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Segurança e saúde dos pescadores de camarão em Bertioga-SP: Um estudo com foco nos fatores atmosféricos

Resumo

No trabalho do pescador marítimo há alto risco de doenças e acidentes que vão desde pequenas lesões até mortes por afogamento. Esses riscos são potencializados pelos fatores atmosféricos: tempestades, vento, radiação solar, umidade, calor, frio, entre outros. Por tudo isso, a pesca é considerada uma das atividades mais perigosa, merecendo constantes adequações de normas e procedimentos, assim como de políticas públicas adequadas. O objetivo do presente estudo é analisar as condições de trabalho de um grupo de pescadores frente aos fatores atmosféricos. Aplicou-se um questionário em 20 pescadores de camarão de Bertioga-SP, buscando identificar quais as medidas de controle adotadas para evitar os acidentes e doenças. Os resultados revelaram precárias condições de trabalho e alta vulnerabilidade desses trabalhadores. Existem riscos de acidentes e doenças na pesca de camarão e os fatores atmosféricos contribuem significativamente para o aumento desse risco. As precárias condições de trabalho são agravadas pela ausência de métodos adequados de segurança e de medidas preventivas e emergenciais.

Palavras-chave:
Segurança e saúde; Atmosfera; Pesca artesanal

Abstract

The risk of accidents during oceanic fishing is often high and it can cause several harms, from small injuries to death by drowning. The risks to fishermen’s safety and health are potentiated by atmospheric factors such as storms, wind, solar radiation, humidity, heat and cold waves, among others. Fishing is one of the most dangerous labour activities; therefore, it demands constant adjustments in its standards, procedures and public policies. The aim of the present study is to assess the work conditions of a group of fishermen based on atmospheric risk factors in order to contribute to measures taken towards these issues in Brazil. A questionnaire was answered by 20 shrimp fishermen from Bertioga-SP; it was the tool adopted to identify control measures taken by them in order to prevent accidents and diseases. Based on the results, these fishermen work under precarious work conditions and face high vulnerability, as well as the risk of accidents and of catching diseases. Moreover, results have shown that atmospheric factors have significantly contributed to increase such risks. In addition, these precarious work conditions have been worsened by the absence of safety adequate methods, as well as of preventive and emergency measures.

Keywords:
Safety and health; Atmosphere; Artisanal fishing

Introdução

De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (ILO, 2016INTERNATIONAL LOBOUR ORGANIZATION - ILO. About the ILO. Genebra, 2016. Available in: <http://www.ilo.org/global/about-the-ilo/lang--es/index.htm>. Accessed in jul. 2016.
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), há no mundo mais de 58 milhões de trabalhadores no setor primário da pesca de captura e agricultura. Entre esses, mais de 15 milhões trabalham em barcos pesqueiros. No Brasil, a pesca profissional é definida pela Lei nº 11.959, onde consta que a pesca comercial é composta pela pesca industrial e pela pesca artesanal (BRASIL, 2009BRASIL. Lei Federal nº 11.959, de 29 de junho de 2009. Dispõe sobre a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável da Aquicultura e da Pesca, regula as atividades pesqueiras. Available in: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/Lei/L11959.htm >Access in 19 March 2017.
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). A pesca industrial abrange cerca de 1.600 embarcações, envolvendo ~ 9.000 trabalhadores, responsáveis por 55% da produção do pescado. Quanto à pesca artesanal, estima-se ser mais de um milhão de pescadores, sendo uma das atividades de maior impacto social e econômico, com 45% da produção anual de pescado. Em Bertioga, São Paulo (SP), o Instituto de Pesca (IP) levantou que a produção anual média entre 2009 e 2013 foi de 213,6 toneladas, que representa a receita de ~ R$ 1,25 milhões por ano (IP, 2016INSTITUTO DE PESCA - IP. Programa de Monitoramento da Atividade Pesqueira Marinha e Estuarina de São Paulo (PMAP-SP). 2016. Available in: <http://www.propesq.pesca.sp.gov.br/>. Access in: 11 Jul. 2016.
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). Dados mais recentes registram produção média anual de 148,9 toneladas no período de 2013 a 2017, o que representa um decréscimo de aproximadamente 30,3% em relação ao período 2009-2013 (IP, 2019INSTITUTO DE PESCA - IP. Boletim do Instituto da Pesca. 2019. Available in: <http://www.pesca.sp.gov.br/publicacoes/boletim-do-instituto-de-pesca>. Access in: 12 April 2019.
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).

