Resumo
A América Latina concentra elevadas taxas de homicídio, o que coloca uma série de adversidades para as democracias em consolidação e pode fomentar retrocessos na legitimidade democrática. Neste sentido, o artigo dedica-se a aprofundar, na literatura internacional, os temas vitimização, medo do crime e legitimidade democrática na América Latina. Deste modo, o artigo está organizado em quatro seções: primeiramente, são destacadas as características gerais da literatura sobre medo do crime e a relação com a democracia. Na sequência, são abordados os estudos que conectam diretamente a vitimização e o medo do crime com aspectos políticos e, de modo específico, com a legitimidade democrática. A terceira seção aborda os mecanismos causais que podem favorecer os efeitos da violência na legitimidade democrática. Por fim, são apresentadas considerações gerais sobre a literatura pesquisada, bem como são levantadas questões para a agenda de pesquisa no contexto latino-americano.
Palavras-chave: Vitimização; Medo do crime; Legitimidade democrática; América Latina
Abstract
Latin America concentrates high homicide rates, which poses a series of adversities for consolidating democracies and can foster setbacks in democratic legitimacy. In this sense, the article is dedicated to deepening, in the international literature, the themes of victimization, fear of crime and democratic legitimacy in Latin America. The article is organized into four sections: initially, we point out general characteristics of fear of crime literature and the relationship with democracy. In the aftermath, we emphasize studies that directly connect victimization and fear of crime with politics aspects, and, more specifically with democratic legitimacy. Third section addresses causal mechanisms that favor violence effects in democracy. Finally, we present general considerations about literature as well as questions for future research in the Latin American context.
Keywords: Victimization; Fear of crime; Democratic legitimacy; Latin America
Introdução
A América Latina concentra as taxas mais elevadas de homicídios do mundo1, o que coloca uma série de adversidades para as democracias em consolidação e pode fomentar retrocessos na legitimidade democrática. Os desafios impostos pela experiência concreta da violência e, especialmente, pelo medo do crime constituem um terreno fértil para o populismo penal e os discursos autoritários. A violência pode ainda exercer um impacto nas atitudes políticas e no comportamento eleitoral que são essenciais à democracia (Malone, 2012). Neste sentido, o artigo dedica-se à investigação da literatura internacional sobre vitimização, medo do crime e legitimidade democrática na América Latina.
O texto está organizado em quatro seções: primeiramente, são destacadas as características gerais da literatura sobre o medo do crime e a relação com a democracia. Na sequência, são abordados os estudos que conectam diretamente a vitimização e o medo do crime com aspectos políticos e, de modo específico, com a legitimidade democrática. A terceira seção aborda os mecanismos causais que podem favorecer os efeitos da violência na legitimidade democrática, tais como: percepção sobre o papel do Estado; impunidade, ineficiência da polícia e do sistema de justiça criminal; dinâmica da participação política e populismo penal. Por fim, são apresentadas considerações gerais sobre a literatura pesquisada, bem como são levantadas questões para a agenda de pesquisa no contexto latino-americano.
Medo do crime, democracia e o caso latino-americano
No contexto latino-americano, a vitimização adquire grande centralidade nas análises desenvolvidas pelos(as) pesquisadores(as) que têm se dedicado à violência e ao comportamento político. Vale mencionar que se trata de uma dimensão impulsionada pela experiência concreta da violência e que também está em conexão com a magnitude das próprias taxas de homicídios na região e os reflexos das violências presentes no cotidiano, como no caso brasileiro. Pesquisas desenvolvidas em outros contextos, como em países europeus, enfatizam o medo do crime e o vínculo com a insegurança social com maior destaque (Farrall, Jackson & Gray, 2009; Valente & Valera Pertegas, 2018).
Desde a década de 1960, o medo do crime tem sido uma área de destaque tanto para as pesquisas acadêmicas como para as iniciativas de políticas, assim, o crescimento do uso de surveys de vitimização2 com cobertura nacional, primeiramente nos Estados Unidos e depois no contexto europeu, contribuiu para o interesse na temática (Hale, 1996). Os esforços iniciais para a análise do fenômeno concentraram-se na descrição dos sujeitos que se sentiam inseguros, relacionando com as características individuais (como gênero, idade) e coletivas, bem como os efeitos da própria experiência de ser vítima de um crime (Dammert, 2012; Zhao, Lawton & Longmire, 2015).
As constatações de que o medo do crime não estava diretamente relacionado às experiências diretas de crime contribuíram para que os pesquisadores explorassem mais sobre o local em que os indivíduos vivem, juntamente com o contexto social no qual se encontram (Hale, 1996). Deste modo, a relação entre medo do crime e crime expandiu o escopo de investigação e os analistas dedicaram-se ao estudo por meio de diferentes abordagens teóricas. Estudos ecológicos têm enfatizado a importância das características das vizinhanças nas quais as pessoas vivem, assim como os efeitos da integração social para explicar variações na percepção de insegurança (Valente & Valera Pertegas, 2018; Zhao, Lawton & Longmire, 2015).
Stephen Farral, Jonathan Jackson e Emily Gray (2009) ressaltam que o medo do crime pode ser compreendido tanto como ansiedade difusa quanto como preocupação tangível sobre a vitimização. Para aqueles que vivem em áreas com alta criminalidade e, portanto, vivenciam a vitimização de modo direto e/ou indireto, o medo apresenta-se em episódios concretos de preocupação. Já para aqueles que experienciam menos o crime e vivem em áreas mais protegidas, o medo aparece como ansiedade difusa conectada às inseguranças sociais. Nessa perspectiva, as raízes do medo do crime podem ser um mal-estar sobre a ordem local da vizinhança, bem como ansiedades mais amplas sobre a mudança social3 exemplificada em preocupações sobre a fragmentação comunitária e a autoridade moral.
Em síntese, vale observar que as análises sobre medo do crime - embora em sua origem estejam conectadas com as pesquisas de vitimização e a preocupação com elaboração de políticas públicas - enfatizaram com maior saliência a questão da vulnerabilidade social, do contexto social dos indivíduos, as características das vizinhanças e a integração social. Ou seja, o debate sobre o medo do crime guarda uma articulação mais profunda com aspectos societais, com grandes contribuições da sociologia e da criminologia. Por sua vez, a relação do medo do crime com fenômenos políticos desenvolveu-se posteriormente e trata-se de uma literatura em consolidação.
