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"Todo homem precisa de uma mãe", mas nem todo merece uma: o cuidado em notícias sobre o sistema penitenciário mineiro

"Every man needs a mother", but not everyone deserves one: care in news about the penitentiary system of Minas Gerais

"Todo hombre necesita una madre", pero no todo la merece: el cuidado en las noticias sobre el sistema penitenciario en Minas Gerais

Resumo

Enquanto a literatura sobre cuidado costuma ignorar suas possíveis imbricações com a violência e as atividades realizadas fora dos domicílios, estudos sobre prisões tendem a subestimar a sua relevância como cuidado no cotidiano destas instituições. Neste mote, analisamos o conteúdo de notícias sobre o sistema prisional mineiro publicadas online pelo jornal “O Tempo” durante o período de 2005 a 2019 para entender os significados, protagonistas, relações e trocas que são próprios ao cuidado no sistema prisional. A partir do conceito “circuitos de cuidado”, buscamos demonstrar que, no contexto de privação de liberdade, cuidar e ser cuidado se realiza somente quando há “merecimento” dos dois polos desta relação.

Palavras-chave:
Cuidado; Gênero; Sistema prisional; Notícias de jornal.

Abstract

While the literature on caregiving tends to ignore its possible imbrications with violence and activities executed out of households, studies on prisons tend to underestimate care as part of the daily life of these institutions. In this motto, we analyze the content of news about the prison system in Minas Gerais published online by the newspaper “O Tempo” during the period from 2005 to 2019 to understand the meanings, protagonists, relationships and exchanges that are proper of care into the prison system. Based on the concept “circuits of care”, in this paper, we seek to demonstrate that, in the context of deprivation of liberty, caring and being cared are fulfilled only when there is some “deserving” from both sides“”.

Keywords:
Caregiving; Gender; Penitentiary System; News.

Resumen

Mientras que la literatura sobre el cuidado tiende a ignorar sus posibles imbricaciones con la violencia y las actividades realizadas fuera del hogar, los estudios sobre las prisiones tienden a subestimar su importancia como cuidado en la vida cotidiana de estas instituciones. Teniendo esto en cuenta, analizamos el contenido de las noticias sobre el sistema penitenciario de Minas Gerais publicadas en línea por el periódico «O Tempo» entre 2005 y 2019, con el fin de comprender los significados, los protagonistas,elaciónes y los intercambios propios del cuidado en el sistema penitenciario. A partir del concepto de «circuitos de cuidado», en este trabajo buscamos demostrar que, en el contexto de la privación de libertad, cuidar y ser cuidado construyen el circuito y sólo realizan lo que llamamos «cuidado como mérito» para los dos polos de esta relación.

Palabras claves:
Cuidado; Género; Sistema Penitenciario; Noticias.

1. Introdução1 1 Este trabalho é produto do projeto de pesquisa “As Políticas Penitenciárias de Minas Gerais: uma análise sócio-histórica (1979-2019)”, desenvolvido pelo Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública da Universidade Federal de Minas Gerais (CRISP/UFMG) e financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG, APQ-02825-18). Agradecemos à FAPEMIG pelo financiamento e a nossas colegas pesquisadoras do CRISP por suas valiosas contribuições para a execução desta pesquisa.

Entre as descrições de cenas cotidianas e desconexas, Zeca Veloso, em sua canção “Todo homem”, repete algumas vezes a frase “todo homem precisa de uma mãe”. Ao ser questionado sobre o significado da letra desta música durante uma entrevista, o compositor declarou que “ela não foi pensada com a intenção de dizer algo” (Corrêa, 2018CORRÊA, Daniel. 2018. “Entrevistamos Zeca Veloso, que nos encantou em parceria com a sua família: conversamos com o nome-revelação de uma das famílias mais famosas da música brasileira. Conversamos com o nome-revelação de uma das famílias mais famosas da música brasileira”. Tenho mais discos que amigos, 08/03/2018. Disponível em: https://www.tenhomaisdiscosqueamigos.com/2018/03/08/entrevista-zeca-veloso/ [Acesso em: 23.02.2023].
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). No entanto, mesmo que involuntariamente, seu refrão nos remete ao cuidado. Pode-se argumentar que, nele, este conjunto de atividades voltadas à manutenção e reprodução da vida (Fisher e Tronto, 1990FISHER, Berenice; TRONTO, Joan. 1990. Toward a Feminist Theory of Caring. Circles of Care. Work and identity in women’s lives. 1ª ed. Albany: SUNY Press. 326 p.) está representado tanto pela figura da mãe, o grupo de mulheres que tradicionalmente as executam, quanto pela imagem do homem, o dito sujeito universal. Neste sentido, tal frase indicaria a necessidade de cuidado como algo que todos nós temos em comum. Eva Kittay (1999KITTAY, Eva. 1999. Love’s Labor: Essays on Women, Equality, and Dependency. 1ª ed. New York: Routledge. 231 p.: 23, tradução nossa), por sua vez, afirma que “todo mundo é filho de alguma mãe” para ressaltar o direito que todos nós temos de sermos cuidados. Em ambas as frases, portanto, o cuidado surge como uma condição humana.

Embora todos precisamos de cuidado e todos temos o direito de recebê-lo, isto não quer dizer que demandamos os mesmos cuidados, muito menos que possuímos as mesmas condições de satisfazer nossas necessidades. Enquanto as demandas variam de acordo com a idade, as deficiências e as doenças que possuímos, nossas condições de atendê-las também dependem dos recursos dos quais dispomos: o dinheiro, o tempo e a liberdade. Embora se considere a “crise do cuidado” um fenômeno recente (Guimarães e Hirata, 2020GUIMARÃES, Nadya; HIRATA, Helena. 2020. “Pensar o Trabalho pela Ótica do Cuidado, Pensar o Cuidado pela Ótica de suas Trabalhadoras”. In: GUIMARÃES, Nadya; HIRATA, Helena. O Gênero do Cuidado. Desigualdades, significações e identidades. 1ª ed. Cotia: Ateliê Editorial. 296 p.), muito tematizada durante a pandemia de Covid-19, ela tem se mostrado permanente para alguns grupos sociais.

Neste trabalho, chamamos a atenção para as circunstâncias singulares às quais estão submetidas as pessoas privadas de liberdade, especialmente naquilo que é tocante ao cuidado. A partir do conceito de “circuitos de cuidado”, definido por Guimarães (2020)GUIMARÃES, Nadya. 2020. “O Cuidado e seus Circuitos: Significados, Relações, Retribuições”. In: GUIMARÃES, Nadya; HIRATA, Helena. O Gênero do Cuidado. Desigualdades, significações e identidades. 1ª ed. Cotia: Ateliê Editorial. 296 p., procuramos demonstrar que os cuidados prisionais possuem acepções diferenciadas das pressupostas nos demais contextos nos quais se cuida e se é cuidado no Brasil. Este esforço foi guiado pela seguinte pergunta: seria o cuidado recebido e provido no sistema prisional uma mistura de circuitos tradicionais (identificados por Guimarães, 2020GUIMARÃES, Nadya. 2020. “O Cuidado e seus Circuitos: Significados, Relações, Retribuições”. In: GUIMARÃES, Nadya; HIRATA, Helena. O Gênero do Cuidado. Desigualdades, significações e identidades. 1ª ed. Cotia: Ateliê Editorial. 296 p.) ou seria este um circuito independente? Para respondê-la, analisamos o conteúdo de notícias relativas ao sistema penitenciário mineiro publicadas online entre os anos de 2005 e 2019 no jornal “O Tempo”.

