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Diálogo institucional e razão pública: revisitando o debate entre John Rawls e Jeremy Waldron

Institutional dialogue and public reason: revisiting the debate between John Rawls and Jeremy Waldron

Resumo

O presente artigo investiga como a razão pública pode contribuir para o diálogo institucional na resolução de desacordos de moralidade política. Parte-se da premissa de que o diálogo institucional promove igualdade entre as instituições participantes, não estabelecendo o protagonismo de um dos Poderes. Como metodologia, realiza-se o estudo bibliográfico, especialmente de dois autores que discordam profundamente sobre o conteúdo e o âmbito de aplicação da razão pública: John Rawls, o qual defende um papel especial para a Suprema Corte; e Jeremy Waldron, defensor do protagonismo legislativo na resolução de desacordos morais. Analisando os argumentos dos autores, é possível ressaltar duas conclusões que contribuem para um diálogo institucional isonômico: primeiro, que as Cortes Constitucionais, apesar de sua especial contribuição para o diálogo institucional, não possuem acesso exclusivo à razão pública, não servindo como referencial superior aos outros Poderes; segundo, que apesar da argumentação constitucional ser um elemento importante da razão pública, existem outros argumentos igualmente relevantes que podem ser melhor examinados pelo Legislativo e pelo Executivo.

Palavras-chave:
Diálogo Institucional; Razão Pública; John Rawls; Jeremy Waldron

Abstract

This article investigates how public reason can contribute to institutional dialogue in resolving political morality disagreements. It starts from the premise that institutional dialogue promotes equality between the participating institutions, not establishing the protagonism of one of the branches. As a methodology, a bibliographic study is carried out, especially of two authors who disagree deeply about the content and scope of application of public reason: John Rawls, who defends a special role for the Supreme Court; and Jeremy Waldron, who advocates the legislative role in resolving moral disagreements. Analyzing the authors’ arguments, it is possible to emphasize two conclusions that contribute to an isonomic institutional dialogue: first, that the Constitutional Courts, despite their special contribution to institutional dialogue, do not have exclusive access to public reason, not serving as a superior reference to other branches; second, that although constitutional argumentation is an important element of public reasoning, there are other equally relevant arguments that can be better examined by the Legislative and the Executive.

Keywords:
Institutional Dialogue; Public Reason; John Rawls; Jeremy Waldron

1. INTRODUÇÃO

Desde a segunda metade do século XX, o debate sobre o papel e os limites do judicial review em regimes democráticos suscitou muitos trabalhos acadêmicos sobre o tema, focando em questões como: a ilegitimidade judicial para resolver os grandes desacordos morais da sociedade, que devem ser decididos pelo Legislativo (Waldron, 2010WALDRON, Jeremy. A essência da oposição ao judicial review. In: BIGONHA, Antonio Carlos Alpino; MOREIRA, Luiz (Org.). Legitimidade da Jurisdição Constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2010. p. 93-157.); a necessidade de um constitucionalismo popular (Kramer, 2004KRAMER, Larry D.. The People Themselves: Popular Constitutionalism and Judicial Review. New York: Oxford University Press, 2004.) e o fortalecimento dos mecanismos majoritários de decisão (Gargarella, 2006GARGARELLA, Roberto. The majoritarian reading of the Rule of Law. In: PRZEWORSKI, Adam; MARAVALL, José María (Org.). Democracy and the rule of law. New York: Cambridge Press, 2006, p. 147-167.); ou a preservação da supremacia judicial na interpretação constitucional, tendo em vista a importância de limitações externas aos agentes políticos que ocupam cargos no Executivo e no Legislativo (Alexander; Schauer, 2000ALEXANDER, Larry; SCHAUER, Frederick. Defending judicial supremacy: a reply. Constitutional Commentary, v. 17, p. 455-482, 2000.).

Dentre essas alternativas, uma proposta ganhou força a partir dos anos 2000, inclusive no Brasil: a teoria dos diálogos institucionais, a qual defende que nenhum dos Poderes têm a última palavra sobre o sentido da Constituição. Segundo os seus defensores, cada Poder contribui de forma única para a busca da melhor resposta em questões constitucionais relevantes, não fazendo sentido falar em supremacia judicial na interpretação constitucional1 1 De uma forma geral, essa é uma importante característica das teorias de diálogos constitucionais. Contudo, existem teorias dialógicas que, expressa ou implicitamente, atribuem uma preponderância ao Judiciário ou ao Legislativo. Aqui, adota-se, como premissa, o pensamento de Bateup (2005, p. 1109-1111), a qual defende que as teorias dialógicas com maior potencial normativo são aquelas que estabelecem igualdade entre os Poderes no diálogo constitucional, reconhecendo que cada um tem uma contribuição especial a oferecer para a deliberação pública. .

Aqui, uma questão surge: só há diálogo onde existe uma linguagem comum entre aqueles que dialogam. Um italiano, um francês e um russo só compreenderão um ao outro caso tenham uma linguagem comum - verbal ou não - que possibilite a comunicação de informações. Para alguns autores, a linguagem comum para o diálogo entre as Cortes Constitucionais2 2 Virgílio Afonso da Silva (2016) mostra como jurisdição constitucional pode ser organizada de diferentes maneiras. Em alguns países, há um órgão de cúpula, como uma Suprema Corte, que recebe os recursos de instâncias inferiores e exerce o controle de constitucionalidade. Em outros, a Corte Constitucional não está inserida na estrutura do Judiciário. Há, ainda, casos em que o órgão de cúpula realiza o controle concentrado de constitucionalidade e, concomitantemente, os demais juízes e tribunais também podem realizar um controle difuso e concreto. O último exemplo é o caso do Brasil. Apesar de reconhecer essa variedade, o artigo utiliza o termo Corte Constitucional para fazer referência a tribunais que dão a “última palavra” sobre a interpretação judicial da Constituição, tendo em vista o forte caráter político de sua atividade. , o Executivo e o Legislativo seria a razão pública3 3 Sobre o tema, conferir os trabalhos de Sadurski (2018) e Conrado Hübner Mendes (2011, p. 194-198). , entendida como a forma de argumentação de uma sociedade democrática, baseada em princípios e argumentos que podem ser compreendidos e aceitos por indivíduos com diferentes visões de mundo.

O presente artigo investiga se a razão pública pode ser utilizada como uma linguagem comum entre os Poderes, viabilizando o diálogo institucional. Para isso, revisita-se o pensamento de dois autores que discordam sobre o conteúdo da razão pública e, principalmente, o papel das Cortes Constitucionais ao utilizá-la: John Rawls e Jeremy Waldron. Por um lado, Rawls, ainda que não tenha criado a ideia de razão pública, desenvolveu sua concepção mais conhecida, especialmente na obra “O Liberalismo Político”, em 1993. Para o autor, as Cortes Constitucionais são o modelo ideal de uso da razão pública, servindo de guia para os demais Poderes e para os cidadãos que pretendem debater na esfera pública. Por outro lado, Waldron, ferrenho opositor do controle judicial de constitucionalidade forte, defende que a razão pública não é monopólio judicial. Na verdade, o ideal é que o debate público sobre questões morais relevantes não imite a argumentação jurídica empreendida pelos juízes. Para o autor, o Legislativo é o fórum ideal para enfrentar o cerne dos desacordos de moralidade política.