Parte da explicação da articulação mais tardia com os fenômenos políticos pode estar vinculada ao próprio processo democratização em países em desenvolvimento, como na América Latina, nos quais altas taxas de violência desafiam a legitimidade das democracias menos consolidadas. A pesquisa sobre democratização e legitimidade democrática destacou predominantemente o impacto das condições econômicas e da percepção da economia no apoio à democracia4, deixando em segundo plano a questão da violência (Carreras, 2013; Fernandez & Kuenzi, 2010; Malone, 2012).
Embora os estudos específicos sobre legitimidade democrática não enfoquem diretamente a influência da violência na democracia, alguns trabalhos analisaram o papel da democratização na dinâmica das taxas de homicídios. Ao contrariar o argumento da perspectiva da civilização5, ou seja, de que os homicídios declinariam na medida em que a democracia fosse difundida, Gary LaFree e Andromachi Tseloni (2006) identificaram que as taxas de homicídios nos países em transição democrática são significativamente mais elevadas, pois uma mudança de autocracia para regime democrático produziria um aumento nesta taxa. Por conseguinte, mudanças na estrutura social e política contribuiriam para a instabilidade nos mecanismos de apoio tradicional, ambiguidade nas normas sociais e crescimento da desorganização social.
Trata-se de uma reflexão importante para os países latino-americanos, especialmente pelo fato de que a maioria dos países conseguiu abandonar, desde o final da década de 1970, os regimes não democráticos que predominavam na região (Freidenberg & Herrera, 2020). Já na década de 1990, aumentou a preocupação pública e política com a insegurança e o crime na América Latina, sendo que o fim da guerra civil na América Central, o retorno à democracia com o reaparecimento do crime, proporcionou como resposta um conjunto de políticas de endurecimento penal (Dammert, 2012).
No contexto brasileiro, vários(as) pesquisadores(as) (Adorno, 2008; Cardia, Adorno & Poleto, 2003; Pinheiro, 2000; Soares, 2007) apontaram para a existência de um possível paradoxo entre o processo de democratização e a área da segurança pública. Nesta perspectiva, Sérgio Adorno (2008) destacou que, embora a Constituição de 1988 tenha consagrado a existência de liberdades civis e ampliado os direitos sociais, a desigualdade no acesso à Justiça foi agravada. Nancy Cardia, Sérgio Adorno e Frederico Poleto (2003) associaram a presença das violações dos direitos humanos e da criminalidade violenta com um legado do período autoritário6. Convém observar que embora esta literatura tenha ressaltado aspectos essenciais da persistência das dinâmicas autoritárias e violentas para a consolidação democrática, menor atenção foi atribuída para os efeitos da democratização do ponto de vista da instabilidade política e social7.
Convém salientar que a revisão da literatura contribuiu para a percepção sobre a centralidade necessária da vitimização em diferentes aspectos políticos. Mais do que isto, a literatura tem apontado para a compreensão do medo do crime e da vitimização como fenômenos distintos, os quais também podem operar por mecanismos causais diferentes (Altamirano, Berens & Ley, 2020; Malone, 2012). Na próxima seção é explorada a articulação entre a vitimização e o medo do crime com o debate sobre legitimidade democrática na América Latina.
Legitimidade democrática, vitimização e medo do crime: articulando os conceitos
Principalmente a partir de 2010, emergiram estudos que passaram a analisar os efeitos da vitimização, do medo do crime no comportamento eleitoral (Ley, 2018; Malone, 2012; Perez, 2015; Ventura, 2021), na participação política (Bateson, 2012; Booth & Seligson, 2009; Brooks, 2014; Hernández, 2019; Malone, 2012; Valente et al., 2020); nas atitudes políticas em relação ao Estado (Altamirano, Berens & Ley, 2020; Visconti, 2019), na satisfação com a democracia (Gomes & Aquino, 2018) e na própria legitimidade democrática (Booth & Seligson, 2009; Cardoso, 2021; Carreras, 2013; Dammert, 2012; Fernandez & Kuenzi, 2010; Hernández, 2019; Mendes, 2021; Pérez, 2003; Silva & Ribeiro, 2016).
Apesar do incremento nos estudos que tratam dos efeitos atitudinais da vitimização nos eleitores, há poucos trabalhos que abordam o modo como a violência molda a arena eleitoral, os comportamentos dos eleitores e as estratégias dos partidos (Ventura, 2021). No caso do comportamento eleitoral, o crime pode interferir nos resultados das eleições de distintos modos:
-
i. a influência na decisão do comparecimento versus abstenção;
-
ii. os elevados níveis das taxas de crime, vitimização e insegurança, que podem ser combustível para o apoio a plataformas de direita que defendem políticas de linha dura (populismo penal);
-
iii. a vitimização e a insegurança podem afetar o apoio ao incumbente (Perez, 2015).
Nas análises sobre violência e comportamento eleitoral aparece em destaque, inicialmente, o caso mexicano. Na metade dos anos 2000, a insegurança pública começou a tornar-se uma questão saliente no país e os políticos começaram a invocar a garantia do combate ao crime em suas campanhas (Malone, 2012). A eleição de Felipe Calderón, em 2006, priorizou o combate ao comércio de drogas e aos cartéis (Malone, 2012; Perez, 2015). No caso mexicano8, as vítimas de crime desejavam participar menos das formas convencionais de participação política, como o voto, e preferiam se engajar no protesto político (Malone, 2012).
Em uma abordagem que apura os achados de Malone (2012) sobre comportamento eleitoral no México, Sandra Ley (2018) ressalta que apesar de a vitimização ser um indicador importante do contato pessoal com a violência, não captura a experiência de viver em um contexto violento em sua totalidade9, pois o contexto pode moldar as decisões e ações das não vítimas. Desse modo, a autora evidencia o papel da violência oriunda do crime organizado na participação eleitoral e argumenta que o uso da violência contra partidos políticos, candidatos, contribui para que o processo eleitoral seja transformado e a participação modificada, resultando no declínio do comparecimento eleitoral10. Ataques violentos durante as eleições geram ansiedade entre os eleitores e aumentam os custos e riscos associados ao voto.
Na América Central, vários candidatos de direita usaram a retórica de combate ao crime e o apoio às medidas duras para ganhar as eleições presidenciais, como é o caso de Honduras em 2013, Guatemala em 2011 e Panamá (Perez, 2015)11. Assim, Orlando Pérez (2015) identifica que a percepção de insegurança está negativamente relacionada com o voto ao incumbente na América Latina, mesmo quando variáveis de performance econômicas são incluídas, sendo os efeitos dos elevados níveis de insegurança maiores no México, Equador, Honduras e Uruguai.
