamentos sobre a natureza socialista ou capitalista das técnicas adotadas a partir da “reforma e abertura”, Deng definiu que o partido precisava ser o protagonista do processo de reforma, para que não tivesse sua legitimidade questionada, tornando-se irrelevante ao ponto de poder ser deposto (SAICH, 1992). . Nas palavras de Jiang:

É um estágio em que um país agrícola, onde as pessoas que se dedicam à agricultura ocupam uma proporção muito grande da população e dependem principalmente do trabalho manual, irá gradualmente se transformar em um país industrial onde a população não-agrícola constitui a maioria e que abrace os agricultura e comércio de serviços modernos. É uma fase em que uma sociedade com uma economia natural e seminatural representando uma proporção muito grande do todo se transformará gradualmente em uma sociedade com uma economia de mercado razoavelmente desenvolvida. É uma fase em que uma sociedade com analfabetos e semianalfabetos constituindo uma proporção muito grande da população e com ciência, tecnologia, educação e cultura retrógradas se transformará, passo a passo, em uma sociedade com ciência, tecnologia, educação e cultura razoavelmente desenvolvidas. É uma fase em que uma grande parte da sociedade é atingida pela pobreza e que as pessoas com um baixo padrão de vida se tornarão gradualmente pessoas que estão bem de vida. É uma fase em que uma sociedade com um desenvolvimento econômico e cultural muito desigual entre as regiões se tornará aquela em que a lacuna será gradualmente reduzida, com algumas regiões se desenvolvendo primeiro. É uma fase em que, introduzindo reformas e explorando novos caminhos, iremos estabelecer e melhorar uma economia de mercado socialista, um sistema político de democracia socialista e outros sistemas que são relativamente maduros e cheios de vitalidade. (JIANG, 1997JIANG Zemin. Hold High the Great Banner of Deng Xiaoping Theory for an All-round Advancement of the Cause of Building Socialism with Chinese Characteristics’ Into the 21st Century. Report Delivered at the 15th National Congress of the Communist Party of China on September 12, 1997. Disponível em: <http://www.bjreview.com.cn/document/txt/2011-03/25/content_363499_4.htm>. Acesso em: 3 dez. 2020.
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- tradução nossa)

Foi com Deng que o desenvolvimento econômico se tornou o objetivo máximo do PCCh, a idealização de um futuro próspero passava a compor a ideologia do partido. Foi esse foco no desenvolvimento, que justificou as reformas econômicas e fundamentou o estabelecimento de metas de crescimento econômico a serem atingidas a cada cinco anos, pelos gestores públicos7 7 Para um estudo aprofundado sobre a política econômica e seus impactos sociais na cidade e no campo, ver Morais (2011). . Essas metas passaram a servir como um instrumento de avaliação de quadros do partido e se tornaram elemento fundamental para manutenção do poder, uma vez que foram usadas como forma de gerar uma expectativa, na população, de aproximação constante do presente com a sociedade plenamente desenvolvida, que fora prometida.

Deng acreditava que a China se encontrava com duas décadas de atraso, no processo de desenvolvimento, quando comparada com países industrializados. A RPC deveria, portanto, passar por um processo de modernização econômica composta de três fases (DENG, 1984): na primeira, deveria dobrar seu produto nacional bruto (PNB) per capita de US$250, em 1980, para US$500, em 1990, o que garantiria que a “população tem roupa e comida adequadas”; na segunda fase, haveria uma nova duplicação até 2000, quando garantiria que a “população viva uma vida relativamente confortável até o final do século”; por fim, a terceira fase foi prevista para ser concluída entre 2030 e 2050, quando a China terá alcançado “o nível de países moderadamente desenvolvidos”8 (DENG, 1988a).

Com base nesse argumento, é construída a tese de que a RPC deveria passar por um processo de estímulo ao desenvolvimento das forças produtivas, adotando elementos da economia de mercado capitalista com associação do capital estrangeiro. Esse elemento se tornou central no programa econômico de Deng Xiaoping, desde o seu “tour pelo Sul” de 1992, quando, a partir do 14º Congresso Nacional, o partido abandona a “economia planificada” para assumir o título de “economia de mercado socialista”9 9 Existe um longo debate entre economistas sobre o modelo econômico adotado na China, o qual não será objeto de análise neste artigo. Entre os autores que consideram a China um modelo de capitalismo de Estado estão Barry Naughton e Kellee S. Tsai (2015), já para uma análise do modelo chinês como socialismo de mercado ver Elias Jabbour e Alberto Gabriele (2021). (DENG, 1990). Deng criticava o modelo econômico, inspirado na experiência soviética, de ter engessado o sistema produtivo e sobrecarregado a burocracia política com decisões que oneravam o Estado, pois, a adoção de mecanismos de mercado seria a solução para o desenvolvimento econômico chinês.

Devemos entender teoricamente que a diferença entre capitalismo e socialismo não é uma economia de mercado em oposição a uma economia planejada. O socialismo tem regulação pelas forças de mercado e o capitalismo tem controle por meio do planejamento. Você acha que o capitalismo tem liberdade absoluta sem nenhum controle? O status de nação mais favorecida também é uma forma de controle. Você não deve pensar que, se tivermos alguma economia de mercado, estaremos tomando o caminho capitalista. Isso simplesmente não é verdade. Tanto uma economia planejada quanto uma economia de mercado são necessárias. Se não tivéssemos uma economia de mercado, não teríamos acesso às informações de outros países e teríamos que nos reconciliar com o atraso. (DENG, 1990 - tradução nossa)

Segundo a “economia de mercado socialista”, cabe ao Estado a coordenação econômica, em sentido macro, enquanto o mercado auxilia na autorregulação microeconômica para acabar com a pobreza e direcionar a melhor alocação de bens e serviços, de modo racional. Dessa maneira, as formas de propriedade estatal permaneceriam dominantes, sem que isso impactasse na existência de outras formas de propriedade, que coexistam e se beneficiem de sua relação com o Estado. Por outro lado, a abertura econômica deveria garantir que a China se posicionasse como um país atrativo para o investimento direto internacional, especialmente norte-americano e japonês10 10 Sobre como o investimento estrangeiro recebido ajudou a moldar a forma como a própria China desempenha a sua cooperação internacional em um modelo de “quaternidade” (Cf. VIEIRA, 2019). .

Zonas econômicas especiais foram definidas como áreas abertas para o investimento estrangeiro e instalação de empresas em um sistema de joint ventures, combinando a expertise de grandes multinacionais e o capital nacional, representado por empresas públicas coordenadas pelo PCCh. Dessa forma, a RPC atraiu, não apenas o capital estrangeiro, mas, principalmente, ciência e tecnologia, que Deng acreditava, juntamente com a educação, constituir a força produtiva primária para o desenvolvimento econômico (DENG, 1988b).

A abertura do mercado, mesmo que regulada, representava um rompimento direto com as ideias originais de Mao, para quem qualquer desenvolvimento privado das forças produtivas romperia com o sistema socialista, ao permitir a ascensão de classes capitalistas na sociedade, o que, gradativamente, levaria a criação de uma sociedade desigual, imoral e consumerista, muito diversa da sociedade de valores socialistas idealizada (MOHANTY, 1998MOHANTY, Manoranjan. “The New Ideological Banner: Deng Xiaoping Theory”. China Report, v. 34, n. 1, pp. 101-105, 1998.). O desenvolvimento econômico se tornou o elemento central na ideologia do partido, parte da ideia de que seria responsável por melhorar a qualidade de vida, reduzindo a insatisfação coletiva, ideia que encontra raízes no texto de Engels, recomendado por Mao:

[...] as causas últimas de todas as mudanças sociais e revoluções {políticas} não devem ser buscadas na mente dos seres humanos, em sua noção crescente da verdade e da justiça eternas, mas nas mudanças que ocorrem no modo de produção e de troca; elas não devem ser buscadas na filosofia, mas na economia do respectivo período. (ENGELS, 2015ENGELS, Friedrich. Anti-Dühring: A Revolução da Ciência Segundo o Senhor Eugen Dühring. São Paulo: Boitempo Editorial, 2015.)

