Open-access Avaliação da Energia de Soldagem e da Adição de Arame Frio nas Características Dimensionais, Químicas e Metalúrgicas do Metal de Solda Obtido por Arco Submerso em Aços Inoxidáveis Lean Duplex UNS S32304

Evaluation of Heat Input and Cold Wire Addition on Dimensional, Chemical and Metallurgical Characteristics of The Weld Metal Obtained by Submerged Arc Welding in UNS S32304 Lean Duplex Steel

Resumo

A energia de soldagem (HI) máxima indicada para soldagem dos aços inoxidáveis duplex de 2,5kJ.mm-1 representa um fator limitante para o aumento de produtividade na soldagem dos mesmos, sendo a adição de arame frio uma alternativa interessante à essa questão. Avaliou-se a influência da energia de soldagem e da adição do arame frio nas características dimensionais, químicas e metalúrgicas do metal de solda (MS) obtido por arco submerso (SAW) em aço “lean” duplex UNS S32304, utilizando-se o consumível ER2209. Empregou-se o sistema ICETM que adiciona um arame frio entre dois arames energizados “twin” para executar cordões sobre chapas, empregando-se quatro diferentes HI e variando-se a porcentagem de arame frio em relação aos arames quentes em 0, 50 e 100%. Foram realizadas análise química, macrografia, análise dimensional, microscopia ótica e MEV/EDS do MS. A microestrutura do MS foi constituída de uma matriz ferrítica com a presença de austenita de contorno de grão, de Widmanstatten e intragranular e inclusões não metálicas, não sendo observado a ocorrência de precipitados deletérios como σ, χ e nitreto de cromo. A adição de arame frio aumentou a taxa de deposição e provocou a redução da diluição, produzindo soldas com maiores números equivalentes de resistência à corrosão por pite, principalmente para maiores HI, e maiores frações de austenita. Isso indica que o aumento da velocidade de alimentação de arame frio propicia o aumento da produtividade e da resistência à corrosão por pite do MS.

Palavras-chave:  Lean duplex; Arame frio; SAW; Diluição

Abstract

The maximum recommended welding energy (HI) of 2.5 kJ.mm-1 represents a limiting factor for the productivity increase for duplex stainless steels welding, and the addition of cold wire is an interesting alternative to this question. It has been evaluated the influence of welding energy and the addition of cold wire on the dimensional, chemical and metallurgical characteristics of the weld metal (WM) of SAW welds in lean duplex steel UNS S32304, using the ER2209 filler metal. The ICETM system was used to add a cold wire between two twin energized wires to produce bead-on-plate welds, applying four different HIs and varying the percentage of cold wire (AF) in relation to the hot wires at 0, 50 and 100%. It has been performed chemical analysis, macrography, dimensional analysis, optical microscopy and MEV / EDS in the WM of all conditions. The WM microstructure was constituted by a ferritic matrix with grain boundary, Widmanstatten and intergranular austenite and non-metallic inclusions. No deleterious precipitates such as σ, χ and chromium nitride were observed. The addition of cold wire increased the deposition rate and reduced dilution, achieving higher pitting resistance equivalent number, mainly for higher HI conditions, and higher austenite fractions. This indicates that the higher cold wire feed speed provides increased productivity and WM pitting corrosion resistance.

Key-words:  “Lean” duplex; Cold wire; SAW; Dilution

1. Introdução

Com o aumento da exploração de petróleo no Brasil e no mundo, vem aumentando de forma significativa a necessidade de materiais soldáveis com maior resistência mecânica e resistência à corrosão. Buscando atender este quesito, os aços inoxidáveis duplex (AID) vêm se apresentando como uma excelente opção [ 1 ]. Os AID podem ser definidos como aqueles que apresentam uma microestrutura mista de ferrita e austenita, na proporção de aproximadamente 50% para ambas fases [ 2 ]. Esses materiais foram desenvolvidos há mais de 70 anos [ 3 ] e tem seu uso comercial iniciado de forma extensiva na década de 70 [ 4 ]. Os principais elementos de liga utilizados nessa classe de materiais são cromo e níquel, porém frequentemente são adicionados em menores proporções elementos como molibdênio, nitrogênio, cobre, silício e tungstênio [ 5 ].

