Resumo
A construção de cenários ambientais tem sido um instrumento valoroso para fins de planejamento e gestão. Dado a velocidade com a qual tem se processado as mudanças no espaço geográfico, a utilização de uma ferramenta capaz de prognosticar situações futuras a partir de conjunturas hodiernas, pode ser uma importante aliada no estabelecimento de cenários que compatibilizem uso e conservação na zona costeira. À vista disso, o presente estudo tem por escopo a construção de cenários ambientais prospectivos para os bairros costeiros do município de Aracaju/SE. Utilizou-se uma abordagem qualitativa a partir das seguintes etapas: estabelecimento da questão central, identificação das forças motrizes, delimitação das incertezas críticas, determinação dos cenários lógicos e elaboração dos cenários. Foram delineados três cenários: o cenário atual, embasado na avaliação do estado ambiental da paisagem, na analise da espacialização da ocupação e na delimitação das forças motrizes atuantes; o cenário tendencial (pessimista), cujo principal condicionante é a expansão urbana desordenada combinada à supressão das unidades geoecológicas; e o cenário recomendado (otimista), construído em função da compatibilização entre uso/ocupação e capacidade de suporte da paisagem. As análises realizadas apontaram que no cenário atual há instabilidade em parte das unidades naturais, advinda da expansão urbana desordenada, fruto da atuação conjunta entre atores públicos e privados. Diante dessa conjuntura, espera-se no cenário tendencial um agravamento da instabilidade da paisagem, com ruptura da capacidade de suporte e surgimento de situações de riscos. Visando ao planejamento, construiu-se um cenário recomendado o qual busca compatibilizar o crescimento urbano com a preservação das unidades naturais mais suscetíveis, e respeito a capacidade de suporte da paisagem e aos instrumentos legais. Deduz-se, pois, que a cenarização pode ser utilizada não apenas para prever uma situação futura, mas no sentido de impedir que um cenário calamitoso seja repetido.
Palavras-chave:
Cenarização; Estado ambiental da paisagem; Planejamento ambiental
Abstract
Environmental scenario construction is a valuable tool for planning and management purposes. Given the speed with which changes have been taking place in the geographic space, the use of an instrument capable of predicting future situations based on today's circumstances can be an important ally in the establishment of scenarios that allow for coastal zone use and conservation. In this context, the present study aimed to develop prospective environmental scenarios for coastal neighborhoods located in the municipality of Aracaju, SE, Brazil. A qualitative approach was applied based on the following steps: central issue establishment, driving force identification, critical uncertainty delimitation, logical scenario determination and scenario development. Three scenarios were outlined, as follows: the current scenario, based on an assessment concerning environmental landscape status, an occupation spatialization analysis and the delimitation of the acting driving forces, the trend scenario (pessimistic), whose main condition consists in disorderly urban expansion combined with geoecological unit suppression, and the recommended scenario (optimistic), which was developed taking into account landscape use/occupation and support capacity compatibility. The analyses carried out in the present study indicate an instability in part of the natural units in the current scenario, a result of a disordered urban expansion due to the joint action of public and private actors. Because of this, the trend scenario is expected to worsen landscape instability, with support capacity disruption and the emergence of risk situations. Aiming at planning actions, a recommended scenario seeking to construct an urban growth compatible with the preservation of the most susceptible natural units was developed, respecting the landscape's support capacity and legal instruments. It is noted, therefore, therefore, that scenarization can be applied not only to predict future situations, but also to prevent a calamitous scenario from being repeated.
Keywords:
Scenarization; Environmental landscape state; Environmental planning
INTRODUÇÃO
De grande importância para a área administrativa, o processo de composição de cenários foi incorporado às ciências ambientais, e se mostrou muito eficiente (BUARQUE, 2003BUARQUE, S.C. Metodologia e Técnicas de construção de cenários globais e regionais. Texto para Discussão nº 939. Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada. Brasília, 2003.; DUINKER; GREIG, 2006; WILKINSON; EIDINOW, 2008WILKINSON, A.; EIDINOW, E. Evolving practices in environmental scenarios: a new scenario typology. Environmental Research Letters, p. 1-11, 2008. Disponível em:< https://iopscience.iop.org/article/10.1088/1748-9326/3/4/045017> . Acesso: Setembro 30, 2020.
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; ACALMO, 2009ACALMO, J. The SAS Approach: Combining Qualitative and Quantitative Knowledge in Environmental Scenarios. From Alcamo, J. (Ed.) Environmental Futures: The Practice of Environmental Scenario Analysis. Netherlands: Elsevier, 2009.; ROSENBERG et al, 2014ROSENBERG, M.; SYRBE, R.; VOWINCKEL, J.; WALZ, U. Scenario Methodology for Modelling of Future Landscape Developments as Basis for Assessing Ecosystem Services. Landscape Online, v. 33, p. 1-20, 2014. https://doi.org/10.3097/LO.201433
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). Tal relevância decorre da velocidade e da forma com a qual têm ocorrido as mudanças nas paisagens, o que suscita um delineamento do que pode vir a ocorrer diante do panorama que se mostra, tudo isso com o propósito de evitar a criação ou mesmo a repetição de cenários desastrosos. Um dos conceitos mais extensivos a respeito dos cenários foi elaborado por Godet (1987GODET, A.A. Scenarios and Strategic Management. London: Butterworths Scientific, Ltd., 1987.) que os considera como “o conjunto formado pela descrição coerente de uma situação futura e pelo encaminhamento dos acontecimentos que permitem passar da situação de origem à situação futura”. O que se percebe na literatura é que independente da área de aplicação o conceito de cenário está atrelado sobretudo a conjecturas sobre o que pode acontecer ou como será o futuro, elaborado a partir de uma situação inicial e descrição da principais forças motrizes e mudanças que levarão a este futuro (ROTMANS et al, 2000ROTMANS, J.; ASSELT, M.V.; ANASTASI, C.; GREEUW, S.; MELLORS, J.; PETERS, S.; ROTHMAN, D.;RIJKENS, N. Visions for a Sustainable Europe. Futures, v. 32, p. 809-831, 2000.https://doi.org/10.1016/S0016-3287(00)00033-1
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; DUINKER; GREIG, 2006; O’NEIL et al, 2008; ACALMO; HENRICHS, 2009; AMER; DAIM; JETTER, 2013AMER, M,; DAIM, T.U.; JETTER, A. A review of scenario planning. Future, v. 46, p. 23-40, 2013. https://doi.org/10.1016/j.futures.2012.10.003
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; ROSENBERG et al, 2014).
