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Contratos Internacionais Eletrônicos e o Direito Brasileiro: entre a insuficiência normativa doméstica e as soluções globais1 1 O presente artigo baseia-se em alguns dos resultados de investigação conduzida pelos autores no Projeto "Estado e Mundialização: Fronteiras do Trabalho e Tecnologias", da Linha de Pesquisa "História, Poder e Liberdade", do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFMG, e dos Grupos de Pesquisa "Estado, relações privadas transnacionais nas fronteiras da tecnologia e inovação" e "Direito Internacional Privado no Brasil e nos Foros Internacionais" - DGP/CNPq.

International Electronic Contracts and Brazilian Law: between the domestic legal deficit and global solutions

Resumo

O artigo explora questões relativas à interface entre contratos internacionais eletrônicos e direito internacional privado. Na atualidade, graças à internet, relações comerciais transfronteiriças que poderiam ser impensáveis se tornam possíveis. Contudo, pelas próprias especificidades da internet, contratos contendo elementos de conexão trazem dúvidas quanto à determinação da lei aplicável ou mesmo quanto à validade e à compreensão de sua formação, dentre outras. Diferentemente da extensa agenda normativa estabelecida pela Comissão das Nações Unidas para o Direito do Comércio Internacional sobre o tema, o Brasil necessita avaliar as iniciativas existentes e projetar soluções necessárias para a garantia da segurança jurídica nesse campo.

Palavras-chave:
Contratos Internacionais; Direito Internacional Privado; Internet; Comércio Eletrônico; UNCITRAL.

Abstract

The article explores some issues regarding the interface between international electronic contracts and private international law. Today, thanks to the internet, cross-border commercial transactions, previously unthinkable, become possible. However, as to the inherent specificities of the internet, contracts having connecting factors offer bring questions related to determination of law applicable or even validity issues, among others. Unlike the extensive regulatory agenda furthered by the United Nations Commission on International Trade Law on the subject, Brazil needs to assess existing initiatives and designing the necessary solutions for ensuring legal certainty in this field.

Keywords:
International Contracts; Private International Law; Internet; Electronic Commerce; UNCITRAL.

1 Introdução

De acordo com a precisa observação de Feldstein de Cárdenas e Scotti (2008, p. 78),

[d]entro do contexto internacional existem fenômenos próprios da pós-modernidade capazes de gerar novas fontes de renda, como entrar em inexplorados mercados, e até impulsionar a concreção de negócios inovadores2 2 Tradução livre do espanhol: "Dentro del contexto internacional, existen fenómenos proprios de la postmodernidad capaces de generar nuevas fuentes de ingresos, como aceder a inexplorados mercados, y hasta impulsar la concreción de negocios innovadores". .

Sem margem a dúvidas, a internet3 3 Seguindo a ressalva feita por Newton De Lucca (2005, p. 35), grafar-se-á neste trabalho o vocábulo internet com "i" minúscula. Como observa o autor, citando o Professor Le Tourneau, a palavra internet não é uma marca, e sim uma expressão genérica que designa um meio de comunicação, devendo ser grafada com inicial minúscula tal quais outros meios como telefone, rádio, televisão. mudou, de forma radical, a maneira tradicional de contratação ao fomentar o intercâmbio eletrônico de dados e oferecer ferramentas de comunicação como o correio eletrônico. Destaque-se o fato de que, por meio da rede mundial de computadores, um clique apenas é suficiente para que as partes transponham as fronteiras nacionais. A internet faz com que os problemas nela surgidos sejam, per se, de natureza e essência internacionais. Nesse sentido, não há nada mais atual e, ao mesmo tempo intrínseco, para a dinâmica do Direito Internacional Privado e Direito do Comércio Internacional4 4 Retoma-se, aqui, a opinião de Boggiano (2000, p. XIV) ilustrando a relação entre o Direito Internacional Privado e novas tecnologias: "Uma vez que a comunicação estabelece contatos ou conecta uma variedade de sistemas, não seria algo imediatamente relacionado ao Direito Internacional Privado? Não liga esse campo do Direito os casos multiconectados a sistemas jurídicos e os sistemas jurídicos entre si?". E conclui o professor argentino: "Assim como o cérebro humano, a lei das relações entre ordens jurídicas parece ser uma grande internet, e assim é o Direito Internacional Privado". A natureza global da internet exige uma racionalidade que justifique a existência de instituições e normas do Direito Internacional na atualidade. Sobre o assunto, cf. Svantesson (2005, p. 39 et seq.). .

A possibilidade de comunicar-se com indivíduos nas mais distantes localidades do mundo em tempo real e, por meio eletrônico, expressar a vontade, seja de adquirir um produto ou serviço, seja de fornecê-los, acaba por gerar uma série de questões que devem servir de atenção do jurista. Partindo de uma perspectiva fundada no Direito Internacional Privado, são relevantes a determinação da lei aplicável ao contrato e as formas de garantir sua validade e auxiliar para a compreensão de sua formação.

No contexto da elaboração de certos instrumentos normativos, como tratados, leis-modelo, princípios e diretrizes, diversos valores e convenções entram em consideração: de um lado, as exigências de certeza e segurança que acompanham, historicamente, a construção da própria disciplina do Direito do Comércio Internacional; de outro, a flexibilidade dos negócios jurídicos e seu potencial de adaptação, além da harmonização nas decisões concernentes aos litígios transnacionais (ou multiconectados) envolvendo o componente cibernético ou virtual, típico da internet.

O objetivo deste artigo é analisar como as características próprias da internet impõe a necessidade de buscar soluções específicas, verificar como o trabalho realizado pela UNCITRAL para a regulação dos contratos internacionais eletrônicos vem encontrando essas respostas, especialmente no que concerne à Lei Modelo sobre Comércio Eletrônico e à Convenção das Nações Unidas sobre o Uso de Comunicações Eletrônicas em Contratos Internacionais para, posteriormente, indagar sobre em que medida o Brasil conseguiu avançar neste campo.

2 Características da Internet e as suas Implicações Jurídicas em Matéria de Comércio Eletrônico

Entender a contratação eletrônica, delineando os aspectos em que ela se diferencia daquela comumente realizada em meio físico, passa por identificar quais características da internet têm consequências diretas do ponto de vista jurídico. Como se verá adiante, determinados aspectos inerentes deste meio de comunicação acabam por fazer com que o jurista tenha que repensar pressupostos tradicionais de contratação. Destaca-se aqui o fato de ser a internet um meio deslocalizado, imaterial e instantâneo.

2.1 A Deslocalização

A primeira das características, a qual de maneira especial levanta a necessidade de respostas por parte do Direito Internacional Privado, é a chamada deslocalização das comunicações em meio eletrônico. Todas as transmissões de mensagens realizadas por meio da internet se fazem por bits5 5 Bit é a sigla para o terno em inglês Binary Digit. As informações em meio eletrônico são enviadas em códigos os quais podem ser lidos por computadores, os quais se baseiam em dígitos com base 2, ou seja, 1 (um) ou 0 (zero), os códigos binários. Informações retiradas do glossário disponível em: <http://www.matisse.net/files/glossary.html#B>. Acesso em: 9 maio 2014. , as menores unidades de informação computadorizada. Os códigos binários não têm o território dos Estados como referência e as comunicações realizadas por meio deles não podem ser, a prioiri, localizadas6 6 Diz-se que não podem ser a priori localizadas por não ser esta a realidade em alguns Estados. A territorialidade e o controle da internet dentro das fronteiras são observados em Estados como China, Singapura e Arábia Saudita. Na República Popular da China o controle é feito por meio da própria estrutura física da rede que liga os computadores entre si. A lei chinesa prescreve que toda e qualquer conexão à rede mundial de computadores deve acontecer necessariamente por meio de pontos de acesso diretamente administrados pelo governo chinês: o indivíduo se conecta a um provedor de conteúdo, o qual deve ser conectar a um provedor de acesso, o qual detém as linhas físicas de transmissão de dados e se conecta, diretamente ao ponto de acesso governamental. Ocorre que, mesmo que essa seja a regra na China, não o é na imensa maioria dos Estados, o que nos leva à conclusão de que, na realidade, a regra é a ausência de controles fronteiriços. Cf. Svantesson (2005, p. 39 et seq.). .

Ugo Draetta (2005DRAETTA, Ugo. Internet et commerce électronique en Droit International des Affaires. Recueil des Cours, [S.l.], v. 314, p. 9-232, 2005., p. 46), ao analisar esta característica técnica da internet, observa importantes aspectos relativos a estrutura da comunicações e mobilidade de dados e informações:

a) não se conhece e nem mesmo é possível predeterminar os percursos seguidos pelas informações que circulam pela rede; b) a localização de quem se conecta à internet não é conhecida, uma vez que se pode conectar à internet de não importa que lugar; c) mesmo a localização do site ao qual o usuário se conecta não é conhecida uma vez que este pode ter mirrors ou sites com nomes criptografados; d) a navegação na rede se faz de forma intrinsicamente anônima; e) o número de destinatários das mensagens transmitidas via internet é praticamente infinito, visto o baixo custo de acesso à internet.

E completa:

O destinatário de uma informação transmitida pela internet é potencialmente qualquer um que tenha um computador, por meio de um modem (aparelho que transforma os impulsos que viajam pela rede telefônica em impulsos digitais), à uma linha telefônica. Em outros termos, uma vez que uma mensagem determinada (como por exemplo uma oferta de venda) foi enviada pela rede, não é possível conceber, no plano técnico, uma limitação de destinatários em uma base territorial7 7 Tradução livre do original em francês: "a) on ne connaît pas et on ne peut pas prédéterminer les parcours suivis par les informations qui circulent sur le réseau; b) la localisation de celui qui se relie à internet n'est pas connue, car on peut se brancher sur internet à partir de n'importe quel endroit; c) même la localité du site sur lequel l'opérateur se branche n'est pas connue, car il peut y avoir des mirrors ou des sites avec un nom crypté; d) la navigation sur réseau se fait de manière intrinsèquement anonyme; e) le nombre de destinataires des messages transmis via internet est pratiquement infini, vu le coût dérisoire de l'accès à internet. Le destinataire d'une information transmise par internet est potentiellement celui qui a un computer relié, au moyen d'un modem (appareil qui transforme les impulsions qui voyagent sur le réseau téléphonique en impulsions digitales), à une ligne téléphonique. En d'autres termes, une fois qu'un message déterminé (par exemple une offre de vente) a été envoyé sur le réseau, on ne peut concevoir, sur le plan technique, une limitation de destinataires sur une base territoriale." .