Os AID têm muito em comum com aços inoxidáveis austeníticos e ferríticos, mas possuem várias propriedades únicas. Eles têm melhor resistência à corrosão sob tensão do que a maioria das ligas austeníticas, maior dureza do que a maioria das ligas ferríticas e maior resistência mecânica do que a maioria de ambos [ 2 ]. A ferrita promove maior resistência mecânica e melhor resistência à corrosão sob tensão (SCC – “stress corrosion crack”) [ 6 ], enquanto a austenita favorece a boa resistência à corrosão generalizada e ductilidade. Uma excelente resistência à corrosão localizada em meios neutros e ácidos contendo cloretos pode ser obtida devido aos elevados teores de Cr, Mo e N [ 6 ]. De acordo com Westin [ 7 ], em geral, a maior resistência mecânica dos AID também contribui para uma maior resistência à fadiga e ao desgaste por abrasão. Os AID podem ser uma alternativa economicamente viável em relação às ligas austeníticas de equivalente resistência à corrosão, especialmente em aplicações em que o dobro de limite de escoamento pode ser levado em consideração no projeto para redução da espessura de parede dos componentes [ 7 ]. Apesar das excelentes propriedades mecânicas e de resistência à corrosão, os AID 2205 ainda apresentam um elevado custo, principalmente devido aos altos teores de Ni e Mo. Desta maneira, a busca por ligas com microestrutura mista, porém com menor custo levou ao desenvolvimento dos aços inoxidáveis “lean” duplex (AILD).

Nos AILD, o níquel é parcialmente substituído por elementos formadores de austenita, como o manganês e nitrogênio, e o teor de molibdênio é reduzido. Eles apresentam como composição química típica 20-24% de cromo, 1-5% de níquel, 0,1-0,3% de molibdênio e 0,10-0,22% de nitrogênio [ 7 ]. O “lean” duplex comercialmente mais comum é a liga UNS S32304 que apresenta composição nominal 23% de cromo, 4% de níquel, adições de molibdênio de até 0,6%, nitrogênio e manganês, o qual possui o PREN (“Pitting resistance equivalent number”) entre 24 e 25, similar à liga austenítica AISI 316L, porém com o dobro do limite de escoamento e melhor resistência à corrosão sob tensão [ 7 ] devido à maior proporção de ferrita. O PREN é o parâmetro geralmente aceito como uma estimativa da resistência à corrosão localizada dos aços inoxidáveis e pode ser definido pela Equação 1 [ 8 ]. O AILD UNS S32304 vem sendo utilizado em tanques de estocagem na indústria de papel e celulose, pontes, estações de tratamento de água, mineração e na indústria offshore [ 7 ]. Sua soldabilidade geralmente é boa quando consumíveis com maiores teores de níquel (“over-alloyed”) são utilizados [ 6 ], entretanto para uma dada composição química do metal de base, a microestrutura da zona termicamente afetada (ZTA) continua dependendo exclusivamente do ciclo térmico [ 1 ].

P R E N = 1. ( % C r ) + 3,3. ( % M o ) + 16. ( % N ) (1)

Em função da complexidade química dos AID, um grande número de reações de precipitação, dependentes do tempo e temperatura, podem ocorrer quando o material é submetido a elevadas temperaturas, a uma faixa de temperatura abaixo de 1000 °C. Muitos dos precipitados formados fragilizam a microestrutura dos AID, entre estes podem ser citados a fase sigma (σ), chi (χ), alfa prime (α’) e o nitreto de cromo. A adição ou aumento do teor de Cr, Mo e W tende a acelerar a formação dos mesmos, principalmente da σ e χ [ 9 ].

Quando os AID são soldados, o ciclo térmico imposto ao material pode prejudicar significativamente suas propriedades, especialmente a tenacidade e resistência à corrosão localizada [ 10 ]. Como os AID possuem microestrutura 100% ferrítica a altas temperaturas, elevadas velocidades de resfriamento podem provocar a ferritização excessiva da zona afetada (ZTA) e do metal de solda (MS) [ 11 , 12 ], bem como a formação de nitretos de cromo [ 9 , 13 ], enquanto o resfriamento lento ou repetidos ciclos térmicos entre 600 °C e 1000 °C favorecerá a formação de fases intermetálicas, especialmente nos AID com maiores adições de elementos de liga [ 13 ]. A ferritização do MS geralmente não é um problema quando um consumível com maior teor de Ni é empregado. Na prática, a formação de fases intermetálicas é raramente um problema na soldagem para os AID standard e “lean” duplex, entretanto um restrito controle do procedimento de soldagem é requerido para os super e hiper duplex [ 13 ].

