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Avaliação da Influência do Aporte Térmico na Microestrutura da Zona Afetada pelo Calor (ZAC) de Juntas Soldadas do Aço Inoxidável ENDUR 300

Evaluation of the Influence of Heat Input on the Microstructure of the Heat Affected Zone (HAZ) of Welded Joints of Stainless Steel ENDUR 300

Resumo

Os aços inoxidáveis desfrutam de um cenário propicio para aplicações em variados campos da engenharia. A escolha adequada dos parâmetros de soldagem destes metais pode resultar numa maior produtividade através do aumento da vida útil dos equipamentos. Assim, o objetivo deste trabalho é avaliar a influência do aporte térmico na microestrutura presente na zona afetada pelo calor (ZAC) das juntas soldadas do aço, através de caracterização metalográfica e ensaios mecânicos. O material analisado são chapas de aço inoxidáveis, soldadas pelo processo GMAW, variando os aportes térmicos. Após essa etapa, as chapas foram cortadas, preparadas, realizadas análises metalográficas, ensaios mecânicos de tração e dobramento. A quantificação de fases presentes na zona afetada pelo calor, das três condições experimentadas, 4,2 kJ/cm, 6,7 kJ/cm 9,1 kJ/cm e metal base, foram realizadas nesse estudo, como também as propriedades mecânicas das juntas soldadas. Verificado que as taxas de resfriamento não foram suficientes para provocar mudanças microestruturais significativas no balanço das fases ferrita e martensita, encontradas na ZAC. Já às propriedades mecânicas prevaleceram estáveis nos ensaios de tração e dobramento, não havendo resultados que poderiam vir a impedir a aplicação do material por estar fora do limite de resistência exigido pelas normas de aplicação.

Palavras-chave:
Endur 300; Solda; Inoxidáveis; ZAC

Abstract

Stainless steels enjoy a favorable scenario for applications in various fields of engineering. The proper choice of welding parameters for these metals can result in greater productivity through increased equipment life. Thus, the objective of this work is to evaluate the influence of heat input on the microstructure present in the heat-affected zone (HAZ) of welded steel joints, through metallographic characterization and mechanical tests. The analyzed material is stainless steel plates, welded by the GMAW process, varying the thermal inputs. After this step, the plates were cut, prepared, metallographic analyses, mechanical tensile and bending tests performed. The quantification of phases presents in the heat-affected zone, of the three conditions experienced, 4.2 kJ/cm, 6.7 kJ/cm 9.1 kJ/cm and base metal, were carried out in this study, as well as the mechanical properties of the welded joints. It was verified that the cooling rates were not enough to cause significant microstructural changes in the balance of delta ferrite and martensite phases, found in the HAZ. As for the mechanical properties, they were stable in the tensile and bending tests, with no results that could prevent the application of the material because it was outside the resistance limit required by the application standards.

Key-words:
Endur 300; Welding; Stainless; HAZ

1. Introdução

A indústria moderna de bens de capital, produtora de implementos rodoviários, vagões, estruturas e equipamentos, vem aumentando significativamente o emprego de aços inoxidáveis, devido a melhor combinação entre propriedades mecânicas, resistência à corrosão e consequentemente maior vida útil. Assim, os aços inoxidáveis tem conquistado vários segmentos da indústria mundial e são uma importante classe de materiais com um largo campo de aplicação, sendo imprescindíveis em diversas áreas, conforme Azevedo et al. [11 Azevedo DR, Leite DNF, Barbosa MM, Palmeira AA, Delgado HG Jr. Proposição de método de seleção de materiais metálicos para calha de transporte de efluentes oriundo da limpeza de gases de um alto forno. Rev UniFOA. 2017;1(1):95-101.].

Segundo Oliveira [22 Oliveira GD. A aplicabilidade do uso do aço inoxidávelidável em coberturas de edificações estruturadas em aço: estudo de caso [dissertação de mestrado]. Ouro Preto: Universidade Federal de Ouro Preto; 2016.], suas principais características são: alta resistência à corrosão atmosférica, geral e química, resistência mecânica elevada, boa tenacidade, resistência moderada ao calor, baixa rugosidade superficial, facilidade de conformação mecânica, e mantêm suas propriedades mesmo quando submetidos à elevadas temperaturas ou às temperaturas muito baixas. Ainda, segundo Cheng et al. [33 Cheng X, Wang Y, Li X, Dong C. Interaction between austein-ferrite phases on passive performance of 2205 duplex stainless steel. Journal of Materials Science and Technology. 2018;34(11):2140-2148. http://dx.doi.org/10.1016/j.jmst.2018.02.020.
http://dx.doi.org/10.1016/j.jmst.2018.02...
], devido suas características de proteção, o aço inoxidável possui uma relação custo/benefício favorável, baixo custo de manutenção e maior produtividade.