O segundo aspecto apresentado pelo autor é, talvez, o que de forma mais patente caracteriza a deslocalização da internet e que mais preocupações pode levar ao jurista que se interesse por analisar os contratos eletrônicos: "a localização de quem se conecta à internet não é conhecida, uma vez que se pode conectar à internet de não importa que lugar".

Ocorre que, como observa Svantensson, inexistem na internet identificadores geográficos confiáveis (SVANTESSON, 2005SVANTESSON, Dan J. B. The characteristics making internet communication challenge traditional models of regulation - What every international jurist should know about the internet. International Journal of Law and Information Technology, [S.l.], v. 13, n.1, 2005., p. 54). Ainda que uma URL8 8 Abreviação do inglês Uniform Resource Locator. Trata-se exatamente do endereço de recurso disponível na internet. Ver glossário disponível em: <http://www.matisse.net/files/glossary.html#U>. Acesso em: 17 maio 2014. ou um endereço de e-mail levem indicativos geográficos, tais como o ".br" (a exemplo dos endereços e nomes de domínio empregados no Brasil), não há qualquer segurança de que eles sejam, realmente, de pessoas naturais ou jurídicas dos países de onde parecem ser. Exemplo disso é o fato de que nem sempre os sites ou e-mails sem indicativos geográficos, como ".com" ou ".org" apenas, são dos Estados Unidos, apesar de serem comumente tidos como tal.

Ainda como observa Draetta (2005DRAETTA, Ugo. Internet et commerce électronique en Droit International des Affaires. Recueil des Cours, [S.l.], v. 314, p. 9-232, 2005., p. 58), todas as normas que têm um "lugar" como referência acabam por não serem apropriadas à natureza deslocalizada da internet. Daí a dificuldade em se legislar a respeito de direito eletrônico, bem como a inadequação das normas de conflito tradicionais (e respectivas regras de conexão determinadoras de direito aplicável às obrigações contratuais nas redes digitais). De fato, normas que têm como referência o lugar da prática do ato ilícito, o lugar de residência, do principal estabelecimento do negócio, ou ainda, normas conflituais de Direito Internacional Privado intimamente relacionadas ao direito dos contratos, tais como as que levam em consideração para indicação do direito aplicável o lugar de conclusão do contrato, a exemplo do artigo 9º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro9 9 "Artigo 9º Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem". (LINDB)10 10 Decreto-lei n. 4.657/1942. , ou mesmo de execução da obrigação, terminam por ter sua aplicação dificultada nos casos em que a internet seja base para as relações jurídicas. Trata-se, na verdade, de um problema de qualificação dada a patente dificuldade, sem a existência de normas apropriadas para tanto, de se caracterizar com exatidão, por exemplo, o lugar de conclusão de um contrato realizado pela internet.

A determinação do "lugar" nas relações travadas em ambientes de internet (portanto "globais" por natureza) é uma questão de atribuição de efeitos jurídicos. Dessa forma, o que interessa é que existam maneiras seguras de imputar efeitos jurídicos às relações havidas em meio eletrônico (LORENZETTI, 2008LORENZETTI, Ricardo Luis. Contratos "Eletrônicos". In: DE LUCCA, Newton; SIMÃO FILHO, Aldalberto (Coord.). Direito & internet: aspectos jurídicos relevantes. São Paulo: Quartier Latin , 2008. v. II., p. 575).

2.2 A Natureza Imaterial

Outra característica da internet que tem consequências diretas quando se analisa a contratação por meio eletrônico é a natureza imaterial deste meio. Tal atributo entra em conflito com normas que pressupõe documentos em papel. Tradicionalmente, questões sobre a eficácia probatória de um contrato, relacionadas à sua originalidade e assinatura, tiveram como referência a existência de um documento em papel, assinado à tinta e à mão pelas partes contratantes, cujos originais seriam apenas as vias no próprio instrumento indicadas. Esses requisitos sempre foram relacionados à segurança necessária para a assunção de obrigações pelas partes, as quais confiavam à forma a possibilidade de provar qualquer inadimplemento posterior ou direito não satisfeito11 11 Exemplo claro disso é o requisito de legalização de documentos estrangeiros para uso interno, que somente recentemente foi suprido com a ratificação da Convenção da Haia sobre a Apostila de 1961 pelo Brasil (Cf. Decreto n. 8.660/2016). Administrada pela Conferência da Haia de Direito Internacional Privado, este instrumento é adotado por 113 países, dentre os quais se encontram significativos parceiros econômicos brasileiros, como Estados Unidos, China, Argentina, Alemanha, Índia, Rússia, África do Sul, e outros países da América Latina, como México, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela. A Convenção da Apostila foi idealizada como instrumento destinado a racionalizar e simplificar as etapas e meios de utilização de documentos estrangeiros entre Estados contratantes, por meio da supressão das legalizações em repartições diplomáticas e consulares. Para tanto, ela prevê um certificado padrão que comprova, atesta, a autenticidade dos sinais públicos, permitindo o reconhecimento, em determinado Estado contratante, do documento produzido no estrangeiro, na íntegra de suas assinaturas, selos ou carimbos. Esse certificado, a "apostila", é emitido pela autoridade central indicada pelo Estado contratante. Observa-se que a apostila não confirma o conteúdo ou teor do documento, mas antes sua existência formal enquanto tal e a autenticidade dos sinais ali apostos. De acordo com o artigo 5º da Convenção, a "apostila atestará a veracidade da assinatura, a qualidade em que agiu o signatário do ato e, sendo caso disso, a autenticidade do selo ou do carimbo que constam do ato". Ela não objetiva confirmar, portanto, o conteúdo do ato ou documento sob certificação, mas tão somente seus aspectos formais. .

Os contratos eletrônicos, por sua vez, fazem total abstração do suporte em papel. Oferta e aceitação são mensagens transmitidas eletronicamente e, mesmo que possa haver posterior impressão em papel, ainda restaria dúvida quanto à autenticidade do documento12 12 O original seria apenas o documento acessível em meio computadorizado. Uma vez impresso o que já se teria seria uma cópia. . Além do mais, a assinatura, modo confiável de atribuição de autoria (LORENZETTI, 2005______. Informática, Cyberlw e E-Commerce. In: DE LUCCA, Newton; SIMÃO FILHO, Aldalberto (Coord.). Direito & internet: aspectos jurídicos relevantes. 2. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2005., p. 473), também não pode ser, em meio eletrônico, da mesma maneira como tradicionalmente o foi no mundo físico. Tais questionamentos geram a discussão sobre a necessidade de adoção de regras específicas, as quais venham estabelecer parâmetros para a segurança das partes.

Segundo Queiroz e França (2005QUEIROZ, Regis Magalhães Soares de Queiroz; FRANÇA, Henrique de Azevedo Ferreira. Assinatura digital e a cadeia de autoridades certificadoras. In: DE LUCCA, Newton; SIMÃO FILHO, Aldalberto (Coord.). Direito & internet: aspectos jurídicos relevantes. 2. ed. São Paulo: Quartier Latin , 2005., p.424), a desmaterialização está intimamente relacionada ao risco de manipulação das informações contidas em documentos eletrônicos. A natureza digital acaba por deixar aberta a possibilidade de que dados possam ser modificados sem que se deixem ao menos vestígios da modificação13 13 Os autores tratam nesta parte de sua obra sobre o armazenamento de documentos digitalizados, ou seja, de documentos físicos que foram traduzidos em meio digital, em um código binário acessível por computador. Todavia, as considerações por eles feitas são totalmente transponíveis para a realidade de documentos gerados em meio eletrônico, como é o caso do objeto deste trabalho. . Para os autores, desmaterialização é apenas uma metáfora que traduz, na verdade, o risco de fraude.

De acordo com Lorenzetti, a imaterialidade do meio eletrônico gera um "[...] problema de recognoscibilidade: em que condições existe um documento e quando é atribuível ao seu autor" (LORENZETTI, 2005______. Informática, Cyberlw e E-Commerce. In: DE LUCCA, Newton; SIMÃO FILHO, Aldalberto (Coord.). Direito & internet: aspectos jurídicos relevantes. 2. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2005., p. 471). Para o autor, a questão estaria em definir em que condições um documento eletrônico terá a eficácia probatória de indicar a existência de fato de uma obrigação e, também, indicar com precisão quais são as partes envolvidas nesta obrigação.

2.3 A Instantaneidade do Meio

Lorenzetti apresenta, ainda, outro importante aspecto técnico da internet, o qual tem consequências diretas em matéria de contratação: a instantaneidade do meio. Tal elemento gera questões sobre a determinação, com precisão, do momento de aperfeiçoamento do contrato e, também, sobre a legislação a ele aplicada (LORENZETTI, 2005______. Informática, Cyberlw e E-Commerce. In: DE LUCCA, Newton; SIMÃO FILHO, Aldalberto (Coord.). Direito & internet: aspectos jurídicos relevantes. 2. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2005., p. 479). Ainda que estejam distantes geograficamente, as partes podem contratar de maneira instantânea, dada a velocidade de transmissão das mensagens eletrônicas. Dessa maneira, o contrato eletrônico poderia ser considerado tanto como entre presentes, dada a instantaneidade, quanto entre ausentes, considerando-se o lugar dos sujeitos envolvidos. Para a determinação dos fatores apresentados, necessário é fazer, primeiro, uma análise de qual será a legislação aplicável ao contrato para, depois, de acordo com ela, determinar questões sobre a formação do contrato, relacionadas à oferta e aceitação das obrigações.

2.4 Outras Características Relevantes

De acordo com Svantesson (2005SVANTESSON, Dan J. B. The characteristics making internet communication challenge traditional models of regulation - What every international jurist should know about the internet. International Journal of Law and Information Technology, [S.l.], v. 13, n.1, 2005., p. 46)14 14 Para o autor, vale frisar, mais relevante que identificar as características técnicas da internet é trabalhar com as consequências dessas características. Se tecnicamente, em análise estrita a este aspecto, o correio eletrônico em nada poderia ser comparado com o correio tradicional, partindo de uma análise voltada para as consequências e formas de utilização do meio pelo usuário, várias comparações poderiam ser feitas. O autor alerta, porém, que o uso de analogias com outros meios deve ser evitado. Como exemplo das confusões que as analogias podem gerar ao serem utilizadas para buscar entender um meio que, em verdade, se faz um fenômeno significativamente novo e diferente por uma junção de diversos aspectos, cita Svantesson o caso do Communication Decency Act, lei estadunidense promulgada em 1996 e que buscava regular o a transmissão de material pornográfico pela internet. Os defensores da lei faziam analogia da internet com a radiodifusão enquanto os que a atacavam preferiam destacar sua similaridade com as telecomunicações. O objetivo de cada analogia é claro: emissoras de rádio e televisão são multadas pela transmissão de material inapropriado, enquanto as companhias que controlam as redes telefônicas não. , a instantaneidade da internet está relacionada a um fator que também tem relação com sua deslocalização, qual seja sua natureza geograficamente independente. Esse aspecto diz respeito à possibilidade de disponibilizar e de acessar informações que estejam armazenadas em servidores localizados em qualquer local do planeta, assim como ao fato de serem as comunicações realizadas na internet virtualmente instantâneas, não importando o local físico no planeta de onde se originem as informações e para onde elas vão. O tempo para o acesso de informações armazenadas em um servidor local ou em um servidor na Europa, por exemplo, é praticamente o mesmo.