A energia de soldagem (HI) desempenhará um papel importante na história térmica da junta soldada e na formação da estrutura da junta [ 14 ]. O impacto do emprego de uma HI muito alta nos AID é o favorecimento da formação de fases intermetálicas deletérias e o excessivo crescimento de grão ferrítico, enquanto uma energia muito baixa favorecerá uma excessiva ferritização. Neste contexto, se recomenda uma HI na faixa de 0,5 a 2,5 kJ.mm-1 para soldagem do AILD UNS S32304 [ 10 , 13 ]. O valor superior restringe o uso de maiores velocidades de alimentação de arame (WFS) e corrente de soldagem, o que representa um fator limitante para aumentar a produtividade ao soldar os AID, especialmente na soldagem por arco submerso (SAW) no qual um alto nível de energia de soldagem é geralmente aplicado. A adição de arame frio representa uma alternativa interessante, pois permite o aumento da taxa de deposição sem o aumento de HI [ 14 - 16 ]. Algumas pesquisas foram relatadas sobre a adição de arame frio em SAW para ligas de aço carbono [ 14 - 17 ], mas nenhuma foi encontrada para AID.

Um dos sistemas de adição de arame frio no processo SAW comercialmente disponível no mercado é o ICETM, que consiste basicamente de um sistema “twin” (arames geminados) com adição de um arame frio entre os arames “twin” energizados, como ilustrado na Figura 1 . Portanto, no processo SAW-ICE três arames são adicionados na mesma poça de fusão, sendo dois arames geminados quentes (“twin”) e um frio equidistante aos arames quentes. Pelo conceito de construção do equipamento, a velocidade de alimentação do arame frio é parametrizada como uma relação, em porcentagem, da velocidade de alimentação dos arames energizados. Nesse trabalho, essa porcentagem será tratada como AF (arame frio).

Figura 1
Alimentação de arame do sistema ICETM [ 17 ].

Portanto, o objetivo desse trabalho é avaliar a influência da energia de soldagem e da velocidade de adição do arame frio nas características químicas e metalúrgicas do metal de solda SAW em AILD UNS S32304, utilizando-se consumível (arame) de classificação ASME II Part C ER2209 [ 18 ].

2. Materiais e Métodos

Foram obtidas 12 condições de soldagem, variando-se a adição de arame frio e a energia de soldagem. Para tal avaliação, foram realizados cordões sobre chapas (“bead-on-plate”), utilizando-se o processo SAW com adição de arame frio (SAW-ICETM) sobre chapas de 300x300x12 mm do AILD UNS S32304, sendo realizados 3 cordões por chapa, preservado espaçamento de 75 mm entre os cordões e as bordas e aproximadamente 20 mm nas bordas para início e término do cordão.

Para todos os experimentos empregou-se uma mesma combinação de consumíveis (fluxo e arame) composta pelo arame sólido de especificação ASME II Part C A5.9 ER2209 [ 18 ], de diâmetro de 2,50 mm, e pelo fluxo OK Flux 10.93. Segundo informação fornecida em catálogo pelo fabricante, este é um fluxo aglomerado básico não ligado para soldagem ao arco submerso de aços inoxidáveis de classificação EN ISO 14174 S A AF 2 56 54 DC, com índice de basicidade nominal de 1,70, densidade de 1 kg/dm 3 e escória do tipo CaF2-Al2O3-SiO2 . A Tabela 1 apresenta a composição química dos materiais utilizados nesse trabalho no estado “como recebido”. Esses valores foram obtidos utilizando-se as mesmas técnicas experimentais empregadas para o MS, descritas posteriormente nesta secção.

Tabela 1
Composição química, em % de massa, dos materiais utilizados e suas respectivas faixas normativas.

A soldagem foi executada utilizando-se um cabeçote de soldagem SAW-ICE (SAW “Integrated Cold Electrode”) e fonte de soldagem AC/DC de 1000 amperes, Figura 2 .

Figura 2
Foto do equipamento utilizado para soldagem dos corpos de prova.