Para realizar a pesquisa, recorreu-se ao estudo bibliográfico de livros e artigos de John Rawls e Jeremy Waldron, bem como de autores nacionais e estrangeiros sobre o tema. Quanto à estrutura, o segundo tópico do artigo apresenta o pano de fundo da discussão: a existência de uma sociedade democrática pautada no pluralismo razoável, mas que precisa enfrentar profundos desacordos de moralidade política. O terceiro tópico desenvolve os argumentos e as divergências entre Rawls e Waldron sobre o papel da razão pública e sua relação com as Cortes Constitucionais. Por fim, o quarto tópico apresenta as contribuições do debate entre os autores, mostrando em que sentido a razão pública pode colaborar com o diálogo institucional

2. DESACORDOS DE MORALIDADE POLÍTICA E DIÁLOGO INSTITUCIONAL EM SOCIEDADES PLURAIS

“Concordamos em discordar”. A frase, às vezes dita por amigos que querem encerrar um debate sem gerar atritos, resume o pluralismo existente nas democracias liberais atualmente. Dentro de um mesmo país, as divergências sobre as respostas corretas para desacordos morais e políticos são amplas, incluindo a controvérsia sobre a existência de uma única resposta correta. As sociedades se tornaram supercomplexas, sendo caracterizadas por uma esfera pública pluralista e pelo dissenso sobre questões morais fundamentais (Lopes Filho; Maia; Serafim, 2020LOPES FILHO, Juraci Mourão; MAIA, Isabelly Cysne Augusto; SERAFIM, Matheus Casimiro Gomes. Os desacordos de moralidade política entre executivo e judiciário: uma análise do recurso extraordinário nº 657.718/MG. Revista Eurolatinoamericana de Derecho Administrativo, vol. 7, n. 1, p. 207-230, ene./jun., 2020. , p. 212). Marcelo Neves (2014NEVES, Marcelo. Entre Hidra e Hércules: princípios e regras constitucionais. 2ª ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2014. , p. 60) resume bem o fenômeno, ao afirmar que, na sociedade moderna, os pontos de observação se multiplicam cada vez mais, tornando inviável falar de um ideal regulativo capaz de produzir um consenso sobre a moralidade política comunitária.

Para Rawls (2000aRAWLS, John. O liberalismo político. Tradução: Dinah de Abreu Azevedo. 2ª ed. Ática: São Paulo, 2000a. , p. 30-33), o pluralismo existente em um regime democrático não deveria ser lamentado, mas celebrado. Segundo o autor, o fenômeno decorre da crescente liberdade dos indivíduos de questionar, pesquisar, manifestar opiniões e discordar uns dos outros. As liberdades individuais, consolidadas juridicamente ao longo da Modernidade, especialmente com o constitucionalismo, permitiram o florescimento de doutrinas filosóficas, morais e religiosas diferentes dentro de uma mesma sociedade. Cada uma dessas visões de mundo prega um ideal de bem, um modelo de boa vida que deve ser almejado por aqueles que concordam com ela.

Mas essas divergências não seriam apenas falta de conhecimento dos indivíduos discordantes? Se os grupos divergentes tiverem acesso a todos os argumentos relevantes sobre um dilema moral, poderiam chegar a um consenso? Na verdade, o profundo dissenso existente na sociedade não é apenas fruto de uma falta de conhecimento sobre fatos. É claro que, em alguns casos, esse desconhecimento existe. Mas há circunstâncias em que todos os fatos relevantes são conhecidos pelas partes envolvidas que, por possuírem diferentes visões de mundo, discordam sobre o que deve ser feito em determinado caso4 4 Segundo Rawls (2000a, p. 99-102), isso ocorre em virtude dos limites do juízo, fontes dos desacordos morais razoáveis. Para o autor, esses limites são os muitos acasos envolvidos no correto exercício de nossas faculdades de raciocínio e julgamento no curso normal da vida política. Temos que fazer uma série de ponderações, não só entre nossos interesses, mas entre os interesses dos demais. Essa complexidade pode conduzir a resultados diferentes. Rawls aponta causas não exaustivas: evidências conflitantes e complexas; podemos concordar com as considerações relevantes sobre um problema, mas discordar sobre o seu peso; todos os nosso conceitos, não só os morais e políticos, são em alguma medida vagos e sujeitos à controvérsias; em alguma medida nossa forma de reconhecer evidências pesar valores é moldada por nossa experiência de vida; considerações normativas com pesos diferentes; e a necessidade de escolher e ponderar os valores que prezamos. RAWLS, John. O liberalismo político. Tradução: Dinah de Abreu Azevedo. 2ª ed. Ática: São Paulo, 2000a. p. 99-102. .

Quando os desacordos morais sobrevivem aos melhores esforços de debatedores honestos para encontrar uma única resposta para o problema, eles são chamados de desacordos morais razoáveis (McMahon, 2009MCMAHON, Christopher. Reasonable Disagreement: A Theory of Political Morality. New York: Cambridge University Press, 2009). Caso tratem de profundas e persistentes divergências sobre como a comunidade política deve ser organizada ou de qual a decisão correta para solucionar uma controvérsia pública, estaremos diante de um desacordo de moralidade política (Camargo, 2018CAMARGO, Eduardo Aidê Bueno de. O Judiciário e o aborto: como os juízes devem lidar com o desacordo moral razoável no conflito entre direitos fundamentais?. 2018. 300 f. Dissertação (Mestrado em Direito Civil Constitucional; Direito da Cidade; Direito Internacional e Integração Econômica; Direi) - Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2018. , p. 50-51). Esses desacordos podem englobar divergências sobre as políticas públicas; os meios para alcançar a justiça social ou o conteúdo de direitos individuais (Waldron, 1999WALDRON, Jeremy. Law and Disagreement. Oxford: Oxford University Press, 1999. , p. 199).

Ainda que o pluralismo seja uma marca do mundo atual e concordemos em discordar, é preciso pensar em mecanismos para tomar decisões públicas. Afinal, existem desacordos morais que vão além das escolhas pessoais do indivíduo, afetando toda a comunidade política. O aborto deve ser legalizado? Uniões homoafetivas devem equiparadas às uniões heteroafetivas? A comercialização de drogas deve ser legalizada? Símbolos religiosos em órgãos públicos ferem o princípio da laicidade ou são apenas parte de nossa herança cultural? Devemos tributar as grandes fortunas e favorecer políticas distributivas? A partir de que momento uma pessoa condenada por um crime deve cumprir sua pena de reclusão?

Para que a sociedade continue funcionando, é preciso tomar decisões sobre esses desacordos morais razoáveis. Para alguns autores (Waldron, 1999WALDRON, Jeremy. Law and Disagreement. Oxford: Oxford University Press, 1999. ), divergências desse tipo devem ser resolvidas pelo Legislativo, tendo em vista sua legitimidade de investidura e sua responsabilidade política diante dos cidadãos. Outros, como Gargarella (2006GARGARELLA, Roberto. The majoritarian reading of the Rule of Law. In: PRZEWORSKI, Adam; MARAVALL, José María (Org.). Democracy and the rule of law. New York: Cambridge Press, 2006, p. 147-167.), defendem a utilização de mecanismos majoritários de decisão, os quais permitem que os cidadãos determinem, diretamente, a melhor forma de solucionar questões políticas relevantes. Há, ainda, os que defendem o protagonismo judicial na resolução de desacordos de moralidade política, seja porque o Judiciário, especialmente sua Suprema Corte, pode atuar como um fórum de princípios protetor dos direitos de minorias (Dworkin, 2001DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. Tradução: Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2001. , p. 41-43), seja porque os juízes podem limitar os poderes políticos ao interpretar a Constituição (Schauer, 2004SCHAUER, Frederick. Judicial supremacy and the modest constitution. California Law Review, v. 92, p. 1045-1067, 2004.).

Nesse contexto, o diálogo institucional surge como uma possível solução para o problema. Para os seus defensores, ainda que se atribua a função de guardiã da Constituição para uma Corte Constitucional, como é o caso do Brasil, isso não significa que o Judiciário tem a última palavra definitiva sobre as grandes questões constitucionais (Mendes, 2011MENDES, Conrado Hübner. Direitos fundamentais, separação de poderes e deliberação. São Paulo: Saraiva, 2011. , p. 215-220). A teoria dos diálogos reconhece que todos os atores institucionais são falíveis ao interpretar a Constituição, entretanto, cada um deles pode dar uma contribuição específica na busca por melhores respostas para divergências de moralidade política (Roach, 2004ROACH, Kent. Dialogic judicial review and its critics. Supreme Court Law Review (2nd), v. 23, p. 49-104, 2004., p. 51-52), de acordo com as suas capacidades institucionais (Brandão, 2017BRANDÃO, Rodrigo. Supremacia Judicial v. Diálogos Constitucionais: a quem cabe a última palavra sobre o sentido da Constituição. 2 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017.).

Dessa forma, não existiria uma última palavra definitiva sobre os dilemas constitucionais, mas uma “última palavra provisória” (Andréa; Francisco; Gundim, 2021ANDRÉA, Gianfranco Faggin Mastro; FRANCISCO, José Carlos; GUNDIM, Wagner Wilson Deiró. Diálogo institucional e democracia: das experiências do Canadá e da África do Sul para o Brasil. Seqüência: estudos jurídicos e políticos, v. 42, n. 88, p. 1-30, 2021., p. 13). Mesmo as interpretações constitucionais da Suprema Corte são influenciadas pelas manifestações dos demais poderes e da sociedade civil, e após a sua prolação, não encerram o diálogo, pois são passíveis de superação. A última palavra sobre o sentido da Constituição, assim, é fruto de uma complexa interação entre os três poderes do Estado e a sociedade civil, em um diálogo que nunca se encerra.