Assim, Engels forneceu a base para a ideia de que um bom desempenho econômico teria impacto positivo na estabilidade social, uma vez que argumenta ser, a economia do período, o fator determinante na análise de um episódio de mudanças sociais e políticas. Essa ideia vai perdurar na ideologia do PCCh e inspirar políticas públicas até os dias atuais, como foi o caso da política de “Desenvolvimento do Grande Oeste” (西部大开发, Xibu Dakaifa).

Deng soube aproveitar o fluxo de capitais internacionais em um contexto no qual, Reagan e Thatcher, promoviam políticas neoliberais e a globalização das cadeias de valor, atraindo para a RPC os investimentos necessários para estabelecer uma base industrial que foi fundamental para estimular o crescimento econômico, que passou a assumir um papel primordial nos planos quinquenais. Segundo Wang Hui (2011WANG Hui. The End of the Revolution: China and the Limits of Modernity. London: Verso, 2011.), a reforma combinada com o crescimento econômico, o apoio dos intelectuais na formulação das políticas públicas e a melhoria de vida das bases da sociedade possibilitaram a estabilidade social ao longo da primeira metade da década de 1980, o que serviu como confirmação para Deng de que o crescimento econômico levaria a estabilidade.

4. As “Três Representações” de Jiang Zemin

A morte de Hu Yaobang, em 15 de abril de 1989, ex-secretário-geral do PCCh (1982-1987), afastado em razão de sua defesa de reformas para além da economia, como liberdade de expressão e liberdade de imprensa - e cotado como provável sucessor de Deng -, gerou profunda comoção popular, se tornando um marco na política chinesa. No contexto de queda de regimes “comunistas” na URSS e no Leste Europeu, na China, o contraste entre a reforma urbana e a estagnação da reforma rural, no pós-1984, desencadeou problemas como desequilíbrio econômico estrutural, desigualdade, disparidade regional e corrupção, que serviram de combustível para o movimento social urbano de 1989 (WANG, 2011WANG Hui. The End of the Revolution: China and the Limits of Modernity. London: Verso, 2011.). Com a ascensão de disputas ideológicas dentro do partido, Deng optou pelo único caminho que parecia ser capaz de manter a estabilidade deu regime, o aprofundamento das reformas.

Essa foi a tônica da Viagem ao Sul, de Deng Xiaoping (邓小平南巡, Deng Xiaoping Nan Xun), de 1992: “[...] mais reformas, mais privatizações, mais mudanças nas empresas estatais sob o zeloso e eficaz Premier de 1997, Zhu Rongji, e um objetivo claro de entrar na [Organização Mundial do Comércio] OMC” (BROWN, 2018BROWN, Kerry. China’s Dream: The Culture of Chinese Communism and the Secret Sources of Its Power. Cambridge: Polity, 2018., p. 116). Jiang Zemin já havia ascendido a posição de secretário-geral do PCCh desde 1989, como forma de reconhecimento ao seu desempenho na contenção dos movimentos de 1989, atuando como líder do partido de Shanghai, e em 1993 chegaria à presidência, após demonstrar comprometimento com o aprofundamento das reformas econômicas.

A década de 1990 foi um período de grandes contradições na RPC, quando registrou um considerável aumento da participação não-estatal na economia e uma redução do papel do Estado no sistema produtivo, a partir da reestruturação das empresas estatais. Gradualmente, o setor privado passou a responder por parcelas cada vez maiores do Produto Interno Bruto (PIB), levantando temores, no PCCh, de que essa maior participação econômica viesse a se traduzir em demandas por reformas políticas profundas e por um processo de democratização que poderia colocar em risco o regime chinês, tal como na União Soviética (BROWN, 2018BROWN, Kerry. China’s Dream: The Culture of Chinese Communism and the Secret Sources of Its Power. Cambridge: Polity, 2018.).

Entretanto, apesar da iniciativa privada apresentar riscos para o PCCh, reprimir um grupo que representava uma parcela tão expressiva do PIB, que havia se tornado fundamental para a manutenção do crescimento econômico projetado pelo partido e para a geração de empregos, não era uma solução viável. Ao contrário, eles precisavam ser cooptados pelo partido, de modo que se percebessem como agentes capazes de influenciar o processo político. Para isso, seria necessário abandonar as limitações de recrutamento ao partido e romper com o ideal maoísta, ainda presente, de que apenas camponeses, operários e soldados seriam considerados parte das três classes revolucionárias, ou “mestres da nação”11 11 Essa foi uma ideia profundamente difundida na “Revolução Cultural”, quando o partido definiu que haveria “Cinco Categorias Vermelhas” (红五类, hong wulei) - camponeses pobres e de baixa renda (贫下中农, pinxia zhongnong), trabalhadores (工人, gongren), soldados revolucionários (革命军人, geming junren), quadros revolucionários (革命干部, geming ganbu) do PCCh (especialmente que tenham ingressado no partido antes de 1949), e mártires revolucionários (革命烈士, geming lieshi) -, prezadas pelo PCCh e “Cinco Categorias Pretas” (黑五类, hei wulei) - donos de terra (地主, dizhu), camponeses ricos (富农, funong), contrarrevolucionários (反革命, fangeming), maus elementos (坏分子, huai fenzi), e direitistas (右派, youpai) -, consideradas inimigas da revolução (PEPPER, 2008). .

Com esse intuito, surge o conceito das “Três Representações” (三个代表, Sange Daibiao), que abandona por definitivo a noção de que o partido seria o representante das três classes revolucionárias, para assumir a representação de ideias associadas aos ideais de desenvolvimento e modernidade. A primeira apresentação desse pensamento ocorreu na visita de Jiang Zemin à província de Guanngdong, em fevereiro de 2000JIANG Zemin. “How Our Party is to Attain the ‘Three Represents’ Under the New Historical Conditions”, in: JIANG Zemin. On the “Three Represents”. Beijing: Foreign Languages Press, pp. 7-13, 2000.:

Um resumo dos 70 anos de história do Partido invariavelmente leva à importante conclusão de que a razão pela qual nosso Partido ganhou o apoio do povo é porque, durante os períodos históricos de revolução, construção e reforma, nosso Partido sempre representou as necessidades do desenvolvimento das forças produtivas avançadas da China, a orientação do desenvolvimento da cultura avançada da China e os interesses fundamentais das mais amplas massas do povo chinês, e porque nosso Partido lutou incansavelmente pela realização dos interesses fundamentais do Estado e do povo através da adoção de linhas, princípios e políticas corretas. Hoje, a humanidade chegou à virada de um novo século e um novo milênio. Como nosso Partido pode fazer melhor nas “Três Representações” sob as novas condições históricas é um tema importante que exige profunda deliberação por parte dos membros do Partido, em geral, e dos altos dirigentes do Partido, em particular. (JIANG, 2000JIANG Zemin. “How Our Party is to Attain the ‘Three Represents’ Under the New Historical Conditions”, in: JIANG Zemin. On the “Three Represents”. Beijing: Foreign Languages Press, pp. 7-13, 2000., p. 8 - tradução nossa)

A “linha das massas”, que outrora credenciava o partido como vanguarda do processo revolucionário, traduzindo às massas suas demandas e trocando com elas para aperfeiçoar a luta socialista, agora, por meio das “Três Representações”, reduz o PCCh a um executor das demandas oriundas da sociedade. As classes revolucionárias prezadas por Mao Zedong como únicas categorias dignas da RPC, agora eram ampliadas para toda a sociedade em um esforço coletivo para atingir o desenvolvimento por meio da completa aceitação de critérios de produtividade, eficiência e técnica, importados do Ocidente, desde o início das reformas.