Mesmo com grande diversidade de classificações e características que possibilitam inúmeras aplicações nos segmentos de aços especiais, a indústria Siderúrgica Aperam South America se viu diante de um grande desafio. Criar um aço que alie a alta resistência à corrosão, economicidade, performance mecânica e principalmente a alta resistência ao desgaste abrasivo.

Dentro deste contexto, foi desenvolvido o aço de nome comercial Endur 300, um aço inoxidável martensítico, projetado para fornecer todas estas características, aliadas a boa capacidade de conformabilidade. A liga Endur 300 é resultante de um tratamento termomecânico aplicado à liga UNS S41003, que tem estrutura predominantemente ferrítica. Segundo Marques [44 Marques DA. Efeito do tratamento térmico nas propriedades eletroquímicas e comportamento de corrosão do aço inoxidávelidável classe 410 em solução de cloreto: estudo de caso [dissertação de mestrado]. Fortaleza: Universidade Federal do Ceará; 2021.], o processo consiste em um aquecimento do aço a 1°C por segundo até atingir temperaturas maiores de 937°C, resultando em completa austenitização da microestrutura, seguido por múltiplos passes de laminação a quente, induzindo o refinamento de grãos devido ao processo de recristalização. A liga é então submetida a um resfriamento rápido após o último passe de laminação, resultando em uma microestrutura completamente martensítica.

De acordo com a Aperam [55 Aperam. DIN WS 1.4003/UNS S41003: aço estrutural ferrítico para aplicações estruturais e de desgaste [internet]. 2015 [acesso em 12 fev. 2022]. Disponível em: https://brasil.aperam.com/wp-content/uploads/2015/11/DIN-WS-1.4003UNS-S41003-A%C3%A7o-Inoxid%C3%A1vel-Ferr%C3%ADtico-para-aplica%C3%A7%C3%B5es-estruturais-e-de-desgaste.pdf
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], o Endur 300 apresenta baixo teor de carbono, contendo 10,5 - 12,5% de cromo, com microestrutura predominantemente martensítica, conferindo boas propriedades mecânicas e apresentando uma dureza nominal de 300HB. Por ser extremamente resistente, essa liga é recomendada para aplicações que demandam um efeito combinado de resistência à corrosão e ao desgaste abrasivo, como caçambas rodoviárias/ ferroviárias, linha amarela (escavadeiras, retroescavadeiras, guindastes) operando em segmentos diversos como minério, solo, carvão, brita, calcário e aplicações estruturais diversas.

De modo geral a soldagem destes materiais, podem causar problemas como aumento de dureza na ZAC e a formação de estrutura martensítica com ferrita delta retida, interferindo diretamente em sua propriedade mecânica. A ferrita delta é a primeira fase que se solidifica nos aços de baixo e médio teor de carbono, sendo resultante de uma reação chamada peritética, no aço carbono. Ela ocorre também em aços inoxidável, por um mecanismo semelhante ao que ocorre nos aços ao carbono, porém sob forte influência dos teores de cromo e níquel, sendo normalmente uma fase dúctil e bastante deformável mesmo à temperatura ambiente, podendo se tornar dura e frágil pela adição em sua composição de elementos solúveis. Na microestrutura dos aços inoxidável martensíticos é considerada uma fase indesejável, pois pode influenciar no desempenho da resistência à fadiga, tenacidade e corrosão sob tensão, conforme Henke et al. [66 Henke SL, Paredes RS, Capra AR. Desenvolvimento da ferrita delta na solda e ZTA resultante de soldagem plasma pulsada em um aço inoxidável supermartensítico. Soldagem e Inspeção. 2013;18(1):57-63. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-92242013000100008.
http://dx.doi.org/10.1590/S0104-92242013...
].