As chapas foram esmerilhadas e o fluxo de soldagem ressecado a 300 °C por 2h, conforme recomendação do fabricante. Para todos os experimentos a corrente de soldagem, polaridade (DC+), tensão de soldagem e a distância entre a peça e o bico de contato (DPBC = 30 mm) foram mantidas constantes, variando-se apenas a velocidade de soldagem para se obter 4 distintas energias de soldagem. Para cada uma delas, variou-se a adição de arame frio (AF) em 0%, 50% e 100%. Esses valores percentuais correspondem a proporção entre a velocidade de alimentação do arame frio em relação aos arames quentes. Dessa forma, foram obtidas 12 diferentes condições de soldagem, conforme detalhado na Tabela 2 . Ressalta-se que a energia de soldagem de 2,7 kJ.mm-1, que está acima do limite recomendado pela literatura, foi empregada propositalmente com o objetivo de estudar o impacto da mesma em uma condição em que há a adição de arame frio, o que provoca um efeito refrigerante na poça de fusão e deve afetar o resfriamento da junta soldada.

Tabela 2
Parâmetros de soldagem utilizados nos experimentos.

Na Tabela 2 , as variáveis independentes são a corrente, tensão e velocidade de soldagem, enquanto as variáveis dependentes são a velocidade de alimentação dos arames quentes, que é uma resposta do equipamento de soldagem à corrente parametrizada, a velocidade de alimentação do arame frio, que está relacionada à velocidade dos arames quentes e a energia de soldagem, que está relacionada com a corrente, tensão e velocidade de soldagem.

Para análise química do MS, foram utilizadas a absorção de infravermelho após fusão para os elementos C e S (equipamento LECO-CS844), a termocondutividade após fusão para o N (equipamento LECO-TC436DR) e espectroscopia de emissão ótica para os demais elementos químicos (equipamento Thermo ARL-4460). A análise foi realizada na superfície do cordão após desbaste por fresamento, respeitando-se a superfície da chapa como profundidade máxima de desbaste.

Para análise metalográfica da secção transversal, corpos de provas foram retirados na região central do cordão (no meio do comprimento). Para macrografia, as amostras foram lixadas até granulometria de 1000 mesh, atacadas com reagente Behara II [ 20 ] e fotografadas com câmera digital com lente para macrofotografia. A largura, penetração, reforço e as áreas depositada e fundida ( Figura 3 ) foram medidos em pelo menos 3 regiões do cordão de solda. A taxa de deposição (TD) foi calculada a partir da área depositada e da velocidade de soldagem. Como variou-se apenas a velocidade de soldagem, mantendo-se a corrente de soldagem e DPBC constantes para todos os testes, foi calculada a média das TD agrupando-se todos as condições de AF igual a 0, 50 e 100%.

Figura 3
Perfil dimensional do cordão de solda. Sendo: (a) 1: reforço, 2: largura, 3: penetração (b) A: área depositada, B: área fundida [ 17 ].

A partir de todas as medições dimensionais e de diluição, foi realizado o tratamento estatístico dos parâmetros. Os dados foram normalizados e em seguida foi realizada a regressão linear múltipla, utilizando-se os seguintes regressores: HI; AF; HI2; AF2; HIxAF. O tratamento estatístico foi realizado com o software MINITAB. Para a construção dos modelos por regressão múltipla, as variáveis de entrada foram normalizadas por ( Equação 2 ):

X N o r = ( X M é d i a ) / D e s v i o P a d r ã o (2)

Os corpos de prova utilizados para microscopia ótica (MO) e eletrônica (MEV) foram embutidos a frio com resina epóxi e passaram por lixamento e posterior polimento com pasta de diamante nas granulometrias de 9, 6 e 3 μm, sendo atacados posteriormente com reagente Behara II. Foi utilizado microscópio ótico (Leica-2500M) e microscópio eletrônico de varredura (MEV) equipado com espectroscopia por Dispersão de Energia de Raios X (EDS) (FEI-Quanta FEG 250). O EDS foi empregado para estimar a composição química das inclusões não metálicas do MS.

Nas amostras de MO ainda não atacadas, foi determinado a fração volumétrica das inclusões não metálicas utilizando-se 10 campos aleatórios com aumento de 1000X. A fração das fases austenita e ferrita foi determinada utilizando-se 5 campos aleatórios, com ampliação de 500X, obtidos por MO em amostras atacadas.