No entanto, a vitimização por crime não afetou o apoio ao presidente incumbente ou ao partido em nenhum dos 18 países analisados em 2012. Assim, Perez (2015) considera possível que o efeito da vitimização no apoio ao incumbente seja indireto e ocorra por meio da influência no comparecimento12. Vale observar que, nesta análise, o autor não identificou o efeito da insegurança na escolha presidencial para o contexto brasileiro, o que passou a adquirir maior centralidade com a eleição de Bolsonaro.
Em 2019, houve eleições presidenciais no Uruguai e a temática da segurança pública adquiriu centralidade no debate13. Lacalle Pou, membro do Partido Nacional (também conhecido como Partido Blanco), de centro-direita, foi eleito presidente em segundo turno, o que marcou o fim de 15 anos de governos de coalizão de esquerda “Frente Amplio”14. Além de votarem para presidente, os uruguaios votaram em um plebiscito no qual decidiram sobre o projeto de reforma constitucional na segurança denominado “Vivir sin miedo” que tratava de medidas de endurecimento penal15. Vale mencionar que no país ocorreu um aumento da taxa de homicídios que passou de 8,26, em 2017, para 12,06, em 2018, o que significou o maior número alcançado pelo país na série histórica entre 2001 e 2018.
O projeto de reforma, impulsionado pelo senador do Partido Nacional Jorge Larrañaga, não foi aprovado, mas obteve votação expressiva em várias regiões do país16. O plebiscito mobilizou a organização da “Articulación Nacional no a la Reforma” em campanha intitulada “No à la reforma: el miedo no es la forma”17 com críticas à militarização da segurança e ao papel do Exército, à redução de direitos e garantias individuais, e às medidas de endurecimento penal que, segundo lideranças no movimento, já se mostraram ineficazes em outros contextos. Cabe ainda salientar que em vídeo18 realizado por articulação contrária à reforma, o caso brasileiro19 constantemente era evocado como exemplo das iniciativas ineficazes na área da segurança.
Ao analisar o caso brasileiro, Tiago Ventura (2021) ressalta que, quando a violência se torna uma questão mais saliente, candidatos com experiência em agências de lei e ordem podem receber mais apoio eleitoral. Assim, integrantes do exército, militares, policiais podem utilizar a trajetória profissional para convencer os eleitores de sua capacidade e vontade de priorizar a segurança ao assumirem o mandato. O autor propõe que os apelos à segurança entram na arena eleitoral como um wedge issue, ou seja, como tema de natureza controversa que divide os eleitores. Mais do que ter um efeito generalizado, a segurança serve como tema divisor que é contingente às clivagens políticas e posições socioeconômicas dos indivíduos.
Trata-se de um trabalho precursor sobre a influência dos contextos violentos no comportamento eleitoral brasileiro e que utiliza também de dados eleitorais20, a exemplo da abordagem desenvolvida por Ley (2018). Ao mesmo tempo em que fornece elementos para compreender a ascensão de Bolsonaro, Ventura (2021) desenvolve uma análise detalhada que também identifica o quanto a questão da segurança tem sido relevante para a eleição de deputados oriundos de trajetórias profissionais na área da segurança. Nos últimos três ciclos eleitorais (de 2010 a 2018) para a Câmara dos Deputados, ser trabalhador da segurança pública estava entre as três ocupações mais reportadas entre os candidatos.
Ventura (2021) considera a questão da segurança um tema divisor que distingue os eleitores de acordo com a posição socioeconômica. Na medida em que o risco de ser vítima de um crime aumenta, os eleitores tomariam a decisão de investir mais em proteção e em políticas mais punitivistas. Contudo, os custos das políticas punitivistas não estariam igualmente distribuídos na sociedade brasileira, pois as ações arbitrárias das polícias afetariam mais determinados grupos sociais, como os pobres e negros.
Outros estudos têm apontado a influência da violência na participação política, entretanto, tal relação apresenta ambiguidades, as quais podem depender da dimensão da participação (eleições, protesto político, engajamento político e associativismo), da posição socioeconômica (renda, escolaridade) dos indivíduos, do próprio contexto de análise e dos mecanismos causais que operam na vitimização e no medo do crime. As pesquisas têm apontado, em geral, para a ausência de influência ou uma relação indireta entre medo do crime e participação política, o que ainda necessita ser mais bem explorado.
Nessa perspectiva, destaca-se o trabalho de Regina Bateson (2012), o qual apresenta análise comparativa mais extensa ao considerar diversos países, identificando a vitimização como preditor importante para o aumento da participação política e do engajamento comunitário. Assim, os fatores emocionais e expressivos podem contribuir para a compreensão do aumento nos níveis de participação: “crime victims may turn to politics because political participation mitigates the emotional consequences of victimization” (Bateson, 2012, p. 571). A organização política pode ser uma fonte de apoio social para as vítimas, possibilitando a constituição de laços de solidariedade e compartilhamento de narrativas sobre o fato de terem sido vítimas.
No entanto, Bateson (2012) ressalta que a relação entre a vitimização e as atitudes políticas varia de modo substantivo pelo mundo21, sendo que na América Latina há uma forte evidência de que vítimas de crime não valorizem a democracia e apoiem o autoritarismo, bem como táticas duras de policiamento. Desse modo, as vítimas de crime podem desenvolver simpatias autoritárias ao mesmo tempo em que se tornam politicamente mais ativas.
Mais especificamente sobre o contexto brasileiro, Riccardo Valente e equipe (2020) apontam que, apesar de a vitimização e percepção de insegurança não terem um efeito direto sobre o autoritarismo, há uma relação indireta entre vitimização e posturas autoritárias, o que é mediado pela percepção de insegurança, desconfiança das instituições e desapego à democracia22.
Mary Fran Malone (2013) destaca que, no contexto mexicano, as vítimas de crime desejavam menos participar das formas convencionais de participação política, como o voto, e preferiam se engajar no protesto político. Em contrapartida, a percepção de insegurança não está relacionada com o voto ou o protesto, sendo importante para as atitudes políticas, pois diminui o apoio à democracia. Para o Brasil, Valente et al. (2020) argumentam que, apesar de a vitimização não ter um efeito significativo na intenção das pessoas votarem nas eleições, ela está associada a uma participação mais assídua nas reuniões de partidos, nos movimentos políticos e nos protestos políticos.
Por sua vez, Sarah Brooks (2014) analisa o caso brasileiro e destaca que não são os mais pobres que estão marginalizados da política democrática, pois ocorreria uma relação em U entre renda e engajamento político, sendo a classe média menos ativa na vizinhança e em organizações comunitárias. Logo, a reestruturação do Estado de bem-estar social apresenta efeitos mais fortes nos setores médios que dependem mais da segurança social promovida pelo Estado do que entre os mais ricos. As análises destacam que participam mais ativamente da vida política os indivíduos que se sentem mais seguros.