Assim, um balanço de fases desproporcional na zona afetada pelo calor (ZAC), pode provocar uma série de defeitos, redução da vida útil e consequentemente improdutividade, conforme Baghjari e Mousavi [77 Baghjari SH, Mousavi SA. Effects of pulsed Nd: YAG laser welding parameters and subsequent post-weld heat treatment on microstructure and hardness of AISI 420 stainless steel. Materials & Design. 2013;43:1-9. http://dx.doi.org/10.1016/j.matdes.2012.06.027.
http://dx.doi.org/10.1016/j.matdes.2012....
].

Devido à escassez de informações na literatura sobre a influência da energia de soldagem aplicada a liga comercial Endur 300, o presente trabalho visa avaliar, por meio de metodologia aplicada, a influência do aporte térmico na formação de fases presentes na zona afetada pelo calor e o nível de interferência do volume destes constituintes frente as propriedades mecânicas do material a ser utilizado.

2. Materiais e Métodos

Foram utilizadas amostras do aço inoxidável ENDUR 300 disponibilizadas pelo Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da indústria Siderúrgica Aperam South America de Timóteo, Minas Gerais. Recebidas amostras nas dimensões de 4,75 x 150 x 400 mm.

Já o metal de adição utilizado foi o arame de solda de aço inoxidável austenítico ER309LSi, com diâmetro de 1,2 mm. O gás de proteção utilizado foi contém 2% de oxigênio e 98% de argônio. As composições químicas fornecidas pelo fabricante do aço e do metal de adição se encontram nas Tabelas 1 e 2 respectivamente. Já as propriedades mecânicas do metal de adição se encontram na Tabela 3.

Tabela 1
Composição química (% em peso) do aço Endur 300 [88 Aperam South America [página da internet]. 2022 [acesso em 9 fev. 2022]. Disponível em: https://www.aperam.com/pt-br/product/endur-300-pt-2/.
https://www.aperam.com/pt-br/product/end...
].
Tabela 2
Composição química (% em peso) do Metal de Adição ER309LSi [99 ESAB. OK Autrod 309Lsi [internet]. 2021 [acesso em 11 dez. 2021]. Disponível em: https://esab.com/ar/sam_es/products-solutions/product/filler-metals/mig-mag-wires-gmaw/stainless-steel-wires/ok-autrod-309lsi/.
https://esab.com/ar/sam_es/products-solu...
].
Tabela 3
Propriedades mecânicas do Metal de Adição ER309LSi [99 ESAB. OK Autrod 309Lsi [internet]. 2021 [acesso em 11 dez. 2021]. Disponível em: https://esab.com/ar/sam_es/products-solutions/product/filler-metals/mig-mag-wires-gmaw/stainless-steel-wires/ok-autrod-309lsi/.
https://esab.com/ar/sam_es/products-solu...
].

As chapas de aço foram soldadas em 3 níveis de aporte térmico diferentes, em um único passe, por meio do processo de soldagem GMAW.

Durante a soldagem foram coletados dados de velocidade, corrente e tensão, sendo a última, medida e controlada diretamente na fonte retificadora, conforme Figura 1. A velocidade do experimento foi semiautomatizada através de uma tartaruga de oxicorte, onde foi adaptado o bico de soldagem, conforme Figura 2.

Figura 1
Fonte retificadora multiprocesso. Fonte: Autor.
Figura 2
Tartaruga adaptada. Fonte: Autor.

Todos os parâmetros de soldagem foram ajustados de forma a garantir os 03 níveis de aportes térmicos desejados no experimento. Abaixo na Tabela 4 estão representados detalhes dos parâmetros utilizados.

Tabela 4
Parâmetros de soldagem Endur 300.

Após a compilação de valores dos parâmetros obtidos na Tabela 4, foram levantadas as energias de soldagem de acordo com a Equação 1, sendo adotado fator de rendimento η igual a 0,8 para o processo GMAW.

As amostras do aço Endur 300 soldadas com os aportes de 4,2, 6,7 e 9,1 kJ/cm foram nomeadas como 012021, 022021 e 032021, respectivamente. Os valores de aporte térmico mostrados acima, foram calculados a partir da equação:

E = 60 * T e n s ã o * C o r r e n t e 1000 * V e l o c i d a d e (1)

Parâmetros de Soldagem definidos juntamente a equipe de pesquisadores da fabricante do aço, de forma a garantir uma diferença mínima de 2,0 kJ/cm entre testes, e que os cordões de solda apresentassem qualidade adequada, conforme avaliação do profissional nível II em soldagem.