3. Resultados e Discussão

A Figura 4 apresenta as macrografias das juntas soldadas das 12 condições de soldagem executadas nesse trabalho. Através da análise visual das mesmas, é possível observar soldas isentas de qualquer tipo de defeito macroscópico. Além disso, constata-se o aumento da área depositada em função da adição de arame frio, tal efeito é mais notório visualmente quando se compara as condições extremas de 0 e 100% de AF para cada energia de soldagem. O impacto da maior área depositada é a maior taxa de deposição e possível menor diluição, fatores que serão detalhados adiante.

Figura 4
Macrografias das seções transversais dos cordões de solda.

3.1. Análise dimensional do cordão

A Tabela 3 apresenta os parâmetros dimensionais dos cordões e a diluição para cada condição de soldagem. Para uma mesma HI, a área depositada (AD) e a área total (At) aumentaram com o aumento de AF, devido ao aumento da taxa de deposição provocada pela adição do arame frio e a manutenção da velocidade de soldagem constante, o que afetou a diluição. Os outros parâmetros não apresentaram uma tendência clara de variação, o que será reforçado pela análise estatística será apresentada em seguida.

Tabela 3
Parâmetros dimensionais médios e diluição média dos cordões de solda.

Os resultados da regressão linear dos dados da Tabela 3 normalizados são apresentados na Tabela 4 . Segundo Quinino et al. [ 21 ], um modelo é considerado adequado para o nível de significância de 5% quando o valor de R2 é superior a 79%, considerando o número de regressores igual a 5 (k = 5) e o tamanho da amostra igual a 12 (n=12), como é o caso da análise realizada. Assim, o modelamento pode ser considerado adequado para o reforço, área depositada, área fundida, área total e diluição, enquanto a largura e, principalmente, a penetração não apresentaram uma correlação clara com a energia de soldagem e adição de arame frio do ponto de vista estatístico.

Tabela 4
Parâmetros dimensionais médios e diluição média dos cordões de solda.

A regressão linear indica que o reforço aumenta com a energia de soldagem e a adição de arame frio, sendo o efeito de HI mais forte que o de AF; a área depositada e área total aumentam com HI e AF, sendo a HI mais relevante que AF; a área fundida: aumenta com HI e reduz com AF; a diluição: reduz com HI com AF, e AF possui maior relevância que HI. Esses resultados estão coerentes com as medidas dimensionais como, por exemplo as apresentadas na Figura 5 , e mostram que, adicionalmente à energia de soldagem, que já é uma variável bem conhecida e estudada na área de soldagem, a adição de arame frio pode ser usada para afetar os parâmetros dimensionais do cordão de solda, principalmente as áreas depositadas e fundidas, que irão impactar diretamente na diluição, que é extremamente relevante para soldagem de AID.

Figura 5
Área depositada (esquerda) e diluição (direita) dos cordões de solda.

A Figura 5 mostra que a diluição reduziu e a área depositada aumentou para maiores AF. O modelamento estatístico apresentado na Figura 6 mostra que quando sem adição de arame frio (AF = 0) o aumento da energia de soldagem provocou a redução da diluição, contudo ao se aumentar AF, a HI passou exercer menor influência sobre esse parâmetro, sendo que para AF=100% a variação da HI não produziu influência significativa na diluição.

Figura 6
Modelamento estatístico da diluição.

A partir da Figura 7 é possível observar um aumento significativo da TD com o aumento de AF. A regressão linear da TD em função da adição de AF, para as condições de teste usadas, representou um modelo matemático ( Equação 3 ) com R2 igual a 0,99922). Ressalta-se que essa equação é válida apenas para a condição de soldagem empregada neste trabalho, ou seja, alterações na corrente de soldagem, velocidade dos arames quentes e DPBC provocariam alterações significativas na TD e demandariam nova coleta de dados.