Apesar dos expressivos índices de produção, a pesca é historicamente conhecida como uma atividade extremamente perigosa para o trabalhador. Ao redor do mudo, muitos artigos tem documentado diferentes e preocupantes problemas relacionados à segurança e saúde dos pescadores. Com estudos realizados para os Estados Unidos da América (EUA), Dzugan (2010)DZUGAN, J. The Development and Efficacy of Safety Training for Commercial Fishermen. Journal of Agromedicine, v.15, n.4, pp.351-356. 2010.https://doi.org/10.1080/1059924X.2010.509226
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e Levin et al. (2016)LEVIN, J.L.; GILMORE, K.; WICKMAN, A.; SHEPHERD, S.; SHIPP, E.; NONNENMANN, M.; CARRUTH, A. Workplace Safety Interventions for Commercial Fishermen of the Gulf. Journal of Agromedicine, v.21, n.2, pp.178-189. 2016. https://doi.org/10.1080/1059924X.2016.1143430
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chamam a atenção para o uso de equipamentos de segurança e treinamento dos pescadores a fim de influenciar favoravelmente as atitudes relacionadas aos fatores de risco. Também com respeito aos equipamentos de segurança, Rodrigues e Kiran (2013)RODRIGUES, D.E.; KIRAN, U. A Pilot study on knowledge and practice regarding prevention of occupational hazards and attitude towards utilization of safety measures among fishermen working at a selected harbour. Nitte University Journal of Health Science, v.3, n.3, pp.68-71. 2013. verificaram que pescadores da Índia necessitam melhorar a segurança através de atitudes positivas. Para a Grécia, Frantzeskou et al. (2012)FRANTZESKOU, E.; KASTANIA, A.N.; RIZA, E.; JENSEN, O.C.; LINOS, A. Risk factors for fishermen's health and safety in Greece. International Maritime Health, v.63, n.3, pp.155-161. 2012. identificaram que 28% dos trabalhadores sofreram pelo menos um ferimento, enquanto que 14% tiveram experiência de quase-afogamento. Eklöf e Törner (2005) constataram que pescadores suecos que sofreram incidentes, raramente passaram a levar em consideração a adoção de medidas preventivas, sendo necessário intervenções mais longas ou mais intensas nestes ambientes de trabalho para melhor orientação. Para o Canadá, Murray et al. (1997)MURRAY, M.; FITZPATRICK, D.; O'CONNELL, C. Fishermens blues: Factors related to accidents and safety among Newfoundland fishermen. Work & Stress, v.11, n.3, pp.292-297. 1997. https://doi.org/10.1080/02678379708256842
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constataram que os pescadores com maior ansiedade são mais vulneráveis às lesões. Na Noruega, os pescadores lidam com riscos através de crenças e práticas compartilhadas entre eles, induzindo erroneamente à uma ideia de não necessidade de regulamentações formais que melhore a segurança (Thorvaldsen, 2013THORVALDSEN, T. the importance of common sense: How Norwegian coastal fishermen deal with occupational risk. Marine Policy, v.42, pp.85-90. 2013. https://doi.org/10.1016/j.marpol.2013.02.007
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). Embora a maioria dos estudos foque em embarcações de grande porte, muitas publicações científicas tem documentado a ocorrência de doenças e acidentes decorrentes do setor pesqueiro no Brasil (PENA e GOMEZ, 2014PENA, P.G.L.; GOMEZ, C.M. Health of subsistence fishermen and challenges for Occupational Health Surveillance. Ciência & Saúde Coletiva, v.19, n.12, pp.4689-4698. 2014.https://doi.org/10.1590/1413-812320141912.13162014
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; ALBIZU, 2014ALBIZU, E.J. O ruído ocupacional e seus efeitos na saúde auditiva do pescador industrial. 2014. 245 f. Tese (Doutorado). Universidade Tuiuti do Paraná. 2014.; FREITAS e RODRIGUES, 2014FREITAS, M.B.; RODRIGUES, S.C.A. As consequências do processo de desterritorialização da pesca artesanal na Baía de Sepetiba (RJ, Brasil): Um olhar sobre as questões de saúde do trabalhador e o ambiente. Ciência & Saúde Coletiva, v.19, n.10, pp.4001-4009. 2014. https://doi.org/10.1590/1413-812320141910.09102014
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; DOIMO et al., 2012DOIMO, R.A.; BARRELLA, W.; MELLO, A.L.R.; RAMIRES, M. Equipamentos e doenças laborais dos pescadores artesanais da estação ecológica Juréia-Itatins (SP). UNISANTA - Law and Social Science, v.1, n.1, pp.7-11. 2012.; RIOS et al., 2011RIOS, A.O.; REGO, R.C.F.; PENA, P.G.L. Doenças em trabalhadores da pesca. Revista Baiana de Saúde Pública, v.35, n.1, pp.175-188. 2011.; ROSA E MATTOS, 2010ROSA, M.F.M.; MATTOS, U.A.O. A Saúde e os riscos dos pescadores e catadores de caranguejo da Baía de Guanabara, Ciência & Saúde Coletiva, v.15, supl.1, pp.1543-1552. 2010. https://doi.org/10.1590/S1413-81232010000700066
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; PENA et al., 2009; BARBOSA, 2004BARBOSA, S.R.C.S. Identidade social e dores da alma entre pescadores artesanais em Itaipu, RJ. Ambiente & Sociedade, v.7, n.1, pp.107-131. 2004. https://doi.org/10.1590/S1414-753X2004000100007
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) e em outros países (KUM e SAHIM, 2014KUM, S.; SAHIN B. A root cause analysis for Arctic Marine accidents from 1993 to 2011. Safety Science, v.74, pp. 206-220. 2015. https://doi.org/10.1016/j.ssci.2014.12.010
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; QUINTINO, 2013QUINTINO, I.C. Acidentes de Trabalho na atividade pesqueira: Avaliação por segmento de pesca em 3 comunidades do continente. 2013. 126 f. Dissertação (Mestrado) - Universidade Nova de Lisboa, Portugal, 2013.; JANOCHA, 2012JANOCHA, J. Facts of the Catch: Occupational Injuries, Illnesses, and Fatalities to Fishing Workers, 2003-2009. Bureau of Labor Statistics, v.1, n.9, pp.1-7. 2012.; FRANTZESKOU et al., 2012FRANTZESKOU, E.; KASTANIA, A.N.; RIZA, E.; JENSEN, O.C.; LINOS, A. Risk factors for fishermen's health and safety in Greece. International Maritime Health, v.63, n.3, pp.155-161. 2012.; ALVES, 2012ALVES, L.D. Sinistralidade na pesca local na região do grande porto. 2012. 121 f. Dissertação (Mestrado) - Universidade do Porto, Portugal, 2012.; PERCIM et al., 2011; LAURSEN et al.,2008LAURSEN, L.H.; HANSEN, H.L.; JENSEN, O.C. Fatal occupational accidents in Danish fishing vessels 1989-2005. International Journal of Injure Control and Safety Promotion, v.15, n.2, pp.109-117. 2008. https://doi.org/10.1080/17457300802240503
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; MARSHAL et al., 2004). Em muitos desses estudos, as condições climáticas adversas são citadas como causa principal da ocorrência de acidentes e doenças, principalmente com pescadores marítimos que são mais vulneráveis à influência direta dos fenômenos atmosféricos e as consequentes alterações das condições de mar. O recente estudo de Madhanagopal e PattanaiksMADHANAGOPAL, D.; PATTANAIKS, S. Exploring fishermen's local knowledge and perceptions in the face of climate change: the case of coastal Tamil Nadu, India, Environment, Development and Sustainability, doi: org.ez46 (2019) mostrou que os pescadores da India tem percebido alterações nos padrões climáticos das últimas décadas e, contrariando entendimentos convencionais, esses pescadores tem percebido cada vez mais que o seus conhecimentos das condições locais de tempo não são mais relevantes diante do advento da mudança climática.