Segundo Bateup (2005BATEUP, Christine. The Dialogic Promise - Assessing the Normative Potential of Theories of Constitutional Dialogue. Brooklyn Law Review, v. 71, p. 1109-1180, 2005. , p. 1109-1111), as teorias dialógicas que possuem um maior potencial normativo são aquelas que reconhecem que cada Poder pode dar uma contribuição única ao debate constitucional, todavia, nenhum deles é superior ou mais importante que os demais. Se é assim, seria possível conciliar os diálogos institucionais com a ideia de que as Cortes Constitucionais são o modelo ideal de razão pública, servindo como referencial para os demais Poderes e os cidadãos? É possível ter um diálogo efetivo se um dos Poderes possui a prerrogativa de determinar o que é a razão pública ou como ela deve ser utilizada?

3. EM BUSCA DE UM MODELO PARA A RAZÃO PÚBLICA: REVISITANDO O DEBATE ENTRE RAWLS E WALDRON

Para tentar responder os questionamentos do tópico anterior, é preciso compreender melhor o que é a razão pública, qual a sua importância em sociedades democráticas e quais as razões, favoráveis e contrárias, para considerar a Corte Constitucional como modelo de razão pública. Revisitar o pensamento de John Rawls e Jeremy Waldron, dois autores que discordam profundamente sobre o conteúdo da razão pública e o papel das Cortes ao utilizá-la, será útil nessa investigação.

3.1. A Corte Constitucional como modelo ideal de uso da razão pública

Logo no início do livro “O Liberalismo Político”, Rawls deixa claro qual pergunta guia a sua obra: “[...] como é possível existir, ao longo do tempo, uma sociedade justa e estável de cidadãos livres e iguais que se mantêm profundamente divididos por doutrinas religiosas, filosóficas e morais razoáveis?” (Rawls, 2000a, p. 20).

Parte desse questionamento é respondido com a ideia de um consenso sobreposto entre as diferentes doutrinas abrangentes razoáveis. Segundo Rawls, em uma sociedade democrática, as doutrinas razoáveis endossam uma concepção política liberal, que reconhece todos os cidadãos como livres e iguais, ainda que sustentem diferentes visões morais, religiosas e filosóficas, chamadas por ele de doutrinas abrangentes. Para Rawls, uma doutrina abrangente é razoável quando verdadeiramente apoia o consenso sobreposto, isto é, o grupo que a adota não está apenas esperando a primeira oportunidade para suprimir o dissenso5 5 Para Rawls (2000a, p. 193-194), o consenso sobreposto é diferente de um simples modus vivendi. No último caso, os grupos sociais toleram as diferenças apenas porque não tem poder suficiente para suprimi-la. Contudo, caso consigam um maior controle do poder político, aproveitarão a oportunidade para impor sua visão de mundo. . Na verdade, os diferentes grupos sinceramente concordam com a liberdade e a diversidade, estando comprometidos com a sua preservação.

O consenso sobreposto, no entanto, não é suficiente para viabilizar uma sociedade democrática de pessoas livres e iguais, como Rawls almeja. Afinal, ainda que o referido consenso seja alcançado, como questões políticas fundamentais podem ser resolvidas por pessoas que têm visões de mundo radicalmente diferentes? Sem uma forma de resolução dessas questões básicas, que leve em consideração a liberdade e igualdade dos cidadãos, o empreendimento do autor não será alcançado.

Dessa forma, a ideia de razão pública é um elemento essencial no pensamento de Rawls. Em “Uma Teoria da Justiça”, o autor já apresentava a ideia, ao afirmar que restrições à liberdade de consciência devem ser feitas com base em argumentos que podem ser compreendidos e aceitos por todos (Rawls, 2000bRAWLS, John. Uma teoria da justiça. Tradução: Almiro Piseta e Lenita M. R. Esteves. Martins Fontes: São Paulo , 2000b. , p. 232). Mas apenas em “O Liberalismo Político”, Rawls desenvolve sua ideia de razão pública, profundamente baseada na reciprocidade e no dever de civilidade que deve guiar os cidadãos em um regime democrático.

Todo agente racional, individual ou coletivo, tem uma forma de articular planos, ordenar seus fins e de tomar decisões de acordo com esses procedimentos. A forma como uma sociedade política formula seus planos, estabelece suas prioridades e objetivos, bem como justifica suas decisões fundamentais é a sua razão pública (Gargarella, 2008GARGARELLA, Roberto. As teorias da justiça depois de Rawls: um breve manual de filosofia política. Tradução: Alonso Reis Freire. Martins Fontes: São Paulo, 2008. , p. 237). A razão pública é característica de um povo democrático, é a razão dos cidadãos livres e iguais (Rawls, 2000aRAWLS, John. O liberalismo político. Tradução: Dinah de Abreu Azevedo. 2ª ed. Ática: São Paulo, 2000a. , p. 261-262). O seu objetivo é viabilizar o debate e a decisão sobre as questões políticas fundamentais de uma sociedade profundamente plural, com doutrinas abrangentes divergentes. Mas o que o autor quer dizer ao utilizar o termo “pública”? Segundo Rawls, a expressão possui três sentidos principais:

Portanto, a razão é pública em três sentidos: enquanto a razão dos cidadãos como tais, é a razão do público; seu objeto é o bem do público e as questões de justiça fundamental; e sua natureza e conceito são públicos, sendo determinados pelas ideias e princípios expressos pela concepção de justiça política da sociedade e conduzidos à visto de todos sobre essa base (Rawls, 2000aRAWLS, John. O liberalismo político. Tradução: Dinah de Abreu Azevedo. 2ª ed. Ática: São Paulo, 2000a. , p. 262).

Como o autor explica, as decisões sobre questões políticas fundamentais são impositivas, exigíveis de todos por meio dos instrumentos de coerção estatal. Se é assim, o uso da força precisa ser legítimo. Para o liberalismo político, o poder político é justificável somente quando é exercido de acordo com uma Constituição cujos elementos essenciais se pode razoavelmente esperar que todos os cidadãos endossem, à luz de princípios e ideais aceitáveis para eles, enquanto razoáveis e racionais. Assim, a legitimidade da decisão está pautada no chamado princípio da reciprocidade, isto é, o exercício de poder político é adequado apenas quando nós sinceramente acreditamos que as razões que oferecemos para nossas decisões políticas são suficientes, além de pensarmos que os outros cidadãos podem aceitá-las (Rawls, 1997RAWLS, John. The idea of public reason revisited. The University of Chicago Law Review, v. 64, n. 3, p. 765-807, 1997., p. 770-771).

Sabendo o que é a razão pública e qual a sua importância, três perguntas precisam ser respondidas para compreendê-la melhor: quem está vinculado pela razão pública? Em quais situações ela deve ser utilizada? E qual o seu conteúdo?

Tratando da primeira pergunta, o autor afirma que a razão pública se aplica aos diferentes órgãos estatais, sejam eles do Executivo, Legislativo e Judiciário, ressaltando que a Suprema Corte seria o caso exemplar de razão pública, pela forma como precisa justificar suas decisões (Rawls, 2000ª, p. 264-265). Afirma também que os cidadãos, em suas deliberações privadas, não precisam seguir a razão pública. Entretanto, o ideal de razão pública é aplicável aos cidadãos quando atuam na argumentação política no fórum público e, por isso, também aos membros dos partidos políticos e aos candidatos em campanha, assim como a outros grupos que os apoiam (Rawls, 2000a, p. 264).

Aqui, é importante ressaltar a centralidade da Cortes Constitucionais e Supremas Cortes no exercício e constituição da razão pública. Como o próprio autor deixa claro, “num regime constitucional com revisão judicial, a razão pública é a razão de seu supremo tribunal.” (Rawls, 2000aRAWLS, John. O liberalismo político. Tradução: Dinah de Abreu Azevedo. 2ª ed. Ática: São Paulo, 2000a. , p. 281), sendo o papel do órgão judicial de cúpula “[...] dar uma existência apropriada e contínua à razão pública, ao servir de exemplo institucional.” (Rawls, 2000a, p. 286).