O foco da representação do PCCh estava agora em três elementos: as demandas de desenvolvimento das forças produtivas avançadas; a orientação progressiva da cultura avançada; e os interesses fundamentais da esmagadora maioria do povo chinês. A primeira representação, evidenciada em pôsteres ideológicos por símbolos de ciência e tecnologia de ponta, como astronautas, sequências genéticas, foguetes, satélites e trens de alta velocidade, simbolizam um ideal de modernidade que contrastava com a realidade chinesa de décadas atrás. A aproximação da classe média, empresários privados e intelectuais alterava as prioridades do partido, que via nesses grupos o caminho para a manutenção do regime.

A segunda representação, referente à cultura, faz uma mistura de referências tanto à pluralidade cultural das 56 etnias da China, quanto à cultura estrangeira. Isso fica evidente na fala de Jiang, para quem,

[...] todos os membros do Partido devem sempre aderir à orientação do marxismo e se esforçar para herdar e desenvolver todas as boas tradições culturais da nação chinesa enquanto aprende e assimila todas as conquistas culturais notáveis de países estrangeiros. (JIANG, 2000JIANG Zemin. “How Our Party is to Attain the ‘Three Represents’ Under the New Historical Conditions”, in: JIANG Zemin. On the “Three Represents”. Beijing: Foreign Languages Press, pp. 7-13, 2000., p. 9 - tradução nossa)

Por fim, a terceira representação reclama para o partido a responsabilidade de traduzir as demandas e os interesses da grande maioria do povo chinês, algo previsto desde a “linha das massas”, de Mao, ainda que, agora, sendo ampliada em seu escopo para englobar o setor privado e as classes médias, e reduzida em sua ação revolucionária.

As “Três Representações” enfrentaram profundas críticas no PCCh, tanto das alas conservadoras, quanto das reformistas. Independentemente das críticas, o 16º CNPCCh, de novembro de 2002, aprovou a inclusão do pensamento de Jiang Zemin na Constituição do Partido, seguido pela aprovação, no Congresso Nacional do Povo, em março de 2003, para a inclusão na Constituição do Estado. De 2002 em diante, empreendedores privados passaram a ser permitidos entre os quadros do PCCh, como se pode asseverar, nas palavras de Jiang Zemin, durante a celebração dos 80 anos de fundação do partido, em julho de 2001:

Desde que a China adotou a política de reforma e abertura, a composição dos estratos sociais da China mudou em certa medida. Existem, entre outros, empresários e pessoal técnico empregado por empresas científicas e técnicas do setor não público, pessoal gerencial e técnico empregado por empresas com financiamento estrangeiro, trabalhadores independentes, empresários privados, empregados de intermediários e profissionais autônomos. (...) Sob a orientação da linha, dos princípios e das políticas do partido, a maioria dessas pessoas nas novas camadas sociais contribuíram para o desenvolvimento das forças produtivas e outros empreendimentos da sociedade socialista por meio de trabalho honesto ou operações comerciais legais. (...) Os componentes básicos e a espinha dorsal do Partido são os trabalhadores, os agricultores, os intelectuais, os militares e os quadros. Ao mesmo tempo, é necessário acolher também os elementos destacados de outros setores da sociedade que aderiram ao programa do Partido e Constituição, trabalharam para a linha e para o programa do Partido de todo o coração, e provaram cumprir os requisitos para a filiação do Partido por meio de um longo período de testes. (JIANG, 2001JIANG Zemin. “Speech at the Rally in Celebration of the 80th Aniversary of the Founding of the Communist Party of China”, in: JIANG Zemin. On the “Three Represents”. Beijing: Foreign Languages Press, pp. 172-219, 2001, pp. 200-201 - tradução nossa)

Nos anos seguintes, executivos como Jack Ma Yun, do Grupo Alibaba, Ren Zhengfei, da Huawei e Liu Chuanzhi, da Lenovo se tornaram membros do PCCh. Dessa forma, Jiang Zemin atendeu as expectativas que motivaram sua escolha como sucessor de Deng, assim como foi bem-sucedido na dissipação dos movimentos sociais de 1989, em Shanghai. Ao abrir o PCCh a iniciativa privada, Jiang afastou demandas por democratização provenientes da elite privada e evitou que a RPC seguisse um caminho semelhante ao da União Soviética.

5. A “Perspectiva Científica sobre o Desenvolvimento” de Hu Jintao

Diferente de seus antecessores, Hu Jintao (2003-2013) não era um líder revolucionário, como Mao Zedong ou Deng Xiaoping, também não era filho de mártires da revolução, nem tinha estudado na União Soviética ou servido o PCCh em uma grande província como Shanghai, como Jiang Zemin. Com passado humilde, e uma trajetória política fora dos grandes centros urbanos e atrelada à Liga da Juventude Comunista, Hu contrasta sua carreira e suas posições políticas com aquelas defendidas pela corrente do PCCh conhecida como “coalisão elitista” (精英同盟, jingying tongmeng), ou “príncipes” (太子党, taizidang).

Foi sua proximidade com Hu Yaobang que lhe garantiu a indicação para assumir a Secretaria do Partido de Guizhou, em 1985, posição em que apresentou um pensamento que seria fundamental na formulação da sua percepção do desenvolvimento posteriormente. Nas palavras de Hu, “não podemos ter estabilidade política e unidade e prosperidade econômica ... sem a igualdade e solidariedade de todas as nacionalidades” (EWING, 2003EWING, Richard D. “Hu Jintao: The Making of a Chinese General Secretary”. The China Quarterly, v. 173, pp. 17-34, 2003., p. 22 - tradução nossa). Hu percebia que as desigualdades regionais poderiam representar uma ameaça para o regime chinês, vindo de uma origem não privilegiada, ele defendeu políticas sociais que o consolidaram como liderança de outra corrente do PCCh, a “coalisão populista” (民粹同盟, mincui tongmeng), também conhecida como “facção da Liga” (团派, tuanpai) (LI, 2016LI, Cheng. Chinese Politics in the Xi Jinping Era: Reassessing Collective Leadership. Washington: Brookings Institution Press. Edição do Kindle, 2016.).

Em 1988, Hu se tornou secretário do partido da Região Autônoma do Tibete em meio a uma rebelião pró-independência. A repressão aplicada para manter a estabilidade precedeu a resposta do governo central às mobilizações de 1989 e logo Hu começou a ganhar destaque da cúpula em Beijing. Quando chegou o 14º CNPCCh, em 1992, Hu conquistou para si uma vaga no Comitê Permanente do Politiburo. No Nono Congresso Nacional do Povo, em março de 1998, assumiu a vice-presidência e, rapidamente, ampliou sua influência doméstica e internacional até que em 2002 assumiu a Secretaria Geral do PCCh e em 2003 a Presidência. A breve retrospectiva da carreira de Hu Jintao até a liderança da RPC ajuda a compreender a origem de ideias como a “sociedade harmônica”, assim como a defesa do desenvolvimento econômico regional mais igualitário como fundamental para a redução de instabilidades.