Svantensson (2005, p. 48 et seq.) destaca, ainda, o fato de ser a internet um meio de comunicação pouco dependente da língua uma vez que várias são as ferramentas de tradução existentes, inclusive com a possibilidade de tradução automática de sites inteiramente escritos em línguas estrangeiras. Além disso, para ele, a internet é um meio de comunicação em que um ser pode falar a muitos outros ao mesmo tempo, paritariamente, já que os custos envolvidos são relativamente baixos e, por isso, é um meio extremamente utilizado.

3 As Iniciativas da UNCITRAL para a Regulação Transnacional dos Contratos Internacionais Eletrônicos

A UNCITRAL, sigla em inglês pela qual é internacionalmente conhecida a Comissão das Nações Unidas para o Direito do Comércio Internacional, foi criada em 1966 pela Assembleia Geral das Nações Unidas15 15 A resolução A/RES/2205(XXI) criou a UNCITRAL. As referências a resoluções e relatórios provindos de órgãos das Nações Unidas seguirão o padrão de busca estabelecido pela Organização. A consulta ao inteiro está disponível em: <http://www.un.org/en/documents/>. Acesso em: 10 abr. 2014. com o objetivo de promover a progressiva harmonização e unificação do direito comercial internacional.

A relevância dos trabalhos realizados pela UNCITRAL está no fato de ser a Comissão um foro de debates no qual os Estados, doutrinadores e representantes da sociedade civil, interessados, unirem esforços no objetivo comum de encontrar soluções equânimes para os mais diversos desafios apresentados ao direito pelo comércio internacional, levando em consideração os mais diversos interesses e tradições jurídicas.

A percepção da UNCITRAL sobre os efeitos das novas tecnologias de comunicação e informação sobre eventos e negócios jurídicos típicos do comércio internacional, foi ao longo da própria existência da Comissão, sentida em vários temas. Entre eles, destacam-se, fundamentalmente: o valor jurídico dos registros computadorizados16 16 Ver a Recomendação sobre o Valor Jurídico dos Registros Computadorizados. Em inglês disponível em: <http://www.uncitral.org/pdf/english/texts/electcom/computerrecords-e.pdf>. Acesso em: 15 abr. 2014. ; a certificação e assinaturas eletrônicas17 17 Ver a Lei Modelo sobre Assinaturas Eletrônicas. O texto completo, assim como o guia para adoção pelos países, está disponível em: <http://www.uncitral.org/pdf/english/texts/electcom/ml-elecsig-e.pdf>. Acesso em: 15 abr. 2014. e a utilização da comunicação eletrônica em matéria de contratos internacionais do comércio e a própria regulamentação internacional do comércio eletrônico.

Para os fins deste ensaio, interessam, sobretudo, dois instrumentos: a Lei Modelo Sobre Comércio Eletrônico e, também, o mais recente texto normativo, a Convenção das Nações Unidas sobre o Uso de Comunicações Eletrônicas em Contratos Internacionais.

3.1 Lei Modelo sobre Comércio Eletrônico

Em 1991, durante a 24ª Sessão da Comissão, já era claro que os aspectos legais relacionados ao intercâmbio de dados eletrônicos se tornariam cada vez mais importantes e que, portanto, um detalhamento de todos esses aspectos deveria ser levado a cabo nos trabalhos da UNCITRAL (1992).

Em 1996 foi, então, lançada pela UNCITRAL a Lei Modelo sobre Comércio Eletrônico (LMCE)18 18 Adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas pela resolução A/RES/51/162. O texto oficial da Lei Modelo, emendado em 1998 para a inclusão do art. 5º bis, encontra-se disponível em inglês em: <http://www.uncitral.org/pdf/english/texts/electcom/05-89450_Ebook.pdf>. Acesso em: 15 fev. 2014. , hoje o mais popular instrumento normativo não vinculante sobre proteção comercial no ambiente eletrônico (DAVIDSON, 2009DAVIDSON, Alan. The law of eletronic commerce. Cambridge: Cambridge University Press, 2009., p. 25), tendo sido adotada por mais de 50 países, dentre eles África do Sul, Austrália, China, França, Índia e México e, ainda, por alguns estados do Canada e Estados Unidos, além de alguns integrantes do Reino Unido da Grã Bretanha e Irlanda do Norte19 19 A lista completa das adesões à Lei Modelo sobre Comércio Eletrônico está disponível em: <http://www.uncitral.org/uncitral/en/uncitral_texts/electronic_commerce/1996Model_status.html>. Acesso em: 15 ago. 2014. . Seu maior objetivo é o de oferecer aos legislativos nacionais regras internacionalmente aceitas voltadas para a remoção de obstáculos legais relacionados ao comércio eletrônico, facilitando-o por meio da segurança jurídica a ele garantida e contribuindo para o desenvolvimento harmonioso das relações econômicas internacionais.

A LMCE é composta de 17 artigos e está dividida em duas partes, a primeira contendo regras gerais sobre comércio eletrônico e a segunda sobre contratos de transporte de mercadorias e documentos a eles relacionados. Dentre outros temas substantivos, a LMCE dispõe sobre os requisitos legais aplicáveis às mensagens de dados, tais como o reconhecimento legal destas mensagens, a necessidade de serem escritas, questões sobre assinaturas e sobre a admissibilidade e peso probatório de tais mensagens. Lida, ainda, com a comunicação das mensagens de dados, mais especificamente com a formação e validade dos contratos, o reconhecimento de entrega das mensagens de dados e com o tempo e lugar do envio e do recebimento dessas mensagens.

3.1.1 Dos Princípios que Inspiram a Contratação no Comércio Eletrônico

Patente à contribuição da LMCE como parâmetro pra a modernização das leis internas dos Estados, no sentido de adaptá-las às novas tecnologias de comunicação, estabelecendo, de forma simples e objetiva, regras capazes de superar dificuldades ligadas à obrigatoriedade de utilização de documentos físicos em papel, o que poderia prejudicar o desenvolvimento do comércio em meio eletrônico (DRAETTA, 2005DRAETTA, Ugo. Internet et commerce électronique en Droit International des Affaires. Recueil des Cours, [S.l.], v. 314, p. 9-232, 2005., p. 100). Sua contribuição também reside no fato de a Lei Modelo ter estabelecido princípios de extrema relevância para o comercio eletrônico, os quais podem ser considerados elementos fundadores da regulamentação jurídica - ainda que incipiente - do comércio eletrônico no plano internacional.

O primeiro dos princípios, o da não discriminação prejudicial, estabelece que a um documento não se deve negar a validade jurídica, o efeito ou a aplicação, pelo simples fato de tratar-se de um documento apresentado em forma eletrônica. Ou seja, de acordo com esse princípio, não deve haver qualquer tipo de favorecimento dos documentos apresentados em papel em detrimento daqueles eletronicamente exibidos} (DRAETTA, 2005DRAETTA, Ugo. Internet et commerce électronique en Droit International des Affaires. Recueil des Cours, [S.l.], v. 314, p. 9-232, 2005., p. 100). Tal princípio está expresso no arigo 5º da LMCE.

O segundo é o chamado princípio da equivalência funcional, segundo o qual as comunicações eletrônicas devem ser consideradas equivalentes àquelas feitas em papel sempre e quando seja possível estabelecer que eles cumpram os propósitos e as funções de aspectos inerentes aos documentos em papel, como serem escritos, assinados e originais, os quais são tratados respectivamente nos artigos 6º, 7º e 8º da LMCE. Na verdade, esse princípio estabelece a necessidade de revisão da função e da razão dos instrumentos jurídicos tradicionais para, assim, sempre que possível, adaptá-los a um novo contexto comercial desmaterializado, ou seja, o qual abstrai o suporte físico em papel, com que novas regras seriam necessárias apenas caso tal adaptação não fosse possível (GABRIEL, 2011GABRIEL, Henry D. Uniform law of electronic commerce in private international law: where have we been and where are we going? International Trade and Business Law Review, [S.l.], v. 14, 2011., p. 392)20 20 Parece existir, inclusive, no Código de Defesa do Consumidor de 1990, artigo30, regra da qual se infere o princípio da equivalência funcional em matéria de contratação eletrônica com consumidor, ao estipular que "toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma, ou meio de comunicação, com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado". .

Por fim, está o princípio da neutralidade tecnológica. Este princípio leva em consideração o rápido desenvolvimento das novas tecnologias de comunicação e sugere que as regras a serem adotas pelos Estados sejam as mais neutras possíveis com relação à tecnologia utilizada para o envio das mensagens e documentos, evitando, com sua flexibilidade, novas adaptações legislativas no futuro. De acordo com Marcelo Thompson (2012THOMPSON, Marcelo. Neutralization of Harmony: the problem of technological neutrality, east and west. Boston University Journal of Science & Technology Law, [S.l.], v. 18, Tomo 2, 2012.), a ideia geral do princípio é a de que "[...] a lei não deve escolher vencedores e perdedores tecnológicos, que ela não deve nem ajudar nem prejudicar determinados tipos de artefatos tecnológicos" (THOMPSON, 2012THOMPSON, Marcelo. Neutralization of Harmony: the problem of technological neutrality, east and west. Boston University Journal of Science & Technology Law, [S.l.], v. 18, Tomo 2, 2012., p. 303)21 21 Tradução livre do original em inglês: "law should not pick technological winners and losers, that law should neither help nor hinder particular types of technological artifacts". Acrescenta-se que, de forma ampla e profunda, o autor trata este princípio como reflexo de uma visão político-filosófica, afirmando-o como algo que vai muito além das simples técnicas para evitar a obsolescência das leis. Recomendado para estudos aprofundados sobre o assunto. .

Daqui a escolha dos elaboradores da LMCE pela expressão "mensagem de dados" ao invés de, por exemplo, "e-mail", a qual por si só já conota a utilização de um determinado meio de comunicação (DAVIDSON, 2009DAVIDSON, Alan. The law of eletronic commerce. Cambridge: Cambridge University Press, 2009., p. 26). Não à toa, ao definir o termo "mensagem de dados", o artigo 2º da LMCE estabelece que ele se refira a qualquer informação gerada, enviada ou recebida por meios eletrônicos, ópticos ou similares, o que inclui, sem limitação, o correio eletrônico, o telegrama e o telex.