Na costa brasileira, as adversidades do tempo e mar aparecem como importante causa dos acidentes que culminaram em naufrágio. Fuentes et al. (2013)FUENTES, E.V.; BITENCOURT, D.P.; FUENTES, M.V. Análise da Velocidade do Vento e Altura de Onda em Incidentes de Naufrágio na Costa Brasileira entre os estados de Sergipe e Rio Grande do Sul. Revista Brasileira de Meteorologia, v.28, n.3, pp.257-266. 2013. https://doi.org/10.1590/S0102-77862013000300003
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investigaram as condições atmosféricas e oceânicas em 69 naufrágios ocorridos entre Sergipe e Rio Grande do Sul. A maioria desses incidentes (94%) envolveram pequenas embarcações, tais como as utilizadas pelo grupo de pescadores abordados nesta pesquisa. Os ventos e as ondas no mar estavam mais intensos do que a normalidade em 54% e 46% das ocorrências, respectivamente. Além do naufrágio, as condições de tempo e mar podem causar desde pequenas lesões até acidentes graves, pois a embarcação mantém-se frequentemente com o piso úmido e em constante movimento devido às ondulações do mar. Há ainda muitos outros fatores de risco provenientes de agentes físicos (ruído, radiações, etc.), químicos (combustível, gases dos motores, etc.) e de acidentes (quedas, mordidas e esporões de peixes, etc.) que impactam a Segurança e Saúde do Trabalho (SST) do pescador que, na maioria das vezes, executa sua atividade sob precárias condições de trabalho. As doenças nos olhos e de pele, incluindo câncer podem estar associadas a exposição diária da radiação ultravioleta do sol. Já as temperaturas extremas, em situações de ondas de frio ou calor, causam doenças dos aparelhos respiratório e circulatório.

Neste contexto, o objetivo do estudo é verificar se as condições de trabalho dos pescadores artesanais marítimos de camarão de Bertioga-SP, são adequadas para prevenir a ocorrência de acidentes e doenças relacionadas com os fatores atmosféricos. Para tanto, foram coletados dados de um grupo de 20 pescadores através da aplicação de questionário semiestruturado de caráter quali-quantitativo.

Materiais e Métodos

Utilizando-se o referencial metodológico de Gray (2012)GRAY, D.E. Pesquisa no mundo real. 2ed. São Paulo: Penso, 2012., que aponta o estudo de caso como sendo valioso, pois acrescenta entendimento, experiência e convicção sobre um tema ou fenômeno e sua relação com o contexto real. A coleta de dados foi realizada através de questionário semiestruturado, adaptado de Albizu (2014)ALBIZU, E.J. O ruído ocupacional e seus efeitos na saúde auditiva do pescador industrial. 2014. 245 f. Tese (Doutorado). Universidade Tuiuti do Paraná. 2014. e validado pela aplicação de teste-piloto em oito pescadores de comunidades adjacentes. Fez parte da análise uma incursão prática durante a pescaria de camarão junto com um dos entrevistados para avaliação mais completa das atividades diárias.

De um universo de 347 pescadores registrados na Colônia de Pescadores Z-23 (CPZ23), 30 foram identificados como pescadores de camarão (sete-barbas e branco). Entre esses, 20 aceitaram participar das entrevistas (todos do sexo masculino), abrangendo, portanto, 2/3 dos trabalhadores objeto desse estudo. Optou-se por avaliar esses pescadores por ser a pesca de camarão a atividade econômica de pesca mais significativa de Bertioga-SP e também pela similaridade no uso das embarcações e apetrechos de pesca. As entrevistas foram realizadas no período de defeso de 2016, entre abril e maio, sendo estas registradas em diário de campo. Os dados foram sistematizados em planilhas e visualizados na forma gráfica, com a utilização de algumas fotos ilustrativas. A opção por entrevista quali-quantitativa permitiu uma maior participação desses trabalhadores, com relato de suas experiências e das dificuldades encontradas para realização de suas atividades. O questionário foi composto de perguntas abertas (livre resposta) e objetivas (alternativas fixas) e procura identificar os riscos e as ações preventivas sob a ótica do pescador, focando os fatores atmosféricos. O instrumento também busca aspectos correlatos, incluindo o perfil do trabalhador, as condições gerais de trabalho e as medidas de controle praticadas. Também foi averiguada a existência de equipamentos de segurança nas embarcações utilizadas.

Foram também realizados encontros com representantes e/ou integrantes da CPZ23, da Prefeitura Municipal e dos Bombeiros de Bertioga - SP, visando entender a organização da pesca local. Também foram feitas observações de campo nos locais onde as embarcações ficam ancoradas e onde são levadas para manutenção. Este estudo foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Maternidade Carmela Dutra de Santa Catarina e registrado sob n° do Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) 45593215.6.0000.0114, através do site Plataforma Brasil (http://plataformabrasil.saude.gov.br/login.jsf).