Nesse sentido, Wilson Hernandez (2019) salienta que o efeito da vitimização sobre a participação em organizações gera consequências distintas, a depender do nível socioeconômico dos indivíduos. Por conseguinte, a população mais pobre está mais exposta ao risco, a vitimização e ao mesmo tempo conta com menos recursos monetários, o que a impulsionaria a buscar proteção nas relações comunitárias. Já os mais ricos exibem menor identidade coletiva e reforçariam sua capacidade de recursos econômicos como forma de proteção.
Em relação às atitudes políticas sobre o papel do Estado, Giancarlo Visconti (2019) destaca que a vitimização altera as preferências por políticas ao modificar os valores democráticos dos indivíduos, tornando-os mais dispostos a apoiar estratégias que promovam a erosão dos direitos básicos. Logo, o crescimento do crime pode aumentar as chances dos partidos associados às medidas duras de redução da criminalidade, como os partidos de direita ou populistas, pois as políticas que enfatizam sanções punitivas tendem a estar associadas com conservadores23.
Melina Altamirano, Sarah Berens e Sandra Ley (2020) argumentam que indivíduos diretamente afetados pelo crime podem ser motivados a demandar intervenção do governo, bem como a provisão de políticas públicas para lidarem com os múltiplos custos do crime. No contexto latino-americano, a vitimização contribuiria para o aumento do apoio às políticas sociais, em contrapartida, a percepção de insegurança reduziria a demanda da provisão de welfare público24, pois indivíduos inseguros mais frequentemente se voltam aos meios privados de proteção. As percepções de insegurança podem assim aumentar a eleição de candidatos conservadores25 e produzir uma redução de gastos nos programas de welfare já limitados.
No debate sobre legitimidade democrática, vitimização e medo do crime, o trabalho de Pérez (2003) é pioneiro e dedicou-se a analisar dois países da América Central: El Salvador e Guatemala. O autor apontou para uma distinção importante entre aqueles que vivenciaram o crime diretamente e os que manifestam medo de se tornarem vítimas, sendo as vítimas de crime mais dispostas a apoiarem medidas de autoritarismo, como golpes militares, em decorrência da criminalidade. Já as pessoas com maior medo do crime, estariam mais dispostas a apoiarem medidas duras que rejeitem elementos democráticos26. Por fim, Pérez (2003) aponta o dilema das democracia frágeis: como lutar contra o crime vigorosamente e preservar direitos políticos e civis que são essenciais aos governos democráticos?
Em análise mais ampla, Fernandez e Kuenzi (2010) identificaram que as percepções sobre o crime e a insegurança influenciam as atitudes em relação à democracia na América Latina, sendo os indivíduos mais seguros, mais satisfeitos com a democracia enquanto forma de governo. No entanto, neste estudo, as vítimas de crime na América Latina não expressavam menor apoio à democracia. Vale ressaltar que a percepção de segurança teria ainda um maior impacto no apoio à democracia do que as percepções da economia nacional27.
Ao retomar a conceitualização desenvolvida por David Easton sobre apoio político, Miguel Carreras (2013) enfoca, em suas análises, o apoio difuso para tratar da legitimidade democrática. Convém mencionar ainda que esta compreensão se vincula também ao conceito multidimensional de legitimidade desenvolvido por Pippa Norris (2011), bem como por John Booth e Mitchell Seligson (2009). Deste modo, Carreras (2013) identifica que a violência - a considerar tanto a vitimização como a percepção de insegurança -, afeta negativamente o apoio político, o que infligiria uma séria ameaça para a qualidade da democracia na América Latina28.
Ademais, a percepção de insegurança e a vitimização operam um impacto no apoio às instituições políticas que é comparável ao tamanho de outras variáveis privilegiadas pela literatura do comportamento político, como confiança interpessoal, percepção de corrupção e avaliação da economia (Carreras, 2013). O estudo destaca ainda que o impacto negativo do crime no apoio político não é um fenômeno específico dos países com taxas elevadas de homicídios, principalmente situados na América Central (como Guatemala, El Salvador, Honduras e Colômbia, na época do estudo).
Assim, Carreras (2013) utilizou o modelo hierárquico29 para estimar o impacto da violência criminal no apoio ao sistema político, controlando com o argumento da modernização. Assim sendo, o nível de desenvolvimento socioeconômico, mensurado pelas variáveis IDH e PIB per capita, aumenta a confiança nas instituições políticas na América Latina, juntamente com o nível de democracia (Polity IV)30 e a efetividade do governo.
Na América Latina, os estudos apontam que a vitimização e o medo do crime afetam a confiança nas instituições políticas de um modo estendido, ou seja, há o declínio na confiança das instituições democráticas juntamente com um efeito mais pronunciado naquelas mais diretamente associadas à administração da criminalidade, como a polícia e o sistema de justiça criminal (Dammert, 2012; Hernández, 2019; Silva & Ribeiro, 2016). A falta de confiança na polícia e no sistema de justiça não estaria relacionada apenas com a ausência de efetividade, mas também com a percepção de arbitrariedade e seletividade no modo como essas instituições atuam (Dammert, 2012)31.
Ao tratar do efeito da violência na legitimidade democrática, Gabriela Ribeiro Cardoso (2021) identificou que ser vítima de um crime e sentir-se inseguro(a) reduzem tanto a confiança nas instituições como o apoio difuso, sendo este efeito um pouco mais pronunciado na segunda circunstância. Vale ressaltar que especialmente a vitimização apresenta um impacto no apoio difuso semelhante a outras variáveis pesquisadas na literatura sobre comportamento político, como confiança interpessoal e avaliação da economia (na dimensão egotrópica), o que reforça os achados de Carreras (2013). Em geral, as análises da tese confirmam os efeitos negativos da vitimização e do medo do crime na legitimidade democrática na América Latina. A próxima seção aborda os mecanismos causais que podem favorecer os efeitos da violência na legitimidade democrática.
Mecanismos causais
Quais são os mecanismos causais que favorecem os efeitos da violência na legitimidade democrática? Como já mencionado anteriormente, a vitimização e o medo do crime podem interferir na dinâmica política, no entanto, esta relação não ocorre necessariamente pelos mesmos mecanismos. A partir da revisão da literatura, destacamos quatro modos de atuação:
-
i. percepção e papel do Estado;
-
ii. ineficiência da polícia e do sistema de justiça criminal;
-
iii. dinâmica da participação política;
-
iv. populismo penal.