Figura 7
Taxa de deposição das condições testadas (direita) e agrupados por AF (esquerda).
T D [ k g / h ] = 4,00 A F + 9,76 (3)

A TD aumentou de 19% de AF = 0% para AF = 50% e 18% deste nível para AF = 100%. Tomando-se os extremos, AF = 0% e AF = 100%, a taxa de deposição aumentou 40,8%, o que é extremamente relevante para aumento de produtividade, principalmente em situações em que não se pode aumentar a energia de soldagem por limitações metalúrgicas, como no caso dos AID. O aumento da TD pela AF pode ser ainda mais relevante para os AID com maiores teores de elementos de liga, como os super e hiper duplex, uma vez que a máxima energia de soldagem recomendada é menor (de 1,5 kJ.mm-1), em função da maior propensão à formação de fases intermetálicas deletérias, como χ e σ, associadas à baixa velocidade de resfriamento durante a soldagem [ 13 ].

3.2. Análise química

A Tabela 5 apresenta a composição química dos cordões de solda. Vale ressaltar que, para os experimentos em questão, a composição do metal de adição é significativamente maior em Ni e Mo em comparação ao metal de base, de forma que a diluição desempenha um importante papel no que diz respeito a composição do MS, e, como consequência, nas suas propriedades metalúrgicas, mecânicas e de resistência à corrosão. Em geral, a adição de AF provocou um aumento do teor de N, Ni e Mo do cordão de solda, o que acarretou no aumento do PREN. Dessa maneira, pode-se afirmar que por meio da adição do AF é possível atuar na composição química da solda, aumentando o seu PREN e possivelmente a resistência à corrosão por pites.

Tabela 5
Parâmetros dimensões e PREN dos cordões de solda. PREN=%Cr+3,3.%Mo+16.%N .

O PREN do metal de base utilizado neste trabalho é de 25,07%, assim o PREN do MS é mais elevado que o do metal de base, uma vez que o metal de adição utilizado apresenta maior teor de Mo e N que o metal de base. Dessa maneira, espera-se que a resistência à corrosão por pites do MS seja maior que a da ZTA e ainda que a mesma aumente com a adição de AF.

3.3. Microestrutura

A microestrutura do metal de base ( Figura 8 ) apresenta austenita disposta em forma de lamelas na matriz ferrítica na proporção de 50,5 ± 1.5% de austenita e 49,5 ± 1.5% de ferrita. Na imagem de MO as regiões claras são austenita e as escuras são ferrita.

Figura 8
Metal de base UNS S32304: MO (esquerda) e MEV (direita). Ataque: Behara II.

A Figura 9 mostra a microestrutura típica do MS. Foi possível observar a presença de austenita de contorno de grão (GBA), austenita de Widmantätten (WA) e austenita intragranular (IGA) em uma matriz ferrítica no MS de todas as condições. Nesta figura, que apresenta os extremos em termos de adição de AF e HI, fica evidenciada a diferença da fração de austenita entre as duas imagens, sendo que a situação soldada com 1,6 kJ.mm-1 e 0% de AF apresentou visivelmente menor quantidade de austenita que a condição de 2,7 kJ.mm -1 e 100% de AF. A maior fração de austenita melhora a tenacidade e diminui a tendência à precipitação de nitreto de cromo, devido à maior solubilidade do nitrogênio na austenita do que na ferrita, o que afeta positivamente a resistência à corrosão por pite [ 22 ]. Em contrapartida, um potencial efeito negativo da elevada fração de austenita é o maior risco de trinca a quente durante a solidificação [ 13 ].

Figura 9
Microestrutura do MS observada por MO dos cordões de solda para (a) HI = 1,6 kJ.mm -1 e AF = 0 (1,6-0) e (b) HI = 2,7 kJ.mm-1 e AF = 100% (2,7-100). Sendo GBA: austenita de contorno de grão, WA: austenita de Widmantätten e IGA: austenita intragranular. Ataque: Behara II.

Por meio do MEV, foi observado a presença de inclusões globulares tanto na austenita quanto na ferrita do MS, contudo não se observou a presença de precipitados como fase σ, χ, nitreto de cromo, dentre outras. A Figura 10 apresenta a morfologia das inclusões encontradas no MS da amostra 1,6-100, a qual representa o aspecto esférico, típico dessas inclusões em todas as amostras, enquanto a Tabela 6 apresenta a composição química da mesma obtida por EDS, que mostra que tal inclusão é rica em O e Si e elementos como Mn e Cr, sendo possível, portanto, caracterizá-las como óxidos e/ou silicatos desses elementos. Tais inclusões não metálicas são originadas durante a solidificação do MS e estão presentes em maiores quantidades em processos de soldagem com geração de escória, como o SAW [ 23 ]. Cardoso [ 24 ] observou inclusões semelhantes em morfologia para soldas de composição químicas semelhantes à deste trabalho obtidas pelos processos SMAW, GMAW e FCAW.