A mudança de foco no conceito de desenvolvimento de Jiang para Hu ficou evidente na Terceira Sessão Plenária do 16º Comitê Central, de outubro de 2003, a primeira sob o comando de Hu Jintao. Enquanto o 16º CNPCCh, de novembro de 2002, associou desenvolvimento econômico a uma sociedade de classe médica com alta tecnologia, urbanizada, globalizada, economicamente competitiva e profissional, a Terceira Plenária incluiu, no conceito de desenvolvimento, o termo “social”, para o qual deveria ser traçado um “planejamento abrangente” (统筹, tongchou12 12 Normalmente traduzido para o inglês como “comprehensive planning”. ) focado nas áreas de: desenvolvimento urbano e rural, desenvolvimento regional, desenvolvimento econômico e social, homem e natureza, desenvolvimento doméstico e comércio internacional (FEWSMITH, 2008FEWSMITH, Joseph. China Since Tiananmen: From Deng Xiaoping to Hu Jintao. Cambridge: Harvard University Press, 2008.).

Essa nova interpretação, sobre a forma como o desenvolvimento deveria ser abordado pelo PCCh, de forma “[...] abrangente, coordenada e sustentável [para] promover desenvolvimento econômico, social e humano abrangente”, fundou a base para o que viria a ser o conceito de “desenvolvimento científico” (科学发展观, kexue fazhan guan), assim como para a revisão do papel do partido, que deveria estar “orientado para as pessoas” (以人为本, yiren weiben). Ou seja, deveria “servir aos interesses do público e governar para o povo” (FEWSMITH, 2008FEWSMITH, Joseph. China Since Tiananmen: From Deng Xiaoping to Hu Jintao. Cambridge: Harvard University Press, 2008., p. 252 - tradução nossa), marcando uma nova fase do partido, afastando o discurso ideológico do foco no setor privado, que marcou a administração de Jiang Zemin, ainda que o apoio às “Três Representações” continuasse inabalável.

O conceito do “desenvolvimento científico”, esboçado na visita de Hu a província de Guangdong, durante a epidemia da síndrome respiratória aguda grave (SARS), em abril de 2003, foi apresentado sobe esse título na Quarta Sessão Plenária do 16º Comitê Central, de setembro de 2004. A “Perspectiva Científica do Desenvolvimento” precisava ser “orientada para as pessoas,” e almejar o desenvolvimento abrangente, coordenado e sustentável.

Abrangente, porque, segundo Hu, deve representar o desenvolvimento material, político e espiritual da civilização, conjugando o aprofundamento da política e do espírito socialista na sociedade com o aperfeiçoamento da economia de mercado socialista, e com a manutenção do desenvolvimento econômico coordenado e saudável. Coordenado, porque se preocupa com a redução das desigualdades regional, rural e urbana, e se compromete com o econômico e o social, o homem e a natureza, o progresso doméstico e a abertura externa. Sustentável, porque precisa remediar os impactos do crescimento econômico, populacional e a exploração de recursos, promovendo a preservação ambiental (PCCh, 2020a).

Outro termo que ganhou destaque a partir da Quarta Plenária foi a “Sociedade Harmoniosa” (和谐社会, hexie shehui), inspirado nos ideais de “democracia e lei; equidade e justiça; integridade e amizade; vigor e vitalidade; estabilidade e ordem; e a coexistência harmoniosa do homem e da natureza” (PCCh, 2020b). Retornava, assim, um discurso moral ao centro da ideologia do PCCh, marcando a sua diferença com Jiang Zemin e abrindo caminho para políticas mais conservadoras. Nesse sentido, a Sexta Plenária do 16º Comitê Central tornou público um “sistema de valores centrais socialistas”, considerados “essenciais para a harmonia cultural no país”, que deveria ser “integrado na educação nacional, na promoção da ética e no impulso de modernização” (CHINA VIEW, 2006 - tradução nossa).

Valores associados ao patriotismo, dedicação profissional e honestidade passaram a ocupar uma posição de destaque na ideologia do PCCh, voltada, tanto para o setor público quanto para o privado. Em março de 2006, Hu Jintao apresentou uma lista com “Oito Honras e Desgraças”, inspirada em instruções morais da década de 1980, que deveriam direcionar o comportamento chinês: “ame o país; não o cause nenhum mal”, “sirva ao povo; nunca o traia”, “siga a ciência; descarte a superstição”, “seja diligente; não indolente”, “estejam unidos, ajudem-se uns aos outros; não ganhe dinheiro às custas dos outros”, “seja honesto e confiável; não sacrifique a ética pelo lucro”, “seja disciplinado e cumpridor da lei; não caótico e sem lei”, “viva com simplicidade, trabalhe duro; não se afunde em luxos e prazeres” (CHINA VIEW, 2006 - tradução nossa).

Assim como as “Oito Honras e Desgraças”, os “Valores Centrais Socialistas” (社会主义核心价值观, shehui zhuyi hexin jiazhiguan), delimitados no relatório final de Hu Jintao (2012) para o 18º CNPCCh, em 2012 - e que logo passam a ser divididos em três grupos: prosperidade ou força (富强, fuqiang), democracia (民主, minzhu), civilidade (文明, wenming) e harmonia (和谐, hexie) como valores nacionais; liberdade (自由, ziyou), igualdade (平等, pingdeng), justiça (公正, gongzheng) e Estado de Direito (法治, fazhi) como valores sociais; e patriotismo (爱国,aiguo), dedicação (敬业, jingye), integridade (诚信, chengxin) e amizade (友善, youshan) como valores sociais (GOW, 2016GOW, Michael. “The Core Socialist Values of the Chinese Dream: Towards a Chinese Integral State”. Critical Asian Studies, pp. 1-25, 2016.) -, trouxeram de volta, à ideologia do partido, conceitos éticos confucianos, já consolidados no senso comum chinês, e mesclaram com princípios caros ao partido, facilitando a sua difusão.

Essa estratégia evidencia o retorno da preocupação com o padrão de comportamento do povo ao centro das políticas do partido, um padrão que foi aprofundado nos anos seguintes, especialmente após a chegada de Xi Jinping ao poder. Logo, a relação entre os conceitos de “desenvolvimento científico,” a “orientação [do partido] para as pessoas” e a “sociedade harmônica” passou a servir de elemento ideológico fundamental na construção dos discursos do partido.

Desde os últimos anos do governo Jiang Zemin, a preocupação com a estabilidade social passou a ocupar um papel importante na agenda do partido. Porém, foi com Hu Jintao que esse foco foi exacerbado, por meio da associação entre esses três conceitos. O comunicado produzido na Sexta Plenária exerceu um papel fundamental na reafirmação da ideia de que o “desenvolvimento é o pré-requisito para harmonia social” (PCCh, 2006) e estabeleceu metas para a construção da sociedade harmoniosa chinesa, até 2020, coincidindo com o objetivo de construção de uma sociedade chinesa moderadamente próspera.

Após o 17º CNPCCh, de outubro de 2007, a “Perspectiva científica sobre o desenvolvimento” foi inscrita na Constituição do PCCh, ao lado do marxismo-leninismo, do pensamento de Mao Zedong, da Teoria de Deng Xiaoping e do importante pensamento das “Três Representações” (PCCh, 2007), e no 18º CNPCCh, de novembro de 2012, elevou seu status ao da Teoria de Deng Xiaoping, se consolidando em uma orientação teórica a ser seguida por anos (PCCh, 2012). Juntamente com as outras ideias inauguradas por Hu Jintao, o “desenvolvimento científico” foi amplamente difundido, ainda que a falta de concretude das medidas propostas gerasse críticas (BROWN, 2018BROWN, Kerry. China’s Dream: The Culture of Chinese Communism and the Secret Sources of Its Power. Cambridge: Polity, 2018.).