A análise, portanto, baseou-se nos gráficos (resultados quantitativos), nas respostas dos pescadores (resultados qualitativos), as quais foram classificadas em grupos de respostas convergentes. Também, de forma complementar e de igual importância, ressalta-se a análise dos resultados qualitativos obtidos durante a pesquisa nas ações de acompanhamento de uma pescaria de camarão (incursão prática) e a obtenção de informações “extra-questionário” junto à outros atores envolvidos no mundo da pesca de camarão em Bertioga-SP.

Bertioga é um município litorâneo do Estado de SP, localizado na Região Metropolitana da Baixada Santista (Figura 1a). Com uma área de 490.148 km² (IBGE, 2015), a população estimada é de 56.555 habitantes. Bertioga é um dos municípios paulistas considerados Estância Balneária e faz divisa com Salesópolis, Biritiba Mirim e Mogi das Cruzes, Guarujá, São Sebastião e Santos (Figura 1b).

Considerando a condicionante local, a microrregião de Bertioga-SP caracteriza-se principalmente pela influência do mar. A costa é delineada aproximadamente na direção sudoeste/nordeste, onde ao sul e leste está o oceano Atlântico e ao norte e oeste, em uma distância de ~ 5 km, está o Parque Estadual Restinga da Bertioga. A partir desse local, existem elevações de 600 a 800 m que favorecem a atuação de sistemas meteorológicos de mesoescala, tais como as brisas de montanha e marítima/terrestre (VIANELO e ALVES, 2000). Já os sistemas meteorológicos de escala sinótica, tais como as frentes frias, as massas de ar frio e os ciclones extratropicais, atuam em áreas bem mais amplas. O comportamento climático do Sudeste do Brasil, onde está inserida a microrregião de Bertioga-SP, em termos de precipitação e temperatura, é caracterizado por uma estação seca nos meses mais frios e chuvosa nos meses mais quentes. Destaca-se a Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS), constituída de uma banda de nebulosidade que atua na primavera e verão e muitas vezes é causa de chuvas extremamente fortes.

Figura 1
(a) Localização geográfica de Bertioga-SP e (b) mapa detalhado, incluindo cidades vizinhas.

Resultados e Discussões

Quanto ao perfil dos pescadores de camarão, a maioria dos 20 entrevistados tem entre 41 e 50 anos, sendo o mais jovem com 20 e o mais idoso com 68 anos. A grande maioria (80%) iniciou na pesca antes de completar a maioridade. Nesse ponto, chama atenção a quantidade significativa (5 pescadores) que revelou ter iniciado na pesca com menos de 11 anos. Dois deles admitiram ter começado a pescar com sete anos de idade. Por meio de declarações adicionais e espontâneas, quatro pescadores consideram “normal” começar o aprendizado entre 12 e 14 anos. A predominância de pescadores mais experientes e o fato da maioria ser proprietário de barco podem estar relacionadas, visto que somente após muitos anos de trabalho, o pescador passa a ter condições financeiras de adquirir o seu próprio barco. E, mesmo os proprietários de barco que não pescam, preferem selecionar os pescadores mais experientes para conduzir a embarcação, uma vez que estes possuem mais segurança na navegação e maior habilidade no manejo dos equipamentos e procura pelos cardumes.

Constatou-se que 65% dos pescadores possui apenas escolaridade fundamental, sendo boa parte incompleto. Os mais jovens frequentaram o ensino médio, porém, nenhum ingressou em curso superior. Segundo relatos espontâneos, a justificativa do não-ingresso em curso superior é principalmente devido à baixa disponibilidade desses cursos na cidade. Quanto à questão de capacitação, foi identificado que 60% dos pescadores de camarão fez algum curso para navegação e/ou pesca. No entanto, entre os que frequentaram cursos, a maioria revelou ter feito há muitos anos e não recordam do conteúdo. A minoria fez algum curso de reciclagem e a maioria não soube identificar corretamente o nome do curso realizado, limitando-se a dizer que eram “cursos da capitania” e que continham noções básicas de navegação, segurança e salvatagem. Os que frequentaram cursos específicos da Marinha revelaram que o fizeram porque trabalhavam na pesca industrial, sendo tais cursos obrigatórios para obtenção do registro na carteira de trabalho. Ao responder a questão “Como você aprendeu a trabalhar na pesca?”, a maioria (65%) revelou ter aprendido a pescar com o pai, 25% com colegas e mestres mais antigos e os demais com tio ou irmão. Essa situação confirma um dos aspectos culturais dessa atividade, de que a pesca é passada de pai para filho, demonstrando um grau de dependência familiar para entrar na profissão. Os pescadores iniciantes que não possuem este vínculo têm dificuldade no aprendizado prático para realizar o trabalho e estão ainda mais suscetíveis aos riscos existentes.

A maioria dos pescadores são casados e a família (esposa, filhos, etc.) participa efetivamente das atividades de limpeza, pintura, conserto de equipamentos, tralhas, redes, entre outras. Mais da metade (60%) dos pescadores revelou ter uma renda média de 2 a 3 salários mínimos por mês e 20% declararam receber de 4 a 5 salários mínimos mensalmente, sendo a atividade da pesca, fonte exclusiva de renda para 9 dos 20 entrevistados. Alguns dos que tem a pesca como única fonte de renda relataram espontaneamente que trabalham na pesca durante a semana e no turismo (frete) nos finais de semana, transportando pescadores amadores para pescar no mar. Outros, possuem fontes de renda adicionais como aposentadoria, aluguel, conserto de embarcações e tralhas, venda de pescado, etc. Um percentual de 20% não soube definir o valor da renda porque o ganho depende muito da época do ano ou das condições atmosféricas do dia.