Ao evidenciar as imbricações existentes entre o cuidado, o controle estatal e os afetos, este trabalho contribui tanto para a literatura sobre cuidado quanto para a literatura sobre prisões no Brasil. Entendemos que, enquanto a primeira não destaca como o cuidado pode produzir efeitos negativos sobre aqueles que seriam seus supostos “beneficiários” (Guimarães, 2020GUIMARÃES, Nadya. 2020. “O Cuidado e seus Circuitos: Significados, Relações, Retribuições”. In: GUIMARÃES, Nadya; HIRATA, Helena. O Gênero do Cuidado. Desigualdades, significações e identidades. 1ª ed. Cotia: Ateliê Editorial. 296 p.), a segunda, tende a não nomear as distintas tarefas realizadas por mulheres para a garantia da sobrevivência dentro do cárcere como “cuidado” (Lima, Alvarenga Filho, 2018LIMA, Antonio; ALVARENGA FILHO, José Rodrigues de. 2018. “A potência do cuidado: uma experiência no sistema prisional de Pernambuco”. Psicologia: Ciência e Profissão. Vol. 38, p. 117-130.). Ao estabelecer a comunicação entre os dois mundos conceituais, pretendemos demonstrar como a manutenção da vida no interior das prisões não é apenas uma tarefa realizada pelo Estado, posto que pressupõe a existência de redes de solidariedade, de afeto e de ajuda mútua comandada por mulheres (Padovani, 2015PADOVANI, Natália Corazza. 2015. Sobre casos e casamentos: afetos e amores através de penitenciárias femininas em São Paulo e Barcelona. Tese de doutorado, Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).; Lago, 2019LAGO, Natália Bouças do. 2019. “Dias e noites em Tamara: prisões e tensões de gênero em conversas com mulheres de presos”. Cadernos Pagu. nº 55, p. 1-26.).

2. O cuidado como ™merecimento∫: seria este um outro circuito?

A literatura sobre cuidado no Brasil, no contexto das ciências sociais, tem se mostrado significativamente ampla e diversificada nos últimos anos. Diversos estudos têm explorado a complexidade das relações de cuidado em diferentes contextos sociais, econômicos e culturais do país (Moreira, 2021). Dentre as principais discussões deste campo encontram-se reflexões sobre as práticas de cuidado no âmbito familiar, com enfoque nas relações de gênero, raça e classe e nas transformações das estruturas familiares contemporâneas (Carmo, 2023). Além disso, há um interesse crescente na análise das políticas públicas de cuidado e sua efetividade na promoção do bem-estar social, ainda que terminem por reificar as desigualdades (Guimarães, 2020GUIMARÃES, Nadya. 2020. “O Cuidado e seus Circuitos: Significados, Relações, Retribuições”. In: GUIMARÃES, Nadya; HIRATA, Helena. O Gênero do Cuidado. Desigualdades, significações e identidades. 1ª ed. Cotia: Ateliê Editorial. 296 p.).

Guimarães e Hirata (2020)GUIMARÃES, Nadya; HIRATA, Helena. 2020. “Pensar o Trabalho pela Ótica do Cuidado, Pensar o Cuidado pela Ótica de suas Trabalhadoras”. In: GUIMARÃES, Nadya; HIRATA, Helena. O Gênero do Cuidado. Desigualdades, significações e identidades. 1ª ed. Cotia: Ateliê Editorial. 296 p. ressaltam que não há consenso acerca de qual seria a definição de cuidado na literatura. Segundo as autoras, pesquisadores utilizam tal palavra em referência ora a uma espécie de disposição à atenção para com os outros ora a um conjunto de atividades cujo objetivo principal é a reprodução da vida.

Embora não exista consenso, é possível dizer que há três pontos comuns entre suas múltiplas definições. Em primeiro lugar, todas reconhecem que o cuidado é um trabalho relacional, isto é, demanda intenso envolvimento emocional por parte de quem o recebe e de quem o provêm. Sendo o primeiro grupo composto por indivíduos sem condições de atender às suas próprias necessidades de sobrevivência, exige-se que suas cuidadoras as antecipem e, até mesmo, estejam dispostas a colocar as suas necessidades em segundo plano. Em segundo lugar, as definições de cuidado compartilham o entendimento de que todos nós já precisamos e/ou precisaremos de cuidados em algum momento de nossas vidas (Kittay, 1999KITTAY, Eva. 1999. Love’s Labor: Essays on Women, Equality, and Dependency. 1ª ed. New York: Routledge. 231 p.). No entanto, seus tipos e intensidades variam a depender da fase na qual nos encontramos, das doenças, sejam elas crônicas ou não, e das deficiências que possuímos. O terceiro e último ponto que tais definições possuem em comum é a tentativa de designar um conjunto de atitudes e ações fundamentais para a manutenção e a reprodução da vida humana. No decorrer deste trabalho, adotamos a definição de cuidado proposta por Fisher e Tronto (1990FISHER, Berenice; TRONTO, Joan. 1990. Toward a Feminist Theory of Caring. Circles of Care. Work and identity in women’s lives. 1ª ed. Albany: SUNY Press. 326 p.: 40), que o descreve como uma atividade abrangente voltada para a reparação, manutenção e preservação do nosso mundo, visando garantir que possamos viver nele da melhor maneira possível. Esse conceito engloba nossos corpos, nós mesmos, nosso ambiente e todos os elementos que buscamos integrar em uma rede complexa visando à sustentabilidade da vida.

Para melhor entender as dinâmicas de cuidado, também se faz necessário considerar as situações distintas nas quais elas ocorrem. Formulado por Guimarães (2020GUIMARÃES, Nadya. 2020. “O Cuidado e seus Circuitos: Significados, Relações, Retribuições”. In: GUIMARÃES, Nadya; HIRATA, Helena. O Gênero do Cuidado. Desigualdades, significações e identidades. 1ª ed. Cotia: Ateliê Editorial. 296 p.: 21), o conceito “circuitos de cuidado” alude às “diferentes maneiras por meio das quais o cuidado é provido em contextos diversos e aos significados que, neles, são atribuídos às atividades que o compõem”. A definição dos mesmos requer que identifiquemos os atores e atrizes que os protagonizam, as características das relações sociais e as trocas que, neles, estão implicadas. Ao analisar suas diferentes circunstâncias no Brasil, Guimarães (2020)GUIMARÃES, Nadya. 2020. “O Cuidado e seus Circuitos: Significados, Relações, Retribuições”. In: GUIMARÃES, Nadya; HIRATA, Helena. O Gênero do Cuidado. Desigualdades, significações e identidades. 1ª ed. Cotia: Ateliê Editorial. 296 p. observa que, aqui, predominam os circuitos do cuidado como “profissão”, do cuidado como “ajuda” e do cuidado como “obrigação”.

O cuidado como “profissão” diz respeito ao realizado de forma remunerada por empregadas domésticas, babás e cuidadoras, as quais são majoritariamente mulheres negras, pobres, pouco escolarizadas e cujas condições de trabalho são muito precárias (Guimarães, 2020GUIMARÃES, Nadya. 2020. “O Cuidado e seus Circuitos: Significados, Relações, Retribuições”. In: GUIMARÃES, Nadya; HIRATA, Helena. O Gênero do Cuidado. Desigualdades, significações e identidades. 1ª ed. Cotia: Ateliê Editorial. 296 p.b). Como exemplo, é comum a literatura ressaltar que as empregadas domésticas tiveram seus direitos trabalhistas reconhecidos apenas em 2013, exatamente 70 anos depois de a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) concedê-los a “todos” os trabalhadores urbanos.

Como a maioria da população brasileira não possui recursos financeiros para contratar serviços substitutos e são poucas as políticas públicas voltadas para essa questão, há também o circuito do cuidado como “ajuda”. Consiste, assim, no cuidado que mulheres direcionam a crianças e idosos em apoio às suas parentes, vizinhas e amigas. A principal diferença entre esses dois grupos de mulheres é seu vínculo com o mercado de trabalho: enquanto as primeiras não exercem atividades pagas e/ou formais, as segundas não estão “disponíveis” para cuidar por exercê-las. Ainda que não exija remuneração, a realização do cuidado como ajuda implica trocas, como de “favores”, de presentes e, até mesmo, de pequenos valores monetários.

O cuidado como “obrigação”, se refere aos afazeres domésticos e ao cuidado não remunerado tradicionalmente realizados por mães e esposas em seus domicílios e em benefício de todos os membros de suas famílias. A desigualdade de gênero na divisão de tais atividades é mascarada por duas importantes crenças: a associação entre sua realização e os sentimentos de amor e carinho; e a suposição de “diferenças sexuais intrínsecas” entre os homens e as mulheres, das quais derivariam seus papéis sociais de provedores e cuidadoras, nesta ordem (Becker, 1993BECKER, Gary. 1993. A treatise on the family. 3ª ed. Cambridge: Harvard University Press. 424 p.; Cherlin, 2013CHERLIN, Andrew. 2013. Public and Private Families: an introduction. 7ª ed. New York: McGraw-Hill. 608 p.). Este fenômeno consiste na “divisão sexual do trabalho” e, dentre suas consequências, estão a invisibilização do valor econômico gerado pelo cuidado e sua desvalorização.