Para Rawls, ainda que todos os Poderes devam tomar decisões pautadas na razão pública, é o Judiciário, em especial sua Corte Constitucional, que funciona como referencial para os agentes públicos e para os cidadãos. Isso fica ainda mais evidente quando o autor apresenta o critério para que os indivíduos possam discernir se estão argumentando conforme a razão pública: “para saber se estamos de acordo com a razão pública ou não, precisamos perguntar: como nossos argumentos nos pareceriam sob a forma de uma opinião do supremo tribunal? Pareceriam razoáveis? Abusivos?” (Rawls, 2000a, p. 305). Conforme ressalta Zurn (2020ZURN, Christopher F.. Constitutional Interpretation and Public Reason: Seductive Disanalogies. In: LANGVATN, Silje A.; KUMM, Mattias; SADURSKI, Wojciech (Org.). Public Reason and Courts. New York: Cambridge University Pres , 2020. p. 323-349., p. 328), se Rawls estiver certo, temos fortes razões para reconhecer que as Cortes Constitucionais são o melhor local para decidir as principais divergências constitucionais e de moralidade política.

Rawls tem consciência do rigor da razão pública. É difícil desenvolver uma argumentação que não apele para doutrinas morais e religiosas abrangentes. Sabendo disso, afirma que os limites da razão pública não são aplicáveis a todas as questões políticas, ainda que isso seja extremamente desejável. Contudo, por ser uma pretensão difícil de realizar, Rawls defende que os limites da razão pública sejam aplicados àquelas questões que envolvem os elementos constitucionais essenciais e as questões de justiça básica (Rawls, 2000a, p. 263-264).

Já o conteúdo da razão pública é formulado por uma das concepções políticas liberais admitidas pelo consenso sobreposto, as quais possuem três características básicas: especificam certos direitos, liberdades e oportunidades fundamentais; atribuem uma prioridade especial a esses direitos, liberdades e oportunidades; endossam medidas que garantem a todos os cidadãos os meios adequados para tornar efetivo o uso de suas liberdades e oportunidades básicas (Rawls, 1997RAWLS, John. The idea of public reason revisited. The University of Chicago Law Review, v. 64, n. 3, p. 765-807, 1997., p. 776).

Rawls deixa claro que aceitar a ideia de razão pública e seu princípio de legitimidade não exige que aceitemos uma determinada concepção liberal de justiça em todos os seus detalhes (Bonfim; Pedron, 2017BONFIM, Vinícius Silva; PEDRON, Flávio Quinaud. A razão pública conforme John Rawls e a construção legítima do provimento jurisdicional no STF. Revista de Informação Legislativa, v. 54, n. 214, p. 203-223, 2017., p. 2012). O que importa no ideal de razão pública é que os cidadãos devem conduzir suas discussões fundamentais dentro daquilo que cada qual considera uma concepção política de justiça, baseada em valores que se pode razoavelmente esperar que os outros subscrevam, e cada qual está, de boa-fé, preparado para defender aquela concepção entendida dessa forma. Pode haver divergências quanto aos critérios escolhidos, mas a ideia é que são necessários parâmetros que conduzam a argumentação pública e isso já é um filtro muito bom. Nem todo valor passará nesse teste e será um valor político.

Uma concepção política de justiça incluiria princípios substantivos de justiça, aplicáveis à estrutura básica, e diretrizes de indagação, princípios de argumentação que possibilitam aos cidadãos analisar se os princípios de justiça estão sendo aplicados de forma adequada. No processo de justificativa de políticas e leis, deve-se recorrer apenas a crenças gerais e formas de argumentação aceitas no momento presente e encontradas no senso comum, e para os métodos e conclusões da ciência, quando não forem controversos.

Ao final de sua conferência sobre razão pública, Rawls reconhece que o conceito não está acabado e claro o suficiente, necessitando de maiores delimitações. Ainda assim, ressalta duas importantes contribuições suas para o debate: a primeira é o papel central do dever de civilidade enquanto um ideal da democracia; a segunda é que o conteúdo da razão pública seja dado pelos valores políticos e pelas diretrizes da uma concepção política de justiça (Rawls, 2000a, p. 305).

Ainda que a concepção de razão pública desenvolvida por Rawls tenha exercido significativa influência sobre o Direito e a filosofia política, há profundas discordâncias especialmente a respeito das suas ideias sobre o conteúdo da razão pública e o papel das Cortes Constitucionais ao utilizá-la. No próximo subtópico, veremos o pensamento de Jeremy Waldron, um dos principais autores a discordar dos argumentos de Rawls.

3.2. A resposta de Waldron: o Legislativo como modelo para a razão pública

Há um ponto comum nas obras de Jeremy Waldron: a valorização das instâncias políticas majoritárias e representativas, em detrimento do protagonismo judicial. O autor identifica um processo de crescente descrédito do Legislativo no constitucionalismo contemporâneo e, como consequência, “as pessoas convenceram-se de que há algo indecoroso em um sistema no qual uma legislatura eleita, dominada por partidos políticos e tomando suas decisões com base no governo da maioria, tem a palavra final em questões de direito e princípios.” (Waldron, 2003, p. 5).

Em “A Dignidade da Legislação”, Waldron pretende fazer um contraponto à visão pessimista do Legislativo. Segundo o autor, nas últimas décadas, construímos, um retrato idealizado do julgar e o emolduramos junto com o retrato da má fama de legislar (Waldron, 2003, p. 2). Abundam livros e doutrinas que retratam a atividade judicial em seu melhor ângulo, quase utópico, e, proporcionalmente, não faltam trabalhos que apresentam o Legislativo em sua pior perspectiva. A finalidade do autor é fazer um contraponto, apresentando o Legislativo em sua melhor perspectiva. Ao defender o protagonismo do Legislativo, indo na contramão dos defensores de um controle de constitucionalidade forte, Waldron discorda profundamente de Rawls sobre o conteúdo da razão pública e sobre qual Poder deve ser visto como referencial em sua utilização.

Para o autor, ainda que a razão pública pensada por Rawls promova a civilidade e a reciprocidade entre os cidadãos, ela esquece o ponto central da justificação: a busca pelas melhores razões para fundamentar uma decisão. Waldron (2007WALDRON, Jeremy. Public Reason and Justification in the Courtroom. Journal of Law, Philosophy and Culture, v. 1, n. 1, p. 107-134, 2007., p. 116-117), concordando com Raz (1999RAZ, Joseph. Practical Reason and Norms. New York: Oxford University Press , 1999. , p. 17-19), considera que as razões favoráveis e contrárias à decisão X são fatos que podemos afirmar sobre X. Existem fatos positivos e negativos que devem ser considerados na deliberação pública. O ponto decisivo é: mesmo que um indivíduo não reconheça o fato Y como verdadeiro, ele ainda será relevante para a decisão X. Na verdade, o fato Y permanece como uma razão essencial para a tomada de decisão, todavia, acaba sendo desconsiderado pela razão pública de Rawls6 6 Como exemplo, Waldron (2007, p. 118) menciona o debate sobre o aborto. Para os cristãos, há vida desde o momento da concepção, no entanto, essa afirmação é fortemente baseada em sua doutrina religiosa abrangente, que não é seguida por outros grupos. Apesar de muito não possuírem a mesma doutrina religiosa, caso a afirmação dos cristãos seja verdadeira, ela é essencial para o debate sobre o aborto, ainda que poucos acreditem nela. Na razão pública rawlsiana, o argumento cristão só poderia ser introduzido no debate público se fosse traduzido para uma linguagem reconhecida pelas diversas doutrinas abrangentes. .

Como ressalta Waldron (2007WALDRON, Jeremy. Public Reason and Justification in the Courtroom. Journal of Law, Philosophy and Culture, v. 1, n. 1, p. 107-134, 2007., p. 117-119), se queremos justificar uma decisão, não podemos excluir razões apenas com base em crenças individuais. Afinal, o fato Y pode ser tão relevante para a deliberação pública que, caso seja verdadeiro, encerrará a discussão. Apesar disso, seguindo as limitações da razão pública proposta por Rawls, caso determinados grupos não reconheçam o argumento Y, ele não poderá ser usado em debates sobre desacordos de moralidade política. Em resumo: ele será descartado ainda que seja verdadeiro e decisivo para a solução da divergência.