Somente em 2018, a “Perspectiva científica sobre o desenvolvimento”, de Hu Jintao, foi inscrita na Constituição da RPC, juntamente com o Pensamento de Xi Jinping sobre “Socialismo com Características Chinesas para uma Nova Era” (RPC, 2018). O 18º CNPCCh marcou a transição de poder para Xi Jinping. Xi já ocupava a vice-presidência da RPC, e em um contexto de questionamentos internos sobre o desempenho econômico, durante a administração de Hu, e a necessidade de aprofundamento de políticas sociais e da proteção do meio ambiente, ele precisava conciliar duas perspectivas de desenvolvimento que, até então, pareciam contraditórias aos olhos dos analistas ocidentais: as “Três Representações” de orientação mais liberal, de Jiang Zemin, com a “Perspectiva Científica sobre o Desenvolvimento” de orientação mais keynesiana, de Hu Jintao.

6. O “Socialismo com Características Chinesas para uma Nova Era” de Xi Jinping

Xi Jinping foi o primeiro presidente chinês a ascender ao cargo sem indicação direta de Deng Xiaoping. Filho de Xi Zhongxun, um dos “Oito Imortais”13 13 Os “Oito Imortais”, uma referência a figuras míticas que descobrem o segredo para a imortalidade, é composto por membros do PCCh, de longa data, que lutaram na guerra civil, na guerra contra o Japão e ajudaram a consolidar o regime pós-1949. O grupo ascendeu no partido após a “Revolução Cultural”, em apoio às políticas de “reforma e abertura” e manteve-se em altos cargos do Comitê Permanente do Politiburo até 1987. Foi composto, originalmente, por Deng Xiaoping, Chen Yun, Yang Sjangkun, Bo Yibo, Whang Zhen, Peng Zhen, Li Xiannian e Song Renqiong, e incluíram, posteriormente, Deng Yingchao, Xi Zhongxun e Wan Li, após a morte de alguns de seus membros (WU, 2008). , e Qi Xin, ele tem a linhagem a seu favor; ao mesmo tempo, o expurgo de seu pai na “Revolução Cultural” e a reintegração por Deng pareciam garantir que sua administração seria marcada pelo aprofundamento das reformas na China, afastando a possibilidade de uma nova liderança centralizadora. Hoje, Xi é constantemente comparado com Mao Zedong (BROWN, 2016BROWN, Kerry. CEO, China: The Rise of Xi Jinping. London: I.B.Tauris & Co. Ltd., 2016.), criticado pela acumulação de cargos de liderança em órgãos do Estado, o que lhe rendeu o título de “presidente de tudo” na imprensa internacional, e pela revisão, em 2018, do limite para mandatos para a presidência, instituído desde Deng, o que lhe permitiu assumir inéditos terceiros mandatos como secretário-geral do PCCh, em 2022, e presidente da RPC, em 2023.

Xi protagonizou um retorno a exaltação da ideologia e abraçou os “Valores Centrais Socialistas” introduzidos por Hu Jintao, mesclando termos herdados da tradição cultural chinesa com outros, importados e adaptados para a realidade chinesa, assim como outros mais modernos (BROWN, 2018BROWN, Kerry. China’s Dream: The Culture of Chinese Communism and the Secret Sources of Its Power. Cambridge: Polity, 2018.). Passou, então, a promover um discurso patriótico sob o título de “Sonho Chinês” (中国梦, Zhongguo Meng), que definiu como objetivos “[...] a prosperidade do país, o revigoramento da nação e a felicidade do povo” (XI, 2013XI Jinping. “Discurso na 1ª Sessão da 12ª Assembleia Popular Nacional”, in: XI Jinping. A Governança da China I. Rio de Janeiro: Contraponto, pp. 44-51, 2013., p. 45).

Apresentado ainda nos primeiros dias de Xi Jinping no cargo de secretário-geral do PCCh, o “Sonho Chinês” prometia realizar “a grande revitalização da nação” por meio de duas metas que deveriam ser atingidas nos centenários da fundação do PCCh, em 2021, e da RPC, em 2049. Essas metas são, respectivamente, “a construção integral de uma sociedade moderadamente próspera”, a qual tem relação direta com as políticas definidas por lideranças antes de Xi; e “[...] a transformação [da China] em um país moderno socialista próspero, poderoso, democrático, culturalmente avançado e harmonioso” (XI, 2012XI Jinping. “A Grande Revitalização da Nação é o Maior Sonho do Povo Chinês”, in: XI Jinping. A Governança da China I. Rio de Janeiro: Contraponto, pp. 41-43, 2012., pp. 42-43), a qual faz uma referência direta aos “Valores Centrais Socialistas” nacionais.

Ao difundir o “Sonho Chinês”, recorrendo a um discurso nacionalista, Xi se apoia na memória coletiva de um passado glorioso, no qual a China ocupava um papel de centralidade no comércio global, e que foi interrompido a partir da Primeira Guerra do Ópio, culminando no “Século de Humilhação”. A escolha da inauguração do “Sonho Chinês”, em sua visita à exposição “O Caminho para a Revitalização”, em 29 de novembro de 2012 - que explorou esse passado da China e sua superação por meio da liderança do PCCh -, foi providencial para a construção da sua base de sustentação. Xi se ancora nesse sentimento patriótico para construir o primeiro pilar da sua contribuição para o corpo ideológico do partido.

As duas metas centenárias serviram como base para o estabelecimento do embrião da nova base filosófica do governo Xi Jinping, expresso através das “Quatro Disposições Estratégicas Integrais” (四个全面战略布局, sige quanmian zhanlue buju), também referidas como “quatro integrais”, e de um novo objetivo de modernização, expresso no “Plano Integrado de Cinco Esferas” (“五位一体”总体布局, “wuwei yiti” zongti buju), ou “cinco-em-um”. Enquanto as “quatro integrais” incluem a “construção integral de uma sociedade moderadamente próspera, o aprofundamento integral da reforma, a administração integral do país conforme a lei, e a administração integral e rigorosa do Partido” (XI, 2014aXI Jinping. “Promover as “Quatro Disposições Estratégicas Integrais”, in: XI Jinping. A Governança da China II. Rio de Janeiro: Contraponto, pp. 24-31, 2014a., p. 24), o “cinco-em-um” propõe uma combinação entre progresso econômico, político, cultural, social e ecológico. Juntos, eles traduzem a visão do PCCh de Xi para o país, a longo prazo.

O meio ambiente assumiu um papel de destaque durante o período de Xi Jinping, no caminho para a “construção da sociedade moderadamente próspera”. A evolução da ideia de modernização passou de um progresso material, cultural e ético, no período de reforma e abertura de Deng Xiaoping, para uma nova perspectiva “três-em-um”, durante o 13º Comitê Central do PCCh (1987-1992), incluindo progresso econômico, político e cultural; depois, para um sentido “quatro-em-um”, no 16º CNPCCh (2002), com o progresso econômico, político, cultural e social, para, finalmente, assumir a ótica “cinco-em-um”, no 18º CNPCCh (2012), com a inclusão do progresso ecológico, defendendo a promoção de uma “civilização ecológica” e a Iniciativa China Bonita (美丽 中国建设, meili zhongguo jianshe)14 14 A “Iniciativa China Bonita” traça como objetivos de longo prazo a construção da civilização ecológica e a promoção e aperfeiçoamento da capacidade e qualidade do desenvolvimento sustentável. Cf. Zhenbo Wang e Haimeng Liu (2020). (WANG; LIU, 2020WANG, Zhenbo; LIU, Haimeng. “Beautiful China Initiative: Human-nature harmony theory, evaluation index system and application”. Journal od Geographical Sciences, pp. 691-704, 2020.).