Podemos argumentar que o cuidado nas prisões não passa de uma mistura de todos eles. Sob a perspectiva de seus funcionários, ele remete ao “cuidado como profissão”, sendo realizado de forma remunerada pelos diretores, policiais penais e pelos profissionais de saúde (médicos, enfermeiros e psicólogos) que atuam nestes espaços (King, 2009KING, Sue. 2009. “Reconciling Custodial and Human Service Work: the complex role of the prison officer”. Current Issues In Criminal Justice. Novembro de 2009. Vol. 21, nº 2, p. 257-272.; Lourenço, 2010LOURENÇO, Luiz Claudio. 2010. “Batendo a tranca: impactos do encarceramento em agentes penitenciários da região metropolitana de Belo Horizonte”. Dilemas. Revista de Estudos de Conflito e Controle Social. Dezembro de 2010. Vol. 3, nº 10, p. 11-31.; Moraes, 2013MORAES, Pedro R. Bodê de. 2013. “A identidade e o papel de agentes penitenciários”. Tempo Social. Junho de 2013. Vol. 25, nº 1, p. 131-147.). Já sob o ponto de vista dos familiares das pessoas privadas de liberdade, o cuidado se assemelharia ao cuidado como “obrigação”, à medida que sobrecarrega as mulheres, e também é associado a sentimentos como “amor” e “carinho” (Lago, 2019LAGO, Natália Bouças do. 2019. “Dias e noites em Tamara: prisões e tensões de gênero em conversas com mulheres de presos”. Cadernos Pagu. nº 55, p. 1-26.; Padovani, 2015PADOVANI, Natália Corazza. 2015. Sobre casos e casamentos: afetos e amores através de penitenciárias femininas em São Paulo e Barcelona. Tese de doutorado, Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).). Ao formarem redes de amizade e solidariedade mútuas, estas mesmas mulheres participariam do circuito do cuidado como “ajuda”, apoiando umas às outras na realização dessa tarefa (Lago, 2019LAGO, Natália Bouças do. 2019. “Dias e noites em Tamara: prisões e tensões de gênero em conversas com mulheres de presos”. Cadernos Pagu. nº 55, p. 1-26.; Padovani, 2015PADOVANI, Natália Corazza. 2015. Sobre casos e casamentos: afetos e amores através de penitenciárias femininas em São Paulo e Barcelona. Tese de doutorado, Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).).

Embora esta seja uma boa interpretação, neste trabalho, propomos que, no sistema prisional, o cuidado dado e recebido constitui um circuito independente, posto que aciona uma série de vasos comunicantes entre o mundo de dentro e o mundo de fora da prisão (Godói, 2015GODÓI, Rafael. 2015. “Vasos comunicantes, fluxos penitenciários: entre dentro e fora das prisões de São Paulo”. Vivência. Revista de Antropologia. 2015. Nº 46, p.131-142.). Cabe observar que, a partir deste exercício, não pretendemos contestar a predominância daqueles circuitos identificados por Guimarães (2020)GUIMARÃES, Nadya. 2020. “O Cuidado e seus Circuitos: Significados, Relações, Retribuições”. In: GUIMARÃES, Nadya; HIRATA, Helena. O Gênero do Cuidado. Desigualdades, significações e identidades. 1ª ed. Cotia: Ateliê Editorial. 296 p. no Brasil. Na verdade, buscamos demonstrar que os cuidados prisionais possuem significados próprios, que implicam sujeitos, relações sociais e trocas que lhes são específicas, a começar pelo que a Lei de Execuções Penais diz a este respeito.

3. O cuidado no sistema prisional: um novo significado?

Segundo Pautassi (2007)PAUTASSI, Laura. 2007. El cuidado como cuestión social desde un enfoque de derechos. CEPAL - Serie Mujer y desarrollo. Nº 87. Santiago de Chile: Naciones Unidas., o termo “direito ao cuidado” se refere ao direito que todos nós possuímos de sermos cuidados de acordo com nossas necessidades, bem como o direito que temos de escolher se nos envolveremos, ou não, no cuidado direcionado às pessoas com as quais convivemos. Embora ainda não seja explicitamente citado nos tratados e acordos internacionais sobre os direitos humanos, o direito ao cuidado “está incorporado em função do que é regulamentado em cada um dos direitos sociais incluídos” (Pautassi, 2007PAUTASSI, Laura. 2007. El cuidado como cuestión social desde un enfoque de derechos. CEPAL - Serie Mujer y desarrollo. Nº 87. Santiago de Chile: Naciones Unidas.: 40, tradução nossa).

Analogamente, podemos afirmar que no caso das pessoas privadas de liberdade é a Lei de Execuções Penais (LEP), de 1984, que procura implementar uma série de direitos que visam garantir a vida e o bem-estar de quem está atrás das grades, incluindo o cuidado. A LEP assegura os direitos à assistência social, à saúde, à assistência material (alimentação, vestuário e instalações higiênicas), à assistência jurídica, à assistência religiosa e a visitas de cônjuges, familiares e amigos. Descreve, ainda, condições ambientais que devem ser encontradas em todos os estabelecimentos penais brasileiros e determina que mulheres e idosos devem ser conduzidos para unidades específicas. As prisões destinadas às mulheres devem dispor de berçários e creches (BRASIL, 1984BRASIL. Lei Nº7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 13 de julho de 1984.) para que as mães possam permanecer juntas de seus filhos com mais de seis meses e menos de sete anos de idade.

A LEP também assegura que os presos possuem direito à educação e ao trabalho, em que pese este grupo ser excluído da CLT. Em parte, isso ocorre porque a LEP estabelece que, para os presos, o trabalho consiste, simultaneamente, em “dever social e condição de dignidade humana”, cujos objetivos devem ser educar e produzir (Brasil, 1984BRASIL. Lei Nº7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 13 de julho de 1984.). O trabalho é imposto às pessoas em situação de prisão como condição para o acesso a regalias, à progressão de regime e à remissão da pena (Lancelotti, Fonseca, 2023). O envolvimento nessas tarefas é interpretado como um sinal positivo da disposição e da capacidade que estes indivíduos possuem de abandonar seus comportamentos desviantes, e de se adequar às normas e de conduta da sociedade “extramuros” (Reishoffer e Bicalho, 2017REISHOFFER, Jefferson Cruz; BICALHO, Pedro Paulo Gastalhano. 2017. “Exame criminológico e psicologia: crise e manutenção da disciplina carcerária”. Fractal. Revista de Psicologia. Abril de 2017. Vol. 29, nº 1, p. 34-44.).

Se, por um lado, estudar e trabalhar são considerados sinais de “bom comportamento”, por outro, o “bom comportamento” é imprescindível para que os presos sejam autorizados a estudar e trabalhar. Tais permissões são concedidas por juízes e diretores das unidades, os quais baseiam suas decisões em pareceres das Comissões Técnicas de Classificação (CTC) e laudos de exames criminológicos. A LEP prevê ainda que os presos recebam sanções caso perturbem a ordem dos estabelecimentos penais, desobedeçam a autoridade de seus agentes e/ou prejudiquem o desempenho do trabalho deles. Estas sanções consistiriam na restrição das atividades de cuidado anunciadas como direitos por esta norma.