Dentre a tipologia dos cenários, destaca-se aqui os cenários ambientais, pensado sob medida para avaliar especificamente problemas ambientais e cujo elemento principal é a representação de mudanças graduais no desenvolvimento futuro da sociedade e da natureza, bem como a descrição de como as forças motrizes se desenvolvem e interagem, e como isso afeta o estado de um sistema ao longo do tempo (ACALMO; HENRICHS, 2009ACALMO, J. The SAS Approach: Combining Qualitative and Quantitative Knowledge in Environmental Scenarios. From Alcamo, J. (Ed.) Environmental Futures: The Practice of Environmental Scenario Analysis. Netherlands: Elsevier, 2009.). De tal modo, a cenarização reveste-se de importância para fins de planejamento ambiental, posto que a composição de cenários tem por escopo a descrição de uma situação futura, que dependerá de acontecimentos no tempo atual (GODET, 2004GODET, A.A. Manuel de prospective stratégiqye. 3 ed. Paris: Tome 2: L’art el la méthode, 2004.), constituindo um importante instrumento de apoio à gestão, na tentativa de compensar dois erros comuns no planejamento: subestimar e superestimar as mudanças (SCHOEMAKER, 1995SCHOEMAKER, P.J.H. Scenario planning: a tool for strategic thinking. Sloan Management Review, v. 36, p. 25-40, 1995. Disponível em:<https://sloanreview.mit.edu/wp-content/uploads/1995/01/bb0aeaa3ab.pdf>. Acesso: Janeiro 12, 2020.
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).
Em vista disso, a cenarização pode ser capaz de interpretar o caminho e a rapidez com a qual ocorrem as alterações, além de ponderar os possíveis resultados e consequências de projetos e políticas públicas de desenvolvimento (SANTOS, 2004SANTOS, R.F. Planejamento ambiental: teoria e prática. São Paulo: Oficina de Textos, 2004.). Há de se reconhecer, todavia, a dificuldade de construção dos cenários na vertente ambiental, uma vez que dois fatores altamente dinâmicos e heterogêneos se conjugam - a ação antrópica e os agentes naturais. Não obstante a previsibilidade de alguns fatores, é imprescindível que se considere, no momento da composição dos cenários, as diferentes possibilidades de arranjos produtivos, sociais e físico-naturais. Isso reflete nos diferentes processos humanos e físicos que ocorrem em diferentes níveis de escala e nos interesses das partes envolvidas que também variam (ROUNSEVELL; METZGER, 2010ROUNSEVELL, M.D.A.; METZGER, M.J. SILVA. Developing qualitative scenario storylines for environmental change assessment. WIREs Clima Change. v. 1, p. 606-617, 2010. https://doi.org/10.1002/wcc.63
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).
Em se tratando da paisagem costeira, foco do presente trabalho, esse problema pode ser potencializado em razão das distintas temporalidades com a qual se processam tanto as mudanças induzidas pela ação antrópica, quanto pela elevada dinamicidade dessa paisagem, fruto da interação de diversos agentes naturais. Por tal razão é precípuo que se leve em consideração na construção dos cenários ambientais tanto a lógica e agentes que guiam o processo de uso e ocupação, quanto a lógica dos sistemas ambientais. A partir de tais premissas e mesmo diante de infinitas possibilidades, é possível traçar com o mínimo de precisão o que pode vir a acontecer caso a tendência observada se perpetue, assim como, propor alterações na condução do processo a fim de evitar cenários de degradação ambiental e riscos à ocupação.
Fundamentado em tais considerações, o presente trabalho tem por escopo traçar os cenários ambientais futuros associados ao uso e ocupação e às unidades geoecológicas da paisagem para o espaço costeiro de Aracaju/SE, perante as tendências observadas no passado (últimos cinquenta e quatro anos) e no presente, com ênfase para os atores envolvidos nesse processo e com fundamento no viés prospectivo. Os cenários foram construídos dentro de uma abordagem qualitativa (ACALMO, 2009ACALMO, J. The SAS Approach: Combining Qualitative and Quantitative Knowledge in Environmental Scenarios. From Alcamo, J. (Ed.) Environmental Futures: The Practice of Environmental Scenario Analysis. Netherlands: Elsevier, 2009.), tendo em vista a proposta de cenarização trazida pelo Manual de Gestão do Projeto Orla (2006).
MATERIAIS E MÉTODOS
Área de estudo
O município de Aracaju, capital do estado de Sergipe, está localizado no litoral central do referido estado, delimitado ao norte pela desembocadura do rio Sergipe e município de Nossa Senhora do Socorro, ao sul pela desembocadura do rio Vaza-Barris, ao oeste pele oceano atlântico e a leste pelo município de São Cristóvão (figura 1). O foco do presente trabalho são os bairros costeiros circunvizinhos à linha de costa - Coroa do Meio, Atalaia e Zona de Expansão.
Dentro do cenário estadual é observada a maior concentração populacional no munícipio de Aracaju, fato este que é atribuído à centralização do poder econômico e político da capital frente aos outros municípios sergipanos (VILAR, 2010VILAR, J.W.C. A Zona de Expansão de Aracaju: Contribuição ao Estudo da Urbanização Litorânea de Sergipe. In: VILAR, J.W.C.; ARAÚJO, H.M. de. Território, Meio Ambiente e Turismo no Litoral Sergipano. São Cristóvão: Editora UFS, 2010.). Aracaju foi uma cidade planejada para tornar-se capital do estado em 1855, e desenvolveu-se em torno do estuário do rio Sergipe, na margem direita da desembocadura (NOGUEIRA, 2004NOGUEIRA, A.D. Análise Sintático-Espacial das Transformações Urbanas de Aracaju (1855-2003). Tese de Doutorado - Bahia: UFBA. 2004.).