A embarcação típica dos pescadores de camarão em Bertioga-SP é chamada de bote ou baleeira, que utiliza o arrasto-duplo ou similares como aparelho de pesca. Há diferenças principalmente quanto ao comprimento (8 a 12,6 m), motor (18 a 310 HP) e aparelhos de pesca, tais como redes e portas (Figura 2).

Figura 2
Embarcação típica utilizada para a pesca do camarão em Bertioga.

Em geral, não há informação precisa ou documental do ano de fabricação das embarcações, mas os entrevistados estimam tempo de uso de 4 a 40 anos. Todas as embarcações são feitas de madeira e a maioria atua em profundidade de 5 a 20 m (embarcações de “águas rasas”). A rede de porta é arrastada com o auxílio de uma travessa que se projeta para os lados da embarcação, na forma de tangones firmemente presos a dois pontos da parte frontal da cabine (Figura 2). A finalidade dos tangones é suportar os cabos da rede durante o arrasto e aumentar a distância lateral para maior abertura da rede.

O Check-List aplicado com o questionário revelou que até 50% das embarcações não possuem pelo menos um dos itens necessários à segurança (Tabela 1). Além disso, foi observado que, apesar de muitos disporem dos equipamentos, estes em geral não costumam ser utilizados. Como exemplo, cita-se a não utilização de protetores auditivos e coletes salva-vidas. Como agravante a este último item, constatou-se que 6 dos 20 pescadores não sabem nadar ou afirmaram nadar “um pouco”. Além disso, alguns dos que afirmaram saber nadar, reconheceram não praticar frequentemente. Isso tudo, somado ao fato de a maioria das vezes o pescador trabalhar sozinho, acarreta em alto risco de queda da embarcação. Tal risco torna-se ainda maior sob as considerações de que a embarcação movimenta-se constantemente, quase sempre com o piso molhado e com muitos objetos espalhados pelo convés. Na incursão prática foi constatado que o pescador se posiciona de modo arriscado ao recolher o início da rede utilizando uma barra de aço com a ponta entortada em forma de gancho.

Tabela 1
Equipamentos de segurança: “sim” ou “não” para Check-List de Segurança da Embarcação.

Quanto à manutenção das embarcações, 40% dos pescadores afirmam realizar uma vez a cada ano, geralmente no período do defeso. Cerca de 55% afirmam que fazem manutenção de 2 a 4 vezes ao ano. Um dos entrevistados relatou fazer manutenção apenas quando é necessário, ou seja, quando a embarcação apresenta algum problema perceptível. O questionamento aplicado não permitiu especificar e/ou detalhar o tipo de manutenção.

Quanto a jornada de trabalho, a maioria (65%) relatou trabalhar diariamente no sistema “vai e volta”, partindo pela manhã e retornando à tarde ou à noite. Os demais (35%) trabalham no mar por mais de 24 horas e, portanto, dormem no barco. Para a parcela de pescadores que ingressam e saem do mar no mesmo dia, a jornada de trabalho é muito variável, iniciando geralmente entre 4 e 6 horas e terminando entre 14 e 18 horas. Em geral, esses pescadores pré-estabelecem uma meta de saída e retorno, mas o plano pode mudar devido as condições de tempo e mar e/ou da quantidade de pescado obtida. A jornada é tão flexível que vários preferiram não mencionar os horários de entrada e saída no mar, limitando-se a dizer que depende do dia. De qualquer forma, com base nas informações obtidas, ficou claro que a jornada diária é longa, com 8 a 16 horas ininterruptas. Quanto à frequência semanal, a maioria afirmou que pratica a pesca diariamente, inclusive aos finais de semana. Exceção são os que trabalham no frete (turismo), pois deixam de pescar profissionalmente no final de semana para atuarem como “guias de turismo” na pesca amadora, cuja jornada também costuma ser longa devido ao atendimento de várias turmas. É comum atuarem no turismo em 2 ou 3 jornadas de 12 horas sequenciais e, nesses casos, dois pescadores procuram revezar turnos dentro do barco. Esses pescadores também revelaram que, além do transporte, são eles, que assumem a tarefa de limpar os peixes mediante o pagamento de um valor adicional. Entre os que ficam mais de 24 horas embarcados, constatou-se que o retorno do mar não ocorre antes que se alcance a meta de, no mínimo, custear as despesas da pescaria. Porém, a jornada varia muito em função do tamanho da embarcação, do tipo de pesca praticada e do sistema de distribuição das partes (lucros) da coleta. Entre esses pescadores, foram identificados alguns que permanecem até um mês no mar (com embarcação maior) e outros que permanecem até 5 dias no mar ou enquanto durar o estoque de gelo. No mar, a jornada de trabalho ocorre aproximadamente entre 3 e 20 horas. A partir de então, os pescadores procuram um lugar para se abrigar, que dependerá da localização da embarcação e da direção do vento, maré e corrente marinha. No caso dos pescadores de camarão de Bertioga-SP, os locais citados foram o Indaiá (praia), Monte de Trigo (ilha), ou nas Ilhas localizadas próximas à Barra do Sahy (Ilhas, Couves), em São Sebastião-SP. Apenas um dos pescadores admitiu ficar no máximo 2 dias no mar e, mesmo assim, somente com condições favoráveis para a pescaria.