Importante se faz destacar que, além da emenda ocorrida em 1998 para que fosse acrescentado o artigo 5º bis, vários dispositivos foram alterados pela Convenção das Nações Unidas sobre o Uso de Comunicações Eletrônicas em Contratos Internacionais, a qual será analisada a seguir, e que a segunda parte da LMCE foi complementada pela Convenção das Nações Unidas sobre Transporte de Mercadorias Inteiramente ou Parcialmente Marítimo, conhecida como Regras de Roterdã22 22 Esclarecimentos da UNCITRAL disponíveis em: <http://www.uncitral.org/uncitral/en/uncitral_texts/electronic_commerce/1996Model.html>. Acesso em: 15 abr. 2014. .

3.2 Convenção das Nações Unidas sobre o Uso de Comunicações Eletrônicas em Contratos Internacionais

A partir da recomendação adotada pelo Centro de Facilitação do Comércio e dos Negócios Eletrônicos das Nações Unidas (UNCITAD, 1999, §60), segundo a qual a UNCITRAL deveria adotar medidas para garantir que as referências a "escrita", "assinatura" e "documento" em convenções e tratados internacionais relativos ao comércio internacional permitissem a utilização de comunicações eletrônicas, o Grupo de Trabalho IV começou as atividades que culminaram na adoção em 2005 da Convenção das Nações Unidas sobre o Uso de Comunicações Eletrônicas em Contratos Internacionais (UNECIC, em sua sigla em inglês). Cabe ressaltar que, inicialmente, não houve consenso sobre a forma que teria o instrumento a ser adotado, o qual poderia ser outra lei modelo, uma convenção ou mesmo uma recomendação sobre a necessidade de se emendar tratados existentes (EISENLEN, 2008, p. 109)23 23 Destaque-se que a decisão pela emenda de tratados existentes seria, quiçá, a de mais difícil implementação dadas as dificuldades para organizar conferências diplomáticas para a revisão e adaptação de cada tratado para a realidade do comércio eletrônico. . Todavia, o Grupo de Trabalho começou a elaborar o projeto da Convenção já em 2002, durante sua 39ª Sessão (UNCITRAL, 2002). A convenção teria como objeto as questões específicas da formação dos contratos levantadas pelo uso de mensagens de dados.

De acordo com o Secretariado da UNCITRAL, "[o] objetivo da Convenção sobre Comunicações Eletrônicas é oferecer soluções práticas para questões relativas ao uso de meios eletrônicos de comunicação relacionados aos contratos internacionais"24 24 Tradução livre do original em inglês: "The purpose of the Electronic Communications Convention is to offer practical solutions for issues related to the use of electronic means of communication in connection with international contracts". Tal afirmação foi feita na nota explicativa que acompanha a publicação da Convenção, página 13, §3. Disponível em: <http://www.uncitral.org/pdf/english/texts/electcom/06-57452_Ebook.pdf>. Acesso em: 16 maio 2014. . Concebida inicialmente como um instrumento gerador de previsibilidade comercial a partir da remoção das incertezas ainda existentes quanto ao comércio eletrônico internacional (EISENLEN, 2008, p. 112), como as relacionadas ao local e momento da formação dos contratos, a Convenção também buscou remover os obstáculos possivelmente criados pela aplicação de convenções sobre comércio internacional já existentes25 25 Ver artigo 20 da Convenção. .

Os três princípios introduzidos pela LMCE - não discriminação prejudicial, igualdade funcional e neutralidade tecnológica26 26 Cf. Item 3.1.1 (relativamente aos princípios atinentes ao comércio eletrônico). - foram coerentemente mantidos pela UNECIC, sendo, igualmente, sua base estrutural. Com o avanço, tanto do próprio comércio eletrônico quanto dos estudos realizados pela UNCITRAL no âmbito do Grupo de Trabalho IV, a Convenção apresenta outros princípios os quais passaram a informar a regulação do comércio eletrônico. Depois de realizar um estudo detalhado sobre a UNECIC, o professor Sieg Eiselen (2008EISELEN, Sieg. The prupose, scope and underlying principles of the UNECIC. In: ANDERSEN, Camilla B.; SCHROETER, Ulrich G. (Org.). Sharing international commercial law across national boundaries. Londres: Wildy, Simmonds & Hill Publishing, 2008., p. 115) destaca seus seguintes princípios: (i) internacionalidade, harmonização, unificação e interpretação autônoma; (ii) facilitação do comércio; (iii) segurança jurídica e previsibilidade comercial; (iv) liberdade contratual; (v) boa-fé; (vi) proteção da confiança razoável; (vii) liberdade de forma; e (viii) localização física das partes.

A UNECIC esteve aberta para assinatura entre 16 de janeiro de 2006 e 16 de janeiro de 2008, como estabeleceu seu artigo 16.1, período no qual 18 Estados realizaram o procedimento27 27 Quais sejam: Arábia Saudita, China, Colômbia, Filipinas, Honduras, Irã, Líbano, Madagascar, Montenegro, Panamá, Paraguai, República Centro-africana, República da Coreia, Rússia, Senegal, Serra Leoa, Singapura, Sri Lanka. . Destes, apenas dois a ratificaram: Honduras, em 15 de junho de 2010, e Singapura28 28 Utilizando a prerrogativa do artigo 19.2 da Convenção, Singapura excluiu a aplicação a comunicações eletrônicas relativas à alienação ou disposição de bens imóveis, à feitura ou execução de testamentos e, ainda, à criação, aplicação ou execução de escrituras, declarações de confiança e procurações. , em 7 de julho de 2010. Apesar do período para assinaturas, a Convenção está aberta para adesão pelos estados não signatários, como previsto no artigo 16.3. E justamente fazendo valer esta cláusula a República Dominicana aderiu à Convenção em 2 de agosto de 2012. Com o depósito do terceiro instrumento de adesão, a UNECIC entrou em vigor no plano internacional em 1º de março de 2013, o primeiro dia do mês seguinte ao fim do prazo de seis meses do depósito da República Dominicana29 29 O requisito foi estabelecido pelo artigo 23.1 da UNECIC. . Recentemente a Rússia, que tinha apenas assinado a Convenção, aceitou sua aplicação em 6 de janeiro de 2014, e em 28 de janeiro de 2014 o Congo aderiu, tendo a Convenção para estes entrado em vigor em 1º de agosto de 2014.

Foram necessários, portanto, pouco mais de 6 anos para que a UNECIC entrasse em vigor. Os únicos três países que a haviam ratificado até o início de 2014 não são considerados como comercialmente relevantes no cenário internacional. Estes fatos fazem com que existam dúvidas sobre o sucesso da Convenção. Em 2009, ou seja, quando as ratificações ainda não haviam sido alcançadas, Amelia H. Boss (2009BOSS, Amelia H. The Evolution of Commercial Law Norms: Lessons to be Learned From Electronic Commerce. Brooklyn journal of international law, Brooklyn, N.Y., v. 34, p. 3, p. 673-708, 2009., p. 706), mesmo sem saber se algum dia a Convenção entraria em vigor, afirmava que se a medida do sucesso de uma convenção fosse somente o número de ratificações, sim, a UNCEIC seria um fracasso.

Todavia, se todo o processo que levou à adoção da Convenção for considerado, a conclusão à qual se chegará será outra. Alcançou-se um maior desenvolvimento dos conceitos e ideias relacionadas ao comércio eletrônico durante os anos de elaboração da Convenção e sua existência passou a ser um incentivo aos Estados e para que adotem suas provisões ou mesmo para que elas sejam adotadas em âmbito regional30 30 Pode-se, ainda, considerar a aplicação da UNECIC como fonte subsidiária e interpretativa (soft law) uma vez que suas normas específicas poderiam ser úteis para a solução de litígios envolvendo contratos eletrônicos. . O fato de a Rússia a ter aceitado no início deste ano é algo a ser celebrado já, sem sombra de dúvidas, trata-se de um Estado com expressão internacional que pode influenciar a que outros sigam o exemplo.

Ainda que os avanços devam ser ressaltados, uma visão mais crítica sobre a Convenção terminará por apontar algumas deficiências, tais como seus efeitos não vinculantes para outros Estados que representem maior significado para o comércio eletrônico em escala transnacional. Isso sugere que a medida de êxito da Convenção nesse domínio estaria na dependência da ratificação por certos Estados, ainda que para facilitar a interpretação de outras convenções das quais eles já sejam partes. O mesmo se diga em relação a alguns dispositivos demasiadamente amplos, os quais não solucionariam litígios relativas ao uso da internet na contratação eletrônica (POLÁNSKI, 2008POLÁNSKI. Paul Przemyslaw. The internationalization of internet law. In: KLABBERS, Jan; SELLER, Mortimer (Ed.). The Internationalization of Law and Legal Education, Springer, 2008., p. 192). Ademais, se comparada com a Convenção das Nações Unidas sobre Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias (conhecida internacionalmente por sua sigla em inglês "CISG"), a UNECIC demonstrará não ser tão flexível e completa por não trazer normas detalhadas sobre os direitos e obrigações das partes (POLÁNSKI, 2008, p. 192)31 31 Há de se considerar, porém, como observado pelo próprio autor, que a CISG, elaborada na década de 1970, não leva em consideração as formas modernas do comércio eletrônico. .

4 Necessidade de Consolidação da Disciplina dos Contratos Internacionais Eletrônicos no Brasil

Depois de analisadas as características da internet que têm reflexo nas questões contratuais, e, ainda, como a UNCITRAL vem tratando a matéria, faz-se necessário verificar a atual situação do Brasil a este respeito.

4.1 A Ausência de Legislação Específica

A lacuna legislativa no Brasil com relação aos contratos eletrônicos é patente. Os contratos são, no Brasil, regulados pelo Código Civil32 32 Lei n. 10.0406, de 10 de janeiro de 2002. , sendo seu Título V (artigos de 421 a 480) dedicado aos Contratos em Geral. Apesar de recente a normativa, não se pode afirmar que seja atual: dentre estas disposições, nas quais se poderia haver incluído regras voltadas aos contratos celebrados pela internet, não há qualquer referência à contratação eletrônica33 33 Há de se considerar, neste ponto, que a "Comissão Revisora e Elaboradora do Código Civil" foi constituída em 1969, época em que as questões relativas ao comércio eletrônico sequer eram imaginadas. .