Posteriormente a década de 1960, a ocupação atingiu a área que hoje é denominada de bairro Atalaia e Coroa do Meio, processo que delimitou a consolidação da ocupação na orla costeira do município (MACHADO, 1989MACHADO, E.V. Aracaju: “Paisagens e Fetiches”. Abordagens acerca do processo de seu crescimento urbano recente. Dissertação de Mestrado - Santa Catarina: UFSC. 1989.). A extensão restante da linha de costa de Aracaju permaneceu por algumas décadas praticamente desabitada. Apenas na porção mais afastada da orla eram encontrados pequenos povoados nas proximidades do rio Santa Maria, cujo uso restringia-se a pequenas comunidades de pescadores, a algumas casas de veraneio e, a cultivos de coco-da-baía, mandioca, melancia, fruteiras, entre outros produtos e (MACHADO, 1989; FRANÇA; REZENDE, 2010FRANÇA, S.L.A.; REZENDE, V.F. Conflitos Ambientais e Ocupação da Zona de Expansão Urbana de Aracaju: Distanciamento de uma Prática Sustentável. V encontro Nacional das Águas da Anppas. Florianópolis, 2010.). Apenas na década de 1980, a Lei Municipal nº 873/82 delimitou formalmente a área que foi denominada como Zona de Expansão de Aracaju.
Observa-se que o redirecionamento do fluxo populacional em direção à frente litorânea coincidiu com o grande aumento populacional do restante do munícipio e, a consequente diminuição de grandes espaços vazios dentro da malha urbana consolidada de Aracaju (MACHADO, 1989MACHADO, E.V. Aracaju: “Paisagens e Fetiches”. Abordagens acerca do processo de seu crescimento urbano recente. Dissertação de Mestrado - Santa Catarina: UFSC. 1989.; VILAR, 2010VILAR, J.W.C. A Zona de Expansão de Aracaju: Contribuição ao Estudo da Urbanização Litorânea de Sergipe. In: VILAR, J.W.C.; ARAÚJO, H.M. de. Território, Meio Ambiente e Turismo no Litoral Sergipano. São Cristóvão: Editora UFS, 2010.; FRANÇA; REZENDE, 2011FRANÇA, S.L.A.; REZENDE, V.F. A Zona de Expansão Urbana de Aracaju: Dispersão Urbana e Condomínios Fechados. Simpósio Nacional de Geografia Urbana. Belo Horizonte - MG, 2011.). A intensificação da ocupação e, consequentemente mudanças no espaço costeiro, foi resultado da combinação entre o crescimento populacional de Aracaju, a valorização econômica dos espaços praianos, a atuação dos agentes estatais e a pressão exercidas pelo mercado imobiliário.
Procedimentos metodológicos
No que se refere às posturas teóricas utilizadas para construção dos cenários, optou-se pela adoção da concepção prospectiva focada em questão ambientais. Nessa perspectiva não é considerado apenas o aspecto quantitativo das projeções, mas também aspectos qualitativos, subjetivos etc., cujo resultado estão associados a um futuro incerto e múltiplo (CORTEZ, 2007CORTEZ, A. S. Métodos de cenários prospectivos como ferramenta de apoio ao planejamento relativo à substituição do atual uso do solo por florestamento: estudo de caso: a bacia do rio Ibicuí - RS. Tese (Doutorado em Geografia) - Rio Grande do Sul: UFSM. 2007.; GODET, 2004GODET, A.A. Manuel de prospective stratégiqye. 3 ed. Paris: Tome 2: L’art el la méthode, 2004.; OLIVEIRA, 2003OLIVEIRA, D.R.de. Planejamento estratégico: conceitos, metodologias e práticas. 19 ed. São Paulo: Atlas, 2003.). A construção de um cenário prospectivo não objetiva apenas predizer uma situação futura embasada no presente, mas de abranger o máximo de aspectos visando a elucidação de uma realidade futura, além de reconhecer que esta pode se apresentar das mais diversas maneiras.
A elaboração dos cenários foi fundamentada na proposta elaborada por Alcamo; Henrichs (2009) que propõe a elaboração de cenários ambientais qualitativos baseado em cinco fases, conforme exposto na figura 2. Além das fases, foram destacados na figura os procedimentais adotados para cada uma delas.
Destaca-se que não obstante haja uma diferença no que se refere aos cenários qualitativos e quantitativos, há a possibilidade de realização de cenários qualitativos que se utilizem de procedimentais quantitativos (ALCAMO; HENRICHS, 2009; SCHWEIZER; KRIEGLER, 2012SCHWEIZER, V.J.; KRIEGLER, E. Improving environmental change research with systematic techniques for qualitative scenarios. Environmental Research Letters, p. 1-14, 2012. Disponível em:< https://iopscience.iop.org/article/10.1088/1748-9326/7/4/044011/meta > . Acesso: Setembro 28, 2020.
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). Tal método é conhecido como Story and Simulation - SAS (história e simulação), que basicamente referem-se a cenários (em estudo e desenvolvimento) que incorporam elementos quantitativos modelados, bem como elementos qualitativos que podem ou não ser avaliados com modelos (ALCAMO; HENRICHS, 2009; ROUNSEVELL; METZGER, 2010ROUNSEVELL, M.D.A.; METZGER, M.J. SILVA. Developing qualitative scenario storylines for environmental change assessment. WIREs Clima Change. v. 1, p. 606-617, 2010. https://doi.org/10.1002/wcc.63
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; SCHWEIZER; KRIEGLER, 2012).
No presente estudo optou-se por uma abordagem qualitativa, baseada na avaliação histórica da evolução urbana do município, juntamente à análise dos instrumentos legais e políticas públicas vigentes, associada à avaliação do estado ambiental da paisagem como suporte para distinção dos cenários ambientais prospectivos (vide figura 2). Apesar de essa ser a abordagem central, optou-se pela adoção de procedimentais quantitativos, com destaque para a utilização de ferramentas de geoprocessamento, a fim de compor e fundamentar o diagnóstico realizado.