Um processo sério de justificação busca comparar o máximo de razões para uma determinada decisão, analisando o peso de cada uma. Isso significa que a ideia de justificação não envolve uma restrição ao leque de razões que podem ser invocadas. O processo de justificação é aberto e não só permite, mas exige, uma busca cuidadosa por todas as razões que possam influenciar a decisão X (Waldron, 2007WALDRON, Jeremy. Public Reason and Justification in the Courtroom. Journal of Law, Philosophy and Culture, v. 1, n. 1, p. 107-134, 2007., p. 116-117).

Sendo assim, a razão pública deve ser preenchida pelos argumentos relevantes para uma decisão pública, tanto os favoráveis quanto os contrários a ela. Para Waldron, só um Poder pode realizar uma ampla deliberação sobre os desacordos morais: o Legislativo. Quando uma Corte Constitucional julga os seus casos, sempre o faz tendo em vista a Constituição e a sua própria jurisprudência. Se a Corte zela pela integridade, ao analisar um novo caso, buscará precedentes que possam orientar a sua decisão, além de observar os limites impostos pelo texto constitucional. O juiz, ao recorrer às fontes formais do direito, não busca os melhores argumentos para uma decisão, na verdade, procura as justificativas que as fontes formais permitem utilizar (Waldron, 2007, p. 128-129). Afinal, a Corte não quer apenas solucionar um problema, mas sim resolver o problema sob a melhor ótica do que diz a Constituição.

Para Waldron (2009WALDRON, Jeremy. Judges as moral reasoners. International Journal of Constitutional Law , v. 7, n. 1, p. 2-24, 2009., p. 14-15), isso empobrece o debate sobre os desacordos morais. Os juízes se preocupam com a legitimidade de sua atuação, e na medida em que querem ser reconhecidos como cumpridores de sua função - e não como magistrados arbitrários -, vão procurar, sempre que possível, os fundamentos de sua decisão no texto constitucional e nos precedentes judiciais. Caso alguém venha a criticá-lo, ele sempre poderá falar “pessoalmente, eu até concordaria com outra decisão, mas apenas interpretei as claras disposições constitucionais.”.

Waldron não está sozinho nessa crítica. Christopher Zurn, fazendo a mesma objeção à ideia de que a Corte Constitucional é modelo para o uso da razão pública, analisa alguns casos paradigmáticos da jurisprudência norte-americana. Segundo Zurn (2020, p. 336-338), apenas excepcionalmente a Suprema Corte enfrenta o cerne da controvérsia moral. O corriqueiro é que a Corte opte por sequer analisar o desacordo de moralidade política em questão, encerrando o caso com base em precedentes ou argumentos processuais.

Por essas razões, Waldron (2007WALDRON, Jeremy. Public Reason and Justification in the Courtroom. Journal of Law, Philosophy and Culture, v. 1, n. 1, p. 107-134, 2007., p. 128-129) chega a afirmar que os juízes não realizam um verdadeiro processo de justificação, tendo em vista que sua real preocupação não é com a busca pelas melhores razões para sua decisão, na verdade, utilizam apenas as razões autorizadas pelo material jurídico existente. Considerar a Corte Constitucional como modelo de razão pública seria reconhecer, ainda que implicitamente, que a argumentação jurídica é o principal conteúdo da razão pública.

Por outro lado, não é isso o que ocorreria nas deliberações legislativas. Quando os parlamentares tratam de desacordos morais em seus debates, possuem uma ampla liberdade para utilizar argumentos morais, econômicos, religiosos, jurídicos, dentre outros. Dessa forma, o debate legislativo não precisa se esconder em textualismos, como fazem os juízes constitucionais. Ao introduzir no debate público os mais diversos tipos de argumentação, o Legislativo analisa a divergência moral sob uma ótica mais ampla, enfrentando o cerne do problema moral e, por isso, pode alcançar uma melhor solução para o problema (Waldron, 2010WALDRON, Jeremy. A essência da oposição ao judicial review. In: BIGONHA, Antonio Carlos Alpino; MOREIRA, Luiz (Org.). Legitimidade da Jurisdição Constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2010. p. 93-157., p. 130-131). Em resumo, “Claramente, as legislaturas não argumentam da mesma forma que os tribunais, e a maioria de nós deveria dizer que elas não deveriam tentar imitar os tribunais.”7 7 “Patently, legislatures do not reason as courts do, and most of us would say they should not attempt to imitate courts.”. (Waldron, 2009, p. 14-15).

A partir dessa ideia, Waldron (2003WALDRON, Jeremy. A dignidade da legislação. Tradução: Luís Carlos Borges. São Paulos: Martins Fontes, 2003. , p. 115) desenvolve o argumento da sabedoria da multidão, ao qual chama de Doutrina da Sabedoria da Multidão (DSM). A ideia não é defender o protagonismo do Legislativo com base em um valor intrínseco, ou seja, argumentando ser essa uma instância mais legítima do que o Judiciário. Waldron (2010) faz isso em outras obras, mas não é essa a finalidade da DSM. Na verdade, o autor quer mostrar que órgãos plurais e diversificados têm mais chances de alcançar melhores resultados em um processo deliberativo.

A premissa do argumento é que uma coletividade plural, ao tomar decisões em conjunto, pode ser mais sábia que o indivíduo mais sábio que a integra (Waldron, 2003WALDRON, Jeremy. A dignidade da legislação. Tradução: Luís Carlos Borges. São Paulos: Martins Fontes, 2003. , p. 115). Haveria, assim, um ganho epistêmico na diversidade, tendo em vista que pode haver muitos aspectos em determinado caso e não se pode confiar que nenhum homem, por mais sábio que seja, perceba todos eles (Waldron, 2003, p. 125). Portanto, as pessoas se saem melhor no seu pensamento prático quando interagem em grupos diversificados.

O Legislativo reflete a pluralidade da sociedade, pode utilizar os mais diversos argumentos relacionados a um desacordo de moralidade política e é politicamente responsável diante dos cidadãos. Por essas razões, é o ambiente propício para a descoberta de respostas moralmente corretas, caso existam. Afinal, “é na legislatura que nossos representantes discutem sobre justiça; é na legislatura que discordamos sobre justiça, onde temos segundos pensamentos sobre justiça, onde revemos o nosso senso de justiça ou nos atualizamos.” (Waldron, 2003WALDRON, Jeremy. A dignidade da legislação. Tradução: Luís Carlos Borges. São Paulos: Martins Fontes, 2003. , p. 109).

4. IGUALDADE ENTRE OS PODERES E RAZÃO PÚBLICA: VIABILIZANDO O DIÁLOGO INSTITUCIONAL

Depois de todos os argumentos apresentados no tópico anterior, os leitores podem estar se perguntando: afinal, como o pensamento dos dois autores pode colaborar com o diálogo institucional, sem afirmar a supremacia do Legislativo ou do Judiciário?

Para responder essa pergunta, é preciso desmistificar um ponto importante, subjacente ao pensamento de Rawls e Waldron; a concepção de que o Judiciário, especialmente a sua Corte Constitucional, é composto de juízes isolados da política, que realizam julgamentos técnicos e pautados apenas nas fontes formais do Direito. É comum a crença, especialmente entre aqueles que defendem o judicial review, que o design institucional dos tribunais contribui para o seu isolamento das pressões dos agentes políticos e da opinião pública, favorecendo a deliberação imparcial sobre questões constitucionais complexas (Eisgruber, 2001EISGRUBER, Christopher L.. Constitutional Self-Government. Cambridge: Harvard University Press, 2001., p. 4-5).

Ainda que nem sempre o façam explicitamente, os dois autores partem dessa premissa para alcançar duas conclusões opostas. Para Rawls, ao agirem assim, os juízes favorecem a proteção dos direitos fundamentais e preservam a Constituição liberal de imposições tirânicas da maioria, tomando decisões pautadas na razão pública. Por outro lado, Waldron defende que o papel dos juízes é analisar casos de forma técnica, invocando apenas as razões permitidas pelo material jurídico.