Pela perspectiva social, para atingir a meta de “construção da sociedade moderadamente próspera” prometida, a RPC precisava duplicar, até 2020, o PIB e a renda per capita dos habitantes urbanos e rurais, tendo por base o ano de 2010. Isso impunha que fosse necessário atingir uma meta de crescimento econômico anual de 6,5%, e de aumento de 5,8% da renda per capita urbana e rural, entre 2016 e 2020 - uma meta mais baixa do que a experimentada em planos quinquenais anteriores -, em um contexto em que o país passava por um novo normal econômico, e o conceito de desenvolvimento mudara, desde Hu Jintao, de uma interpretação quantitativa para qualitativa.

Entretanto, atingir essas metas seria mais difícil do que o experimentado em planos anteriores, especialmente após a paralização econômica, no primeiro trimestre de 2020, causada pelo início da pandemia do coronavírus (COVID-19), ao final de 2019, ainda que a rápida resposta para o controle da epidemia tenha resultado em um crescimento de 2,3% ao ano - muito superior à média mundial, de -3,5%, do experimentado pelos Estados Unidos, -3,4%, e pela União Europeia, -7,2%. A meta de aumento da renda per capita de forma equilibrada entre cidade e campo também se revelou um desafio, o que foi destacado pelo próprio Xi Jinping, ainda em 2015, especialmente considerando o interior do país, onde a situação econômica era bem diferente da do Leste.

A situação realista é que algumas regiões podem registrar um ritmo elevado, enquanto outras, menor. As regiões do Centro e Oeste, as antigas bases de apoio revolucionárias, as áreas habitadas por minorias étnicas, as áreas fronteiriças e as áreas pobres, em particular, as principais zonas agrícolas e zonas funcionais de ecossistema, devem garantir, como os seus principais objetivos, o fortalecimento de suas funções em relação à segurança estatal alimentar e ecológica, obter progressos notáveis em diversos setores, especialmente elevar obviamente o nível da qualidade de vida da população e dos serviços públicos. (...) A concretização da sociedade moderadamente próspera em todos os aspectos não implica que o PIB per capita e a renda per capita em todas as regiões têm que atingir o nível médio nacional. (XI, 2015bXI Jinping. “Entender a Situação da Fase Decisiva para Alcançar a Primeira Meta Centenária”, in: XI Jinping. A Governança da China II. Rio de Janeiro: Contraponto, pp. 81-84, 2015b., pp. 83-84)

Com o novo normal, o PCCh desvelou um esforço de responder aos desafios que o país passou a enfrentar com o esgotamento do modelo de crescimento extensivo de envergadura e velocidade, focado no aumento quantitativo da capacidade produtiva e confiando no comércio internacional como motor do crescimento econômico. Os novos vetores do desenvolvimento precisavam considerar a nova situação econômica pela qual o país estava passando, na qual o crescimento passava a centrar na qualidade e na eficiência, o que significava para o partido, estar focado na adaptação da capacidade de produção e na otimização do crescimento (XI, 2014bXI Jinping. “O Trabalho Econômico Deve se Adaptar à Nova Normalidade”, in: XI Jinping. A Governança da China II. Rio de Janeiro: Contraponto, pp. 279-287, 2014b.).

É nesse contexto de mudança do padrão de crescimento chinês que a filosofia de desenvolvimento, a partir do 13º Plano Quinquenal de Desenvolvimento Econômico e Social (2016-2020) (RPC, 2016), passou a ser associada a cinco conceitos: inovador; coordenado; verde; aberto; e compartilhado (XI, 2015aXI Jinping. “Orientar o Desenvolvimento com Novos Conceitos”, in: XI Jinping. A Governança da China II. Rio de Janeiro: Contraponto, pp. 239-243, 2015a.). Esses cinco conceitos foram introduzidos originalmente na 5ª Sessão Plenária do 18º Comitê Central do PCCh, em outubro de 2015, aprofundando a interpretação de “desenvolvimento científico”, de Hu Jintao, de um desenvolvimento abrangente, coordenado e sustentável, reforçando o foco na inovação, vista como fundamental para que a RPC supere o que alguns autores chamam de armadilha da renda média15 15 Comumente, o termo “armadilha da renda média” destina-se aos “[...] países que experimentaram crescimento rápido, que os possibilitou alcançar o nível de país de renda média, mas não foram capazes de se equiparar finalmente aos países desenvolvidos e conquistar o nível de renda alta” (GLAWE; WAGNER, 2016, p. 508 - tradução nossa). , e alcance o estágio de país de renda alta.

A prioridade em inovação e em alta tecnologia fica evidente nos esforços recentes de promover a indústria de tecnologia para o processamento de informações, seja hardware, software, redes ou bancos de dados, tanto para o uso do público, quanto para emprego nos setores de segurança e vigilância. É nesse contexto que empresas, como Huawei e ZTE, ascendem a posições de liderança em tecnologia de telecomunicações; em que Tencent e Alibaba passam a figurar entre as dez empresas mais valiosas do mundo, desde 2017; a desenvolvedora ByteDance, da rede social TikTok, alcança a popularidade entre jovens do mundo todo; e que empresas de inteligência artificial e reconhecimento facial, como a Megvii e a SenseTime, se tornaram as empresas de inteligência artificial mais valiosas do mundo.

As perspectivas de desenvolvimento coordenado e verde repetem princípios do “desenvolvimento científico”, destacam-se projetos inaugurados no período Xi Jinping, como o estabelecimento da Zona Econômica do Rio Yangtzé e o desenvolvimento integrado entre as regiões Beijing-Tianjin e Hebei (Jing-Jin-Ji). O desenvolvimento aberto, por sua vez, reafirma a abertura chinesa para o exterior, especialmente por meio dos princípios do benefício mútuo e da cooperação ganha-ganha, da promoção da Iniciativa Cinturão e Rota (ICR), da criação de instituições de financiamento multilaterais, como o Fundo Rota da Seda, o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), do BRICS, e o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (BAII), e, consequentemente, da ampliação da sua participação na governança global.

Já o desenvolvimento compartilhado está relacionado com a justiça social, estabelecendo metas para a redução da pobreza, para a promoção da prosperidade entre a cidade e o campo, assim como da prosperidade regional, para a equalização de serviços básicos, para o investimento em educação, para o pleno emprego, para a seguridade social partilhada por todos os chineses, e para a promoção de um sistema de administração social (HU; TANG; YAN, 2018HU, Angang; TANG Xiao; YAN Yilong. Xi Jinping’s New Development Philosophy. Singapore: Springer, 2018.).