A única ressalva que poderia ser feita é em relação ao artigo 428, I, o qual estabelece que é considerada presente a "[...] a pessoa que contrata por telefone ou por meio de comunicação semelhante". A menção a algum meio de comunicação semelhante ao telefone poderia sugerir a utilização de meios eletrônicos34 34 É o que defende, por exemplo, De Lucca (2005, p. 73). Venosa (2003, p. 528 e 529), ao comentar o mesmo artigo 428, I, defende que só se poderia considerar a contratação pela via eletrônica entre presentes caso cada uma das partes utilizasse um "computador de forma simultânea e concomitante, como se ocorresse uma conversa ordinária, materializada na remessa recíproca de dados: remetemos a proposta, o destinatário está à espera, lê-a no monitor e envia a aceitação ou rejeição, ou formula contraproposta." . Pode-se observar, porém, que não houve preocupação do legislador sobre as questões específicas do meio eletrônico, principalmente a internet. Cite-se como exemplo o artigo 42935 35 Art. 429. A oferta ao público equivale a proposta quando encerra os requisitos essenciais ao contrato, salvo se o contrário resultar das circunstâncias ou dos usos. , cuja norma é o exato oposto do artigo 11 da UNECIC36 36 Artigo 11. Convite para ofertas. "Uma proposta de contrato feita por meio de uma ou mais comunicações eletrônicas que não estejam endereçadas a uma ou mais partes específicas, mas que sejam acessíveis, de forma geral, a partes que façam uso de sistemas de informação, inclusive propostas que façam uso de aplicações interativas para a realização de pedidos por meio de tais sistemas de informação, será considerada um convite para ofertas, a não ser que indique claramente a intenção da parte que faz a proposta de se vincular em caso de aceitação". Tradução realizada por Bernardo Santos, Pedro Martini e Pedro Soares, disponível em: <http://www.cisg-brasil.net/doc/Traducao_convencao_comunicacoes_eletronicas.pdf>. Acesso em: 17 jan. 2014. e ignora todas as considerações e estudos feitos pela UNCITRAL sobre as peculiaridades das ofertas feitas por websites.

Além de não ser tratado no Código Civil, inexiste no ordenamento qualquer normativa especial que disponha sobre o comércio eletrônico em todos os aspectos já tratados pela UNCITRAL. Em outros países, tais como os que adotaram normas inspiradas na LMCE, a exemplo de África do Sul, Austrália, China, França, Índia e México e, ainda, por alguns estados do Canada e Estados Unidos, além de alguns integrantes do Reino Unido da Grã Bretanha e Irlanda do Norte, dentre outros, esta já é uma realidade. Cite-se, ainda, a Diretiva da União Europeia sobre Comércio Eletrônico37 37 Disponível em: < http://ec.europa.eu/internal_market/e-commerce/directive/>. Acesso em: 20 abr. 2014. , considerado um marco no desenvolvimento da matéria.

Uma análise do ordenamento voltada exclusivamente para os contratos internacionais eletrônicos demonstra, ainda, que as normas de conflito nacionais não dão respostas satisfatórias para a definição da lei aplicável a estes contratos38 38 Essa insuficiência ou déficit normativos já vêm sendo denunciados tanto em função das regras de conexão determinadoras de lei aplicável aos contratos internacionais, como bem observam Nadia de Araujo e Lauro Gama (2006, p. 11 et seq.), como do ponto de vista do direito material do consumidor no contexto do comércio eletrônico (cf. MARQUES, 2006, p. 9 et seq.). Em linha com os trabalhos dos autores, seria possível verificar que nenhuma iniciativa legislativa interna poderia desprezar as tendências de modernização do direito internacional privado no campo dos contratos internacionais (do ponto de vista de conexões e regras de jurisdição) em interface com o direito material do consumidor. . O critério adotado pelo artigo 9º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro é o de que para as obrigações se aplica a lei do local de sua constituição e, em caso de contratos entre ausentes, a do local de residência do proponente. Ocorre que, como já observado39 39 Cf. item 2.2 acima. , a deslocalização da internet faz com que estas regras que tenham como referencial um elemento territorial físico (ou espacial) sejam inapropriadas. Faltam, ao menos, normas qualificadoras do que se entende por localização do proponente no meio eletrônico, pressupondo que tenha sido estabelecido que o contrato eletrônico será considerado entre ausentes40 40 Parece, assim, que o anacronismo das regras de conexão contidas no artigo 9º da LINDB, distanciando-se, inclusive, do princípio da autonomia da vontade em matéria de contratos internacionais, também não contribui com soluções adequadas à dinâmica da contratação eletrônica em escala transnacional. .

Ressalte-se, porém, que o Brasil avançou em questões relacionadas assinaturas digitais com a edição da Medida Provisória n. 2.200-2/2001, a qual instituiu a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP) - Brasil. A entidade é responsável por "[...] garantir a autenticidade, a integridade e a validade jurídica de documentos em forma eletrônica, das aplicações de suporte e das aplicações habilitadas que utilizem certificados digitais, bem como a realização de transações eletrônicas seguras [...]", como dispõe o artigo 1º da Medida Provisória. A certificação eletrônica como elemento da assinatura, da firma, corresponde a uma solução material para o tratamento da disciplina dos contratos internacionais eletrônicos, tanto no que concerne à formação quanto à validade dos negócios.

Sob a perspectiva consumerista, o Decreto n. 7.962, de 15 de março de 2013, em vigor desde maio deste ano, também significou avanço ao regulamentar o Código de Defesa do Consumidor dispondo sobre a contratação no comércio eletrônico. Trata ele sobre a necessidade de prestar informações claras a respeito do produto ou, serviço e do fornecedor, sobre o atendimento facilitado ao consumidor e o respeito ao direito de arrependimento41 41 Artigo 1º do referido Decreto. . Destaque-se que dentre suas disposições existem normas sobre as obrigações do fornecedor de disponibilizar o contrato ao consumidor em meio que permita sua conservação e reprodução, imediatamente após a contratação; de fornecer ferramentas eficazes ao consumidor para identificação e correção imediata de erros ocorridos nas etapas anteriores à finalização da contratação; e de informar o seu endereço físico e eletrônico, e demais informações necessárias para sua localização e contato, preocupações análogas às existentes na normativa transnacional analisada.

Os exemplos citados são os poucos existentes dentro do direito brasileiro e não conseguem suprir a necessidade de uma regulação abrangente que dê segurança às partes em um contrato comercial típico. Demonstrada esta lacuna normativa, necessário se fez verificar como o judiciário vem tratando casos relacionados aos contratos eletrônicos.

4.2 Julgados em Matéria de Contratos Eletrônicos no Brasil

Cabe, de antemão, esclarecer que as pesquisas jurisprudenciais realizadas42 42 Foram pesquisados os repositórios de jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e dos Tribunais de Justiça de Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul, além de pesquisas realizadas pelo portal especializado em informação jurídica e legislativa <www.lexml.gov.br>, ferramenta organizada pelo Senado Federal. tiveram como objetivo verificar como o judiciário nacional vem entendendo sobre as matérias de que tratou a UNCITRAL, ou seja, questões sobre a validade e relacionadas à formação dos contratos eletrônicos. Apesar de o objeto deste trabalho dedicar-se aos contratos internacionais eletrônicos, resultou infrutífera a pesquisa de casos nos quais questões levantadas especificamente por estes tenham sido tratadas. Não obstante, ações nas quais houve análise de algum aspecto dos contratos eletrônicos domésticos foram encontradas43 43 Infelizmente não é possível falar em uma jurisprudência em contratos eletrônicos, ou, em outras palavras, na consolidação de entendimentos sobre o tema. Nenhum caso específico sobre contratos eletrônicos foi encontrado nos tribunais superiores. . A seguir uma breve análise sobre elas.

O caso mais recente encontrado foi julgado pelo TJMG e chama a atenção por ter a decisão sido baseada no princípio da equivalência funcional:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. CONTRATO ELETRÔNICO. PRINCÍPIO DA EQUIVALÊNCIA FUNCIONAL. PROVA DA ASSINATURA. ART. 389, II DO CPC. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO. SENTENÇA MANTIDA.

  1. Pelo princípio da equivalência funcional, o registro eletrônico da contratação não lhe compromete a validade nem a eficácia. Contudo, remanescem os cuidados com a inalterabilidade e o registro da declaração de vontade.

  2. Nos termos do art. 389, II do CPC, contestada a assinatura do documento, cabe à parte que o produziu provar-lhe a veracidade. (grifo nosso)44 44 TJMG. Apelação Cível 1.0056.11.003473-5/002, Relator: Des. José Marcos Vieira, 16ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 03/07/2013, publicação da súmula em 12/07/2013.

Ao analisar o voto do relator, verifica-se que, na ausência de legislação específica, recorreu o desembargador à doutrina de Fábio Ulhôa Coelho para fundamentar sua decisão no sentido de que o contrato celebrado por meio eletrônico tem a mesma validade do firmado em papel, desde que respeitado o registro da declaração de vontade. Como não houve prova da assinatura eletrônica do contrato, e sendo este um requisito para a verificação da vontade de se obrigar, decidiu-se pela não imputação dos efeitos do negócio jurídico.

Ainda que sem mencionar o princípio da equivalência funcional, em outra decisão do TJMG45 45 TJMG. Apelação Cível 1.0148.09.069133-5/001, Relator(a): Des.(a) Márcia De Paoli Balbino, 17ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 29/09/2011, publicação da súmula em 05/10/2011. ficou estabelecido que se um documento eletrônico preenche os mesmos requisitos que um documento comum - ainda que não tenha enumerado quais são estes requisitos - fica garantida sua validade e eficácia probatória. Elemento novo que aqui aparece é a fundamentação com base no artigo 383 do Código de Processo Civil46 46 Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973. , o qual dispõe que "[q]ualquer reprodução mecânica, como a fotográfica, cinematográfica, fonográfica ou de outra espécie [...]" é considerado meio de prova. Entenderam os desembargadores da 17ª Câmara Cível que a menção a "outra espécie" é ampla o bastante para abarcar os documentos eletrônicos.

Em decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul47 47 TJRS. Agravo de instrumento 70048692040, Relator: Des. Otávio Augusto de Freitas Barcellos, 15ª Câmara Cível, julgamento em 25/06/2012. Publicação em 13/07/2012. , o entendimento foi no sentido de que o simples fato de uma solicitação ter sido feita pela internet não a torna inválida. O que subjaz neste argumento é o princípio da não discriminação prejudicial, utilizado, porém, sem o necessário substrato legal e de maneira superficial.

