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Meio ambiente e ciências sociais: interações homem-ambiente e sustentabilidade

RESENHA

Verônica Maria Bezerra Guimarães

Doutoranda, Centro de Desenvolvimento Sustentável, UNB. Professora da UFGD veroniguima@gmail.com

MORAN, Emilio Frederico. Meio ambiente e ciências sociais: interações homem-ambiente e sustentabilidade. São Paulo: Senac, 2011. 307 p. ISBN 978-85-396-0090-8.

Emilio Frederico Moran, professor da cátedra James H. Rudy de Antropologia na Universidade de Indiana e também de Geografia e de Ciências Ambientais na mesma universidade, possui uma vasta experiência em pesquisas empíricas. É autor de mais de cem artigos científicos e de capítulos de livros, sendo uma referência na área de ecologia e adaptabilidade humana; população e meio ambiente; desmatamento e questões sobre a Amazônia brasileira. No Brasil, teve os seguintes livros traduzidos: Amazônia: natureza e sociedade em transformação; Ecossistemas florestais: interação homem-ambiente; Meio ambiente e florestas; Adaptabilidade humana; Nós e a natureza; Geoinformação e monitoramento ambiental na América Latina.

Na presente obra, Moran apresenta em oito capítulos um panorama do estado das pesquisas que envolvem as interações homem-meio ambiente, numa perspectiva transdisciplinar, que também tem sido chamada de ciência social ambiental, ciência da sustentabilidade ou pesquisas dos sistemas naturais humanos acoplados.

A abordagem colaborativa dialoga com ferramentas e linguagens utilizadas pelas ciências sociais e naturais visando transpor os seus limites disciplinares ao lidarem com o viés ambiental e sua complexidade. Moran levanta a historicidade dos estudos ambientais e lança prognósticos de caminhos que poderão ser traçados no desenvolvimento das pesquisas realizadas por cientistas sociais e naturais. Traça uma genuína agenda de pesquisas no campo das mudanças ambientais globais.

A obra em comento é marcada pelo didatismo e pela sistematização do pensamento das interações homem-meio ambiente traçados numa perspectiva em que se pode vislumbrar o passado, o presente e o futuro destas pesquisas. Para este desafio, muitas perguntas foram lançadas,sendo que para a construção e experimentação das suas respostas depende-se de uma estrutura de pesquisa que transcenda o tempo, o local, o isolamento disciplinar e de cientistas.

No primeiro capítulo, o autor situa historicamente e descreve os desafios de pesquisa em interações homem-ambiente a partir das relações sociais desenvolvidas com o uso dos recursos naturais. Para tanto, traz a questão do crescimento populacional, da produção agrícola e industrial, da formação das cidades e do consumo no âmbito das mudanças ambientais globais na contemporaneidade.Com as pesquisas realizadas até agora, tem-se a percepção que o futuro indica desafios ainda maiores, pois a tendência de se trabalhar com grandes equipes de cientistas em abordagens multinacional, multidisciplinar, multiescalar, multitemporal, espacialmente explícita e politicamente relevante rumo a uma ciência integrativa (p. 50).

Os capítulos dois e três expõem uma série de teorias, conceitos e métodos visando ao diálogo entre as ciências sociais e biológicas no âmbito das mudanças ambientais globais. O primeiro grupo recai na análise das disciplinas de antropologia, geografia, psicologia, ciência política e sociologia para explicar questões sobre população, tecnologia e lugar central. A partir do trabalho de Malthus, Moran traça uma linha evolutiva com diversos pesquisadores e suas contribuições aos estudos sobre demografia, população e meio ambiente. A história da ocupação e da transformação do uso do solo e das paisagens na escala de tempo e de espaço torna-se imprescindível não só para os estudos analíticos como também para a tomada de decisão. Aqui se tem uma mudança de foco importante entre os anos 1980 e 1990, em que os modelos passaram a abordar o indivíduo ou ator, ao invés da concentração no ecossistema.Ganharam destaque a psicologia ambiental e humana, focada nos estudos sobre o comportamento e o consumo, a teoria da gestão e da decisão e a ecologia política e cultural.

Na revisão do pensamento sobre ecologia biológica, o diálogo se dá, fundamentalmente, na genética populacional, na seleção natural e nos ecossistemas integrais. Darwin ocupa um lugar pioneiro nestes estudos sobre a evolução pela seleção natural, seguido das teorias neutralista e do nicho; do controle em ecossistemas; da sucessão; da biogeografia insular; do equilíbrio e do não equilíbrio. De modo que cientistas sociais interajam numa agenda colaborativa destes temas e tragam novas luzes aos desafios que a complexidade exige. A redefinição de ecossistema passa por esse esforço coletivo, podendo resultar numa síntese sobre o ambiente e as pessoas em desafios como o gerenciamento de serviços ecossistêmicos.