Percepção e papel do Estado
O aumento da violência criminal na América Latina torna nítida a grande ineficiência das instituições do Estado de prover segurança aos cidadãos, sendo que os cidadãos latino-americanos podem deixar de apoiar o sistema político ao perceberem que o Estado é incapaz de proteger da violência e do crime, o que constituiria em ruptura do pacto hobbesiano (Carreras, 2013)32. Para os cidadãos amedrontados, o Estado não gera segurança, ao contrário, é mais considerado como parte do problema do que da solução (Dammert, 2012).
Indivíduos inseguros mais frequentemente se voltam aos meios privados de proteção em resposta ao aumento da percepção de insegurança, logo, há um desapontamento em relação às instituições, com desconfiança e ceticismo sobre a capacidade do Estado (Altamirano, Berens & Ley, 2020). Já as vítimas de crime violento e não violento enfrentam novos e crescentes custos, necessidades e problemas que incluem: gastos para serviço legal ou pelos danos à propriedade; necessidade de cuidados médicos; demanda por cuidados com a saúde mental; custos de produtividade (como perda de dias no trabalho, entre outras formas). As vítimas de crime, por sua vez, enfrentam um conjunto de novas necessidades e problemas, o que as motivaria a demandarem intervenção do governo e provisão de políticas públicas (Altamirano, Berens & Ley, 2020).
Impunidade, ineficiência da polícia e do sistema de justiça criminal
A ineficiência do sistema judicial latino-americano também é uma explicação levantada para tratar da relação entre vitimização, medo do crime e declínio da legitimidade democrática. Na região, poucos homicídios são investigados o que, por sua vez, contribui para a difusão da sensação de impunidade (Carreras, 2013). A seletividade no acesso à Justiça para diferentes crimes, a morosidade e a percepção de ausência de efetividade na atuação das instituições, assim como o desapontamento das vítimas de crime com as respostas judiciais são aspectos marcantes do funcionamento do sistema justiça criminal (Dammert, 2012).
Como argumentam Geélison Ferreira da Silva e Ludmila Mendonça Ribeiro (2016), a vitimização por crime afetaria a credibilidade nas instituições da polícia e da justiça, as quais estão diretamente associadas ao controle do delito. No entanto, a experiência de ser vítima produziria um “efeito de contaminação”, levando a uma descrença generalizada no desempenho das instituições políticas. No caso brasileiro, as vítimas de crime tendem a desconfiar de diferentes instituições, sendo a polícia a mais rechaçada33.
Booth e Seligson (2009) apontaram a presença da “Justiça vigilante” ou do linchamento como expressão da frustração popular com a ausência de segurança nos países da América Latina. O vigilantismo expressaria uma forma de capital político negativo permeada pela ausência de confiança nas instituições políticas que promovem a ordem pública. Assim, a vitimização e o medo do crime encorajariam os indivíduos a realizarem justiça com as próprias mãos.
Em síntese, cabe enfatizar que a percepção de ineficiência do sistema de justiça criminal pode propiciar que se recorra às saídas não institucionais para a resolução de conflitos, o que traz consequências para a consolidação democrática.
Dinâmica da participação política
Um terceiro mecanismo que pode operar na relação entre violência e legitimidade democrática concerne aos efeitos na dinâmica da participação política. Como já mencionado, contextos violentos podem contribuir para a transformação do processo eleitoral e propiciar o aumento dos custos a ele associados (Ley, 2018). Conforme observado no caso mexicano, as vítimas de crime engajavam-se menos nas formas convencionais de participação, como o voto e mais no protesto político (Malone, 2012).
Outros estudos apontaram ainda a vitimização como relevante para o aumento na participação política e no engajamento comunitário, o que seria mediado pela posição socioeconômica dos indivíduos. As vítimas de crime aumentariam a sua participação em protestos e o engajamento comunitário, mas, ao mesmo tempo, poderiam afastar-se da participação eleitoral em decorrência do aumento da abstenção. No caso brasileiro, Ventura (2021) destaca que o maior apoio aos candidatos punitivistas emerge nos bairros mais ricos em municípios mais violentos e, em contextos de aumento dos homicídios nos meses antecedem as eleições. No entanto, ainda não há clareza sobre a amplitude dos possíveis efeitos da vitimização no comparecimento eleitoral para o contexto latino-americano e se a legitimidade democrática é afetada.
Do populismo penal ao populismo autoritário
Tratar o tema do populismo penal não é novidade entre os pesquisadores que se dedicam à sociologia da punição e à área da segurança pública de forma mais ampla. Na realidade, as percepções conservadoras sobre punição e a força do discurso do endurecimento penal são aspectos que estão presentes no imaginário social há algum tempo. No entanto, o ingrediente de maior destaque talvez seja a conexão cada vez mais explícita com o debate político e a visibilidade de seus desdobramentos no comportamento eleitoral e na participação política.
Precursor no debate sobre populismo penal, David Garland (2008) argumenta que a percepção de um público amedrontado teve impacto nas características e no conteúdo das políticas, pois “o novo discurso da política criminal insistentemente invoca a revolta do público, cansado de viver com medo, que exige medidas fortes de punição e de proteção” (Garland, 2008, p. 54). Consequentemente, a política criminal constituiu-se em tema de destaque na competição eleitoral e a formulação de políticas públicas tornou-se profundamente politizada e populista. O populismo das políticas penais promove a desqualificação dos profissionais especializados e salienta a autoridade da população, do senso comum e das vítimas.
Esse vínculo entre medo do crime e populismo penal guarda uma conexão com a discussão sobre o fenômeno do populismo autoritário, descrito por Pippa Norris e Ronaldo Inglehart (2019). Nesta perspectiva, os valores autoritários enfatizam a importância da conformidade, da segurança e da lealdade, em uma forte associação entre autoritarismo e conservadorismo social. Os líderes populistas autoritários, por sua vez, alimentam aspectos relacionados ao terrorismo nas sociedades ocidentais e enfatizam ansiedades públicas que decorrerem de incidentes violentos, o que justificaria políticas duras de lei e ordem. Os partidos autoritários desafiam o consenso liberal dos partidos mainstream e alteram as fronteiras do debate político, enfatizando a saliência e polarização em temas como imigração na agenda legislativa e legitimidade de políticas calcadas no racismo e na intolerância.