A primeira apresentação ao público, da ICR, ou iniciativa “Um Cinturão, Uma Rota” (一带一路, yidai yilu), aconteceu em 7 de setembro de 2013, quando Xi Jinping, em viagem ao Cazaquistão, apresentou a primeira de suas vertentes, o Cinturão Econômico da Rota da Seda. O projeto, que também inclui a Rota da Seda Marítima do Século XXI, se tornaria a principal empreitada de Xi Jinping nas relações exteriores e, ao mesmo tempo, uma política estratégica para a integração territorial, sob o princípio do desenvolvimento coordenado. Esse papel dual da ICR ficou claro por diversas vezes, não apenas na definição de projetos prioritários de investimento, como também em discursos de Xi Jinping, a exemplo do discurso proferido em 17 de agosto de 2016, no Simpósio sobre a Promoção da ICR:

[...] devemos promover o desenvolvimento coordenado e equilibrado entre os projetos terrestres e marítimos, entre a China e os países estrangeiros e entre o governo e as empresas. […] Ao mesmo tempo, é preciso reforçar a complementaridade entre a iniciativa ‘Cinturão e Rota’ e outras estratégias nacionais como a de desenvolvimento integrado da região Jing-Jin-Ji e a de desenvolvimento do Cinturão Econômico do Rio Yangtzé e combinar ainda a implementação da iniciativa com nossos programas como o desenvolvimento do Oeste, a revitalização do Nordeste, a ascensão do Centro, o desenvolvimento pioneiro do Leste, bem como o desenvolvimento e a abertura nas zonas fronteiriças, de modo a formar uma situação de abertura multidimensional e de desenvolvimento interconectado do Leste, Centro e Oeste do nosso país. (XI, 2016XI Jinping. “A Iniciativa “Cinturão e Rota” Beneficia o Povo”, in: XI Jinping. A Governança da China II. Rio de Janeiro: Contraponto, pp. 618-621, 2016., pp. 620-621)

A ICR assumiu um destaque ainda maior após o acirramento das relações com os Estados Unidos causada por desentendimentos comerciais, no setor tecnológico, e das ameaças de dissociação entre Estados Unidos e China, iniciadas no governo Donald Trump. Logo, o PCCh percebeu a necessidade de acelerar a transição do motor de crescimento da RPC, do mercado externo para o interno, estabelecendo uma nova estratégia de desenvolvimento nos debates do 14º Plano Quinquenal (2021-2025), a “circulação dupla”.

Essa nova estratégia tem como seu primeiro pilar a circulação doméstica, confiante de que o crescimento do consumo, impulsionado pela ascensão de uma nova classe média e o aprimoramento da indústria de alta tecnologia, motivada pelo investimento de 3% do PIB chinês em pesquisa e desenvolvimento (P&D), se traduziriam em um crescimento doméstico autossuficiente. O segundo pilar, a circulação internacional, é o tradicional responsável pelo crescimento do PIB, desde o início da “reforma e abertura”, tendo como foco a atração de investimentos externos e a internacionalização de empresas chinesas (ZHOU; CHENG, 2021). A partir da implementação do modelo de “circulação dupla”, a economia chinesa passaria por um processo de regulagem, em períodos de crise financeira, de modo a evitar que períodos de depressão levassem a uma drástica redução do PIB.

Somadas, as contribuições de Xi Jinping para a ideologia do PCCh deram origem a um novo pensamento com viés extremamente modernizador, nomeado “Socialismo com Características Chinesas para uma Nova Era”, detalhado pelo líder chinês, em seu discurso (XI, 2017XI Jinping. “Secure a Decisive Victory in Building a Moderately Prosperous Society in All Respects and Strive for the Great Success of Socialism with Chinese Characteristics for a New Era”, in: XI Jinping. The Governance of China III. Beijing: Foreign Language Press Co. Ltd, pp. 1-79, 2017.), no dia 18 de outubro de 2017, no 19º CNPCCh, que combina 14 ideias e princípios inspirados pelos pensamentos de todos os líderes so partido até o momento. Entretanto, o “Socialismo com Características Chinesas para uma Nova Era” não fica limitado a esses 14 pontos, sua principal contribuição é uma revisitação do plano de três fases, traçado por Deng Xiaoping, para a construção de uma China socialista moderna.

De acordo com o processo desenhado por Deng, a modernização econômica chinesa seria concluída no período entre 2030 e 2050, quando a RPC alcançaria “o nível de países moderadamente desenvolvidos” (DENG, 1988a). A partir do 19º CNPCCh, a última etapa da modernização econômica passou a ser dividida em dois novos estágios até a segunda meta centenária. O primeiro estágio, de 2020 a 2035, pretende aprofundar a sociedade moderadamente próspera, construída no decorrer da primeira meta centenária (que teve como prazo 2021), enquanto o segundo estágio parte do ano 2035 e promete tornar a China um “[...] grande país socialista moderno que seja próspero, forte, democrático, culturalmente avançado, harmonioso e bonito” (XI, 2017XI Jinping. “Secure a Decisive Victory in Building a Moderately Prosperous Society in All Respects and Strive for the Great Success of Socialism with Chinese Characteristics for a New Era”, in: XI Jinping. The Governance of China III. Beijing: Foreign Language Press Co. Ltd, pp. 1-79, 2017., p. 30 - tradução nossa) até 2050.

Para esse último estágio de modernização, com alvo para 2050, são definidos cinco objetivos a serem alcançados: aperfeiçoar as dimensões de avanço material, político, cultural e ético, social e ecológico; modernizar o sistema e a capacidade de governança, a liderança global em força nacional e influência internacional; alcançar a prosperidade coletiva para todos os chineses; e que o povo tenha vida mais feliz, mais segura e mais saudável (XI, 2017XI Jinping. “Secure a Decisive Victory in Building a Moderately Prosperous Society in All Respects and Strive for the Great Success of Socialism with Chinese Characteristics for a New Era”, in: XI Jinping. The Governance of China III. Beijing: Foreign Language Press Co. Ltd, pp. 1-79, 2017.). Dessa forma, todo o projeto de desenvolvimento trilhado pelo “Socialismo com Características Chinesas para uma Nova Era” culmina em um projeto de nação que promete ascender a RPC a um novo patamar, que supere todo o passado de humilhação e consolide o “Sonho Chinês”, o de uma China superpotência.

Se, ao início de seu mandato, o desafio de Xi Jinping parecia ser o de conciliar perspectivas de desenvolvimento que pareciam contrastantes, a estratégia de desenvolvimento de “circulação dupla” e a filosofia de desenvolvimento inovador, coordenado, verde, aberto e compartilhado condensam aspectos, tanto de abertura econômica quanto de compromisso social. Entretanto, quando considerado todo o corpo ideológico introduzido por Xi Jinping, este se revela extremamente abrangente, falha que rendeu críticas a Hu Jintao no passado.

Sob o comando de Xi Jinping, a RPC alcançou um novo patamar nas relações internacionais, seja pela pompa de seus projetos para além da fronteira, como a ICR, o BAII e o NDB, seja pelas disputas comerciais com os Estados Unidos; parece inquestionável o seu caminho à condição de superpotência. Por outro lado, o temor com a instabilidade serviu de combustível para o aumento da repressão e vigilância, assim como para o reforço do discurso nacionalista com ênfase ética e moral, evidenciado no “Sonho Chinês” e na reivindicação dos “Valores Centrais Socialistas” introduzidos por Hu.

Considerações Finais

A construção da narrativa ideológica ocupa um papel central nos esforços do PCCh para manutenção do regime. Gravados na Constituição, os pensamentos dos antigos líderes do partido formam um corpo ideológico contínuo que deve ser louvado por representantes políticos em qualquer Plenária ou Congresso do Partido. Essa ideologia, inspirada no marxismo-leninismo, e aperfeiçoada ao longo do tempo pelos líderes chineses, promete guiar a nação a um futuro desenvolvido que contrasta com aquele da China humilhada pelas potências estrangeiras.

Com Mao Zedong como principal líder na formulação da ideologia do partido, seu pensamento foi a principal referência para a elaboração de políticas até 1976. Após a Revolução Cultural e o início do processo de “reforma e abertura”, de 1978, Deng Xiaoping introduziu inovações na política econômica nacional, que passou por uma abertura gradual. O pensamento de Mao, antes tratado como supremo, passou por uma revisão com a “Resolução sobre Certas Questões na História do Nosso Partido desde a Fundação da República Popular da China”, de 1981, de modo a evitar uma colisão direta com as inovações introduzidas pela “economia de mercado socialista” de Deng. Deng também apresentou a ideia de que a China deveria passar por processo de modernização econômica composta de três fases, tendo como alvo de cada uma os anos de 1990, 2000 e o período de 2030 a 2050, quando atingiria o “o nível de países moderadamente desenvolvidos” (DENG, 1988a).