Neste trabalho, propomos que o circuito composto pelo cuidado regulado e provido pelo Estado brasileiro às pessoas privadas de liberdade seja denominado cuidado como “merecimento”. Esta palavra se refere à noção de que o acesso ao cuidado dentro das prisões é condicionado ao “bom comportamento”, sendo a sua realização perpassada por sentimentos de desconfiança em relação àqueles para os quais ele é direcionado. Por “bom comportamento”, entendemos tanto os critérios supostamente “objetivos”, definidos pela LEP, quanto os subjetivos cuja aplicação por parte dos juízes, promotores, policiais penais, CTCs e diretores das unidades prisionais é constantemente reiterada (Marques Junior, 2009MARQUES JUNIOR, Gessé. 2009. “A lei de execuções penais e os limites da interpretação jurídica”. Revista de Sociologia e Política. Junho de 2009. Vol. 17, nº 33, p. 145-155.; Reishoffer e Bicalho, 2017REISHOFFER, Jefferson Cruz; BICALHO, Pedro Paulo Gastalhano. 2017. “Exame criminológico e psicologia: crise e manutenção da disciplina carcerária”. Fractal. Revista de Psicologia. Abril de 2017. Vol. 29, nº 1, p. 34-44.). Neste circuito, o que se espera em troca do cuidado é a “recuperação” de seus beneficiários: há a expectativa de que os presos não causem mais “danos” à nossa sociedade e passem a “contribuir positivamente” para seu funcionamento através do trabalho (Garland, 2018GARLAND, David. 2018. “Penal strategies in a welfare state”. Punishment and Welfare. A history of penal strategies. 2ª ed. New Orleans: Quid Pro Books. 347 p.; Vaughan, 2016VAUGHAN, Barry. 2016. “Punishment and Conditional Citizenship”. Punishment & Society. Agosto de 2016. Vol. 2, nº 1, p. 23-39.; Young, 2002YOUNG, Isis Marion. 2002. Autonomy, Welfare Reform, and Meaningful Work. The Subject of Care. Feminist perspectives on dependency. 1ª ed. London: Rowman & Littlefield Publishers. 392 p.).

Em certa medida, é possível dizer que a visão que temos acerca das pessoas privadas de liberdade no Brasil se assemelha àquela que, segundo Fraser e Gordon (2002)FRASER, Nancy; GORDON, Linda. 2002. “A genealogy of dependency: tracing a keyword of the U.S. welfare”. The Subject of Care. Feminist perspectives on dependency. 1ª ed. London: Rowman & Littlefield Publishers. 392 p., se tem dos usuários das políticas públicas de assistência social nos Estados Unidos. Ambos são mal vistos à medida que são pessoas adultas que deveriam ser capazes de atender às suas próprias necessidades. Além disso, por também serem pessoas negras e pobres, os auxílios que recebem são tidos como “indevidos” e “onerosos” para o Estado (Fraser e Gordon, 2002FRASER, Nancy; GORDON, Linda. 2002. “A genealogy of dependency: tracing a keyword of the U.S. welfare”. The Subject of Care. Feminist perspectives on dependency. 1ª ed. London: Rowman & Littlefield Publishers. 392 p.). Em ambos os contextos, a participação em capacitações profissionais e a busca por empregos costumam ser atividades exigidas como contrapartidas para o “cuidado” recebido e também maneiras de se diminuir o estigma associado à dependência (Fraser e Gordon, 2002FRASER, Nancy; GORDON, Linda. 2002. “A genealogy of dependency: tracing a keyword of the U.S. welfare”. The Subject of Care. Feminist perspectives on dependency. 1ª ed. London: Rowman & Littlefield Publishers. 392 p.; Young, 2002YOUNG, Isis Marion. 2002. Autonomy, Welfare Reform, and Meaningful Work. The Subject of Care. Feminist perspectives on dependency. 1ª ed. London: Rowman & Littlefield Publishers. 392 p.).

Sobre as pessoas privadas de liberdade também recaem os estigmas derivados de suas condutas rotuladas pelos aparelhos oficiais como desviantes e criminosas (Lima, Alvarenga Filho, 2018LIMA, Antonio; ALVARENGA FILHO, José Rodrigues de. 2018. “A potência do cuidado: uma experiência no sistema prisional de Pernambuco”. Psicologia: Ciência e Profissão. Vol. 38, p. 117-130.). Segundo Caldeira (1991)CALDEIRA, Teresa. 1991. “Direitos humanos ou “privilégios de bandidos”?: desventuras da democratização brasileira”. Novos Tempos. CEBRAP. Julho de 1991. nº 30, p. 162-174., a sociedade brasileira tende a ver qualquer cuidado que recebem como um “privilégio” não merecido, concedido apenas a “bandidos” e “perigosos”. A isso se acresce um entendimento de que suas condições seriam melhores do que as da população em geral, em que pese a existência de “um bom número de estudos documentando a injustiça do sistema penal no Brasil” (Lancellotti; Fonseca, 2023LANCELLOTTI, Helena; FONSECA, Claudia. “Resgatando o cuidado num terreno tóxico”. Anuário Antropológico. Vol. 48, nº 1, p. 134-152, 2023.: 3).

Esta mesma suposição é fonte de um forte ressentimento entre agentes penitenciários em relação aos presos (Lourenço, 2011; Moraes, 2013MORAES, Pedro R. Bodê de. 2013. “A identidade e o papel de agentes penitenciários”. Tempo Social. Junho de 2013. Vol. 25, nº 1, p. 131-147.): dada a indispensabilidade de seu trabalho para o “bom funcionamento da sociedade”, eles sentem que são os verdadeiros merecedores do cuidado que, na prática, é direcionado apenas a “bandidos”. Porém, este não é o único desafio que eles percebem cotidianamente nas prisões. Como Moraes (2013)MORAES, Pedro R. Bodê de. 2013. “A identidade e o papel de agentes penitenciários”. Tempo Social. Junho de 2013. Vol. 25, nº 1, p. 131-147. assinala, os agentes penitenciários lidam constantemente com a contradição entre as necessidades de identificação e aproximação com presos para manter a ordem e o controle nas unidades, e a de constante vigilância para que não se contaminem com suas atitudes e as disposições tradicionalmente associadas ao “mundo do crime”. De acordo com Lourenço (2011), este risco e o fato de cuidarem do “lixo da sociedade”, daqueles que ninguém quer cuidar, acarretam na estigmatização desta profissão.

Outro aspecto relevante deste circuito de cuidado consiste no fato de que nem sempre o Estado brasileiro dispõe de recursos, sejam eles financeiros ou humanos, suficientes para garantir a manutenção das vidas que se encontram sob sua custódia. Dada a precariedade do sistema penitenciário nacional, há intensa exploração das mulheres que ficam do lado de fora da prisão, que “puxam pena junto” com os seus entes queridos (Padovani, 2015PADOVANI, Natália Corazza. 2015. Sobre casos e casamentos: afetos e amores através de penitenciárias femininas em São Paulo e Barcelona. Tese de doutorado, Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).). As esposas, irmãs e filhas são “chamadas a dar sustento moral e material aos homens encarcerados” (Lancellotti; Fonseca, 2023LANCELLOTTI, Helena; FONSECA, Claudia. “Resgatando o cuidado num terreno tóxico”. Anuário Antropológico. Vol. 48, nº 1, p. 134-152, 2023., p. 3), sendo ajudadas pelas mães, que se envolvem ativamente nos cuidados com os presos (Lago, 2019LAGO, Natália Bouças do. 2019. “Dias e noites em Tamara: prisões e tensões de gênero em conversas com mulheres de presos”. Cadernos Pagu. nº 55, p. 1-26.). Além de denunciarem casos nos quais há violações dos direitos humanos, elas também enviam cartas e “jumbos”/”sacolas”, como costumam ser chamados os pacotes contendo remédios, produtos de higiene pessoal, roupas e alimentos (Godói, 2015GODÓI, Rafael. 2015. “Vasos comunicantes, fluxos penitenciários: entre dentro e fora das prisões de São Paulo”. Vivência. Revista de Antropologia. 2015. Nº 46, p.131-142.), fazem visitas (Lago, 2019LAGO, Natália Bouças do. 2019. “Dias e noites em Tamara: prisões e tensões de gênero em conversas com mulheres de presos”. Cadernos Pagu. nº 55, p. 1-26.; Padovani, 2015PADOVANI, Natália Corazza. 2015. Sobre casos e casamentos: afetos e amores através de penitenciárias femininas em São Paulo e Barcelona. Tese de doutorado, Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).) e procuram assistência jurídica para seus filhos e maridos presos (Lancellotti; Fonseca, 2023LANCELLOTTI, Helena; FONSECA, Claudia. “Resgatando o cuidado num terreno tóxico”. Anuário Antropológico. Vol. 48, nº 1, p. 134-152, 2023.). Estabelecem, dessa maneira, importantes circuitos de cuidado que conectam as vidas entre, intra e extramuros, mas também atuam como uma espécie de punição adicional para as mulheres que ficam fora da prisão.