É possível perceber que embora o populismo penal já esteja presente há décadas na agenda pública, o populismo autoritário reconfigurou e amplificou este processo. No contexto latino-americano, o medo do crime, juntamente com a desconfiança nas instituições, pode ter uma influência no retorno de práticas e discursos autoritários. Deste modo, a busca pela ordem e segurança caminha lado a lado com uma retração das garantias aos cidadãos e um fortalecimento da presença militar (Dammert, 2012). O incremento das taxas de criminalidade e da insegurança pode contribuir para que as pessoas demandem do governo o emprego de estratégias não democráticas para o combate ao crime, sacrificando assim as liberdades civis e os direitos humanos para aumentar a segurança (Fernandez & Kuenzi, 2010). O contexto latino-americano seria propício para o desenvolvimento de narrativas altamente populistas vinculadas ao aumento das punições (Dammert & Tobar, 2018).
Considerações finais
A revisão de literatura desenvolvida contribuiu para a percepção sobre a centralidade necessária da vitimização e do medo do crime em diferentes aspectos políticos, especialmente no contexto latino-americano. Destacamos ainda que o debate sobre o medo do crime guarda uma conexão mais profunda com aspectos societais, sendo o vínculo com fenômenos políticos posterior, constituindo uma literatura em desenvolvimento. Os trabalhos voltados à análise da legitimidade democrática e a democratização destacaram predominantemente o impacto das condições econômicas e da percepção da economia, já a relação com a violência constitui-se em objeto de análise mais recentemente.
A partir da literatura pesquisada, ressaltamos que o medo do crime e a vitimização são compreendidos como fenômenos distintos (embora vinculados), os quais também podem operar por mecanismos causais diferentes (Altamirano, Berens & Ley, 2020; Malone, 2012). Indivíduos inseguros mais frequentemente se voltam aos meios privados de proteção em resposta ao aumento da percepção de insegurança, já as vítimas de crime violento e não violento enfrentam novos e crescentes custos, necessidades e problemas (Altamirano, Berens & Ley,2020). No contexto latino-americano, o medo do crime, juntamente com a desconfiança nas instituições, pode ter uma influência no retorno de práticas e discursos autoritários (Dammert, 2012).
Os mecanismos causais apresentados contribuem para relacionar temáticas muitas vezes abordadas de modo difuso nas análises sobre vitimização, medo do crime e aspectos políticos, tais como percepção e papel do Estado, impunidade, ineficiência da polícia e do sistema de justiça criminal, dinâmica da participação política, populismo penal. Por fim, ressaltamos que os mecanismos também podem sinalizar para uma agenda de pesquisas futuras na América Latina sobre violência e legitimidade democrática, bem como proporcionar contribuições específicas ao caso brasileiro.
Referências
- ADORNO, Sérgio. Políticas públicas de segurança e justiça penal. Cadernos Adenauer, v. 4, p. 9-27, 2008.
- ALTAMIRANO, Melina; BERENS, Sarah; LEY, Sandra. The welfare State amid crime: how victimization and perceptions of insecurity affect social policy preferences in Latin America and the Caribbean. Politics and Society, v. 48, n. 3, p. 389-422, 2020.
- BATESON, Regina. Crime victimization and political participation. American Political Science Review, v. 106, n. 3, p. 570-587, 2012.
-
BOOTH, John A.; SELIGSON, Mitchell A. The legitimacy puzzle in Latin America. Cambridge, UK: Cambridge University Press, 2009. Disponível em: <http://ebooks.cambridge.org/ref/id/CBO9780511818431>.
» http://ebooks.cambridge.org/ref/id/CBO9780511818431 - BROOKS, Sarah M. Insecure democracy: risk and political participation in Brazil. The Journal of Politics, v. 76, n. 4, p. 972-985, 2014.
- CARDIA, Nancy; ADORNO, Sérgio; POLETO, Frederico Z. Homicídio e violação de direitos humanos em São Paulo. Estudos Avançados, v. 17, n. 47, p. 43-73, 2003.
- CARDOSO, Gabriela Ribeiro. Vitimização , medo do crime e legitimidade democrática na América Latina: mecanismos causais e efeitos contextuais em perspectiva. Tese (Doutorado em Sociologia e Ciência Política) - Departamento de Sociologia e Ciência Política. Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2021.
- CARRERAS, Miguel. The impact of criminal violence on regime legitimacy in Latin America. Latin American Research Review, v. 48, n. 3, p. 85-107, 2013.
- DAMMERT, Lucía. Fear and crime in Latin America: redefining State-society relations. New York: Routledge, 2012.
- DAMMERT, Lucía; TOBAR, Felipe Salazar. Fear and insecurity in Latin America. In: LEE, Murray; MYTHEN, Gabe (Eds.). The Routledge Handbook on fear of crime. New York: Routledge, 2018.
- FARRALL, Stephen; JACKSON, Jonathan; GRAY, Emily. Social order and the fear of crime in contemporary times. New York: Oxford University Press, 2009.
- FERNANDEZ, Kenneth E.; KUENZI, Michele. Crime and support for democracy in Africa and Latin America. Political Studies, v. 58, n. 3, p. 450-471, 2010.
-
FREIDENBERG, Flavia A.; HERRERA, Camilo Saavedra. La democracia en América Latina del cual se resuelven los conflictos y las diferencias en los sistemas. Revista Derecho Electoral, v. 30, p. 1-42, 2020. Disponível em: <https://reformaspoliticas.org/about/el-proyecto/>
» https://reformaspoliticas.org/about/el-proyecto - GARLAND, David. A cultura do controle. Rio de Janeiro: Revan, 2008.
- GOMES, Marcio; AQUINO, Jackson. Violência e satisfação com a democracia no Brasil. Opinião Pública, v. 24, n. 1, p. 209-238, 2018.
- HALE, Chris. Fear of crime: a review of the litterature. International Review of Victimology, v. 4, p. 79-50, 1996.
- HERNÁNDEZ, Wilson. Costos sociales de la victimización en América Latina: percepción de inseguridad, capital social y percepción de la democracia. Latin American Research Review, v. 54, n. 4, p. 835-853, 2019.
- HOX, Joop J.; MOERBEEK, Mirjam; SCHOOT, Rens Van de. Multilevel analysis: techniques and applications. 3. ed. New York: Routledge, 2018.
- HUNTINGTON, Samuel. A ordem política nas sociedades em mudança. São Paulo: Editora USP; Forense Universitária, 1975.
- LAFREE, Gary; TSELONI, Andromachi. Democracy and crime: a multilevel analysis of homicide trends in forty-four countries, 1950-2000. Annals of the American Academy of Political and Social Science, v. 605, n. 1, p. 25-49, 2006.
- LEY, Sandra. To Vote or Not to Vote: How Criminal Violence Shapes Electoral Participation. Journal of Conflict Resolution, v. 62, n. 9, p. 1963-1990, 2018.