Em um caso de contratação de empréstimo via caixa automático de banco analisado pelo TJMG, o fundamento utilizado para garantir a validade de um contrato eletrônico teve como base o artigo 107 do Código Civil, o qual estabelece que "A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir". Assim, na falta de forma prescrita em lei, "[...] a contratação pela via eletrônica com a manifestação de vontade através de confirmação de mensagens de texto, e utilização de cartão magnético e da senha como formas de anuir ao contrato, não retiram a sua validade"48 48 Trecho do voto do relator. TJMG. Apelação Cível 1.0024.06.153382-4/001, Relator: Des. José Amancio, 16ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 05/03/2008, publicação da súmula em 28/03/2008. Em outros dois casos, a confirmação por senha também foi suficiente para que se afirmasse a validade dos contratos eletrônicos: TJMG. Apelação Cível 1.0024.06.236128-2/001, Relator: Des. Elpídio Donizetti, 18ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 27/01/2009, publicação da súmula em 09/02/2009 e TJMG. Apelação Cível 1.0024.06.234157-3/002, Relator: Des. Gutemberg da Mota e Silva, 10ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 15/05/2012, publicação da súmula em 22/05/2012. .

Ao analisar situação semelhante49 49 TJSP. Apelação Cível 0094150-95.2008.8.26.0000, Relator: Des. Erson de Oliveira, 17ª Câmara de Direito Privado, julgamento em 04/07/2012, registrado em 16/07/2012. , a 17ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo entendeu que

[...] conquanto o sistema jurídico nacional não tenha evoluído a ponto de regulamentar expressamente as regras a serem aplicadas a tais contratos, é forçoso reconhecer que todos os componentes caracterizadores da contratação do mútuo estão registrados nos extratos da operação [...].

Dessa maneira,

[...] ao aceitar empréstimo pela via eletrônica, com valor sacado diretamente de caixa eletrônico, o tomador do mútuo concorda, expressamente, com as regras que lhe são apresentadas na tela do aparelho e impressas no extrato da operação.

Parece existir certo consenso, assim como examinado na fundamentação da decisão acima, que a falta de regulamentação expressa sobre os contratos eletrônicos não chega a afastar a decisão de litígios nesse domínio. Os tribunais, diante do exercício de poder jurisdicional sobre os casos, devem recorrer a elementos que lhes estejam disponíveis, seja a doutrina, seja a legislação não específica e anacrônica de nosso ordenamento, ajustando-as ao contexto atual. Ainda que os tribunais, nos acórdãos ora examinados, tenham chegado a decisões adequadas (ao menos no que concerne à racionalidade material e o resultado quanto aos litígios), a tutela de interesses no comércio eletrônico depende, em grande medida, de objetivos mais tradicionais na própria tessitura do Direito - a segurança jurídica. Por isso, defende-se, aqui, a via legislativa a priorizar a elaboração e a promulgação de lei específica sobre contratos eletrônicos, inclusive regulando aspectos de direito internacional privado, relativos às obrigações contratuais nesse domínio.

4.3 A Necessidade de Adoção de Soluções Conducentes à Disciplina dos Contratos Eletrônicos no Brasil e os Horizontes Legislativos

Como visto, a legislação em matéria de contratos eletrônicos, em especial a UNECIC e LMCE, não tem como objetivo o estabelecimento de normas materiais distintas das normas que comumente regulam a contratação. Não é por utilizar um meio distinto do físico convencional que um contrato formado pela internet deixa de ser um contrato. Como observa Paulo Lôbo (2011LÔBO, Paulo. Direito Civil: contratos. São Paulo: Saraiva, 2011., p. 37), "[...] o contrato eletrônico não é uma espécie distinta dos demais contratos, no que concerne aos seus elementos essenciais. É distinto quanto à forma e o meio utilizado para a declaração de vontade". O que se busca é, portanto, que os contratos celebrados em meio eletrônico tenham o mesmo valor jurídico dos celebrados em papel (equivalência funcional), tenham garantidas sua validade e eficácia (não discriminação prejudicial) e que as regras estabelecidas não signifiquem barreiras para o desenvolvimento de novas tecnologias (neutralidade tecnológica).

Ao não contar com legislação apropriada, o Brasil não possui meios efetivos para a remoção de obstáculos legais relacionados ao comércio eletrônico, facilitando-o por meio da segurança jurídica a ele garantida e contribuindo para o desenvolvimento harmonioso de suas relações econômicas internacionais. Recorde-se que a internet é internacional por excelência e que tal característica a torna um meio eficaz para a conquista de novos mercados.

De forma a tentar suprir esta lacuna, a 3ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, por meio do Grupo de Trabalho Tecnologias da Informação e da Comunicação, promoveu em 2010 o Fórum do Comércio Eletrônico. Participaram do Fórum os representantes dos consumidores, representantes do setor privado e personalidades, como Luca Castellani, jurista que representou a UNCITRAL, o professor Marcelo Thompsom, da Faculdade de Direito da Universidade de Hong Kong, e a Profa. Jane K. WINN, da Faculdade de Direito da Universidade de Washington, além do Comitê Gestor da Internet, órgão de governança da Internet no Brasil.

Essa iniciativa merece destaque tanto por ser exemplo de como são buscadas soluções para o tema, quanto pelo documento que foi produzido como resultado de seus trabalhos: a Carta de Princípios do Comércio Eletrônico50 50 Disponível em: <http://forumdocomercioeletronico.files.wordpress.com/2010/03/carta-de-principios-do-comercio-eletronico.pdf>. Acesso em: 26 abr. 2014. . Essa obra colaborativa e consensual foi resultado das opiniões dos vários participantes e tem como objetivo "colaborar para a criação de um quadro jurídico seguro para o comércio eletrônico no Brasil, contribuindo para o desenvolvimento do comércio eletrônico e o fortalecimento da confiança do consumidor e das demais partes envolvidas"51 51 Como consta na página 7 da Carta. .

Dentre as disposições da Carta, algumas se destacam considerando o objeto do presente trabalho. Foram, por exemplo, definidos conceitos importantes para os contratos eletrônicos, como os de "mensagem eletrônica", "destinatário" e "remetente de mensagem eletrônica". Ademais, existe uma sessão dedicada exclusivamente aos contratos celebrados por meios eletrônicos, a qual traz a definição do que seja contrato eletrônico e, ainda, recomendação de que se estabeleça um regime que permita "[...] a conservação e reprodução das informações mencionadas, observados os valores da confidencialidade, integridade, proteção dos direitos, segurança, utilidade e livre exercício da atividade econômica". Por fim, é feita a necessária referência aos princípios da não discriminação prejudicial52 52 "As comunicações e contratos não podem ser discriminados em razão de sua forma eletrônica." , da neutralidade tecnológica53 53 "A regulação deve ser flexível o bastante para abranger todas as tecnologias existentes e aquelas que serão desenvolvidas no futuro". e da equivalência funcional54 54 "A regulação deve estabelecer que as comunicações eletrônicas, desde que seja possível a correta identificação de seu remetente e a integridade da mesma, tenham o mesmo valor jurídico de outras formas de comunicação, como as feitas em papel e, por esta razão, toda informação apresentada sob a forma de mensagem eletrônica deve gozar da devida força probante com relação aos contratos do comércio eletrônico." .

Existem, também, iniciativas legislativas que compartilham a percepção de que existe a necessidade de adoção de soluções apropriadas para o meio eletrônico. Em 13 de dezembro de 1999, o então Senador do Ceará Lúcio Alcântara apresentou o Projeto de Lei do Senado n. 672/1999, o qual dispõe sobre o comércio eletrônico. Seu artigo 1º estabelece que ela visa a regular o comércio eletrônico, a validade e o valor probante dos documentos eletrônicos e a assinatura digital.

Ainda que as questões sobre assinatura digital e valor probante dos documentos eletrônicos tenham sido tratadas pela Medida Provisória n. 2.200/01 e pela Lei Federal n. 11.419/2006 respectivamente, esse fato não tira o mérito e a importância do referido projeto de lei55 55 Pelo escopo deste trabalho, não cabe aqui analisar as normas propostas no projeto. . Ao verificar sua justificativa, observa-se que foi feito um estudo sobre como outros países, inclusive da América Latina, já contavam à época com legislação específica sobre contratos eletrônicos. Foi feito, inclusive, referência à LMCE da UNCITRAL.

Em 21 de junho de 2001, o projeto passou a tramitar como Projeto de Lei 4.906/2001 ao ser levado a apreciação da Câmara dos Deputados. Desde então, o Projeto tramita na câmara sem ter sido até o momento apreciado pelo Plenário. O último andamento existente, 20 de março de 2013, é de que a matéria não foi apreciada por acordo dos líderes das bancadas, demonstrando a falta de vontade política para regular o comércio eletrônico.

Questões relacionadas ao comércio eletrônico também poderiam ter sido tratadas no recém-promulgado Marco Civil da Internet (Lei n. 12.965, de 23 de abril de 2014), o qual estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil.

Em carta a respeito do projeto de lei que resultou no Marco Civil, enviada à Presidente Dilma Rousseff56 56 A carta acompanha o inteiro teor do Projeto e está disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=912989&filename=PL+2126/2011>. Acesso em: 23 abr. 2014. , os parlamentares José Eduardo Martins Cardozo, Miriam Aparecida Belchior, Aloizio Mercadante Oliva e Paulo Bernardo Silva deixam bem claro o quanto o Brasil engatinha nas questões relacionadas à internet:

No panorama normativo, o anteprojeto representa um primeiro passo no caminho legislativo, sob a premissa de que uma proposta legislativa transversal e convergente possibilitará um posicionamento futuro mais adequado sobre outros importantes temas relacionados à internet que ainda carecem de harmonização, como a proteção de dados pessoais, o comércio eletrônico, os crimes cibernéticos, o direito autoral, a governança da internet e a regulação da atividade dos centros públicos de acesso à internet, entre outros. (grifo nosso)

Essas considerações demonstram quanto o Brasil ainda precisa avançar nas questões jurídicas relacionadas ao ambiente virtual da internet, em especial em matéria de contratação eletrônica.

6 Conclusão

De fato, em um ambiente desmaterializado e deslocalizado como a internet, as exigências de certeza e de segurança, as quais acompanham, historicamente, a construção da própria disciplina do Direito do Comércio Internacional, alcançam patamares que exigem soluções específicas. Os problemas práticos emergentes da natureza própria dos negócios jurídicos realizados pelo intercâmbio de mensagens eletrônicas estão na pauta dos trabalhos da UNCITRAL desde meados da década de 1980. O verdadeiro desafio estabelecido para o Grupo de Trabalho IV vem sendo enfrentado de forma gradual e constante à medida que a compreensão sobre o fenômeno avança.

A adoção de fontes não vinculantes, tais como leis modelo e convenções, levada a cabo após estudo, discussão e negociação, de forma a conciliar interesses diversos e tradições jurídicas e culturais em um primeiro momento pouco conciliáveis, sem se esquivar das particularidades do novo meio, demonstram os avanços alcançados pela Comissão em busca da harmonização e uniformização do Direito do Comércio Internacional em sua mais atual faceta.