Como afirma Padovani (2015)PADOVANI, Natália Corazza. 2015. Sobre casos e casamentos: afetos e amores através de penitenciárias femininas em São Paulo e Barcelona. Tese de doutorado, Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)., entre as ruas e as prisões, se conformam fluxos de cartas, objetos, cuidados, afetos e pessoas. Tais fluxos, no entanto, não transcorrem livre e espontaneamente. Em sua pesquisa sobre uma prisão localizada no interior de São Paulo, Lago (2019)LAGO, Natália Bouças do. 2019. “Dias e noites em Tamara: prisões e tensões de gênero em conversas com mulheres de presos”. Cadernos Pagu. nº 55, p. 1-26. evidencia as diferentes regulações às quais eles precisam se submeter. A administração estabelece critérios rigorosos nos quais deveriam se encaixar as roupas das visitantes, os produtos que elas levavam e, até mesmo, suas embalagens. Para realizarem suas visitas, elas também precisavam se atentar às normas estabelecidas pela facção Primeiro Comando da Capital (PCC).

Padovani (2015)PADOVANI, Natália Corazza. 2015. Sobre casos e casamentos: afetos e amores através de penitenciárias femininas em São Paulo e Barcelona. Tese de doutorado, Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)., por sua vez, observa que as relações entre presas, suas famílias e maridos são submetidas a uma série de regulações, das quais a maioria estaria associada ao sistema de normas e expectativas de gênero. Assim como Lago (2019)LAGO, Natália Bouças do. 2019. “Dias e noites em Tamara: prisões e tensões de gênero em conversas com mulheres de presos”. Cadernos Pagu. nº 55, p. 1-26., ela percebe que as regras estabelecidas pela direção e pelos funcionários das prisões não eram as únicas às quais estas mulheres deveriam se atentar. Há ainda as normas definidas por suas famílias, notadamente maridos, e pelas facções que dominam o sistema prisional. Ambas demandam que presas “andem na linha” em troca de proteção e regalias, o que significa evitar práticas sexuais e afetivas consideradas dissidentes como, por exemplo, as praticadas com outras mulheres ou com homens que não sejam seus companheiros. Caso não o façam, sofrem sanções e castigos.

Considerando os diferentes aspectos que caracterizam o cuidado realizado no sistema prisional brasileiro, é possível observar que seu significado é, em última instância, atravessado pela noção de “merecimento”. Embora tal sentido seja encoberto pelo uso de palavras como “direitos” e “deveres”, ele emerge à medida em que sua realização é condicionada à adoção de padrões de comportamento tidos como “desejáveis” e “não desviantes”. Esta noção está em parte presente na literatura sobre as prisões que destaca quem pode receber visitas (Godói, 2015GODÓI, Rafael. 2015. “Vasos comunicantes, fluxos penitenciários: entre dentro e fora das prisões de São Paulo”. Vivência. Revista de Antropologia. 2015. Nº 46, p.131-142.), como as visitantes e os presos precisam ter “bom comportamento” para conseguirem cuidar e ser cuidados (Lago, 2019LAGO, Natália Bouças do. 2019. “Dias e noites em Tamara: prisões e tensões de gênero em conversas com mulheres de presos”. Cadernos Pagu. nº 55, p. 1-26.; Padovani, 2015PADOVANI, Natália Corazza. 2015. Sobre casos e casamentos: afetos e amores através de penitenciárias femininas em São Paulo e Barcelona. Tese de doutorado, Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).) e, ainda, para sem visíveis ao Estado por meio dos diversos serviços de saúde, assistência social e acesso à justiça (Lancellotti; Fonseca, 2023LANCELLOTTI, Helena; FONSECA, Claudia. “Resgatando o cuidado num terreno tóxico”. Anuário Antropológico. Vol. 48, nº 1, p. 134-152, 2023.).

Para obter proteção, acessar seus benefícios, progredir de regime, receber visitas e participar de atividades educacionais e laborais, os presos devem se comportar “bem” aos olhos do Estado, de suas famílias, de outros internos e até mesmo das facções prisionais que regulam as rotinas prisionais (Goidói, 2015; Padovani, 2015PADOVANI, Natália Corazza. 2015. Sobre casos e casamentos: afetos e amores através de penitenciárias femininas em São Paulo e Barcelona. Tese de doutorado, Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).). Eles devem também demonstrar sua disposição e capacidade de recuperação para os “operadores da lei” (Lancellotti; Fonseca, 2023LANCELLOTTI, Helena; FONSECA, Claudia. “Resgatando o cuidado num terreno tóxico”. Anuário Antropológico. Vol. 48, nº 1, p. 134-152, 2023.; Reishoffer e Bicalho, 2017REISHOFFER, Jefferson Cruz; BICALHO, Pedro Paulo Gastalhano. 2017. “Exame criminológico e psicologia: crise e manutenção da disciplina carcerária”. Fractal. Revista de Psicologia. Abril de 2017. Vol. 29, nº 1, p. 34-44.; Marques Junior, 2009MARQUES JUNIOR, Gessé. 2009. “A lei de execuções penais e os limites da interpretação jurídica”. Revista de Sociologia e Política. Junho de 2009. Vol. 17, nº 33, p. 145-155.). Neste circuito, o Estado brasileiro é responsável por cuidar das pessoas privadas de liberdade, por regular o acesso a seus cuidados e por controlar a participação de outros cuidadores, principalmente das mães e esposas, no cotidiano prisional. Essas atribuições, por sua vez, são mediadas por agentes públicos, tais quais os policiais penais (Lourenço, 2010LOURENÇO, Luiz Claudio. 2010. “Batendo a tranca: impactos do encarceramento em agentes penitenciários da região metropolitana de Belo Horizonte”. Dilemas. Revista de Estudos de Conflito e Controle Social. Dezembro de 2010. Vol. 3, nº 10, p. 11-31.; Moraes, 2013MORAES, Pedro R. Bodê de. 2013. “A identidade e o papel de agentes penitenciários”. Tempo Social. Junho de 2013. Vol. 25, nº 1, p. 131-147.), demais profissionais que trabalham nas prisões (Lago, 2019LAGO, Natália Bouças do. 2019. “Dias e noites em Tamara: prisões e tensões de gênero em conversas com mulheres de presos”. Cadernos Pagu. nº 55, p. 1-26.; Padovani, 2015PADOVANI, Natália Corazza. 2015. Sobre casos e casamentos: afetos e amores através de penitenciárias femininas em São Paulo e Barcelona. Tese de doutorado, Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).), seus diretores, promotores e juízes (Reishoffer e Bicalho, 2017REISHOFFER, Jefferson Cruz; BICALHO, Pedro Paulo Gastalhano. 2017. “Exame criminológico e psicologia: crise e manutenção da disciplina carcerária”. Fractal. Revista de Psicologia. Abril de 2017. Vol. 29, nº 1, p. 34-44.; Marques Junior, 2009MARQUES JUNIOR, Gessé. 2009. “A lei de execuções penais e os limites da interpretação jurídica”. Revista de Sociologia e Política. Junho de 2009. Vol. 17, nº 33, p. 145-155.).

Portanto, a opção de utilizar o termo ‘cuidado’ para descrever as atividades realizadas no âmbito do sistema prisional, por agentes estatais e por familiares, não foi arbitrária, mas sim fundamentada em uma compreensão contextualizada do conceito de cuidado tal como anunciado por Guimarães (2020)GUIMARÃES, Nadya. 2020. “O Cuidado e seus Circuitos: Significados, Relações, Retribuições”. In: GUIMARÃES, Nadya; HIRATA, Helena. O Gênero do Cuidado. Desigualdades, significações e identidades. 1ª ed. Cotia: Ateliê Editorial. 296 p.. Entendemos o cuidado tanto como uma prática assistencial, quanto como um conjunto de ações e relações que visam promover o bem-estar e a dignidade das pessoas envolvidas no contexto prisional, mas que apenas conseguem se conectar dentro de um circuito quando são entendidas como “merecedoras”, dentro e fora das prisões.

4. Metodologia

Neste trabalho, utilizamos notícias sobre o sistema penitenciário mineiro, disponibilizadas entre os anos de 2005 e 2019 pelo jornal “O Tempo”, como nossa fonte de dados. Este periódico foi fundado em 1996, é publicado diariamente pela “Sempre Editora” e veicula suas notícias online desde 2005. A coleta de dados foi realizada ao longo de 2020, o primeiro ano da pandemia de COVID-19, período durante o qual os protocolos de distanciamento social não nos permitiram consultar presencialmente o acervo da hemeroteca da Biblioteca Pública Estadual de Minas Gerais em Belo Horizonte.