Os mapeamentos destacados no procedimental foram realizados a partir de fotografias aéreas para os anos de 1965, 1978, 1986 (obtidas junto à Secretaria de Estado do Planejamento Orçamento e Gestão de Sergipe - SEPLAG/SE); e imagens de satélite QuickBird para os anos 2003, 2008 e 2014 (obtidas junto à Empresa Municipal de Obras e Urbanização de Aracaju).
Todas as fotografias aéreas e imagens de satélite usadas foram georreferenciadas com auxílio do programa GLOBAL MAPPER 11, tomando por base as ortofotos de 2004 (obtidas junto à SEPLAG/SE). Utilizou-se o sistema de projeção Universal Transversa de Mercator - UTM e o datum SIRGAS BRASIL 2000 para o georreferenciamento e posterior confecção dos mosaicos multitemporais da área de estudo. Este mesmo sistema de projeção foi utilizado para confecção de todos os mapas temáticos apresentados elaborados no programa de geoprocessamento ArcGIS 10.2.1. A escala de mapeamento utilizada foi de 1:2.000.
A avaliação da expansão da ocupação sobre a área de estudo deu-se com base na interpretação, mapeamento, cálculo de área ocupada e visitas a campo, cuja análise compreendeu o período de 1960 até 2014. Justifica-se a adoção desse intervalo temporal pois o processo de ocupação na área investigada foi iniciado na década de 1960. Após o processo de vetorização da ocupação procedeu-se ao cálculo de área ocupada, o qual fora realizado com a ferramenta Calculate Geometry do ArcGIS.
Já para delimitação das unidades geoecológicas da paisagem, utilizou-se como base os resultados apresentados por Mota; Souza (2017MOTA, L.S.O.; SOUZA, R.M. Análise geoecológica da paisagem costeira do munícipio de Aracaju/Sergipe. Ra’e Ga, v. 42, p. 86-103, 2017. http://dx.doi.org/10.5380/raega.v42i0.45923
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) (mesma escala de mapeamento aqui utilizada), as quais delimitaram as seguintes unidades geoecológicas: terraço marinho, campo de dunas, planície de maré e ambientes de sedimentação recente (composto pela faixa de praia, pontal arenoso e bancos arenosos).
Em relação ao estado ambiental das unidades citadas, foram utilizados os princípios da Geoecologia das paisagens, embasado na classificação trazida por Rodriguez; Silva; Cavalcanti (2004RODRIGUEZ, J.M.M.; SILVA, E.V. da; CAVALCANTI, A.P.B. Geoecologia das Paisagens: uma visão geossistêmica da análise ambiental. Fortaleza: Editora UFC, 2004.), que compõe uma análise qualitativa do grau de degradação geoecológica a que um geossistema está exposto, a partir da avaliação de um conjunto de fatores que conduzem a uma sequente perda de atributos e propriedades sistêmicas que garantem o cumprimento das funções das unidades geoecológicas (Quadro 1).
As etapas anteriormente citadas compreendem a fase diagnóstica (elaboração do cenário atual) que precede a construção efetiva dos cenários prospectivos. Na esfera prognóstica foram conjeturados dois cenários: cenário tendencial (pessimista) e cenário recomendado (otimista), destacando projeções para mais de uma década, conforme indicado por Duinker; Greig (2006) como tempo necessário ao desenvolvimento de cenários que pretendam auxiliar o planejamento. Ambos os cenários foram pensados dentro da perspectiva do gerenciamento costeiro destacado no Manual de Gestão do Projeto Orla (2006). O quadro 2 aponta para as classes temáticas e variáveis avaliadas para construção de cada cenário.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Constituição do cenário atual: processo de ocupação e o estado ambiental da paisagem
O cenário atual da paisagem costeira do munícipio de Aracaju é resultante de um conjunto de atores e fatos históricos, cujo entrelaçamento resultou na estruturação da paisagem tal qual visualizada atualmente. A figura 3 ilustra uma linha do tempo contendo os principais fatos históricos e suas consequências para a composição do atual cenário.
Como foi apontado anteriormente, a construção da cidade deu-se nas proximidades do estuário do rio Sergipe, devido à necessidade da construção de um porto, previsto para o estuário do rio Sergipe, a fim de propiciar a dinamização da economia do estado (LOUREIRO, 1983LOUREIRO, K.A.S. A Trajetória Urbana de Aracaju, em tempo de interferir. INEP. Aracaju, 1983.; NOGUEIRA, 2004NOGUEIRA, A.D. Análise Sintático-Espacial das Transformações Urbanas de Aracaju (1855-2003). Tese de Doutorado - Bahia: UFBA. 2004.). O traçado inicial de Aracaju seguiu os moldes expostos no projeto de Sebastião Basílio Pirro, que preconizava a organização da cidade em quadriculado, desenvolvido para se firmar enquanto zona nobre da cidade (LOUREIRO, 1983).
Dentro do contexto de expansão do município, Loureiro (1983LOUREIRO, K.A.S. A Trajetória Urbana de Aracaju, em tempo de interferir. INEP. Aracaju, 1983.) periodiza as fases iniciais da ocupação, dividindo o crescimento urbano nas seguintes fases: de 1850 a 1900 - fixação do aparelho estatal e a ocupação no entorno do porto; de 1900 a 1930 - transformação da cidade em um centro de serviços associado à expansão da ocupação para áreas periféricas; de 1930 a 1964 - surgimento dos bairros populares e diversificação econômica da cidade. De acordo com Ribeiro (1985RIBEIRO, N.M.G. Transformações Recentes no Espaço Urbano de Aracaju. Revista Geonordeste. Aracaju, n.1, p. 20-31, 1985.), até a década de 1960 Aracaju ainda se apresentava como uma cidade horizontal, com raríssimas construções verticais, com destaque para a contínua migração da população mais abastada para o sul da cidade.
Fatos históricos influentes na construção do cenário atual da planície costeira de Aracaju.