Analisar como se deu a evolução das iniciativas de regulação em um dos fora mais relevantes no plano internacional e, além disso, estudar as soluções encontradas em matéria de contratos internacionais eletrônicos é entender as bases jurídicas da atual disciplina do comércio eletrônico internacional. Ao mesmo tempo, é ter a oportunidade de buscar os caminhos para suprir uma das carências de política normativa no atual ordenamento brasileiro.

O Brasil já conseguiu avançar em matéria de certificação digital e proteção mínima ao consumidor no ambiente virtual. Todavia, ao não regular de forma apropriada os contratos comerciais eletrônicos, seja no Código Civil, seja em legislação específica, é clara a lacuna que deve ser suprida. Possuir marcos normativos assegurando que os contratos celebrados em meio eletrônico tenham o mesmo valor jurídico dos celebrados em formato impresso, mesma validade e eficácia e, ainda, não signifiquem barreiras para o desenvolvimento de novas tecnologias, é um passo necessário para que o Brasil promova a confiança e a segurança jurídica, necessárias ao comércio internacional.

Referências

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  • TJMG. Apelação Cível 1.0024.06.153382-4/001, Relator: Des. José Amancio, 16ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 05/03/2008, publicação da súmula em 28/03/2008.
  • TJMG. Apelação Cível 1.0024.06.236128-2/001, Relator: Des. Elpídio Donizetti, 18ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 27/01/2009, publicação da súmula em 09/02/2009.
  • TJMG. Apelação Cível 1.0056.11.003473-5/002, Relator: Des. José Marcos Vieira, 16ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 03/07/2013, publicação da súmula em 12/07/2013.
  • TJMG. Apelação Cível 1.0148.09.069133-5/001, Relator(a): Des.(a) Márcia De Paoli Balbino, 17ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 29/09/2011, publicação da súmula em 05/10/2011.
  • TJMG. Apelação Cível 1.0024.06.234157-3/002, Relator: Des. Gutemberg da Mota e Silva, 10ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 15/05/2012, publicação da súmula em 22/05/2012.
  • TJRS. Agravo de instrumento 70048692040, Relator: Des. Otávio Augusto de Freitas Barcellos, 15ª Câmara Cível, julgamento em 25/06/2012. Publicação em 13/07/2012.
  • TJSP. Apelação Cível 0094150-95.2008.8.26.0000, Relator: Des. Erson de Oliveira, 17ª Câmara de Direito Privado, julgamento em 04/07/2012, registrado em 16/07/2012.
  • UNCITRAL. Relatório da 24ª Sessão do Grupo de Trabalho IV. A/CN.9/360. 1992.
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  • VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003.
  • 1
    O presente artigo baseia-se em alguns dos resultados de investigação conduzida pelos autores no Projeto "Estado e Mundialização: Fronteiras do Trabalho e Tecnologias", da Linha de Pesquisa "História, Poder e Liberdade", do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFMG, e dos Grupos de Pesquisa "Estado, relações privadas transnacionais nas fronteiras da tecnologia e inovação" e "Direito Internacional Privado no Brasil e nos Foros Internacionais" - DGP/CNPq.
  • 2
    Tradução livre do espanhol: "Dentro del contexto internacional, existen fenómenos proprios de la postmodernidad capaces de generar nuevas fuentes de ingresos, como aceder a inexplorados mercados, y hasta impulsar la concreción de negocios innovadores".
  • 3
    Seguindo a ressalva feita por Newton De Lucca (2005, p. 35), grafar-se-á neste trabalho o vocábulo internet com "i" minúscula. Como observa o autor, citando o Professor Le Tourneau, a palavra internet não é uma marca, e sim uma expressão genérica que designa um meio de comunicação, devendo ser grafada com inicial minúscula tal quais outros meios como telefone, rádio, televisão.
  • 4
    Retoma-se, aqui, a opinião de Boggiano (2000, p. XIV) ilustrando a relação entre o Direito Internacional Privado e novas tecnologias: "Uma vez que a comunicação estabelece contatos ou conecta uma variedade de sistemas, não seria algo imediatamente relacionado ao Direito Internacional Privado? Não liga esse campo do Direito os casos multiconectados a sistemas jurídicos e os sistemas jurídicos entre si?". E conclui o professor argentino: "Assim como o cérebro humano, a lei das relações entre ordens jurídicas parece ser uma grande internet, e assim é o Direito Internacional Privado". A natureza global da internet exige uma racionalidade que justifique a existência de instituições e normas do Direito Internacional na atualidade. Sobre o assunto, cf. Svantesson (2005, p. 39 et seq.).
  • 5
    Bit é a sigla para o terno em inglês Binary Digit. As informações em meio eletrônico são enviadas em códigos os quais podem ser lidos por computadores, os quais se baseiam em dígitos com base 2, ou seja, 1 (um) ou 0 (zero), os códigos binários. Informações retiradas do glossário disponível em: <http://www.matisse.net/files/glossary.html#B>. Acesso em: 9 maio 2014.
  • 6
    Diz-se que não podem ser a priori localizadas por não ser esta a realidade em alguns Estados. A territorialidade e o controle da internet dentro das fronteiras são observados em Estados como China, Singapura e Arábia Saudita. Na República Popular da China o controle é feito por meio da própria estrutura física da rede que liga os computadores entre si. A lei chinesa prescreve que toda e qualquer conexão à rede mundial de computadores deve acontecer necessariamente por meio de pontos de acesso diretamente administrados pelo governo chinês: o indivíduo se conecta a um provedor de conteúdo, o qual deve ser conectar a um provedor de acesso, o qual detém as linhas físicas de transmissão de dados e se conecta, diretamente ao ponto de acesso governamental. Ocorre que, mesmo que essa seja a regra na China, não o é na imensa maioria dos Estados, o que nos leva à conclusão de que, na realidade, a regra é a ausência de controles fronteiriços. Cf. Svantesson (2005, p. 39 et seq.).
  • 7
    Tradução livre do original em francês: "a) on ne connaît pas et on ne peut pas prédéterminer les parcours suivis par les informations qui circulent sur le réseau; b) la localisation de celui qui se relie à internet n'est pas connue, car on peut se brancher sur internet à partir de n'importe quel endroit; c) même la localité du site sur lequel l'opérateur se branche n'est pas connue, car il peut y avoir des mirrors ou des sites avec un nom crypté; d) la navigation sur réseau se fait de manière intrinsèquement anonyme; e) le nombre de destinataires des messages transmis via internet est pratiquement infini, vu le coût dérisoire de l'accès à internet. Le destinataire d'une information transmise par internet est potentiellement celui qui a un computer relié, au moyen d'un modem (appareil qui transforme les impulsions qui voyagent sur le réseau téléphonique en impulsions digitales), à une ligne téléphonique. En d'autres termes, une fois qu'un message déterminé (par exemple une offre de vente) a été envoyé sur le réseau, on ne peut concevoir, sur le plan technique, une limitation de destinataires sur une base territoriale."
  • 8
    Abreviação do inglês Uniform Resource Locator. Trata-se exatamente do endereço de recurso disponível na internet. Ver glossário disponível em: <http://www.matisse.net/files/glossary.html#U>. Acesso em: 17 maio 2014.
  • 9
    "Artigo 9º Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem".
  • 10
    Decreto-lei n. 4.657/1942.
  • 11
    Exemplo claro disso é o requisito de legalização de documentos estrangeiros para uso interno, que somente recentemente foi suprido com a ratificação da Convenção da Haia sobre a Apostila de 1961 pelo Brasil (Cf. Decreto n. 8.660/2016). Administrada pela Conferência da Haia de Direito Internacional Privado, este instrumento é adotado por 113 países, dentre os quais se encontram significativos parceiros econômicos brasileiros, como Estados Unidos, China, Argentina, Alemanha, Índia, Rússia, África do Sul, e outros países da América Latina, como México, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela. A Convenção da Apostila foi idealizada como instrumento destinado a racionalizar e simplificar as etapas e meios de utilização de documentos estrangeiros entre Estados contratantes, por meio da supressão das legalizações em repartições diplomáticas e consulares. Para tanto, ela prevê um certificado padrão que comprova, atesta, a autenticidade dos sinais públicos, permitindo o reconhecimento, em determinado Estado contratante, do documento produzido no estrangeiro, na íntegra de suas assinaturas, selos ou carimbos. Esse certificado, a "apostila", é emitido pela autoridade central indicada pelo Estado contratante. Observa-se que a apostila não confirma o conteúdo ou teor do documento, mas antes sua existência formal enquanto tal e a autenticidade dos sinais ali apostos. De acordo com o artigo 5º da Convenção, a "apostila atestará a veracidade da assinatura, a qualidade em que agiu o signatário do ato e, sendo caso disso, a autenticidade do selo ou do carimbo que constam do ato". Ela não objetiva confirmar, portanto, o conteúdo do ato ou documento sob certificação, mas tão somente seus aspectos formais.
  • 12
    O original seria apenas o documento acessível em meio computadorizado. Uma vez impresso o que já se teria seria uma cópia.
  • 13
    Os autores tratam nesta parte de sua obra sobre o armazenamento de documentos digitalizados, ou seja, de documentos físicos que foram traduzidos em meio digital, em um código binário acessível por computador. Todavia, as considerações por eles feitas são totalmente transponíveis para a realidade de documentos gerados em meio eletrônico, como é o caso do objeto deste trabalho.
  • 14
    Para o autor, vale frisar, mais relevante que identificar as características técnicas da internet é trabalhar com as consequências dessas características. Se tecnicamente, em análise estrita a este aspecto, o correio eletrônico em nada poderia ser comparado com o correio tradicional, partindo de uma análise voltada para as consequências e formas de utilização do meio pelo usuário, várias comparações poderiam ser feitas. O autor alerta, porém, que o uso de analogias com outros meios deve ser evitado. Como exemplo das confusões que as analogias podem gerar ao serem utilizadas para buscar entender um meio que, em verdade, se faz um fenômeno significativamente novo e diferente por uma junção de diversos aspectos, cita Svantesson o caso do Communication Decency Act, lei estadunidense promulgada em 1996 e que buscava regular o a transmissão de material pornográfico pela internet. Os defensores da lei faziam analogia da internet com a radiodifusão enquanto os que a atacavam preferiam destacar sua similaridade com as telecomunicações. O objetivo de cada analogia é claro: emissoras de rádio e televisão são multadas pela transmissão de material inapropriado, enquanto as companhias que controlam as redes telefônicas não.