No entanto, a ideia de uma Corte Constitucional técnica e imune à política não é verdadeira. Ao longo do século XX, principalmente em sua segunda metade, as teorias normativas sobre o judicial review se preocuparam em construir um muro divisor entre a política e o Direito. Consequentemente, “Nós, no século XXI, tendemos a dividir o mundo em dois domínios diferentes: o domínio da política e o domínio do Direito”8 8 “We in the twenty-first century tend to divide the world into two distinct domains: a domain of politics and a domain of law.”. KRAMER, Larry D. The People Themselves: Popular Constitutionalism and Judicial Review. New York: Oxford University Press, 2004. (Kramer, 2004KRAMER, Larry D.. The People Themselves: Popular Constitutionalism and Judicial Review. New York: Oxford University Press, 2004., p. 7). A falsa dicotomia faz com que o Legislativo seja visto como o fórum da vontade, enquanto o Judiciário, especialmente sua Corte Constitucional, como o fórum da razão (Barroso, 2018BARROSO, Luís Roberto. A judicialização da vida e o papel do Supremo Tribunal Federal. Belo Horizonte: Fórum, 2018. , p. 84-85).

Nos últimos anos, entretanto, os juristas estão reconhecendo a íntima conexão entre Direito, política e jurisdição constitucional. Autores como Rosalind Dixon, Tom Ginsburg e Ran Hirschl mostram a forte relação entre esses elementos. As Cortes Constitucionais são profundamente influenciadas pela opinião pública e pela possível reação dos agentes políticos às suas decisões, levando esses fatores em consideração em seus julgados (Dixon; Ginsburg, 2018DIXON, Rosalind; GINSBURG, Tom. Constitutions as political insurance: variants and limits. In: DELANEY, Erin F.; DIXON, Rosalind (Org.). Comparative Judicial Review. Northampton: Edward Elgar Publishing, 2018. p. 36-59., p. 53-54). O próprio fortalecimento do judicial review favorece atores políticos hegemônicos, protegendo-os contra as dificuldades de um futuro político incerto ou transferindo para o Judiciário a responsabilidade e os riscos por decisões políticas polêmicas (Hirschl, 2004HIRSCHL, Ran. The political origins of the new constitutionalism. Indiana Journal of Global Legal Studies, v. 11, n. 1, p. 71-108, 2004., p. 84-85). Por isso, como explica Friedman (2005FRIEDMAN, Barry. The politics of judicial review. Texas Law Review, v. 84, p. 257-337, 2005., p. 258-259), as teorias constitucionais normativas precisam levar em consideração a relação simbiótica entre Direito, política e jurisdição constitucional (Brandão, 2015BRANDÃO, Rodrigo. Diálogos constitucionais nos Estados Unidos e no Brasil. Revista Jurídica Luso-Brasileira, v. 1, n. 4, p. 1443-1490, 2015., p. 1488-1489).

A partir desse reconhecimento, podemos analisar o pensamento dos dois autores em busca de contribuições para os diálogos constitucionais. Por um lado, a maior contribuição de Rawls para a compreensão da razão pública é ressaltar a sua conexão com o dever de civilidade. O próprio autor afirma que o seu principal objetivo não era definir todo o conteúdo da razão pública, mas ressaltar a sua importância em uma sociedade plural, em que todos os cidadãos são livres e iguais (Rawls, 2000a, p. 305).

Os cidadãos razoáveis não desejam impor a sua visão ao demais apenas baseados em sua influência política ou econômica. Antes, com sinceridade, buscam levar as visões de mundo divergentes em consideração, em um esforço contínuo para, ao fundamentar uma decisão pública, encontrar razões que possam ser aceitas pelas diferentes visões de mundo. Em resumo, a ideia de uma razão pública ressalta nosso dever de exercer o poder político de uma forma razoável e legítima, cientes de que pessoas razoáveis irão discordar sobre importantes questões religiosas, filosóficas e éticas (Lister, 2013LISTER, Andrew. Public Reason and Political Community. London: Bloomsburry Academic, 2013. , p. 8). Guiados pela civilidade, devemos, sempre que possível, fundamentar o exercício do poder político em razões que podem ser aceitas, ou pelo menos não objetadas, por indivíduos com diferentes visões de mundo.

Rawls também está certo ao ressaltar o papel do Judiciário, especialmente a sua Corte Constitucional, no uso da razão pública. Na medida em que o Direito existe para estabilizar expectativas normativas e fornecer razões para solução de conflitos sociais, a argumentação jurídica faz parte da razão pública. Ao interpretar a Constituição, fundamento da ordem jurídica, as Cortes Constitucionais se esforçam para tomar decisões que tenham legitimidade diante da opinião pública, buscando fundamentos constitucionais adequados.

Por outro lado, Waldron acerta ao criticar a concepção mais rígida e excludente de razão pública apresentada por Rawls. De fato, a argumentação jurídica não deve ser o modelo essencial da razão pública. Se assim fosse, o debate sobre os principais desacordos de moralidade política seria empobrecido, já que muitos argumentos importantes, notadamente os de natureza moral e política, dentre outros, sequer seriam plenamente considerados pela Corte Constitucional (Zurn, 2020ZURN, Christopher F.. Constitutional Interpretation and Public Reason: Seductive Disanalogies. In: LANGVATN, Silje A.; KUMM, Mattias; SADURSKI, Wojciech (Org.). Public Reason and Courts. New York: Cambridge University Pres , 2020. p. 323-349., p. 336-338). Como afirma Waldron, os juízes se preocupam com a legitimidade de suas decisões e, por isso, utilizam as razões permitidas pelo material jurídico que interpretam. Ao decidirem um caso, levarão em consideração os precedentes da Corte, o texto constitucional e outras fontes formais do Direito que justifiquem a correção da decisão.

No entanto, a jurisdição constitucional não utiliza apenas razões expressamente autorizadas pelo Legislador. Para Waldron, os juízes não realizam um verdadeiro processo de justificação, visto que só podem utilizar os argumentos autorizados pelo material jurídico. Mas em casos difíceis, em que normas constitucionais com grande abertura semântica e axiológica estão em jogo, o argumento do autor é enfraquecido. Especialmente quando princípios constitucionais estão em conflito, o que é comum em casos difíceis, que envolvem profundos desacordos de moralidade política, os juízes irão recorrer a argumentos que não são propriamente jurídicos (Sadurski, 2018SADURSKI, Wojciech. Judicial Review and Public Reason. In: DELANEY, Erin F..; DIXON, Rosalind (Org.). Comparative Judicial Review . Northampton: Edward Elgar Publishing , 2018. p. 337-356. , p. 354-355) ao menos em uma perspectiva formal. Nesses casos, serão influenciados por razões que vêm de outras áreas da sociedade: política, economia, religião, ciências sociais, dentre outras (Neves, 2014NEVES, Marcelo. Entre Hidra e Hércules: princípios e regras constitucionais. 2ª ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2014. , p. 118-119). Quanto mais difícil o caso, maior a discricionariedade do juiz, especialmente se diversos princípios forem aplicáveis (Otter, 2020OTTER, Ronald C. Den. The Importance of Constitutional Public Reason. In: LANGVATN, Silje A.; KUMM, Mattias; SADURSKI, Wojciech (Org.). Public Reason and Courts. New York: Cambridge University Pres, 2020. p. 66-89., p. 83).

Para solucionar o impasse, não é possível adotar uma visão muito estrita ou excludente de razão pública. Após a obra de Rawls, diversas teorias sobre a razão pública foram desenvolvidas (Quong, 2017QUONG, Jonathan. Public Reason. In: ZALTA, Edward N. (Ed.). The Stanford Encyclopedia of Philosophy, 2017. Disponível em: Disponível em: https://plato.stanford.edu/archives/win2017/entries/public-reason/ . Acesso em: 17 nov. 2021.
https://plato.stanford.edu/archives/win2...
), algumas menos rígidas, outras mais estritas, semelhantes à do autor. Para que seja possível um diálogo institucional entre iguais, é preciso reconhecer duas coisas: primeiro, a argumentação jurídica, especialmente aquela baseada no texto constitucional ou em precedentes da Corte Constitucional, é um importante elemento da razão pública; segundo, há argumentos utilizados pelo Legislativo e pelo Executivo que não partem diretamente da Constituição e que nem sempre poderão ser utilizados pela Corte Constitucional e, apesar disso, são igualmente integrantes da razão pública. Não à toa, Otter chega a diferenciar a razão pública utilizada pelo Legislativo e a razão pública constitucional (RPC), à qual as Cortes Constitucionais recorrem. O trecho a seguir esclarece alguns argumentos apresentados até aqui:

A literatura filosófica sobre o escopo, o público, o conteúdo, a aplicação, a estrutura, os fóruns e a psicologia da razão pública continua a crescer. Em um nível teórico, diferentes versões da razão pública - consenso forte, consenso fraco e versões de convergência - competem por adeptos. Aqueles que querem ver a ideia apropriada para fins constitucionais não podem mais seguir a concepção de Rawls para a razão pública. Em vez disso, eles devem tomar partido em debates teóricos à medida que formulam uma teoria normativa de RPC que conduz a julgamento em casos constitucionais dentro dos limites da tradição constitucional americana. O tipo de RPC que melhor atende a esse fim pode diferir, talvez dramaticamente, do tipo de razão pública que seria mais apropriada para os cidadãos ou seus representantes eleitos quando eles exercem poder político. No máximo, a razão pública Rawlsiana é um ponto de partida para a formulação de uma concepção de RPC9 9 “The philosophical literature concerning the scope, audience, content, application, structure, fora, and psychology of public reason continues to grow. At a theoretical level, different versions of public reason - strong consensus, weak consensus, and convergence versions - compete for adherents.Those who want to see the idea appropriated for constitutional purposes can no longer default to Rawls’s conception of public reason. Instead, they must take sides in theoretical debates as they formulate a normative theory of CPR that is conducive to judging in hard constitutional cases within the limits of the American constitutional tradition. The kind of CPR that best serves this end could differ, perhaps dramatically, from the kind of public reason that would be most appropriate for citizens or their elected representatives when they exercise political power. At most, Rawlsian public reason is a starting point for the formulation of a conception of CPR.”. (Otter, 2020OTTER, Ronald C. Den. The Importance of Constitutional Public Reason. In: LANGVATN, Silje A.; KUMM, Mattias; SADURSKI, Wojciech (Org.). Public Reason and Courts. New York: Cambridge University Pres, 2020. p. 66-89., p. 68-69).

Ainda que Waldron tenha razão nesse ponto, também não é possível considerar o Legislativo como o modelo ideal de razão pública, ou que não existem limites para o tipo de argumento que será usado em deliberações públicas. Em democracias liberais, o processo de justificação não está comprometido, apenas, com a melhor decisão para um problema específico. Em virtude do pluralismo insuperável, sempre haverá discordâncias sobre a correção de uma decisão pública. O que se busca é uma forma de justificação que seja considerada legítima por pessoas com as mais diversas visões de mundo. Nem sempre isso vai levar à decisão correta ou à verdade absoluta, mas a uma decisão razoável, cujos fundamentos podem ser compreendidos e aceitos até por pessoas que discordam do resultado (Otter, 2020OTTER, Ronald C. Den. The Importance of Constitutional Public Reason. In: LANGVATN, Silje A.; KUMM, Mattias; SADURSKI, Wojciech (Org.). Public Reason and Courts. New York: Cambridge University Pres, 2020. p. 66-89., p. 68-69).

Dessa forma, defender a importância da razão pública não significa enxergá-la de forma utópica, como se ela pudesse dar uma única solução para todos os problemas. Na verdade, o objetivo da razão pública não é extinguir os desacordos morais da sociedade, mas permitir que ela continue funcionado apesar deles, fornecendo um ideal a ser seguido na argumentação pública. Como ressalta Schwartzman (2004SCHWARTZMAN, Micah. The completeness of public reason. Politics, Philosophy & Economics, v. 3, n. 2, p. 191-220, 2004., p. 207), “exigimos muito da razão pública se esperamos que ela já tenha as respostas prontas para serem usadas”10 10 “We demand too much of public reason if we expect it to have answers waiting in the wings.”. . O esforço por utilizar argumentos que podem ser compreendidos e aceitos por diferentes doutrinas abrangentes é uma tentativa de obter decisões públicas legítimas, tendo em vista que cidadãos livres e iguais, ainda que discordem do resultado, poderão concordar com as justificativas utilizadas em sua fundamentação. Nesse processo de justificação, todos os Poderes podem ofertar importantes contribuições.

Mas, afinal, qual é a especial contribuição que a Corte Constitucional pode dar para a razão pública e para o diálogo institucional? A resposta, que para Waldron poderia ser considerado como um ponto negativo, é: uma argumentação pautada pela linguagem de direitos (Mendes, 2011MENDES, Conrado Hübner. Direitos fundamentais, separação de poderes e deliberação. São Paulo: Saraiva, 2011. , p. 203).

Não há dúvidas de que a jurisdição constitucional não preenche todo o conteúdo da razão pública, diante das limitações inerentes à atuação da Suprema Corte ou Corte Constitucional, notadamente a necessidade de justificação à luz do texto constitucional, dos seus precedentes, de cânones interpretativos, das questões processuais que restringem o escopo dos temas passíveis de apreciação no processo judicial.

Todavia, ela tem um papel importante a desempenhar, pois o Legislativo, apesar de ter uma maior liberdade em considerar os mais diferentes argumentos para decidir uma controvérsia moral, pode ser prejudicado por alguns pontos cegos.

Tratando do tema, Dixon (2007DIXON, Rosalind. Creating dialogue about socioeconomic rights: Strong-form versus weak-form judicial review revisited. International Journal of Constitutional Law, v. 5, n. 3, p. 391-418, 2007. , p. 402-403) afirma que existem três pontos cegos principais: o de aplicação, já que o Legislativo e o Executivo, ao elaborarem uma lei ou outro ato normativo, não conseguem prever todas as consequências advindas de sua aplicação; o de perspectiva, pois, durante a elaboração de leis e políticas públicas, as perspectivas de grupos vulneráveis e marginalizados, geralmente pouco influentes nos fóruns políticos, podem não ser consideradas adequadamente; e, por fim, a da inércia, quando o Poder Público permanece apático diante de um problema que compromete os direitos fundamentais de determinados segmentos.

Segundo Scott e Sturm (2006SCOTT, Joanne; STURM, Susan. Courts as catalysts: re-thinking the judicial role in new governance. Columbia Journal of European Law, v. 13, p. 565-594, 2006., p. 575), o Judiciário possui o papel de catalisador no enfrentamento dos referidos pontos cegos. Em virtude de sua função de aplicador dos atos normativos e de sua relativa independência política, pode analisar as consequências advindas de uma legislação após a sua elaboração, utilizar a linguagem jurídica para defender os direitos de grupos minoritários e sub-representados, e identificar situações de graves violações a direitos fundamentais, chamando a atenção do Legislativo e do Executivo para essas questões. Apesar das contribuições que a decisão da Corte Constitucional pode dar para o Legislativo, isso não significa que decisão judicial será privilegiada como última palavra definitiva.

Como observam Siegel e Post, a democracia não exige que retiremos a Constituição dos tribunais (2007POST, Robert; SIEGEL, Reva. Roe rage: democratic constitutionalism and backlash. Harvard Civil Rights-Civil Liberties Law Review, v. 42, p. 373-433, 2007., p. 373-375). As decisões da Corte Constitucional podem fomentar o debate público e fornecer novos argumentos que o Legislativo deverá considerar (Silva, 2009SILVA, Virgílio Afonso da. O STF e o controle de constitucionalidade: deliberação, diálogo e razão pública. Revista de direito administrativo, v. 250, p. 197-227, 2009., p. 212-213). Com isso, não se quer dizer quer as Cortes Constitucionais também não sofrem com pontos cegos e não podem falhar. Na verdade, a teoria dos diálogos constitucionais está baseada no reconhecimento de que todos os Poderes vão falhar em algum momento (Kavanagh, 2003KAVANAGH, Aileen. Participation and judicial review: a reply to Jeremy Waldron. Law and Philosophy, v. 22, n. 5, p. 451-486, 2003., p. 476).

A partir do reconhecimento das falhas e virtudes de cada Poder, o diálogo institucional busca a colaboração entre os diferentes atores institucionais, em prol de um melhor processo deliberativo (Brandão, 2017BRANDÃO, Rodrigo. Supremacia Judicial v. Diálogos Constitucionais: a quem cabe a última palavra sobre o sentido da Constituição. 2 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017., p. 288). Exatamente por isso não se deve atribuir uma última palavra definitiva para nenhum deles na interpretação da Constituição. O mais importante é reconhecer as contribuições singulares que cada um pode dar ao debate constitucional, fomentando o aprendizado mútuo a partir das razões apresentadas por cada Poder para a solução de determinada questão constitucional.