2.1. Quantificação de fases

Com a finalidade de avaliar as fases presentes no metal base e para cada aporte térmico, as amostras soldadas foram cortadas em partes menores para facilitar o preparo e, posteriormente serem embutidas. Todas foram lixadas utilizando lixas de carbeto de silício na granulometria de 220, 400, 600 e 1200 mesh. Em seguida, as amostras foram polidas mecanicamente utilizando pasta de diamante com granulometria de 3 a 6 µm, de ½ µm OP-S (sílica coloidal) e pano de polimento para acabamento final. Após realizou-se ataque químico com reagente Behara.

Para cada amostra, ou seja, cada um dos três aportes térmicos, foi feita quantificação de fases presentes na zona afetada pelo calor (ZAC). Todo procedimento das amostras soldadas foi realizado através do Microscópio óptico LEICA modelo DMRM e a contagem de fases através do software OmniMet. Já no metal base foi realizada a técnica de contagem de fases manual, conforme norma ASTM A562.

Para contagem fases foram estabelecidos os mesmos parâmetros nas três amostras, sendo representados na Tabela 5:

Tabela 5
Parâmetros da quantificação de fases via OmniMet.

2.2. Ensaios mecânicos

Tanto os ensaios de tração, quanto os de dobramento foram realizados na máquina Universal EMIC 600, devidamente calibrada (célula de 600KN) e aferida. Ensaios realizados conforme a norma ASTM A370-17 [1010 American Society for Testing and Materials. ASTM A370: standard test methods and definitions for mechanical testing of steel products. West Conshohocken: ASTM; 2017.] e com instrumentos de medição devidamente calibrados em laboratórios acreditados RBC (Rede Brasileira de Calibração).

Os ensaios de tração foram feitos a partir de 9 corpos de prova padronizados sendo 02 para cada energia de soldagem e 3 para o metal de adição. A Figura 3 mostra o corpo de prova soldado e posteriormente o corte das amostras conforme norma, para testagem. Assim como os de tração, os de dobramento guiado 180° também foram feitos a partir de 6 corpos de prova padronizados, 02 para cada energia de soldagem.

Figura 3
(a) Amostra soldada com auxílio de profissional Qualificado N2 (b) Amostra traçada conforme ASTM A370 - 17, sendo cortada (Corte a fio). Fonte: Autor.

Já a Figura 4, demonstra os corpos de prova do metal base e após a soldagem, preparados para realização dos ensaios de tração na máquina Universal de ensaios EMIC 600.

Figura 4
Amostras soldadas preparadas para realização do ensaio de tração, 02 para cada aporte térmico. Fonte: Autor.

3. Resultado e Discussão

3.1. Quantificação de fases

Com a finalidade de reconhecer a microestrutura do metal base foram realizadas a micrografia e a contagem de fases do aço Endur 300. Levantadas frações de martensita e ferrita delta, através da metodologia de contagem manual, conforme norma ASTM E562 [1111 American Society for Testing and Materials. ASTM E562: standard test method for determining volume fraction by systematic manual point. West Conshohocken: ASTM; 2019.], apresentada na Figura 5.

Figura 5
(a) Microestrutura do metal base (Endur 300); (b) Grade definida para contagem de fases manual do metal base (Endur 300), realizada conforme norma ASTM E562. Fonte: Autor.

Após o procedimento de contagem de fases, chegou-se ao volume de 85% de martensita presente no material, sendo o restante (15%) de ferrita delta. Segundo Marques 2021 [44 Marques DA. Efeito do tratamento térmico nas propriedades eletroquímicas e comportamento de corrosão do aço inoxidávelidável classe 410 em solução de cloreto: estudo de caso [dissertação de mestrado]. Fortaleza: Universidade Federal do Ceará; 2021.], o resultado deste balanço de fases deve-se a um resfriamento rápido após o último passe de laminação, resultando em uma microestrutura predominantemente martensítica.

Já para as determinações do percentual de Ferrita e martensita na ZAC do material, foram analisados os corpos de prova 012021 soldado na energia de 4,2 kJ/cm, 022021 com energia de 6,7 kJ/cm e o 032021 com energia de 9,1 kJ/cm respectivamente. Neste caso a análise da fração de fases presentes na Zona afetada pelo calor foram determinadas a partir da utilização do software OmniMet.

Abaixo na Figura 6, segue o gráfico com balanços de fases alcançados em cada aporte térmico utilizado no experimento.

Figura 6
Gráfico de percentual de Fases – Energias de 4,2 kJ/cm, 6,7 kJ/cm, e 9,1 kJ/cm. Fonte: Autor.