Observou-se maior vulnerabilidade dos pescadores não proprietários de embarcação, visto que estes necessitam muitas vezes prolongar a jornada sob quaisquer condições de tempo e mar para garantir algum lucro, por menor que seja. Uma jornada de trabalho maior implica, sobre tudo, em uma maior exposição aos diferentes riscos existentes, incluindo os riscos de doenças devido aos agentes físicos. Também, há maior cansaço físico e mental por parte dos pescadores que permanecem mais tempo na atividade da pesca, dificultando a concentração na trabalho executado e, portanto, aumentando o nível do risco. Ressalta-se ainda a precariedade estrutural das embarcações utilizadas, visto que 45% das embarcações não possuem banheiro e/ou cozinha e 15% não possuem cama. Notou-se também a improvisação de fogareiros, aumentando o risco de incêndio.

Constatou-se que 50% dos pescadores sofreram pelo menos um acidente com lesão durante a sua vida laboral (Figura 3a). Supõe-se que os que afirmaram nunca ter sofrido acidente, na verdade, não consideram tais ocorrências como acidente de trabalho. Percebeu-se o ralato de lesão (Figura 3a) somente para situações que forçaram a paralização da atividade para socorro emergencial. Ou seja, os pescadores somente consideram acidente de trabalho aquelas ocorrências mais graves. Os casos mais recorrentes são os acidentes com queimadura, ocorridas no fogão do barco ou no escapamento do motor. Percebeu-se um contraste entre a afirmação dos 50% que disseram “nunca terem sofrido lesões” com os relatos espontâneos apresentados na sequência das respostas. Como exemplo, cita-se o caso de dois pescadores que se envolveram em naufrágio (sem lesões). Eles mencionaram como causa o fato de estarem trabalhando sozinhos e as situações adversas de tempo e mar, corroborando com os achados de Fuentes et al. (2013)FUENTES, E.V.; BITENCOURT, D.P.; FUENTES, M.V. Análise da Velocidade do Vento e Altura de Onda em Incidentes de Naufrágio na Costa Brasileira entre os estados de Sergipe e Rio Grande do Sul. Revista Brasileira de Meteorologia, v.28, n.3, pp.257-266. 2013. https://doi.org/10.1590/S0102-77862013000300003
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. Em outros casos, a situação de mar agitado foi apontada como causa para lesões na cabeça (batida no tangone) e no olho (trabalho na traineira) e braço quebrado (queda no convés).

Em relação às doenças, a grande maioria (85%) relatou não ter adoecido por conta do trabalho na pesca (Figura 3b). Além disso, quando questionados se adquiriram doenças não relacionadas ao trabalho, quase a metade respondeu sim (Figura 3c). Entretanto, estes mesmos pescadores relataram algumas doenças que muito provavelmente tenha relação com a atividade pesqueira. Na avaliação desses pescadores, resfriados, gripes, insolação e outras, são doenças “normais” da profissão, sendo considerados somente aqueles casos em que foi necessária a paralisação da atividade, por serem doenças mais graves.

Figura 3
(a) Lesões especificadas por 50% dos entrevistados que afirmaram ter sofrido acidente de trabalho e percentual (%) que respondeu sim/não para as questões (b) “Já adquiriu alguma doença que, em sua opinião, foi consequência do trabalho? Se sim, qual?” e (c) “Teve alguma doença que não tenha sido do trabalho? Se sim, qual?”. A especificação da doença e o número (no parêntese) de casos são mostrados junto aos gráficos (b) e (c).

Nota-se na Figura 4 que 80% afirmaram que a chuva “não atrapalha” o trabalho e 20% relataram “atrapalhar um pouco”. Nenhum pescador considera que a chuva atrapalhe muito e tampouco nenhum deles mencionou a relação da chuva com a segurança, apesar da evidência de risco de queda na embarcação ilustrada na foto da Figura 4. A probabilidade de ocorrência de queda aumenta com o convés úmido e liso devido à chuva e, se considerarmos ainda o mar agitado, o constante movimento da embarcação e o fato de alguns pescadores terem dificuldades para nadar e não usarem coletes salva-vidas, o risco de um acidente grave é bastante elevado.

Figura 4
Percentual (%) de respostas para as alternativas apresentadas à questão “Quando está chovendo, qual a condição de trabalho?”. A imagem no canto superior/direito do gráfico ilustra a situação do convés em momentos de chuva.

A questão “O que em sua opinião mais o prejudica em relação a SST?” teve como alternativas de resposta “Sol”, “Frio”, “Calor”, “Chuva”, “Vento”, “Mar Agitado” e “Raio”. Os pescadores foram orientados para apontar todos os 7 fatores atmosféricos, classificando-os por ordem de importância, do que mais prejudica ao que menos prejudica. A maioria não entendeu a diferença entre “Sol” e “Calor”, fato que revela o desconhecimento de dois importantes agentes físicos potencialmente prejudiciais à saúde: radiação ultravioleta e calor (desconforto térmico). É muito provável que o desconhecimento maior seja com relação a radiação ultravioleta, ou seja, os pescadores não se preocupam com esse risco. E, para a região de Bertioga-SP, isso é perigoso porque em algumas épocas do ano é comum a temperatura do ar estar com valores “agradáveis” (ausência de calor ou desconforto térmico) e o índice que quantifica a radiação ultravioleta estar em níveis elevados e críticos. Também não houve compreensão exata sobre a diferença entre as alternativas “Vento” e “Mar Agitado”. Nesse caso, realmente há uma associação bem forte entre um e outro fator, pois é o vento mais forte que provoca a agitação no mar. Entretanto, é perfeitamente possível a ocorrência de vento intenso sem a imediata alteração das condições de mar e, nesse caso, o fator “vento” isoladamente pode ser uma importante causa de acidentes (desde a queda do pescador até a ocorrência de um naufrágio). Dada essas considerações, assumiu-se a interpretação dos pescadores em definir 5 em vez de 7 fatores atmosféricos, sendo estes: “sol - calor”, “frio”, “chuva”, “vento - mar agitado” e “raio”. Assim, notou-se que na ótica do pescador, o fator atmosférico que mais prejudica a SST é claramente o “vento - mar agitado” (apontado por 95%). Fuentes et al. (2013)FUENTES, E.V.; BITENCOURT, D.P.; FUENTES, M.V. Análise da Velocidade do Vento e Altura de Onda em Incidentes de Naufrágio na Costa Brasileira entre os estados de Sergipe e Rio Grande do Sul. Revista Brasileira de Meteorologia, v.28, n.3, pp.257-266. 2013. https://doi.org/10.1590/S0102-77862013000300003
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, ao analisarem dados de naufrágio na costa brasileira de Sergipe ao Rio Grande do Sul, identificaram a ocorrência de vento intenso e/ou mar agitado como importantes causas de naufrágios. Na opinião dos pescadores, o que menos prejudica a SST é o frio (Tabela 2).