Escolhemos utilizar “O Tempo” como fonte de informação porque acreditamos que os jornais podem nos ajudar a revelar os pensamentos e comportamentos da sociedade à qual pertencem seus interlocutores, leitores e autores (Werneck et al, 2024WERNECK, Alexandre et al. 2024. “Forças em forma: uma sociologia pragmática da “violentização” da força em diferentes modalidades”. Sociologias. Vol. 26, e-soc131445.). A partir de textos publicados em jornais de grande circulação, é possível identificar quais eventos recebem atenção, as formas por meio das quais são representados, quais, entre elas, seriam as mais recorrentes e os grupos sociais aos quais dizem respeito. Se, por um lado, é verdade que os jornalistas buscam, cada vez mais, retratar as perspectivas de diversos atores sociais em suas matérias (Müller, 2015), por outro, não podemos afirmar que esta seria a única função que as notícias desempenham ou o único resultado que alcançam. Elas também podem influenciar a opinião pública acerca de determinado acontecimento (Oliveira e Sento-Sé, 2022OLIVEIRA, Fabiano; SENTO-SÉ, João Trajano. 2022. “Empatia direcionada: a representação do preso enquanto vítima na cobertura da crise penitenciária de 2017”. Dilemas. Revista de Estudos de Conflito e Controle Social. Janeiro de 2022. Vol. 15, nº 1, p. 103-128.).

Os críticos do uso dos jornais enquanto fontes de dados para a realização de pesquisas sociais consideram que suas reportagens não são válidas à medida que são marcadas pela “falta de neutralidade, carência de objetividade e possível ausência de imparcialidade” (De Luca, 2005 apud Müller 2015: 272). Ou seja, estariam contaminadas não apenas pelas crenças dos próprios jornalistas, mas também pelos valores dos jornais aos quais se vinculam. Apesar de concordarmos com essa observação, assim como Müller (2005)MÜLLER, Aline. 2018. “O jornal como fonte de pesquisa histórica e antropológica: entre o monologismo e a polifonia”. Biblos. Março de 2018. nº 1, p. 269-286., cremos que a neutralidade é um ideal inalcançável e acrescentamos que a possibilidade de se observar como tais veículos se posicionam nas disputas por sentidos (Quéré, 2005QUÉRÉ, Louis. 2005. “Entre facto e sentido: a dualidade do acontecimento”. Trajectos. Revista da comunicação, cultura e educação. nº 6, p. 59-74.) seria, na verdade, uma de suas principais vantagens.

Para que fosse possível encontrar as notícias que estávamos interessados, realizamos buscas com as palavras-chave “prisão” e “penitenciária” no site do periódico. Em seguida, líamos a reportagem e, caso ela estivesse dentro do nosso recorte (falasse sobre as prisões ou sobre o sistema penitenciário em Minas Gerais), preenchemos os formulários online, criados na plataforma Google Forms, para direcionar a nossa análise de conteúdo. Este instrumento continha campos sobre as datas nas quais as notícias foram publicadas, seus títulos, os tipos de evento que reportavam, seus principais trechos, resumos de seus conteúdos, os nomes e os vínculos institucionais das pessoas citadas.

Como resultado deste processo, foram identificadas e escrutinadas 1.689 notícias. Deste total, selecionamos manualmente aquelas que se referiam a, pelo menos, alguma das dimensões do cuidado, totalizando 970 reportagens. Em seguida, informados pelas literaturas sobre cuidados, prisões e as interseções que encontramos entre as mesmas e a LEP, elaboramos a primeira organização de quais seriam as categorias que orientariam a nossa análise, considerando o nosso objetivo de identificar o circuito de cuidado que compõem o sistema prisional (Quadro 1).

QUADRO 1
Categorias utilizadas para a análise de conteúdo.

Nas próximas seções apresentamos os resultados obtidos a partir da análise das notícias de acordo com as categorias apresentadas no Quadro 1.

5. Análise de dados

A literatura diferencia os componentes do cuidado entre os indiretos e os diretos. Enquanto os primeiros dizem respeito à atenção que efetivamente direcionamos a outras pessoas, o segundo se refere às condições necessárias para cuidar (Batthyány, 2020BATTHYÁNY, Karina. 2020. Miradas latinoamericanas al cuidado. Miradas latinoamericanas al cuidado. 1ª ed. Buenos Aires: CLACSO. 516 p.). Dada a variedade de ações que influenciam no bem-estar das pessoas privadas de liberdade, nesta seção, utilizamos estas categorias para apresentar as frequências com as quais estas atividades são mencionadas nas notícias publicadas pelo jornal “O Tempo” entre 2005 e 2019. Vale destacar que as notícias diziam respeito, em sua quase totalidade, a situações ocorridas em unidades masculinas ou que envolviam presos, dado o pressuposto de que os homens seriam os verdadeiros “bandidos” (Werneck et al, 2024WERNECK, Alexandre et al. 2024. “Forças em forma: uma sociologia pragmática da “violentização” da força em diferentes modalidades”. Sociologias. Vol. 26, e-soc131445.).

A Figura 1 contém a proporção de notícias que se referem a tarefas de cuidado indireto em relação ao total de notícias analisadas. A maioria delas A maioria delas notícias sobre cuidado no sistema prisional mineiro, publicadas pelo jornal “O Tempo” entre 2005 e 2019, relataram situações relacionadas à obtenção de benefícios, saídas temporárias ou progressão de regime. Já os eventos associados às condições das estruturas físicas das unidades prisionais obtiveram a segunda maior frequência de citações no conjunto de notícias analisado: 34,02% delas os mencionaram. Por sua vez, a proteção contra violências foi o terceiro tipo de cuidado mais discutido, sendo abordado por 33,81% das reportagens. Além destas atividades, também se destacaram o trabalho encarcerado, a assistência jurídica, as condições de trabalho de profissionais do sistema e as unidades específicas para adolescentes, mulheres, pessoas LGBTQIAP+, idosos e portadores de doenças mentais.

FIGURA 1
Distribuição relativa das notícias sobre o sistema prisional conforme as atividades de cuidado indireto citadas. Minas Gerais, 2005 a 2009.

As notícias que dizem respeito ao cuidado direto no sistema prisional se concentraram em temas como a saúde, o convívio social e familiar e o envio e o recebimento de itens e dinheiro (Figura 2). As demais atividades somam menos de 10% de todas as notícias analisadas. Neste contexto, torna-se evidente a escassez de notícias sobre cuidado no sistema prisional e a predominância de reportagens sobre benefícios concedidos aos presos, condições das estruturas físicas e proteção contra violências, dada a visão do estado de coisas inconstitucional que caracterizam as prisões brasileiras (Magalhães, 2019MAGALHÃES, Breno Baía. 2019. O Estado de Coisas Inconstitucional na ADPF 347 e a sedução do Direito: o impacto da medida cautelar e a resposta dos poderes políticos. Revista Direito GV. Vol. 15, p. e1916.).

FIGURA 2
Distribuição relativa das notícias sobre o sistema prisional conforme as atividades de cuidado direto citadas. Minas Gerais, 2005 a 2009.

No que diz respeito às avaliações feitas às atividades de cuidado e aos sentidos que lhes são imputados, destacamos que, além de corresponderem entre si, elas também nos revelam que perspectivas aparentemente contraditórias ocupavam as páginas do jornal “O Tempo”. Por um lado, temos que a falta de atendimento médico e as formas precárias por meio das quais se prestava assistência à saúde para presos foram consideradas violações de seus direitos e, consequentemente, abordadas sob o enfoque dos direitos humanos. Por outro lado, as reportagens destacavam acontecimentos nos quais a realização deste tipo de cuidado serviu como “pretexto” para rebeliões, motins, fugas e crimes. Por este motivo, tais atividades foram apontadas como cruciais para o controle e a manutenção da ordem no ambiente prisional ao mesmo tempo em que acarretaram punições. Em uma das matérias analisadas, por exemplo, relata-se que:

O suspeito, conforme a Polícia Civil, fugiu quando, em julho de 2007, foi levado à Unidade de Atendimento Imediato no bairro Jardim das Alterosas, em Betim, para se consultar. No local estavam quatro homens armados que o resgataram (Damasceno, 2013DAMASCENO, Sandramara. 2013. “Fugitivo do Ceresp Betim é recapturado no centro de BH”. O Tempo, 28/04/2013. Cidades. Disponível em: https://www.otempo.com.br/cidades/fugitivo-do-ceresp-betim-e-recapturado-no-centro-de-bh-1.512132 [Acesso 09/03/2023].
https://www.otempo.com.br/cidades/fugiti...
).