Para a primeira condição, de 4,2 kJ/cm, nota-se um balanço de martensita e ferrita, quase der forma proporcional. Com a elevação do aporte térmico para 6,7 kJ/cm, houve maior formação de martensita em relação a ferrita, uma diferença de 15,2%. No terceiro e último experimento, já com aporte de 9,1 kJ/cm é aparente um equilíbrio a condição anterior (6,7 kJ/cm) com um leve aumento de Martensita (1,36%) e queda da Ferrita (1,36%).

A Figura 7 mostra a imagem capturada por microscopia ótica, apresentando as fases ferrita delta (em amarelo) e martensita (laranja).

Figura 7
(a) Microestrutura da Zac do aço Endur 300 soldados na energia de 4,2 kJ/cm; (b) Microestrutura da Zac do aço Endur 300 soldados na energia de 4,2 kJ/cm via software OmniMet. Ataque: Behara. Aumento: 200X. Fonte: Autor.

Da mesma forma foi realizada a análise com o corpo de prova de 6,7 kJ/cm e obtidos os resultados conforme abaixo, na Figura 8.

Figura 8
(a) Microestrutura da Zac do aço Endur 300 soldados na energia de 6,7 kJ/cm; (b) Microestrutura da Zac do aço Endur 300 soldados na energia de 6,7 kJ/cm via software OmniMet. Ataque: Behara. Aumento: 200X. Fonte: Autor.

Pela figura é possível perceber que mesmo com o aumento do aporte térmico de soldagem não ocorreram mudanças significativas no balanço de fases. Segundo Hewitt [1212 Hewittt J. High-chromium controlled-hardenability steels. In: Proceedings of the 1st International Chromium Steels and Alloys Congress. Johannesburg: SAIMM; 1992. p. 71-88.], em taxas de resfriamento lentas, a austenita tende a se transformar em Ferrita e para aumentar o volume de martensita é necessário elevar a taxa de resfriamento pós processo de soldagem, o que não é o caso do experimento.

Usando a mesma metodologia foi realizada a análise no corpo de prova de maior energia, com 9,1 kJ/cm e obtidos os resultados abaixo, conforme a Figura 9.

Figura 9
(a) Microestrutura da Zac do aço Endur 300 soldados na energia de 9,1 kJ/cm; (b) Microestrutura da Zac do aço Endur 300 soldados na energia de 9,1 kJ/cm via software OmniMet. Ataque: Behara. Aumento: 200X. Fonte: Autor.

No caso desta última condição, exibe-se o percentual de cada fase encontrada na Zona afetada pelo calor, indicando 41,04% de Ferrita e 58,96% de Martensita. Nota-se que o aumento do aporte térmico não provocou uma alteração tão discrepante no balanço microestrutural da ZAC.

Valores aproximados no balanço de ferrita delta e martensita encontrados nas análises, podem ser explicados através de estudos realizados por Hewitt [1212 Hewittt J. High-chromium controlled-hardenability steels. In: Proceedings of the 1st International Chromium Steels and Alloys Congress. Johannesburg: SAIMM; 1992. p. 71-88.], demonstrando que caso a taxa de resfriamento for suficientemente lenta, a austenita se transforma completamente em ferrita + carbonetos, e nenhuma martensita é formada. Já em taxas de resfriamento mais altas (> 60 °C/min), a austenita no aço se transforma totalmente em martensita, e o aço é uniformemente duro. Em taxas de resfriamento intermediárias, forma-se uma mistura de ferrita + carboneto e martensita, com consequentes propriedades intermediárias, dependendo de quais proporções dessas fases moles e duras estão presentes.

Uma ferramenta importante no estudo destas transformações microestruturais é o diagrama de resfriamento continuo (CCT), que indica o tipo de microestrutura e sua quantidade para cada taxa de resfriamento ocorrida no aço.

Abaixo na Figura 10, é apresentado o diagrama de fases de transformação de resfriamento contínuo CCT, do aço 3CR12 (1.4003) ou UNS S 41003, demonstrando que um resfriamento mais acelerado proporciona uma maior formação de martensita. Também é sinalizado o ponto de teor médio de Ferrita (50%) e zona de início da Martensita.