Figura 10
MEV do MS da amostra 1,6-100 (esquerda) e 2,7-100 (direita). Ataque: Behara II.
Tabela 6
Composição química em peso de uma inclusão de 6 µm de diâmetro aproximado da amostra 1,6-100. MEV/EDS.

A Figura 11 apresenta a fração de austenita e de inclusões não metálicas no MS. A fração de austenita no MS aumentou com o aumento de AF e da HI, sendo a primeira relacionada a composição química mais rica em Ni e N pela menor diluição, enquanto a segunda associada tanto à menor velocidade de resfriamento, o que favorece a decomposição da ferrita em austenita, quanto à menor diluição. O modelo estatístico mostrou que, apesar da influência de AF ser maior que de HI, a diluição também reduz quando HI aumenta. Vale ressaltar que o balanço de fases é um dos fatores mais importantes durante a soldagem de AID [ 13 ], sendo que a presença excessiva de ferrita pode levar à formação de nitretos de cromo, comprometendo a ductilidade, tenacidade e resistência à corrosão [ 9 ]. Neste caso, durante o resfriamento rápido da soldagem, como não há tempo suficiente para difusão do nitrogênio para a austenita e sua solubilidade na ferrita é muito baixa, o limite de solubilidade de N na ferrita é excedido e ocorrem as reações de precipitação de nitreto de cromo [ 9 ], que aparecem predominantemente como Cr2N [ 23 , 25 ].

Figura 11
Fração de austenita (a) e fração de inclusões não metálicas (b) no MS.

As medidas de fração de inclusões ( Figura 11 (b)) apresentaram uma dispersão considerável não possibilitando uma análise confiável dos efeitos da HI e de AF em relação à essa variável, o que era esperado considerando que a quantidade de inclusões foi relativamente pequena. Não se observou uma relação clara entre a quantidade de inclusões e as condições de ensaio. Também não foi encontrada na literatura qualquer consideração com relação a este aspecto.

4. Conclusões

Através da adição de AF foi possível aumentar a taxa de deposição sem o aumento da HI, de forma que esse processo representa uma efetiva alternativa para aumento de produtividade na soldagem de aços inoxidáveis “lean” duplex UNS S32304, que possuem faixa restrita de utilização de energia de soldagem.

Além disso, a adição de AF e a HI afetaram a geometria do cordão de solda. O principal impacto resultante foi uma redução significativa da diluição com o aumento da adição de AF, influenciando, portanto, a composição química do MS para uma mesma energia de soldagem. Uma vez que o material de adição é mais ligado ao Ni, Mo e N que o material de base, as soldas com maiores AF apresentaram-se mais ricas nesses elementos. Assim, as soldas com maiores AF apresentaram maiores PREN e devem possuir maior resistência à corrosão localizada. Em relação à microestrutura, o aumento de AF provocou o aumento da fração de austenita no MS. O aumento da HI também aumentou a fração de austenita do MS, como esperado. Foram encontradas inclusões não metálicas caracterizadas como óxidos e/ou silicatos, entretanto não foi observada uma tendência clara da quantidade destas inclusões em relação as variáveis estudadas.

Assim, com a adição de AF foi possível aumentar a produtividade e influenciar as propriedades do MS, de forma que é possível afirmar que a adição de AF possivelmente irá provocar um efeito positivo na tenacidade (pela maior fração de austenita e menor de inclusões não metálicas) e na corrosão localizada (pelo maior PREN). Em contrapartida, um maior cuidado deverá ser tomado na soldagem em relação à trinca a quente, a qual é favorecida pelo aumento da fração de austenita. Trabalhos adicionais serão realizados para confirmar esses pontos.

Agradecimentos

A Aperam South América pelo fornecimento do aço e suporte, a ESAB Industria e Comércio LTDA pelo fornecimento dos consumíveis e soldagem e a UFMG e CDTN pelo fornecimento da infraestrutura para execução das análises. Ao CAPES-PROEX, CNPq e FAPEMIG pelo apoio financeiro.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2018

Histórico

  • Recebido
    11 Jan 2018
  • Aceito
    03 Jun 2018
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