Após as manifestações de 1989 e a queda do regime soviético, o foco do PCCh passou a ser na reforma econômica e em trazer para dentro do partido aqueles que eram vistos como os principais representantes do novo momento econômico do país, aqueles que poderiam ser as principais forças capazes de desestabilizar o regime, os empresários. Foi com esse intuito que Jiang Zemin elaborou as “Três representações”. Por outro lado, a ideologia passou a observar um retorno de termos de exaltação nacional e de valores morais com raiz filosófica no Confucionismo, como foram os casos da “Sociedade Harmônica”, das “Oito Honras e Desgraças” e dos “Valores Centrais Socialistas”, introduzidos por Hu Jintao, e do “Sonho Chinês” de Xi Jinping.

A economia também foi alvo de mudanças. Orientado pelo “Anti-Dühring” de Engels que responsabiliza as insatisfações econômicas por instabilidades sociais e políticas, e por uma orientação econômica mais heterogênea, o PCCh experimentou uma alteração na sua própria conceituação do que seria progresso. Foi nesse contexto que a China passou de uma perspectiva “três-em-um”, que incluía progresso econômico, político e cultural, para “quatro-em-um” na década de 2000, com a inclusão do progresso social, e para “cinco-em-um” incluindo o progresso ecológico, a partir de 2012.

O conceito de desenvolvimento também passou por reformulações, o qual a partir dos anos 2000, adquiriu o título de “desenvolvimento científico” e que deveria estar “voltado para as pessoas”. Já com Xi Jinping, passou-se a observar a defesa de um desenvolvimento inovador, coordenado, verde, aberto e compartilhado, e com uma estratégia de desenvolvimento de “circulação dupla”, que envolva não apenas o comércio exterior, mas também o mercado interno chinês.

Em 2021, o PCCh completou cem anos desde sua fundação, a RPC se transformou de um país pobre e agrário para a maior economia em paridade do poder de compra do mundo, muitos líderes passaram pela burocracia do Estado e imprimiram nela seus ideais, mas uma coisa se mantém estável. A ideologia continua desempenhando um papel fundamental do discurso político, e o desenvolvimento está diretamente no centro dele como elemento que mantém a estabilidade política e a coesão social.

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  • 2
    A obra On Contradictions (MAO, 1937) é um exemplo dessa associação entre o pensamento marxista-leninista e a filosofia oriental, quando o materialismo dialético se encontra com a ideia de unidade de opostos (Yin e Yang) para dar origem a lei da contradição (BROWN, 2018).
  • 3
    Sobre como a experiência do “Século de Humilhação” fundou as bases da identidade nacional chinesa ver Vieira (2018).
  • 4
    Sobre a Teoria do Terceiro Mundo de Mao Zedong ver Vieira (2019).
  • 5
    Sobre os debates acerca da hierarquia entre teoria (lilun), pensamento (sixiang), espírito (jingsheng) e linha (luxian), na ideologia chinesa e a ascensão das ideias de Deng ao patamar de teoria, estando acima do pensamento de Mao, e no mesmo patamar do marxismo-leninismo. Cf. Maria H. Chang (1996).
  • 6
    A definição de um período de 100 anos, segundo o qual a RPC estaria em um estágio primário do socialismo, fruto de debates ao longo do 13º e 14º Congressos Nacionais, quando, na tentativa de silenciar questionamentos sobre a natureza socialista ou capitalista das técnicas adotadas a partir da “reforma e abertura”, Deng definiu que o partido precisava ser o protagonista do processo de reforma, para que não tivesse sua legitimidade questionada, tornando-se irrelevante ao ponto de poder ser deposto (SAICH, 1992).
  • 7
    Para um estudo aprofundado sobre a política econômica e seus impactos sociais na cidade e no campo, ver Morais (2011).
  • 8
    O cálculo econômico por PNB é uma prática comum para países que possuem uma parcela considerável da população vivendo no exterior, e remetendo parte da sua renda de volta para o país de origem. Enquanto o Produto Interno Bruto (PIB) é composto por consumo das famílias (C), investimento empresarial (I), gastos públicos (G), e exportação - importação (X), por meio da fórmula PIB = C + I + G + X, o PNB inclui a essa conta dois outros tipos de renda: a renda obtida em todos os ativos estrangeiros (A) e a renda obtida por estrangeiros no país (B), chegando a fórmula PNB = PIB + [A - B].
  • 9
    Existe um longo debate entre economistas sobre o modelo econômico adotado na China, o qual não será objeto de análise neste artigo. Entre os autores que consideram a China um modelo de capitalismo de Estado estão Barry Naughton e Kellee S. Tsai (2015), já para uma análise do modelo chinês como socialismo de mercado ver Elias Jabbour e Alberto Gabriele (2021).
  • 10
    Sobre como o investimento estrangeiro recebido ajudou a moldar a forma como a própria China desempenha a sua cooperação internacional em um modelo de “quaternidade” (Cf. VIEIRA, 2019).
  • 11
    Essa foi uma ideia profundamente difundida na “Revolução Cultural”, quando o partido definiu que haveria “Cinco Categorias Vermelhas” (红五类, hong wulei) - camponeses pobres e de baixa renda (贫下中农, pinxia zhongnong), trabalhadores (工人, gongren), soldados revolucionários (革命军人, geming junren), quadros revolucionários (革命干部, geming ganbu) do PCCh (especialmente que tenham ingressado no partido antes de 1949), e mártires revolucionários (革命烈士, geming lieshi) -, prezadas pelo PCCh e “Cinco Categorias Pretas” (黑五类, hei wulei) - donos de terra (地主, dizhu), camponeses ricos (富农, funong), contrarrevolucionários (反革命, fangeming), maus elementos (坏分子, huai fenzi), e direitistas (右派, youpai) -, consideradas inimigas da revolução (PEPPER, 2008).
  • 12
    Normalmente traduzido para o inglês como “comprehensive planning”.
  • 13
    Os “Oito Imortais”, uma referência a figuras míticas que descobrem o segredo para a imortalidade, é composto por membros do PCCh, de longa data, que lutaram na guerra civil, na guerra contra o Japão e ajudaram a consolidar o regime pós-1949. O grupo ascendeu no partido após a “Revolução Cultural”, em apoio às políticas de “reforma e abertura” e manteve-se em altos cargos do Comitê Permanente do Politiburo até 1987. Foi composto, originalmente, por Deng Xiaoping, Chen Yun, Yang Sjangkun, Bo Yibo, Whang Zhen, Peng Zhen, Li Xiannian e Song Renqiong, e incluíram, posteriormente, Deng Yingchao, Xi Zhongxun e Wan Li, após a morte de alguns de seus membros (WU, 2008).
  • 14
    A “Iniciativa China Bonita” traça como objetivos de longo prazo a construção da civilização ecológica e a promoção e aperfeiçoamento da capacidade e qualidade do desenvolvimento sustentável. Cf. Zhenbo Wang e Haimeng Liu (2020).
  • 15
    Comumente, o termo “armadilha da renda média” destina-se aos “[...] países que experimentaram crescimento rápido, que os possibilitou alcançar o nível de país de renda média, mas não foram capazes de se equiparar finalmente aos países desenvolvidos e conquistar o nível de renda alta” (GLAWE; WAGNER, 2016, p. 508 - tradução nossa).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2024

Histórico

  • Recebido
    21 Mar 2023
  • Aceito
    11 Out 2023
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