Foi a partir dessa migração para o sul que a ocupação avançou para a frente litorânea ainda na década de 1960, inicialmente com pequenos núcleos no bairro Atalaia, e posteriormente, na década de 1970, em direção ao bairro Coroa Meio onde foram realizadas grandes obras urbanísticas a fim de permitir o loteamento da área (figura 4). Apenas no final da década de 1980, quando a ocupação estava praticamente consolidada nesses dois bairros, houve um redirecionamento do fluxo para a Zona de Expansão, delimitada formalmente pela Lei Municipal nº 873/82. Atualmente há uma elevada concentração populacional com ocupação massiva do solo nos bairros Coroa do Meio e Atalaia, somado a um incremento populacional e de área ocupada para Zona de Expansão, que ainda resguarda parte de suas características naturais. Na figura 5 é possível visualizar o crescimento de área ocupada entre os anos de 1986 e 2014.
Constata-se a existência de um arranjo complexo, entre poder público e privado, mas de fácil percepção nessa escalada da ocupação da frente litorânea do munícipio, até a década de 1960 praticamente inabitada. Tal arranjo compõe o que Alcamo; Henrichs (2009) denominam de forças motrizes (driving forces), que compõem os fatores que influenciam o desenvolvimento de um dado cenário.
Da cronologia dos eventos nota-se a importância da edição e/ou modificação de leis responsáveis pelo ordenamento do uso do solo, por exemplo. É perceptível que muitas dessas normas possibilitaram a atuação do mercado imobiliário, ao tornar, por exemplo, determinados ambientes passíveis de ocupação, ou permitir o aumento do número de pavimentos. E isso não se restringe ao âmbito do processo legislativo, mas infraestrutural também. Afinal, por maior que fosse o apelo em relação às moradias defronte ao mar ou em áreas verdes, não haveria grande interesse da população se não houvesse a promessa mínima de aparatos urbanos, estes propiciados pelo poder público.
Evolução da área ocupada/loteada entre os anos de 1986 e 2014 nos bairros costeiros de Aracaju/SE.
Alguns casos podem ilustrar esse arranjo político-estrutural, a exemplo da edição da lei n. 074/2008, que alterou o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano - PDDU (processo que ocorreu sem consulta pública contrariando o que determina a própria lei do PDDU) e permitiu o aumento do número de pavimentos, o que repercutiu instantaneamente na organização espacial dos bairros de Coroa do Meio e Atalaia, com o início da verticalização. Ou mesmo ainda, anteriormente, o próprio projeto urbanístico do bairro Coroa do Meio, realizado para possibilitar o loteamento da área por construtoras.
Apesar da alargada condescendência do poder estatal nas últimas décadas, também há impedimentos igualmente normativos. O fato de a concessão de novas licenças estar judicialmente impedida, resultado de uma Ação Civil Pública - ACP, restringiu o número de novas edificações na Zona de Expansão desde 2016. O cenário atual sem esta proibição certamente seria caracterizado por um volume bem maior de área ocupada, e consequentemente, de conflitos ambientais.
Assim, a dimensão com a qual ocorreram as mudanças esteve balizada acima de tudo nos condicionantes antrópicos, decorrentes, principalmente, de uma estreita relação entre o poder público e entes privados, os quais dispuseram de variados instrumentos a fim de promover um redirecionamento da ocupação para a proximidades da costa.
A figura 6 traz um panorama geral dos processos naturais e antrópicos associados ao cenário atual, juntamente a individualização da paisagem em unidades geoecológicas.
Partindo para uma avaliação dos condicionantes biofísicos, destaca-se a avaliação do estado ambiental da paisagem realizada sob o viés funcional e, principalmente, antropogênico. Este pressupõe a identificação dos problemas resultantes da modificação das estruturas naturais da paisagem - os impactos geoecológicos, associados ao entendimento da neodinâmica introduzida pela inserção antrópica (RODRIGUEZ; SILVA; CAVALCANTI, 2004RODRIGUEZ, J.M.M.; SILVA, E.V. da; CAVALCANTI, A.P.B. Geoecologia das Paisagens: uma visão geossistêmica da análise ambiental. Fortaleza: Editora UFC, 2004.).
Nesse sentido, destacam-se os processos geoecológicos degradantes, os quais resultam na perda de atributos e propriedades sistêmicas que garantem o cumprimento das funções geoecológicas e os mecanismos de autorregulação. Tal circunstância pode ser associada às derivações antropogênicas da paisagem (MONTEIRO, 2001MONTEIRO, C.A.F. de. Geossistemas: a história de uma procura. 2 ed. São Paulo: Editora Contexto, 2001.) tendo em vista que quanto mais alterada for uma paisagem, maior será a perda das suas funções geoecológicas naturais e mais degradado será o geossistema.
Com alicerce em tais premissas elaborou-se um quadro síntese a partir da análise qualitativa da paisagem. Nele foi identificado o estado ambiental das unidades. Levou-se em consideração os seguintes aspectos: a dinâmica natural, o uso e ocupação, os processos antrópicos e o grau de derivação antropogênica (Quadro 3).
Com base nos elementos apontados, identificou-se que a maior parte das unidades geoecológicas se encontra inserida no estado ambiental “instável”. Nessas unidades os processos de degradação, associados aos graus de derivação antrópica mediano e elevado, resultaram no comprometimento parcial ou total das funções geoecológicas da paisagem.
As unidades em estado ambiental crítico restringiram-se aos baixios úmidos/lagoas e às áreas de mangue associadas à elevada ocupação. Faz-se ressalva quantos aos baixios úmidos/lagoas, uma vez que, apesar do nível de derivação ser mediano nesse ambiente, suas características naturais o tornam um dos ambientes mais vulneráveis. A contínua impermeabilização do solo em um ambiente que, além de ser naturalmente sujeito a inundações, possui a função de drenar os excessos pluviométricos, pode comprometer sobremaneira o estado da paisagem.
A subunidade da praia/pós-praia se encontra medianamente estável tendo em vista que, embora não haja ocupação efetiva sobre tal ambiente, as intervenções humanas indiretas têm alterado a sua dinâmica natural em alguns setores, resultando em episódios erosivos associados à destruição de estruturas fixas.