  • 15
    A resolução A/RES/2205(XXI) criou a UNCITRAL. As referências a resoluções e relatórios provindos de órgãos das Nações Unidas seguirão o padrão de busca estabelecido pela Organização. A consulta ao inteiro está disponível em: <http://www.un.org/en/documents/>. Acesso em: 10 abr. 2014.
  • 16
    Ver a Recomendação sobre o Valor Jurídico dos Registros Computadorizados. Em inglês disponível em: <http://www.uncitral.org/pdf/english/texts/electcom/computerrecords-e.pdf>. Acesso em: 15 abr. 2014.
  • 17
    Ver a Lei Modelo sobre Assinaturas Eletrônicas. O texto completo, assim como o guia para adoção pelos países, está disponível em: <http://www.uncitral.org/pdf/english/texts/electcom/ml-elecsig-e.pdf>. Acesso em: 15 abr. 2014.
  • 18
    Adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas pela resolução A/RES/51/162. O texto oficial da Lei Modelo, emendado em 1998 para a inclusão do art. 5º bis, encontra-se disponível em inglês em: <http://www.uncitral.org/pdf/english/texts/electcom/05-89450_Ebook.pdf>. Acesso em: 15 fev. 2014.
  • 19
    A lista completa das adesões à Lei Modelo sobre Comércio Eletrônico está disponível em: <http://www.uncitral.org/uncitral/en/uncitral_texts/electronic_commerce/1996Model_status.html>. Acesso em: 15 ago. 2014.
  • 20
    Parece existir, inclusive, no Código de Defesa do Consumidor de 1990, artigo30, regra da qual se infere o princípio da equivalência funcional em matéria de contratação eletrônica com consumidor, ao estipular que "toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma, ou meio de comunicação, com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado".
  • 21
    Tradução livre do original em inglês: "law should not pick technological winners and losers, that law should neither help nor hinder particular types of technological artifacts". Acrescenta-se que, de forma ampla e profunda, o autor trata este princípio como reflexo de uma visão político-filosófica, afirmando-o como algo que vai muito além das simples técnicas para evitar a obsolescência das leis. Recomendado para estudos aprofundados sobre o assunto.
  • 22
    Esclarecimentos da UNCITRAL disponíveis em: <http://www.uncitral.org/uncitral/en/uncitral_texts/electronic_commerce/1996Model.html>. Acesso em: 15 abr. 2014.
  • 23
    Destaque-se que a decisão pela emenda de tratados existentes seria, quiçá, a de mais difícil implementação dadas as dificuldades para organizar conferências diplomáticas para a revisão e adaptação de cada tratado para a realidade do comércio eletrônico.
  • 24
    Tradução livre do original em inglês: "The purpose of the Electronic Communications Convention is to offer practical solutions for issues related to the use of electronic means of communication in connection with international contracts". Tal afirmação foi feita na nota explicativa que acompanha a publicação da Convenção, página 13, §3. Disponível em: <http://www.uncitral.org/pdf/english/texts/electcom/06-57452_Ebook.pdf>. Acesso em: 16 maio 2014.
  • 25
    Ver artigo 20 da Convenção.
  • 26
    Cf. Item 3.1.1 (relativamente aos princípios atinentes ao comércio eletrônico).
  • 27
    Quais sejam: Arábia Saudita, China, Colômbia, Filipinas, Honduras, Irã, Líbano, Madagascar, Montenegro, Panamá, Paraguai, República Centro-africana, República da Coreia, Rússia, Senegal, Serra Leoa, Singapura, Sri Lanka.
  • 28
    Utilizando a prerrogativa do artigo 19.2 da Convenção, Singapura excluiu a aplicação a comunicações eletrônicas relativas à alienação ou disposição de bens imóveis, à feitura ou execução de testamentos e, ainda, à criação, aplicação ou execução de escrituras, declarações de confiança e procurações.
  • 29
    O requisito foi estabelecido pelo artigo 23.1 da UNECIC.
  • 30
    Pode-se, ainda, considerar a aplicação da UNECIC como fonte subsidiária e interpretativa (soft law) uma vez que suas normas específicas poderiam ser úteis para a solução de litígios envolvendo contratos eletrônicos.
  • 31
    Há de se considerar, porém, como observado pelo próprio autor, que a CISG, elaborada na década de 1970, não leva em consideração as formas modernas do comércio eletrônico.
  • 32
    Lei n. 10.0406, de 10 de janeiro de 2002.
  • 33
    Há de se considerar, neste ponto, que a "Comissão Revisora e Elaboradora do Código Civil" foi constituída em 1969, época em que as questões relativas ao comércio eletrônico sequer eram imaginadas.
  • 34
    É o que defende, por exemplo, De Lucca (2005, p. 73). Venosa (2003, p. 528 e 529), ao comentar o mesmo artigo 428, I, defende que só se poderia considerar a contratação pela via eletrônica entre presentes caso cada uma das partes utilizasse um "computador de forma simultânea e concomitante, como se ocorresse uma conversa ordinária, materializada na remessa recíproca de dados: remetemos a proposta, o destinatário está à espera, lê-a no monitor e envia a aceitação ou rejeição, ou formula contraproposta."
  • 35
    Art. 429. A oferta ao público equivale a proposta quando encerra os requisitos essenciais ao contrato, salvo se o contrário resultar das circunstâncias ou dos usos.
  • 36
    Artigo 11. Convite para ofertas. "Uma proposta de contrato feita por meio de uma ou mais comunicações eletrônicas que não estejam endereçadas a uma ou mais partes específicas, mas que sejam acessíveis, de forma geral, a partes que façam uso de sistemas de informação, inclusive propostas que façam uso de aplicações interativas para a realização de pedidos por meio de tais sistemas de informação, será considerada um convite para ofertas, a não ser que indique claramente a intenção da parte que faz a proposta de se vincular em caso de aceitação". Tradução realizada por Bernardo Santos, Pedro Martini e Pedro Soares, disponível em: <http://www.cisg-brasil.net/doc/Traducao_convencao_comunicacoes_eletronicas.pdf>. Acesso em: 17 jan. 2014.
  • 37
    Disponível em: < http://ec.europa.eu/internal_market/e-commerce/directive/>. Acesso em: 20 abr. 2014.
  • 38
    Essa insuficiência ou déficit normativos já vêm sendo denunciados tanto em função das regras de conexão determinadoras de lei aplicável aos contratos internacionais, como bem observam Nadia de Araujo e Lauro Gama (2006, p. 11 et seq.), como do ponto de vista do direito material do consumidor no contexto do comércio eletrônico (cf. MARQUES, 2006, p. 9 et seq.). Em linha com os trabalhos dos autores, seria possível verificar que nenhuma iniciativa legislativa interna poderia desprezar as tendências de modernização do direito internacional privado no campo dos contratos internacionais (do ponto de vista de conexões e regras de jurisdição) em interface com o direito material do consumidor.
  • 39
    Cf. item 2.2 acima.
  • 40
    Parece, assim, que o anacronismo das regras de conexão contidas no artigo 9º da LINDB, distanciando-se, inclusive, do princípio da autonomia da vontade em matéria de contratos internacionais, também não contribui com soluções adequadas à dinâmica da contratação eletrônica em escala transnacional.
  • 41
    Artigo 1º do referido Decreto.
  • 42
    Foram pesquisados os repositórios de jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e dos Tribunais de Justiça de Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul, além de pesquisas realizadas pelo portal especializado em informação jurídica e legislativa <www.lexml.gov.br>, ferramenta organizada pelo Senado Federal.
  • 43
    Infelizmente não é possível falar em uma jurisprudência em contratos eletrônicos, ou, em outras palavras, na consolidação de entendimentos sobre o tema. Nenhum caso específico sobre contratos eletrônicos foi encontrado nos tribunais superiores.
  • 44
    TJMG. Apelação Cível 1.0056.11.003473-5/002, Relator: Des. José Marcos Vieira, 16ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 03/07/2013, publicação da súmula em 12/07/2013.
  • 45
    TJMG. Apelação Cível 1.0148.09.069133-5/001, Relator(a): Des.(a) Márcia De Paoli Balbino, 17ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 29/09/2011, publicação da súmula em 05/10/2011.
  • 46
    Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973.
  • 47
    TJRS. Agravo de instrumento 70048692040, Relator: Des. Otávio Augusto de Freitas Barcellos, 15ª Câmara Cível, julgamento em 25/06/2012. Publicação em 13/07/2012.
  • 48
    Trecho do voto do relator. TJMG. Apelação Cível 1.0024.06.153382-4/001, Relator: Des. José Amancio, 16ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 05/03/2008, publicação da súmula em 28/03/2008. Em outros dois casos, a confirmação por senha também foi suficiente para que se afirmasse a validade dos contratos eletrônicos: TJMG. Apelação Cível 1.0024.06.236128-2/001, Relator: Des. Elpídio Donizetti, 18ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 27/01/2009, publicação da súmula em 09/02/2009 e TJMG. Apelação Cível 1.0024.06.234157-3/002, Relator: Des. Gutemberg da Mota e Silva, 10ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 15/05/2012, publicação da súmula em 22/05/2012.
  • 49
    TJSP. Apelação Cível 0094150-95.2008.8.26.0000, Relator: Des. Erson de Oliveira, 17ª Câmara de Direito Privado, julgamento em 04/07/2012, registrado em 16/07/2012.
  • 50
    Disponível em: <http://forumdocomercioeletronico.files.wordpress.com/2010/03/carta-de-principios-do-comercio-eletronico.pdf>. Acesso em: 26 abr. 2014.
  • 51
    Como consta na página 7 da Carta.
  • 52
    "As comunicações e contratos não podem ser discriminados em razão de sua forma eletrônica."
  • 53
    "A regulação deve ser flexível o bastante para abranger todas as tecnologias existentes e aquelas que serão desenvolvidas no futuro".
  • 54
    "A regulação deve estabelecer que as comunicações eletrônicas, desde que seja possível a correta identificação de seu remetente e a integridade da mesma, tenham o mesmo valor jurídico de outras formas de comunicação, como as feitas em papel e, por esta razão, toda informação apresentada sob a forma de mensagem eletrônica deve gozar da devida força probante com relação aos contratos do comércio eletrônico."
  • 55
    Pelo escopo deste trabalho, não cabe aqui analisar as normas propostas no projeto.
  • 56
    A carta acompanha o inteiro teor do Projeto e está disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=912989&filename=PL+2126/2011>. Acesso em: 23 abr. 2014.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2017

Histórico

  • Recebido
    15 Abr 2016
  • Revisado
    16 Mar 2017
  • Aceito
    22 Mar 2017
Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina Centro de Ciências Jurídicas, Sala 216, 2º andar, Campus Universitário Trindade, CEP: 88036-970, Tel.: (48) 3233-0390 Ramal 209 - Florianópolis - SC - Brazil
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