Tabela 2
Percentual (%) de respostas apontando fatores atmosféricos pré-definidos para a questão “O que na sua opinião mais o prejudica em relação a segurança e saúde no trabalho (SST)?”.

Com respeito a radiação ultravioleta, mesmo não sendo senso comum entre os pescadores, sabe-se que este é um fator de risco extremamente importante na ocorrência de doenças de pele, sendo isto devido ao fato do trabalho a céu aberto. Notou-se a ausência de qualquer padrão de proteção em consequência do desconhecimento do real dano que este agente físico causa (Tabela 3). Alguns sequer utilizam proteção para o rosto, pescoço e ombros (partes do corpo normalmente mais afetadas pelo sol), tais como chapéu ou boné. A maioria (55%) informou não utilizar protetor solar, enquanto que 10% relataram usar de vez em quando. Apenas 35% relatou usar protetor solar e, entre esses, apenas 1 costuma aplicar a cada 3 horas. A metade dos entrevistados informou utilizar óculos escuros e 75% respondeu que trabalha na sombra, pois o barco tem cobertura ou toldo. Os demais disseram que a cobertura do barco não protege sempre, pois depende da posição da embarcação e do sol.

Tabela 3
Prevenção do sol (radiação ultravioleta (UV)) relatadas pelos pescadores de camarão de Bertioga-SP.

Uma das questões de livre resposta foi “Qual o maior risco na pesca?”, a qual ressalta-se não induzir o entrevistado a pensar se o risco está relacionado a doença ou segurança. Além disso, não há direcionamento para considerações de causas específicas, nem mesmo dos fatores atmosféricos. Mesmo assim, notou-se que a maioria (40%) acredita que o maior risco é o “tempo ruim”. Este termo sintetiza respostas do tipo “mar agitado”, “vento forte”, ”tempestade”, entre outros. Para 30%, o maior risco na pesca é o de naufrágio devido as condições de tempo e mar, o de cair do barco ou a ação de manusear os equipamentos (guincho, tangone, rede, etc.). Outros 30% consideram mais crítico fatores como “não ter crédito”, “não ter medo”, “barco velho”, “bandidos” e “acidente”. Excetuando a citação de “acidente”, essas referências se distanciam do risco proveniente de fatores atmosféricos.

Em outra questão, dada por “Qual o vento mais perigoso em sua opinião?”, metade considera o vento na direção sudoeste como o mais perigoso. Outros citaram ainda as direções noroeste e sul como perigosos. Uma quantidade significativa de pescadores apontou o vento do tipo “trovoada” (tempestade) como o mais perigoso, o que pode ser entendido por meio da fala de um deles: “O sudoeste avisa, o vento trovoada não. Ele vem de repente e te pega antes que você consiga sair”. A citação espontânea de vento “trovoada” é bastante pertinente, visto que as tempestades se formam rapidamente no mar e geram ventos de rajada, os quais são locais, sem direção predominante e normalmente muito fortes e perigosos.

Para a questão “O que você faz para se prevenir (proteger) quando sai para o mar?”, os pescadores mencionaram diversas ações, sendo algumas sem efeito ou com efeito limitado no quesito segurança e saúde. Este é o caso do pescador que relatou “se concentrar o tempo todo”, dos 3 pescadores que afirmaram “não ter medo” e de outros 3 que afirmaram “rezar” antes de sair para o mar. Outros 3 pescadores afirmam “procurar tomar cuidado”, sem especificar qual cuidado. Um dos entrevistados afirmou “não trabalhar no escuro porque o barco não tem iluminação externa”. Um outro pescador se limitou a dizer que “o motor tem que estar bom, o pescador com saúde e levar o celular”. E, por fim, 8 pescadores (40%) relataram fazer Check-List geral do barco, preocupando-se com motor, rádio, celular, equipamentos, tralhas, ferramentas, peças de reposição, colete, água, bomba elétrica, bateria reserva, lanterna, espelho, bandeira, boias sinalizadoras, equipamentos de salvatagem, ancoras, combustível, gelo e alimentação extra. Estes itens não foram citados na íntegra por esses 8 entrevistados, cada um lembrou de parte da lista, sendo alguns itens mencionados por mais de um pescador. Conforme evidenciado, estes pescadores não possuem padrão definido para a prevenção e revelam uma preocupação maior com as ações emergenciais do que com ações de prevenção.

As informações de previsão de tempo são, em termos de prevenção, essenciais para a segurança do trabalhador na atividade de pesca, especialmente para aqueles que permanecem mais de 24 horas no mar. Quanto ao acesso à serviços de previsão de tempo, por meio de questão de livre resposta, a maioria mencionou acessar essa informação para se prevenir antes de sair para o mar. Conforme Figura 5a, 75% dos pescadores sempre busca esta informação e 15% afirmam acessar às vezes. Um percentual de 10%, correspondente a dois pescadores, disseram não buscar essa informação porque utilizam seu próprio conhecimento adquirido na prática e na observação. A parcela de 90% de pescadores que procuram informações de previsão do tempo faz isso, em sua grande maioria, por meio da INTERNET (Figura 5b).