Em estado ambiental estável encontram-se as áreas em que o nível de derivação antrópica da paisagem é baixo ou inexistente, a exemplo das subunidades do pontal arenoso, bancos arenosos, inframaré, apicum e manguezal (associados a áreas pouco antropizadas).
Cenário futuro tendencial (pessimista)
Na composição deste cenário o principal condicionante é a expansão urbana desordenada combinada à supressão das unidades geoecológicas, fruto da elevada permissividade dos instrumentos regulares.
Houve uma notável ampliação de área ocupada entre 1965 e 2014 (gráfico 1) juntamente ao aumento populacional considerável entre os anos 2000 e 2010, que totalizou 29,2% (IBGE, 2010). Ambos os dados apontam o contínuo e considerável aumento tanto da população residente, quanto de área ocupada. Caso haja continuidade da tendência observada para os últimos cinquenta e quatro anos, infere-se que ocorrerá contínuo avanço da ocupação sobre os bairros, com destaque para Zona de Expansão. Obviamente trata-se de inferências porquanto as variáveis que levam à expansão urbana e o modo como ela se procede não são estáticas e podem vir a ser alteradas no transcorrer dos anos, suavizando ou estendendo as tendências atuais. Além do fato que o presente estudo não objetivou o estabelecimento de projeções populacionais.
No cenário atual os bairros de Atalaia e Coroa do Meio possuem elevada densidade de área ocupada, com poucos espaços vazios. Neste caso é certo que para os próximos anos o aumento de população só se dará mediante a verticalização, tendência já evidente. De tal modo, o aumento efetivo de área ocupada somente será previsto para a Zona de Expansão, que ainda resguarda grandes vazios urbanos associados a áreas loteadas.
Quanto às variáveis consideradas na constituição deste cenário, frisa-se inicialmente o papel do atual PDDU. A atualização desse instrumento normativo, já atrasado em 20 anos, pode promover mudanças significativas, principalmente para a Zona de Expansão. O destaque especial para este bairro se deve ao fato de que, para o caso dos bairros Coroa do Meio e Atalaia, transformações expressivas já ocorreram quando da aprovação da lei complementar municipal nº 74/2008, que alterou ponto fundamental do Plano Diretor. Como a Zona de Expansão é o setor do munícipio que mais concentra vazios urbanos e feições naturais, acredita-se que esta área será priorizada na revisão do plano.
Quaisquer mudanças que venham a ocorrer, a exemplo da mudança do zoneamento ou dos parâmetros referentes aos ambientes naturais, repercutirão sobre a nova organização espacial desse bairro. Como há pressão vultosa do mercado imobiliário para que o Plano Diretor da cidade se torne mais permissivo, é temido que as mudanças gerem transformações impactantes nos parâmetros de uso e ocupação do solo.
Outra variável fundamental envolve a realização das obras de macrodrenagem, objeto central da Ação Civil Pública movida em razão da ocupação desregulada da Zona de Expansão e dos impactos dela resultantes. No ano de 2010 a prefeitura de Aracaju apresentou projeto dos canais de drenagem para Zona de Expansão com a finalidade de responder às exigências iniciais da decisão judicial. No entanto, considerando o que foi previsto, poucas obras foram realizadas. A principal delas foi a dragagem do canal Santa Maria, que absorve o fluxo pluvial do 17 de março e de alguns outros trechos do setor norte da Zona de Expansão. Como já mencionado, a completa liberação para novos empreendimentos para o bairro só ocorrerá após a conclusão do projeto de macrodrenagem, conforme decisão judicial até o presente momento vigente.
Por fim, sublinha-se o papel do turismo na composição do cenário tendencial. A despeito de Aracaju ainda não figurar entre os destinos principais nos roteiros turísticos associados ao modelo “sol e praia” no âmbito da região nordeste, há considerável aumento do fluxo de turistas nos últimos anos (SILVA; SANTOS, 2015SILVA, J.A; SANTOS, C.A.J. Análise da competitividade do turismo no munícipio de Aracaju. Revista de Turismo Contemporâneo, v. 3, p. 188-210, 2015. https://doi.org/10.21680/2357-8211.2020v8n2
https://doi.org/10.21680/2357-8211.2020v...
).
Um fato que pode alterar esse cenário e acelerar a tendência atual é a destinação de US$ 100 milhões (cem milhões de dólares) ao estado de Sergipe através do projeto Programa de Desenvolvimento do Turismo - PRODETUR - financiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento - BID. Apesar desse montante ser destinado a todo o Estado, Aracaju é um dos polos de investimentos. Como já existe a tendência do turismo sol e praia, acredita-se que os investimentos continuarão a enfocar esse viés, o que poderá desencadear grandes transformações, principalmente no litoral sul da capital, onde os aparatos urbanos e turísticos ainda são pouco desenvolvidos.
A preocupação quanto à consolidação dessa projeção manifesta-se no uso das unidades naturais que compõe o “cenário paisagístico” destinado à lógica do modelo sol e praia. Evidentemente que o fato de a costa aracajuana ainda possuir praias limpas, extensos campos de dunas e manguezais preservados será utilizado como mote turístico, o que poderia resultar na interferência nesses ambientes, especialmente com a finalidade de propiciar a instalação de determinados aparatos.
Em face dos condicionantes destacados, a figura 7 aponta para o cenário tendencial resultante da avaliação dos processos decorrentes das intervenções futuras, concebido numa perspectiva de aumento populacional sem planejamento e ordenamento, tal como ocorrido nas últimas décadas.
Quanto à expansão urbana, há tendência ao crescimento radial em torno das áreas urbanas já consolidadas, linearmente ao longo das vias, no formato de loteamentos, e à verticalização nos bairros cujos espaços vazios estão praticamente esgotados. O principal eixo de avanço e de maior valorização do solo seria a frente litorânea, em razão dos atrativos paisagísticos, tal como nas proximidades do canal Santa Maria e do rio Vaza-Barris.
Este cenário revela inexoravelmente grandes impactos negativos por efeito da expansão superficial de área ocupada e consequente regressão das unidades geoecológicas. Essa configuração pode vir a se concretizar até o final do século ou em tempo anterior, a depender da evolução da dinâmica urbana do município.