O trabalho, por sua vez, foi associado à aplicação tanto de punições, como ao respeito de critérios técnicos e, ainda, modelos de ressocialização a serem seguidos por outras unidades. Em relação à primeira perspectiva, notamos que várias notícias narravam crimes, violentos ou não, cometidos por pessoas privadas de liberdade enquanto trabalhavam fora das unidades prisionais. Já o segundo ponto de vista foi encontrado em reportagens voltadas à discussão dos requisitos necessários para a concessão da permissão para atividades laborais, fossem elas internas ou externas, como, por exemplo, as decisões judiciais a respeito de casos específicos.

A terceira perspectiva consiste na ideia de que a oferta de atividades laborais seriam exemplos a serem seguidos por todo o sistema prisional à medida que são essenciais para que a pena de prisão alcance seu objetivo de ressocialização. Encontramos notícias que destacavam a falta de trabalho enquanto obstáculo para a contenção e a diminuição das taxas de reincidência do sistema penitenciário convencional. Nestas matérias, as noções de “falta de perspectivas e oportunidades”, “ócio” e “tempo livre” são evocadas como causas para o sofrimento de preso e para a desordem nas prisões.

Uma vez que a LEP impõe a participação de pessoas privadas de liberdade em atividades educacionais e laborais como condições para a progressão de regime e para a obtenção de benefícios (Brasil, 1984BRASIL. Lei Nº7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 13 de julho de 1984.), não é de se espantar que, assim como o trabalho, tais atividades sejam associadas à aplicação de punições e a critérios técnicos, evidenciando outra suposta contradição. Embora as notícias informem as normas para que presos tenham direito a indultos e saídas temporárias, enfatizando a necessidade de “bom comportamento”, elas também contribuem para que seus leitores tenham a sensação de que tais benefícios aumentam significativamente os índices de fuga, criminalidade e violência. Tais situações geram fortes desconfianças em relação à validade destas normas, as quais são ilustradas pelo seguinte trecho:

A saída temporária de Natal e Ano Novo - concedida a presos do regime semiaberto com bom comportamento e que já tenham cumprido um sexto da pena - causou a fuga de 225 condenados no Estado. Após sentirem a sensação de liberdade durante o período das festas de fim de ano, eles não retornaram aos presídios no início de 2009 (Nascimento, 2009NASCIMENTO, Alexandre. 2009. “Mais de 200 condenados não retornam após festas: Hosmany Ramos disse que só volta à cadeia se pena for cumprida em minas”. O Tempo, 14/01/2009. Disponível em: https://www.otempo.com.br/cidades/mais-de-200-condenados-nao-retornam-apos-festas-1.273985 [Acesso em: 09.03.2023]
https://www.otempo.com.br/cidades/mais-d...
).

Estas desconfianças se estendem a seus familiares e amigos à medida que a presença dos mesmos no cotidiano do sistema prisional é escrutinada pelo jornal “O Tempo”. Mães, esposas e irmãs são retratadas como as principais responsáveis pela entrada de drogas e celulares nas prisões. Tais episódios são ligados tanto ao envio e recebimento de itens quanto às visitas. Casos nos quais tais objetos são encontrados escondidos nas comidas, bebidas e, até mesmo, nos corpos destas mulheres são muito relatados nas matérias deste jornal, como no exemplo abaixo, ainda que sejam incomuns na realidade da vida como ela é (Lago, 2019LAGO, Natália Bouças do. 2019. “Dias e noites em Tamara: prisões e tensões de gênero em conversas com mulheres de presos”. Cadernos Pagu. nº 55, p. 1-26.).

Uma idosa de 63 anos foi presa ao ser flagrada levando pão de queijo recheado com maconha para o filho, que está preso por tráfico de drogas, em Unaí, na região Noroeste de Minas. O crime aconteceu nessa terça-feira (26), durante atendimento médico fornecido ao detento, fora da unidade prisional (Viegas, 2014VIEGAS, Fernanda. 2014. “Mãe leva pão de queijo recheado de maconha para filho preso em Unaí: idosa teria tentado subornar os agentes penitenciários para não ser presa; crime aconteceu durante atendimento médico de detento, fora da unidade prisional”. Em linha. O Tempo, 17/09/2014. Disponível em: https://www.otempo.com.br/cidades/mae-leva-pao-de-queijo-recheado-de-maconha-para-filho-preso-em-unai-1.906273 [Acesso 09.03.2023].
https://www.otempo.com.br/cidades/mae-le...
).

Ainda no que se refere às visitas e ao convívio entre pessoas privadas de liberdade e seus familiares, observamos que grande parte das reportagens relataram situações nas quais seus direitos foram violados, como episódios nos quais as visitas foram interrompidas, abusos foram cometidos por policiais penais durante a revista dos parentes e a inadequação dos espaços para os encontros íntimos se mostrou comprometedora. Além disso, tais violações também foram associadas às ocorrências de rebeliões e motins.

Não à toa, a proteção contra violências, quaisquer que fossem os seus tipos, está entre as atividades de cuidado majoritariamente mencionadas por notícias relativas à violação dos direitos das pessoas privadas de liberdade. Dentre tais episódios, destacamos os de violência interpessoal entre presos, os de presos assassinados durante suas saídas temporárias e os de agressões cometidas por agentes estatais. Neste último caso, ao mesmo tempo em que as reportagens ressaltam que o Estado é responsável pela integridade física e psicológica dos indivíduos que estão sob sua custódia, elas também sublinham seus supostos crimes, o que, em última instância, desacreditaria as denúncias:

o diretor da penitenciária em Ribeirão das Neves, Rodrigo Machado, estaria intervindo no esquema dos presos para a entrada de armas no local, o que teria sido um dos motivos do motim. (...) Mais cedo, um grupo de detentos de três pavilhões realizou uma manifestação na unidade. Os presos recusaram o café da manhã e reclamaram de tortura psicológica, física, falta de atendimento médico e psicológico e assédio contra familiares por parte dos agentes penitenciários (Vale, 2017VALE, Ailton do. 2017. “Presos rebelados exigem saída de diretor e ameaçam: ‘vai rolar sangue’: em um vídeo que circula nas redes sociais, um dos presos faz as seguintes ameaças: ‘vamos meter fogo em tudo, vai queimar e morrer gente’”. Em linha. O Tempo, 16/01/2017. Disponível em: https://www.otempo.com.br/cidades/presos-rebelados-exigem-saida-de-diretor-e-ameacam-vai-rolar-sangue-1.1424122 [Acesso 09/03/2023].
https://www.otempo.com.br/cidades/presos...
).

As notícias que abordavam questões relacionadas às condições das instalações físicas das unidades prisionais, além de denunciarem as diversas violações de direitos decorrentes da precariedade das prisões estaduais (estruturas velhas e danificadas, superlotação e a falta de saneamento básico), também informaram acerca da inauguração de novos estabelecimentos. Não raro essas reportagens elogiavam exemplos de “bom funcionamento” e “humanização do sistema”, dentre os quais sobressaíram as unidades da Associação de Proteção e Assistência ao Condenado (APAC) e o Complexo Penitenciário Público-Privado (CPPP) de Ribeirão das Neves.

A falta de assistência jurídica é destacada enquanto violação dos direitos das pessoas privadas de liberdade. Uma vez que o Estado possui poucos defensores públicos, a maioria dos detentos não acessa este direito garantido pela LEP. As notícias afirmam que, como consequência, pessoas inocentes passam anos esperando seus julgamentos, a progressão de regime não acontece nos momentos em que deveria e as prisões ficam cada vez mais superlotadas. Para além disto, esta atividade é avaliada como sendo regida por critérios técnicos à medida em que costuma ser citada por reportagens que relatam decisões jurídicas sobre casos específicos.

As reportagens sobre estabelecimentos penais próprios para jovens, mulheres, pessoas LGBTQIAP+, idosos e pessoas com doenças mentais destacaram situações nas quais houve violações de direitos, como, por exemplo, a falta de vagas nos mesmos e as especificidades de suas normas relativas às visitas íntimas. Tais unidades foram citadas por uma proporção considerável de notícias que descrevem exemplos positivos, modelos de “cuidado” a serem adotados por outras prisões no estado.