Figura 10
Diagrama CCT – 3CR12 (1.4003) UNS S 41003. Adaptado de Hewitt [1212 Hewittt J. High-chromium controlled-hardenability steels. In: Proceedings of the 1st International Chromium Steels and Alloys Congress. Johannesburg: SAIMM; 1992. p. 71-88.].

Conforme apresentado na figura acima, o gráfico é composto pelo eixo de Temperatura (em graus celsius), e taxa de resfriamento (°C/min), sendo que os principais fatores que influenciam a posição dessas curvas são: a composição química e o tamanho de grão (aumentando-se o tamanho de grão atrasa-se o começo e o fim da transformação).

O diagrama CCT do aço UNS 41003, apresenta em amarelo, o trecho que corresponde ao volume de fases encontradas na ZAC dos três aportes térmicos testados, onde apresentaram um teor mínimo e máximo de ferrita de 41,04% e 49,94% respectivamente. É possível perceber, que para uma maior formação de martensita é necessário um deslocamento dos pontos para esquerda, onde a área pertencente a fase ferrita reduz gradativamente e a de martensita se mantém. Isso só será possível através do aumento na taxa de resfriamento do material, que no caso da soldagem ocorrerá com um pós tratamento.

3.2. Propriedades mecânicas

Foram realizados ensaios de tração em 03 amostras no metal de base (Endur 300 sem solda), e em 02 amostras para cada aporte analisado, totalizando 09 corpos de prova. Após realização dos ensaios foram obtidos resultados, conforme Figura 11:

Figura 11
(a) Gráfico de tração 03 amostras de Metal Base sem solda (b) Gráfico de tração da amostra soldada com aporte de 4,2 KJ/cm (c) Gráfico de tração da amostra soldada com aporte de 6,7 KJ/cm; (d) Gráfico de tração da amostra soldada com aporte de 9,1 KJ/cm. Fonte: Autor.

Analisando os gráficos, é possível verificar o alto limite de resistência do aço Endur 300, com média de 970 Mpa, seguido dos corpos de prova soldados com aporte térmico de 4,2 Kj/cm obtendo 689 Mpa, o de 6,7 Kj/cm com 710 Mpa, e 9,1 Kj/cm com 706 Mpa. Dentre as energias testadas, a maior taxa de alongamento ocorreu no método de 6,7 Kj/cm, obtendo percentual de 13%.

Considerando o limite de resistência do Metal de adição (ER319 LSi) de 600Mpa, todas as amostras demonstraram desempenho mecânico satisfatório. Os resultados também afirmam o potencial de aplicação do Endur 300 em projetos de cunho estrutural e linha amarela, pois conforme catálogos de produtos do Grupo Arcelor Mittall [1313 Arcelor Mittal. Arcelor Mittal Aços Planos América Latina: catálogo de produtos laminados [internet]. 2015 [acesso em 16 set. 2022]. Disponível em: https://brasil.arcelormittal.com/files/produtos-catalogos/1a9c75b0-9463-43f6-84f5-251dcc42c75a
https://brasil.arcelormittal.com/files/p...
], os aços destas famílias têm o limite de resistência mínimo variando entre 400 a 500 Mpa, como por exemplo o ASTM A242, ASTM A606 e NBR 5921, dentre outra infinidade de especificações para este fim (nos mais variados graus).

Já nos ensaios de dobramento guiado 180°, foi adotada a mesma quantificação de corpos de prova, 02 para cada energia de soldagem, totalizando 06 ensaios. Obteve-se 100% de conformidade com as amostras testadas, não havendo descontinuidades nos cordões de solda. Abaixo na Figura 12, estão demonstrados os corpos de prova após ensaio de dobramento.

Figura 12
Corpos de Prova após ensaio de dobramento. 1 amostras de 4,2 kJ/cm, 2 amostras de 6,7 kJ/cm e 3 amostras de 9,1 kJ/cm. Fonte: Autor.

3.3. Análise de Fratura - MEV

Após análises mecânicas realizadas nos corpos de prova de tração, considerando os três aportes térmicos testados, foi realizada a análise da fratura através de Microscopia eletrônica de varredura (MEV).

Na Figura 13, é possível perceber os registros da região das fraturas (itens a, b, c) e abaixo (itens d, e, f) estão representadas evidências de fraturas mistas clivagem/dimples. Também são expostas as ampliações das clivagens de cada situação (itens g, h, i).