Haveria completa modificação do estado ambiental, o que recai no surgimento tanto do risco atrelado a transformações antropogênicas na forma/função/estrutura da paisagem, quanto na expansão espacial dos riscos já existentes, sem desconsiderar, ainda os consideráveis impactos ambientais consideráveis sobre as unidades, que já são notados no cenário atual da paisagem.
Cenário recomendado (otimista)
A conjuntura atual e do que se espera para as próximas décadas impõem a necessidade urgente de um projeto de urbanização, principalmente no que concerne à Zona de Expansão. Como incumbe a uma gama de profissionais definir instrumentos de gestão de territorial, o objetivo aqui é gerar um cenário em que haja a manutenção de condições mínimas para que o sistema costeiro possa se autorregular, evitando a potencialização de determinados riscos e o surgimento de cenários que tornem o estado ambiental da paisagem crítico.
Para a planície costeira de Aracaju, a construção de um ambiente que vislumbre a minimização das situações de risco e impactos perpassa impreterivelmente pela verificação do que se sucedeu com determinadas áreas do munícipio que possuem composição biofísica semelhante.
Quando se observa o cenário resultante de um processo de urbanização pautado no aterro de manguezais e dunas, canalização e transformação de canais de maré em canais de esgotamento, poluição de corpos hídricos, entre outros problemas ambientais, percebe-se a ausência de um planejamento eficiente e adequado a longo prazo. O resultado dessa conjunção de fatores é uma variedade de situações de risco que vão desde os alagamentos associados a eventos pluviométricos e variação das marés até a contaminação hídrica.
Proceder à analogia entre os diferentes setores da área estudada surge como uma útil possibilidade para os fins pretendidos neste trabalho. A Coroa do Meio, a título de exemplo, foi o bairro de Aracaju em que mais houve intervenção antrópica a fim viabilizar a ocupação. Tal intervenção foi uma das mais prejudiciais às unidades naturais, tanto em virtude do remodelamento do ambiente, quanto em razão da não consideração da dinâmica fluviomarinha, de onde decorreu cenário de riscos associados à erosão.
Como a Zona de Expansão ainda se caracteriza pela existência de grandes vazios urbanos e a desembocadura do Vaza-Barris é praticamente inabitada, a possibilidade de conduzir um planejamento e ordenamento eficientes é mais factível em razão do conhecimento das ações que deveriam ser evitadas.
Em face da elevada pressão antropogênica sobre o ambiente costeiro aracajuano é inexequível a realização de um planejamento cujas linhas decisórias sejam voltadas à coibição do uso e ocupação deste ambiente, mesmo que em alguns casos essa solução fosse a mais desejável.
Sob tal premissa, para a construção do cenário recomendado (otimista) foram considerados: a legislação vigente (tanto em âmbito federal, quanto municipal), o incremento populacional previsto para os próximos anos, a compatibilização do uso e ocupação com a manutenção das funções geoecológicas das unidades e o potencial de autorregulação do sistema. A partir deste agrupamento definiram-se classes temáticas para o cenário recomendado, seguindo a própria nomenclatura utilizado no atual PDDU (figura 8).
A delimitação das áreas de preservação foi realizada com base na Lei Federal nº. 12.651/2012, a qual define como áreas de preservação permanente: as restingas como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues, o manguezal em toda a sua extensão, as lagoas e o seu entorno (30 m para zonas urbanas) e a faixa marginal dos cursos d’água (100 m para os cursos que possuam entre 50 e 200 m de largura). Não obstante a legislação não preveja a inclusão dos baixios úmidos nessa delimitação, optou-se por inseri-los com o propósito de se defender a manutenção dessas unidades enquanto corpos de drenagem natural.
Quanto ao campo de dunas, o PDDU de Aracaju delimita apenas as dunas acima de 10 m como áreas de preservação. Contudo, em face da supressão dos campos dunares verificado durante o processo de ocupação da costa de Aracaju, somada à elevada importância no sistema costeiro, recomenda-se a manutenção dessas feições independentemente da altura.
Para os setores que margeiam os rios Santa Maria e Vaza-Barris, em que a ocupação ainda é incipiente, adotou-se a distância de 100 m, tal como previsto em lei. No entanto, há setores em que a ocupação, além de consolidada, encontra-se diretamente sobre às margens dos rios, razão por que foi prevista a preservação das áreas restantes e sugerida a recuperação das características originais da paisagem mediante a retirada de habitações e equipamentos urbanos.
Associados às áreas de conservação encontram-se o ambiente praial e as dunas frontais. A estreita relação existente entre essas feições exige a proteção, principalmente das dunas, com o propósito de garantir o transporte bidirecional de sedimentos e evitar balanço sedimentar negativo e consequente processo erosivo. Por se tratar de um ambiente aproveitado para o uso turístico, pretende-se o uso sustentável com manutenção das formas e redução de impactos. Assim, setorizou-se a orla costeira aracajuana de acordo com as ações previstas, dentro da delimitação exposta pelo PNGC:
-
- Ações corretivas: para a orla associada aos bairros da Coroa do Meio e Atalaia. Sugerida a adoção de medidas para o controle e monitoramento dos usos, associados à verificação da qualidade ambiental.
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- Ações de controle: para a orla associada a níveis de ocupação intermediários na Zona de Expansão. Sugerido o uso sustentável com ações que vislumbrem a promoção da qualidade ambiental.
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- Ações preventivas: para as adjacências da desembocadura do rio Vaza-Barris. Propõe-se a adoção de medidas que visem à preservação das características naturais.
Considerando a ocupação já consolidada acrescida da quantidade prevista para as próximas décadas, ponderou-se a distribuição da ocupação de acordo com as prescrições contidas na Lei Federal nº. 7.661/1988 (que instituiu o PNGC) e o Decreto Federal nº. 5.300/2004 (que regulamenta o PNGC e dispõe sobre regras do uso e ocupação do solo na zona costeira), assim como em razão da capacidade de suporte do ambiente.