Figura 5
Percentual (%) de respostas para as alternativas apresentadas às questões (a) “Você se informa sobre a previsão de tempo antes de iniciar a sua atividade?” e (b) “Em caso positivo, de que forma busca informação” (para essa questão, os entrevistados podiam escolher mais de uma alternativa).

No caso de emergência, 50% afirmou que utilizaria o rádio “Very High Frequency” (VHF) ou o assim conhecido rádio PX para socorro (Figura 6a). Um percentual de 30% afirmou que utilizaria o telefone celular. Entretanto, em resposta à outra questão contida no questionário, 75% disseram que na embarcação “às vezes” não há sinal no celular e 20% disreram que o celular funciona normalmente. Apenas um (5%) relatou que “nunca” há sinal. De acordo com a Figura 6, uma menor parcela dos entrevistados utilizaria de outras alternativas de socorro. E, ainda com respeito às ações que os pescadores tomariam em caso de emergência, constatou-se que 70% dos entrevistados recorreriam a amigos ou familiares e 30% recorreriam a entidades oficiais (marinha ou bombeiros) (Figura 6b).

Figura 6
Percentual (%) de respostas à questão (a) “No caso de um acidente no mar, como você agiria?” e (b) “A quem recorreria para pedido de socorro?”.

Os entrevistados que recorreriam aos bombeiros, disseram que fariam isso por meio dos números 193 ou 013 33175101. No entanto, o telefone correto para busca de socorro é o número 013 33171516, pertencente ao Grupamento de Bombeiros Marítimos (GBMAR). Além disso, os pescadores mostraram desconhecer que o GBMAR atende as ocorrências com vítimas, porém, não fazem resgate de embarcações, apesar de possuir um posto avançado em Bertioga-SP com bote inflável e jet-ski. Segundo informações dos bombeiros, o resgate no mar é responsabilidade das marinas. Contudo, como as embarcações dos pescadores da CPZ23 estão alocadas em boias do canal de Bertioga e, portanto, não pertencem à marina, a dependência dos amigos para o socorro acaba se tornando realmente a única opção.

A maioria das questões realizadas até agora favoreceram a reflexão desses trabalhadores quanto ao risco dos fatores atmosféricos. No entanto, as respostas para a questão “O que você acha que deveria ser feito para melhorar a pesca ou o que mais atrapalha o seu trabalho?” demosntraram que os fatores atmosféricos não aparecem como prioridade. Foram relatadas várias dificuldades no âmbito estrutural, tais como a inexistência de píer, local de distribuição de água, local para abastecimento, fábrica de gelo e rampa de acesso para manutenção da embarcação. Houve ainda reinvindicações nos âmbitos organizacional e político, tais como ausência de cooperativa, ineficiência da aplicação da época do defeso, falta de apoio do governo e indefinição dos limites para pesca.

Considerações Finais

Os pescadores de camarão de Bertioga-SP possuem um baixo nível de escolaridade e praticamente não possuem cursos de formação e reciclagem. Muitos aspectos são responsáveis pelas más condições de trabalho, tais como a longa jornada de trabalho em busca do pescado. Mesmo em situações atmosféricas favoráveis, longos períodos trabalhando numa embarcação podem provocar doenças emocionais que, em casos mais extremos, podem levar ao estresse e à depressão ou transtornos mentais. E, no caso das condições de tempo e mar serem desfavoráveis, a probabilidade de ocorrência de doenças e acidentes é ainda maior. Diante da alta vulnerabilidade desse grupo de trabalhadores, notou-se que o pescador acaba priorizando o trabalho, em busca do sustento em detrimento de sua saúde e segurança.

Em síntese, identificou-se que esses pescadores não possuem condições adequadas de trabalho para evitar acidentes e doenças. Percebeu-se que o risco no mar é sempre existente e aumenta muito quando as condições de tempo e mar são adversas. Embora os pescadores tenham noção deste perigo, na maioria das vezes as medidas de prevenção são incipientes e as de emergência são insuficientes. Quanto às doenças, há desconhecimento de parte ou de todo o potencial perigoso de certos fatores atmosféricos. Este é o caso da radiação ultravioleta do sol que, após longos períodos de exposição, pode trazer sérios danos à saúde desses trabalhadores.

Diante dos resultados obtidos, recomendam-se algumas ações em diferentes escalas e direcionadas para os setores envolvidos, tais como a própria comunidade pesqueira, o poder público e a comunidade científica. Para a comunidade pesqueira sugere-se a organização da classe trabalhadora, principalmente por meio da CPZ23. Ao poder público compete aprimorar as políticas públicas de proteção para este setor tão importante e perigoso. No âmbito municipal recomenda-se criar, ampliar ou melhorar as estruturas que servem à atividade pesqueira de Bertioga-SP. No quesito específico de segurança no mar, convênios entre CPZ23, prefeitura, bombeiros e marinas poderiam facilitar a efetiva implantação de um sistema de resgate. Sobre essa questão, há muito para ser feito, como cadastro de embarcações, check list de equipamentos, treinamento dos pescadores (incluindo simulação de resgate) e acesso e comunicação da informação meteorológica através da implantação de rádio comunitária. Para a comunidade científica recomendam-se estudos e desenvolvimento tecnológico de equipamentos de proteção coletiva e individual que visem melhorar todos os processos envolvidos com as questões de segurança e saúde dos pescadores.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    11 Abr 2017
  • Aceito
    25 Jun 2019
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