Figura 13
(a) Superfície da fratura, aporte 4,2 Kj/Cm (12x); (b) Superfície da fratura, aporte 6,7 Kj/Cm (12x); (c) Superfície da fratura, aporte 9,1 Kj/Cm (12x); (d) Clivagens e dimples, 4,2 kJ/cm (850x); (e) Clivagens e dimples, 6,7 kJ/cm (850x); (f) Clivagens e dimples, 9,1kJ/cm (850x); (g) Detalhes de clivagens, 4,2 kJ/cm (1100x); (h) Detalhes de clivagens, 6,7 kJ/cm (1100x); (i) Detalhes de clivagens, 9,1 kJ/cm (1100x). Fonte: Autor.

Importante ressaltar que os dimples são caracterizados por fraturas dúcteis e as marcas de clivagem por fratura frágil.

Em análise das fraturas referentes aos três aportes térmicos utilizados na soldagem, pôde-se verificar que as amostras soldadas nas três energias apresentam aspecto semi-frágil (ou dúctil-frágil), devido a presença de planos de clivagem e dimples. As fraturas dos corpos de prova de menor e médio aporte térmico 4,2 e 6,7 kJ/cm, apresentaram em proporções semelhantes planos de clivagens e dimples. No entanto, a amostra soldada com maior energia, apresentou um leve aumento de planos de clivagem em sua fratura.

Macroscopicamente, a fratura semi-frágil é caracterizada por apresentar zona radial, zona fibrosa e cisalhante. O aspecto microscópico é caracterizado por ruptura de ligações e mobilidade de discordâncias, e a presença de clivagem numa escala bem pequena e em planos não bem definidos. A Fractografia apresenta características intermediárias entre fratura dúctil e frágil, conforme apresentado na Figura 13.

4. Conclusão

  • O presente estudo apresentou diferentes energias de Soldagem, afim de avaliar qual a influência do aporte térmico na formação de fases presentes zona afetada pelo calor do aço comercial Endur 300. A partir da soldagem em três energias distintas, seguida da extração e análise dos corpos de prova, pode-se perceber o quanto o aporte térmico liberado pode influenciar na formação de fases, bem como na resistência mecânica do material. Seguem as principais conclusões:

    • Houve redução significativa de martensita comparando-se o volume do Metal base (85%) e a média encontrada nas zonas afetadas pelo calor (média de 55%).

    • Observou-se que os 03 aportes térmicos testados, combinados a uma condição de resfriamento natural (ao ar), não provocaram mudanças significativas na transformação microestrutural localizada na zona afetada pelo calor (ZAC), do aço Endur 300.

    • Identificada a necessidade de taxas de resfriamento mais aceleradas e de forma proporcional, de maneira a garantir a redução gradual de ferrita δ e consequentemente o aumento da martensita na ZAC.

    • Ensaios de dobramento guiado 180° se mostraram satisfatórios, com todos os corpos de prova isentos de descontinuidades.

    • Ensaios de resistência a tração também foram satisfatórios, levando em consideração o metal de adição indicado pela fabricante do aço Endur 300.

    • Verificado que os limites de resistência encontrados nas três condições atendem a aplicações estruturais, possibilitando sua substituição com aço carbono.

    • Com taxas de resfriamentos mais aceleradas, através de tratamentos pós soldagem, acredita-se que o material possa apresentar menores teores de ferrita na zona afetada pelo calor, ZAC.

Agradecimentos

O presente trabalho foi realizado com apoio do Centro de Pesquisas da Siderúrgica Aperam South America, através do Pesquisador Reginaldo Pinto Barbosa, e da UNIFEI polo Itajubá, Através da Orientação do Prof. Dr. Edmilson Otoni Correa e a coorientação, Prof. Dr. Leonardo Albergaria Oliveira.

  • Como citar: Quintão BM, Correa EO, Oliveira LA, Barbosa RP, Ferreira EA, Winther AS Avaliação da influência do aporte térmico na microestrutura da zona afetada pelo calor (ZAC) de juntas soldadas do aço inoxidável ENDUR 300. Soldagem & Inspeção. 2024;29:e2905. https://doi.org/10.1590/0104-9224/SI29.05

Referências

  • 1
    Azevedo DR, Leite DNF, Barbosa MM, Palmeira AA, Delgado HG Jr. Proposição de método de seleção de materiais metálicos para calha de transporte de efluentes oriundo da limpeza de gases de um alto forno. Rev UniFOA. 2017;1(1):95-101.
  • 2
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    01 Maio 2023
  • Aceito
    10 Fev 2024
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