Para a ocupação já consolidada projeta-se a recuperação das principais funções das unidades afetadas, principalmente para o caso dos bairros da Coroa do Meio e Atalaia, além do monitoramento da qualidade da água e melhoramento do sistema de drenagem e esgotamento. Mediante o cenário de verticalização atual, propõe-se a redução de áreas destinadas a essa forma de ocupação a fim de evitar o transbordo da capacidade ambiental desses bairros.
Quanto ao fluxo vindouro, previram-se duas condições de uso e ocupação do solo. As áreas de interesse urbanístico, caracterizadas pela capacidade de recebimento do maior fluxo populacional e cuja extensão abarcaria desde as proximidades do rio Santa Maria até a região central da Zona de Expansão. Optou-se por essa alternativa tendo em vista que esse é o setor que concentra as maiores cotas altimétricas, além de não possuir grande quantidade de lagoas e baixios úmidos.
Já as zonas de adensamento restrito estendem-se da costa até as proximidades da rodovia dos Náufragos. É nesse setor que está contida a maior parte das unidades mais vulneráveis à intervenção antrópica. Recomenda-se, portanto, que o uso e ocupação sejam compatíveis com a estruturação natural da paisagem visando à preservação dos corpos hídricos e dunares, além da não descaracterização completa dos cordões litorâneos.
O principal objetivo da construção dessa cenarização é a manutenção do funcionamento do sistema costeiro. A despeito do esforço antrópico suportado por causa do aumento populacional, a paisagem seria capaz de atingir novo equilíbrio se houvesse a conservação da sua estruturação e funções básicas, o que de fato reduziria não só o impacto ao ambiente, mas também evitaria o surgimento de novas situações de risco.
A figura 9 demonstra uma síntese dos estágios seguidos para o desenvolvimento dos cenários aqui apresentados, conforme as etapas delimitadas por Alcamo; Henrichs (2009) a fim de comparar as duas possíveis realidades aqui projetadas. Como destaca Amer; Dain; Jetter (2012) na prática, grandes incertezas cercam quaisquer suposições qualitativas sobre o que pode vir a acontecer no futuro, uma vez que há processos de mudanças ambientais sobre os quais não se tem qualquer gerência. No entanto, mesmo que inúmeras forças interajam e gerem outra gama de possibilidades, percebe-se no delineamento dos cenários expostos que há duas máximas presentes, uma que conduz a insustentabilidade urbano-ambiental e outra que se encaminha à construção de uma cidade que foge da lógica de apropriação e ordenamento em prol do capital privado e busca uma equalização entre uso/conservação. Visivelmente a construção socioespacial da cidade de Aracaju até os dias de hoje nos encaminha para o cenário pessimista, contudo, uma das maiores contribuições do processo de cenarização é apontar não só uma tendência e seus resultados, mas demonstrar que há uma possibilidade de futuro que diverge do desastre
CONCLUSÕES
A expansão urbana desordenada e de caráter predatório foi característica da evolução do munícipio de Aracaju. A cidade se desenvolveu sobre um conjunto de unidades de elevada fragilidade ambiental que foram integralmente aterradas ou tiveram suas funções ecológicas parcialmente interrompidas. O suceder de contínuas intervenções, sem ausência de um planejamento eficaz e arrazoado para longo prazo, associado aos quereres do capital imobiliário, resultou num cenário composto pelo elevado grau de derivação antropogênica da paisagem, marcado pela instabilidade ambiental de diversas unidades.
O fato de a orla costeira do município ter sido ocupada em momentos diferenciados, atrelado à circunstância de que o bairro da Zona de Expansão está em pleno processo de transição, com parte da estruturação natural preservada, abre a possibilidade para não repetição de erros estruturais cometidos durante a ocupação do restante do município e principalmente dos bairros da Atalaia e Coroa do Meio.
É premente, nesse contexto, que seja considerado na construção de um cenário ideal conceitos fundamentais da Geoecologia das Paisagens - a capacidade de suporte do ambiente e o estado ambiental da paisagem. Não há como se pensar em planejamento para ocupação sem considerar até que ponto é possível manter a estabilidade da paisagem, o que evita situações de risco associado a própria ocupação. Desse modo, na construção do cenário futuro para a planície costeira foram levados em consideração duas situações - uma em que haveria a continuidade da lógica de expansão atual e outra, cenário recomendado, que levaria em conta todos os instrumentos legais e a capacidade de suporte do ambiente.
Dentro do que já foi discutido, a continuidade das tendências observadas no cenário atual levará a um acréscimo populacional nos bairros Coroa do Meio e Atalaia, associado ao processo de verticalização, e a um aumento considerável de área ocupada na Zona de Expansão, mediante a contínua supressão das unidades ambientais e ampliação das unidades naturais em situação de elevada degradação e instabilidade.
Já no cenário recomendado (otimista), a ideia central não parte da coibição do uso e ocupação, mas na restrição a depender da capacidade de suporte das unidades. Para o caso da Coroa do Meio e Atalaia, recomenda-se a recuperação ambiental e redução do ritmo de verticalização, enquanto para Zona de Expansão indica-se a restrição da ocupação nas áreas mais frágeis, e impedir quaisquer intervenções nos manguezais, dunas e áreas úmidas, tal como a construção de aparatos urbanísticos e obras de macrodrenagem para suportar a contínua intervenção antrópica.
Diante das cenarizações expostas, comprova-se que as decisões tomadas pelo poder público, ou as suas omissões, podem implicar em grandes alterações no uso e ocupação do solo e impactar sobremaneira o futuro. O que se põe como obstáculo central é que as decisões governamentais não têm provindo apenas da premissa do bem-estar da população residente e manutenção de condições de sustentabilidade ambiental, como haveriam de ser primordialmente, mas pela premência da obtenção/manutenção de cenários favoráveis à geração de lucro pelo e para o capital privado. Eis que, em geral o cenário que harmoniza o bem-estar social e ambiental em nada coincide com aquele, uma vez que reduz o potencial de ganho privado, muito embora, de modo algum elimine a sua lucratividade.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
01 Mar 2021 -
Data do Fascículo
2021
Histórico
-
Recebido
25 Jul 2020 -
Aceito
23 Out 2020 -
Publicado
01 Fev 2021