Nos capítulos quatro e cinco, Moran trabalha com as abordagens espacialmente explícitas e a análise multiescalar e multitemporal. O destaque é dado ao uso do sistema de informação geográfica (SIG), ao sistema de posicionamento global (GPS) e aos dados remotamente sensoriados para acompanhar o estudo do lugar e das pessoas no âmbito local ou global face às mudanças ambientais. Já a análise de escala tem sido historicamente utilizada pelas ciências naturais, mas as ciências sociais vêm, paulatinamente, quebrando as barreiras quanto ao seu uso. É o que se percebe em relação aos estudos interescalares, através das análises integradas do local, do regional e do global, no tempo e no espaço. "Um dos primeiros passos para desenvolver uma abordagem por meio das disciplinas das ciências sociais e naturais, a fim de facilitar a pesquisa multiescalar e multidisciplinar, é ter uma língua franca, isto é, um conjunto de ferramentas que facilitem a comunicação e sejam basicamente multiescalares, ou permitam a agregação e a desagregação sem perda substancial de informações" (p. 156).

Tomando o termo "biocomplexidade", introduzido por Rita Coldwell, Moran persiste, no capítulo seis, na necessidade de uma abordagem holística a ser aplicada aos sistemas ecológicos, "que pode ser obtida pelo desenvolvimento da capacidade de identificar, recuperar e sintetizar diversos dados de um conjunto de fontes interdisciplinares e interescalares" (p. 178). A modelagem baseada em agentes assume importância significativa, tendo bastante utilização no estudo das mudanças de uso e cobertura da terra e dois projetos experimentais de referência: o Dilema do Prisioneiro e o Jogo do Ultimato.

Sobre a tomada de decisão em matéria ambiental (capítulo 7), percebe-se a relevância da interação entre as ciências naturais e sociais para o fortalecimento das instituições, dos valores, das competências e das responsabilidades advindas dos processos decisórios. A complexidade que envolve o tema abarca desde questões conflitantes entre os diversos atores envolvidos a incertezas quanto ao conhecimento de fatores ambientais, passando por impactos a longo prazo e dificuldades de mensuração monetária ou não de degradações ambientais. A análise das instituições baseada nos princípios do projeto de Ostrom (p. 208), uma das principais parceiras de Moran, serve de base para compreensão da politica de governança dos recursos de acesso comum, em que os limites devem ser claramente definidos; deve haver congruência entre regras de apropriação e provisão e condições locais; os arranjos devem visar à escolha coletiva e, devem ter: monitoramento; sanções graduadas; mecanismos de solução de conflitos; reconhecimento mínimo dos direitos de organização e iniciativa aninhada.

Em seu capítulo final, Moran estabelece as bases rumo a uma ciência da sustentabilidade, cujas prioridades devem recair (p. 224-9): no melhoramento do entendimento do consumo ambientalmente significativo, da tomada de decisão, de como as instituições sociais afetam o uso dos recursos, da mudança socioeconômica como contexto para impactos e respostas associadas à mudança climática (envolvendo as mudanças de tecnologia e de uso da terra); a avaliação da biodiversidade e dos bens e serviços do ecossistema e a educação para uma nova geração de cientistas na ciência integrativa da sustentabilidade.

Duas palavras fundamentais caracterizam a obra de Moran: diálogo e agenda. O debate histórico e amplamente referenciado com cientistas dos mais diversos matizes naturais e sociais fica evidente em todos os capítulos deste livro, apresentando um profundo estado da arte em termos de teorias e métodos já consolidados ou em construção. Desta configuração, são deduzidos vários espaços que precisam ser desvendados por uma ciência integrativa multidisciplinar, multiescalar, multinacional e multitemporal. Seus prognósticos e insights auxiliam na indicação de uma vasta agenda de pesquisa. O que torna a sua obra uma referência imprescindível para cientistas de todos os campos do saberinteressados por uma perspectiva interdisciplinar no trato da questão ambiental e das interações entre homem, meio ambiente e sustentabilidade.

Recebido em 26/02/2013 e aceito para publicação em 27/06/2013

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Nov 2013
  • Data do Fascículo
    Ago 2013
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