6. Discussão dos resultados

Neste mote, aprimoramos as definições do circuito do cuidado como “merecimento”, problematizando como esta noção conecta o que está dentro e fora das prisões, (Godói, 2015GODÓI, Rafael. 2015. “Vasos comunicantes, fluxos penitenciários: entre dentro e fora das prisões de São Paulo”. Vivência. Revista de Antropologia. 2015. Nº 46, p.131-142.), numa lógica de vasos comunicantes, se tornando uma categoria de referência para presos e seus familiares. Inicialmente, o cuidado no sistema prisional está intimamente vinculado ao merecimento, o qual deve ser identificado pelos policiais penais. Estes profissionais vigiam o espaço interno das prisões e são responsáveis por fazer com que os presos que “merecem” consigam acessar, por exemplo, atendimento médico, políticas educacionais e, até mesmo, espaços fora de seus muros (Lourenço, 2010LOURENÇO, Luiz Claudio. 2010. “Batendo a tranca: impactos do encarceramento em agentes penitenciários da região metropolitana de Belo Horizonte”. Dilemas. Revista de Estudos de Conflito e Controle Social. Dezembro de 2010. Vol. 3, nº 10, p. 11-31.). Além disso, mesmo os cuidados que são realizados como “ajuda” e “obrigação”, quando as mulheres se deslocam até as unidades, são atravessados por essa noção (Padovani, 2015PADOVANI, Natália Corazza. 2015. Sobre casos e casamentos: afetos e amores através de penitenciárias femininas em São Paulo e Barcelona. Tese de doutorado, Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).). Para que consigam adentrar o cárcere, seu “merecimento” deve ser confirmado pelos agentes prisionais na revista de acesso (Lago, 2019LAGO, Natália Bouças do. 2019. “Dias e noites em Tamara: prisões e tensões de gênero em conversas com mulheres de presos”. Cadernos Pagu. nº 55, p. 1-26.). Considerando essas dimensões, apuramos nosso quadro teórico para que conseguíssemos observar como as notícias escrutinadas tematizam o merecimento, transformando direitos em benefícios e ajudas em privilégios, como demonstra o Quadro 2.

Quadro 2
Tematizações feitas do cuidado como ™merecimento∫ a partir da leitura das reportagens do jornal ™O Tempo∫.

O Quadro 2 mostra como algumas noções da literatura ganham novos significados dentro do ambiente prisional. O cuidado estatal provido para os presos internamente visa garantir a sobrevivência daqueles que merecem e, por isso, não são raras as reportagens que falam de mortes ou de situações que, apesar de indicarem falta de acesso a serviços, dizem sobre a dispensabilidade desse para “perigosos criminosos”. Para acessar qualquer cuidado adicional para além do provido pelo Estado, o preso precisa “merecer”, o que significa ter bom comportamento, se sujeitar às regras da unidade e, ainda, ter uma família que não crie problemas do lado de fora. Caso o preso não “mereça”, são criados mecanismos para barrar essa entrada externa na prisão e, com isso, o detento se vê privado de bens que, muitas das vezes, são a única forma de garantia de alguma dignidade num espaço que viola tantos direitos.

As reportagens evidenciam como o cuidado trazido do mundo exterior é indispensável para que as prisões mineiras possam operar. Por um lado, sua ausência leva a motins e rebeliões, o que, muitas vezes, coloca em xeque o próprio merecimento dos presos a essa “ajuda”. Por outro, sua entrada nas prisões está regulada pela sujeição das visitantes a rotinas de humilhação e degradação, que informam sobre o seu “merecimento”, isto é, sobre a sua disposição em cumprir as regras da unidade. Neste ponto, não ter qualquer material ilícito colabora para ser considerada como uma mãe ou esposa de respeito e que “merece” entrar na unidade para reforçar o vínculo com o preso. Resta, portanto, saber o que acontece com os presos que não recebem nem o cuidado como merecimento e nem o cuidado como “ajuda” e “obrigação”. Como sobrevivem dentro do sistema prisional nos parece um enigma de difícil solução.

7. Considerações finais

Neste trabalho, estabelecemos importantes diálogos entre a literatura sobre cuidado e a literatura sobre prisões, cuja separação parece ser consequência das escolhas que os autores geralmente fazem ao enfatizar o bem-estar produzido pelo cuidado ou a forte presença de diferentes tipos de violências no cotidiano do sistema penal. Para o estabelecimento de vasos comunicantes mais estreitos entre esses dois campos de estudos, buscamos identificar quais significados são atribuídos ao cuidado no sistema penitenciário a partir da análise do conteúdo de 970 notícias, publicadas online pelo jornal “O Tempo” entre 2005 e 2019.

Inspirando-nos nos resultados da análise das reportagens, na LEP (Brasil, 1984BRASIL. Lei Nº7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 13 de julho de 1984.) e na própria literatura sobre prisões, propusemos nomear o circuito de cuidado constituído pelas atividades de manutenção da vida no sistema prisional como “merecimento”. Neste contexto, o Estado é quem regula o cuidado realizado por seus agentes e também pelas famílias dos presos, muitas vezes, explorando-as como uma estratégia de punição secundária. Por isso, argumentamos que tal regulação é perpassada pela noção de “merecimento” à medida que o “bom comportamento” é imposto como uma condição tanto para cuidar como para ser cuidado. Sua ausência implica na interrupção dessas atividades como uma forma de sanção - para a pessoa que está privada de liberdade e para sua família.

Tal associação, no entanto, não aparece explicitamente nas reportagens, mas, sim, em suas entrelinhas. Ao mesmo tempo que reconhecem os direitos dos presos, estas prescrições legais são confrontadas com as noções de “suspeitabilidade” e “periculosidade”, comumente atreladas a estes indivíduos por parte da narrativa do jornal. Notamos que o enfoque de direitos apenas prevaleceu quando as notícias relataram episódios de ameaças à integridade física dos presos ou denunciaram as condições desumanas das estruturas das unidades. Em contrapartida, ao narrarem situações relacionadas ao trabalho, à obtenção de benefícios e à progressão de regime, as reportagens abandonam esta perspectiva e reiteram o pensamento de que tais atividades seriam meros subterfúgios para fugas e delitos em geral.

Desta forma, as notícias reforçam a noção de que os direitos ao cuidado são concedidos a “criminosos” (Caldeira, 1991CALDEIRA, Teresa. 1991. “Direitos humanos ou “privilégios de bandidos”?: desventuras da democratização brasileira”. Novos Tempos. CEBRAP. Julho de 1991. nº 30, p. 162-174.) e, por isso, seriam indevidos e “danosos” para a sociedade como um todo. Se, à primeira vista, temos a impressão de que tais estigmas recaem apenas sobre aqueles que são cuidados no sistema prisional, observamos que eles se estendem a seus cuidadores, ou seja, às suas famílias, notadamente, mães e esposas (Lancellotti; Fonseca, 2023LANCELLOTTI, Helena; FONSECA, Claudia. “Resgatando o cuidado num terreno tóxico”. Anuário Antropológico. Vol. 48, nº 1, p. 134-152, 2023., Lago, 2019LAGO, Natália Bouças do. 2019. “Dias e noites em Tamara: prisões e tensões de gênero em conversas com mulheres de presos”. Cadernos Pagu. nº 55, p. 1-26.; Padovani, 2015PADOVANI, Natália Corazza. 2015. Sobre casos e casamentos: afetos e amores através de penitenciárias femininas em São Paulo e Barcelona. Tese de doutorado, Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).) e aos agentes penitenciários (Moraes; 2013MORAES, Pedro R. Bodê de. 2013. “A identidade e o papel de agentes penitenciários”. Tempo Social. Junho de 2013. Vol. 25, nº 1, p. 131-147.; Lourenço, 2011).

  • 1
    Este trabalho é produto do projeto de pesquisa “As Políticas Penitenciárias de Minas Gerais: uma análise sócio-histórica (1979-2019)”, desenvolvido pelo Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública da Universidade Federal de Minas Gerais (CRISP/UFMG) e financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG, APQ-02825-18). Agradecemos à FAPEMIG pelo financiamento e a nossas colegas pesquisadoras do CRISP por suas valiosas contribuições para a execução desta pesquisa.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Jun 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    30 Mar 2023
  • Aceito
    07 Maio 2024
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