- MALONE, Mary Fran T. Does crime undermine public support for democracy? Findings from the case of Mexico. The Latin Americanist, p. 17-44, 2012.
- MENDES, José Teles. From the specific to the diffuse: a causal pathway for the effect of crime victimization on support for democracy. Preprint, 2021.
- NORRIS, Pippa. Democratic deficit: critical citizens revisited. New York: Cambridge University Press, 2011.
- NORRIS, Pippa; INGLEHART, Ronaldo. Cultural backlash. Cambridge, UK: Cambridge University Press, 2019.
- PEREZ, Orlando. The impact of crime on voter choice in Latin America. In: CARLIN, Ryan E.; SINGER, Matthew M.; ZECHMEISTER, Elizabeth J. (Eds.). The Latin American voter: pursuing representation and accountability in challenging contexts, p. 324-345. Ann Arbor, MI: University of Michigan Press, 2015.
- ______. Democratic legitimacy and public insecurity: crime and democracy in El Salvador and Guatemala. Political Science Quarterly, v. 118, n. 4, p. 627-644, 2003.
- PINHEIRO, Paulo Sérgio. Introdução: O Estado de Direito e os não-privilegiados na América Latina. In: MÉNDEZ, Juan B.; O’DONNELL, Guilhermo; PINHEIRO, Paulo Sérgio (Eds.). Democracia, violência e injustiça: o Não-Estado de Direito na América Latina. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
- SILVA, Geélison Ferreira da; RIBEIRO, Ludmila Mendonça Lopes. Confiança nas instituições democráticas e vitimização por crime: qual a relação? Revista de Sociologia e Política, v. 24, n. 58, p. 59-84, 2016.
- SOARES, Luiz Eduardo. A política nacional de segurança pública: histórico, dilemas e perspectivas. Estudos Avançados, v. 21, n. 61, p. 77-97, 2007.
- VALENTE, Riccardo et al. Una contribución al estudio de la polarización sociopolítica en Brasil. Revista de Estudios Sociales, n. 74, p. 99-113, 2020.
- VALENTE, Riccardo; VALERA PERTEGAS, Sergi. Ontological insecurity and subjective feelings of unsafety: analysing socially constructed fears in Italy. Social Science Research, v. 71, p. 160-170, 2018.
-
VENTURA, Tiago. Voting for violence: crime and election of law-and-order politicians in Brazil. Working paper, 2021. Disponível em: <https://tiagoventura.rbind.io/publication_wp/voting_violence/>.
» https://tiagoventura.rbind.io/publication_wp/voting_violence - VISCONTI, Giancarlo. Policy preferences after crime victimization: panel and survey evidence from Latin America. British Journal of Political Science, v. 50, n. 4, p. 1481-1495, 2019.
- ZHAO, Jihong Solomon; LAWTON, Brian; LONGMIRE, Dennis. An examination of the micro-level crime-fear of crime link. Crime and Delinquency, v. 61, n. 1, p. 19-44, 2015.
-
1
De acordo com o Global study on homicide, realizado pela United Nations Office on Drugs and Crime (UNODC), em 2017 a média global da taxa de homicídios foi de 6,1 vítimas por 100 mil habitantes, sendo a média nas Américas (17,2), a mais elevada taxa em comparação com os demais continentes, alcançando assim o maior percentual desde o início dos anos 1990. Informações disponíveis em: <https://www.unodc.org/unodc/en/data-and-analysis/global-study-on-homicide.html>. Acesso em: 24 out. 2022.
-
2
Estes surveys, contudo, normalmente mensuram mais do que os incidentes criminais, incluem questões sobre percepção sobre segurança, medo do crime e sistema de justiça criminal. Assim, as pesquisas de vitimização consistem também em oportunidade de capturar as percepções e expectativas das pessoas sobre uma grande quantidade de aspectos relacionados à segurança (United Nations, 2010, p. 56).
-
3
“Scholars such as Zygmunt Bauman and John Pratt have argued that at a time of rapid social change, of decreasing certainty, of increasing diversity and liberalization, and of decreasing deference to authority, crime becomes a handy receptacle for the broader anxieties that such broader rapid change engenders” (Farrall, Jackson & Gray, 2009, p. 12).
-
4
Kenneth Fernandez e Michele Kuenzi (2010) ressaltam que o crime e a segurança pública influenciam as visões dos cidadãos sobre a democracia e qualquer análise da democracia nos países em desenvolvimento necessita incorporar essas variáveis.
-
5
Norbert Elias prenunciou que o declínio de longo prazo nas taxas de crime violento nos países europeus estava relacionado com dois processos: i. na medida em que os Estados modernos se desenvolviam, eles reivindicavam o monopólio legítimo da violência; e ii. com a urbanização e o crescimento da divisão do trabalho, os cidadãos da Europa ocidental estariam envolvidos em configurações sociais complexas que requereriam menor uso da violência (apud Lafree & Tseloni, 2006).
-
6
“No Brasil, nem as graves violações de direitos humanos desapareceram com o retorno à democracia, nem o crime violento foi reduzido. O uso abusivo de força letal pelos agentes de polícia, linchamentos executados por grupos de pessoas - estimulados ou não por agentes policiais - e a ação de grupos de execução sumária (grupos de extermínio, esquadrões da morte) sobreviveram à transição e suas ações continuam a ocupar as páginas da chamada imprensa nacional” (Cardia, Adorno & Poleto, 2003, p. 6).
-
7
Neste sentido, Samuel Huntington (1975) tece contribuições pertinentes ao considerar que as mudanças sociais e econômicas ampliam a consciência política e a participação política, no entanto, tais mudanças minam as fontes tradicionais de autoridade política e as instituições políticas, ocorrendo assim a instabilidade política e a desordem. Assim, “o problema fundamental da política é o atraso no desenvolvimento de instituições políticas em relação às mudanças sociais e econômicas”, o que configuraria o hiato político (Huntington, 1975, p. 17).
-
8
A análise se refere aos dados do Lapop de 2008 para o caso mexicano (apud Malone, 2012).
-
9
“Both victims and nonvictims are exposed to changes in the pool of candidates, to the brutality of such violence, to alarming news coverage on this type of attacks, and to rising awareness of the government’s weaknesses or failures. Both groups are exposed to a violent electoral context; both are equally vulnerable when mayors or party candidates are assassinated or forced to retire from their office or campaigns, and both also have to decide whether to vote or nor under such conditions” (Ley, 2018, p. 1969).
-
10
“High-profile criminal attacks during campaigns and elections generate great anxiety among the electorate, significantly reduce the perceived benefits and satisfaction derived from voting, and considerably increase the costs and risks associated with voting, ultimately decreasing electoral participation” (Ley, 2018, p. 1964).