5. CONCLUSÃO

Em 1993, ao escrever “O Liberalismo Político”, Rawls estava preocupado com a manutenção de uma sociedade democrática profundamente dividida sobre questões morais, religiosas e filosóficas. Após quase 30 anos da publicação da sua obra, o pluralismo não regrediu, pelo contrário, o dissenso estrutural foi fortalecido. Em um cenário assim, como viabilizar o diálogo institucional na resolução de desacordos de moralidade política?

O presente artigo tentou contribuir com a resposta desse questionamento, revisitando dois autores que divergem profundamente sobre o conteúdo da razão pública e sobre o papel das Cortes Constitucionais ao utilizá-la: John Rawls e Jeremy Waldron. Apesar de suas discordâncias, ambos apresentam argumentos que podem contribuir com um diálogo institucional igualitário.

Por um lado, é preciso reconhecer, assim como Rawls, o papel das Cortes Constitucionais no enfretamento dos desacordos morais. Tribunais desta natureza não realizam uma aplicação mecânica da Constituição, enquadrando casos concretos às disposições constitucionais sob a lógica formal típica da subsunção de casos concretos a normas prévias. Ainda que a interpretação constitucional recorra às técnicas hermenêuticas e aos precedentes, também é profundamente influenciada pela política, pela opinião pública e pelas possíveis reações do Executivo e do Legislativo. Especialmente em casos difíceis, onde normas com abertura semântica e axiológica são interpretadas, os juízes levam em considerações razões morais, políticas, econômicas e sociais para tomar a sua decisão.

Por outro lado, reconhecer a importância das Cortes não significa considerar a argumentação constitucional como principal elemento da razão pública. Se assim fosse, os desacordos de moralidade política seriam discutidos em um campo muito estreito, tolhendo as possibilidades do debate, como defende Waldron. Como dito, a decisões pautadas em uma linguagem de direitos e fundamentadas em razões constitucionais, que representam o seu papel institucional essencial e são favorecidas pelas garantias de independência judicial, são a principal contribuição que as Cortes podem dar para o diálogo institucional, mitigando os pontos cegos na atuação do Legislativo e do Executivo.

O cerne de uma teoria normativa sobre a resolução de desacordos de moralidade política não deveria ser quem seria o responsável por dar uma “última palavra definitiva”. Sabendo que todos os Poderes são falhos e irão tomar decisões equivocadas em algum momento, a pergunta central deve ser “como construir uma relação institucional que promova o aprendizado mútuo e uma deliberação adequada em questões constitucionais sensíveis?”. A razão pública pode ajudar na construção dessa relação dialógica entre os Poderes, favorecendo a troca de justificações para uma decisão pública em torno de uma linguagem comum.

Contudo, para que isso ocorra é preciso reconhecer dois pontos essenciais: primeiro, que as Cortes Constitucionais, apesar de sua especial contribuição para o diálogo institucional, não possuem acesso exclusivo à razão pública, não servindo como referencial superior aos outros Poderes; segundo, que apesar da argumentação constitucional ser um elemento importante da razão pública, existem outros argumentos igualmente relevantes que podem ser melhor examinados pelo Legislativo e pelo Executivo. Apenas quando a razão pública não for monopolizada por um Poder específico, tido como referencial na sua utilização e domínio de seu conteúdo, ela será um instrumento útil para a promoção do diálogo institucional efetivo e igualitário.

REFERÊNCIAS

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  • 1
    De uma forma geral, essa é uma importante característica das teorias de diálogos constitucionais. Contudo, existem teorias dialógicas que, expressa ou implicitamente, atribuem uma preponderância ao Judiciário ou ao Legislativo. Aqui, adota-se, como premissa, o pensamento de Bateup (2005, p. 1109-1111), a qual defende que as teorias dialógicas com maior potencial normativo são aquelas que estabelecem igualdade entre os Poderes no diálogo constitucional, reconhecendo que cada um tem uma contribuição especial a oferecer para a deliberação pública.
  • 2
    Virgílio Afonso da Silva (2016SILVA, Virgílio Afonso da. Beyond Europe and the United States: the wide world of judicial review. In: DELANEY, Erin F. ; DIXON, Rosalind (Org.). Comparative Judicial Review , Northampton: Edward Elgar Publishing . p. 318-336.2016.) mostra como jurisdição constitucional pode ser organizada de diferentes maneiras. Em alguns países, há um órgão de cúpula, como uma Suprema Corte, que recebe os recursos de instâncias inferiores e exerce o controle de constitucionalidade. Em outros, a Corte Constitucional não está inserida na estrutura do Judiciário. Há, ainda, casos em que o órgão de cúpula realiza o controle concentrado de constitucionalidade e, concomitantemente, os demais juízes e tribunais também podem realizar um controle difuso e concreto. O último exemplo é o caso do Brasil. Apesar de reconhecer essa variedade, o artigo utiliza o termo Corte Constitucional para fazer referência a tribunais que dão a “última palavra” sobre a interpretação judicial da Constituição, tendo em vista o forte caráter político de sua atividade.
  • 3
    Sobre o tema, conferir os trabalhos de Sadurski (2018) e Conrado Hübner Mendes (2011, p. 194-198).
  • 4
    Segundo Rawls (2000a, p. 99-102), isso ocorre em virtude dos limites do juízo, fontes dos desacordos morais razoáveis. Para o autor, esses limites são os muitos acasos envolvidos no correto exercício de nossas faculdades de raciocínio e julgamento no curso normal da vida política. Temos que fazer uma série de ponderações, não só entre nossos interesses, mas entre os interesses dos demais. Essa complexidade pode conduzir a resultados diferentes. Rawls aponta causas não exaustivas: evidências conflitantes e complexas; podemos concordar com as considerações relevantes sobre um problema, mas discordar sobre o seu peso; todos os nosso conceitos, não só os morais e políticos, são em alguma medida vagos e sujeitos à controvérsias; em alguma medida nossa forma de reconhecer evidências pesar valores é moldada por nossa experiência de vida; considerações normativas com pesos diferentes; e a necessidade de escolher e ponderar os valores que prezamos. RAWLS, John. O liberalismo político. Tradução: Dinah de Abreu Azevedo. 2ª ed. Ática: São Paulo, 2000a. p. 99-102.
  • 5
    Para Rawls (2000a, p. 193-194), o consenso sobreposto é diferente de um simples modus vivendi. No último caso, os grupos sociais toleram as diferenças apenas porque não tem poder suficiente para suprimi-la. Contudo, caso consigam um maior controle do poder político, aproveitarão a oportunidade para impor sua visão de mundo.
  • 6
    Como exemplo, Waldron (2007, p. 118) menciona o debate sobre o aborto. Para os cristãos, há vida desde o momento da concepção, no entanto, essa afirmação é fortemente baseada em sua doutrina religiosa abrangente, que não é seguida por outros grupos. Apesar de muito não possuírem a mesma doutrina religiosa, caso a afirmação dos cristãos seja verdadeira, ela é essencial para o debate sobre o aborto, ainda que poucos acreditem nela. Na razão pública rawlsiana, o argumento cristão só poderia ser introduzido no debate público se fosse traduzido para uma linguagem reconhecida pelas diversas doutrinas abrangentes.
  • 7
    “Patently, legislatures do not reason as courts do, and most of us would say they should not attempt to imitate courts.”.
  • 8
    “We in the twenty-first century tend to divide the world into two distinct domains: a domain of politics and a domain of law.”. KRAMER, Larry D. The People Themselves: Popular Constitutionalism and Judicial Review. New York: Oxford University Press, 2004.
  • 9
    “The philosophical literature concerning the scope, audience, content, application, structure, fora, and psychology of public reason continues to grow. At a theoretical level, different versions of public reason - strong consensus, weak consensus, and convergence versions - compete for adherents.Those who want to see the idea appropriated for constitutional purposes can no longer default to Rawls’s conception of public reason. Instead, they must take sides in theoretical debates as they formulate a normative theory of CPR that is conducive to judging in hard constitutional cases within the limits of the American constitutional tradition. The kind of CPR that best serves this end could differ, perhaps dramatically, from the kind of public reason that would be most appropriate for citizens or their elected representatives when they exercise political power. At most, Rawlsian public reason is a starting point for the formulation of a conception of CPR.”.
  • 10
    “We demand too much of public reason if we expect it to have answers waiting in the wings.”.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    08 Jan 2022
  • Aceito
    27 Ago 2022
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