-
11
“In the context of Central America, the most violent subregion in Latin America, several right-wing candidates such as Alfonso Portillo and Otto Pérez Molina of Guatemala, Ricardo Maduro and Juan Orlando Hernández of Honduras, and Ricardo Martinelli of Panama, used crime and the rhetoric of fighting it with strong measures to win political power” (Perez, 2015, p. 327).
-
12
A análise utiliza dados do Lapop de 2012, sendo a variável dependente o voto no incumbente ou partido, a qual mensurou a intenção de voto no presidente ou partido nas eleições seguintes.
-
13
Disponível em: <https://g1.globo.com/mundo/noticia/2019/10/26/eleicoes-no-uruguai-tem-seguranca-publica-no-centro-do-debate-veja-quem-sao-os-candidatos-a-presidente.ghtml>. Acesso em: 25 set. 2020.
-
14
Disponível em: <https://freedomhouse.org/country/uruguay/freedom-world/2020>. Acesso em 26 set. 2020.
-
15
Tais como: i. militarização da segurança pública pela criação de uma Guarda Nacional militar com poder de polícia; ii. endurecimento das penas pela adoção da prisão perpétua; iii. possibilidade de operações de buscas à noite, com autorização judicial.
-
16
Disponível em: <https://www.elpais.com.uy/informacion/politica/plebiscito-vivir-miedo-gano-tuvo-victorias-departamentos.html>. Acesso em: 26 set. 2020.
-
17
Disponível em: <https://www.elpais.com.uy/informacion/sociedad/reforma-marcha-rechazo-vivir-miedo-recorre-julio.html>. Acesso em: 26 set. 2020.
-
18
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=QLyqyDPClPs>. Acesso em: 26 set. 2020.
-
19
Especialmente pela intervenção na segurança pública do Rio de Janeiro.
-
20
O trabalho combina diferentes abordagens metodológicas e analisa discursos dos congressistas, dados de três ciclos eleitorais para a Câmara dos Deputados e um experimento on-line.
-
21
As vítimas de crime na Europa também são significativamente mais insatisfeitas com a democracia. Nos Estados Unidos e no Canadá há pouca evidência do efeito da vitimização nas atitudes sobre a democracia. Na África e na Ásia há evidência limitada de que vítimas de crime talvez possam ter simpatias ao autoritarismo (Bateson, 2012).
-
22
Os resultados apontam que as posturas autoritárias são incompatíveis com a participação pró-ativa da vida política. “Es precisamente en este sentido que se puede hablar de la consolidación de una conducta pasivo-agresiva, puesto que el desapego a la democracia no funciona como un elemento motivador sino que impulsa una actitud que delega la solución de los problemas a los militares, sin contemplar ningún tipo de implicación en primera persona” (Valente et al., 2020, p. 110).
-
23
“In summary, right-wing politicians can be linked to these kinds of measures to combat crime. Right-wing citizens, similarly, are more likely to support tougher measures to reduce crime and to focus less on social policies” (Visconti, 2019, p. 1485).
-
24
“Individuals who become victims of crime are supportive of the welfare state and public health care in particular. In the face of rising risks, victimization increase the state’s mandate among individuals to improve welfare policies. In contrast, perceptions of insecurity reduce such demand for public policies, particularly among those with significantly contrasting views regarding their neighborhood’s (un)safety” (Altamirano, Berens & Ley, 2020, p. 412).
-
25
Esta análise pode ajudar a compreender o caso brasileiro, especialmente na conexão estabelecida na eleição de Bolsonaro entre medo do crime, demanda punitivista e uma visão liberal do Estado de caráter privatista. Não é à toa que essas dimensões caminharam juntas, tendo em vista o ceticismo que as pessoas inseguras asseveram em relação às instituições do Estado e ao serviço público.
-
26
“A crime victim is significantly more willing to support the most extreme measure of authoritarianism, namely a military coup. Fear of crime does not have a significant impact on support for a coup. Instead, those who exhibit fear of becoming victims of crime in their neighborhood are significantly more willing to support ‘strong hand’ measures that fall short of rejecting all elements of democracy completely” (Pérez, 2003, p. 640).
-
27
“These findings suggest that attitudes regarding crime and safety have not only a statistically significant effect on citizens’ support for democracy but also a substantively significant effect. In addition, the impact of perceptions of safety on attitudes toward democracy is often larger than the impact of perceptions of economy” (Fernandez & Kuenzi, 2010, p. 462).
-
28
“In summary, violence negatively affects system support. Hence, the widespread increase of criminal violence in the region poses a serious threat to the quality of democracy in Latin America” (Carreras, 2013, p. 94).
-
29
Convém destacar que a lógica subjacente aos modelos multiníveis ou hierárquicos consiste em considerar que indivíduos pertencentes a um mesmo grupo estão submetidos a influências semelhantes, deste modo, “the individuals and the social groups are conceptualized as a hierarchical system of individuals nested within groups, with individuals and groups defined at separate levels of this hierarchical systems” (Hox, Moerbeek & Schoot, 2018, p. 1).
-
30
O Polity IV mensura quantitativamente a qualidade da democracia e da autoridade autocrática das instituições de governo, assim sendo, abrange os estados independentes desde 1800 e possibilita uma análise comparada dos países. O Polity Score captura os regimes em uma escala que varia de -10 (autocracias) a +10 (democracias consolidadas). Disponível em: <http://www.systemicpeace.org/polityproject.html>.
-
31
“The widespread perception that justice is not equally applied in all cases, along with police abuses, has had a key impact on institutional trust” (Dammert, 2012, p. 103).
-
32
“Latin American citizens may stop supporting the political system of their countries when they perceive the state as being unable to protect them from violence and crime, which constitutes a clear rupture of the Hobbesian pact” (Carreras, 2013, p. 99).
-
33
Ao comparar o caso brasileiro com o norte-americano, Silva & Ribeiro destacam que “o efeito de contaminação é maior no Brasil em virtude de um apego mais fraco e vulnerável à democracia e, por conseguinte, às instituições democráticas, fazendo com que o cidadão tenda a responsabilizar todas as agências disponíveis pela vitimização por crime, ainda que exista um rechaço maior àquelas diretamente relacionadas com a temática do delito, como ocorre com a polícia” (Silva & Ribeiro, 2016, p. 82).
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
05 Jun 2023 -
Data do Fascículo
Jan-Apr 2023
Histórico
-
Recebido
01 Jun 2022 -
Aceito
27 Out 2022