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Mosaico do Jalapão: perspectivas e desafios para a implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)

Resumo

O objetivo deste artigo foi avaliar o estágio de implementação dos ODS nos municípios que pertencem ao Mosaico do Jalapão (MJ), explorando as oportunidades e obstáculos à concretização dos ODS neste território. A base metodológica ocupa-se de uma abordagem quantitativa de clusters hierárquicos e matriz de correlação com base em dados secundários, identificando os ODS mais relevantes para a região e os desafios para sua efetivação. O estudo revela 15 ODS com alta relevância para o MJ, com destaque para os ODS 1 (Fim da Pobreza), 2 (Fome Zero), 3 (Saúde de Qualidade), 4 (Educação de Qualidade), 8 (Trabalho Decente e Crescimento Econômico), 10 (Redução das Desigualdades), 13 (Ação Climática), 15 (Vida Terrestre) e 16 (Paz, Justiça e Instituições Sólidas). No entanto, diversos desafios impedem a plena implementação desses objetivos, como a escassez de recursos financeiros e humanos, as acentuadas desigualdades sociais, a degradação ambiental, as fragilidades na governança e a baixa participação social. Os resultados mostraram que os municípios da região estão distantes de cumprir as metas da Agenda 2030, apesar de terem desempenho alto em ODSs do Eixo Econômico. Apesar dos obstáculos, o estudo também apresenta perspectivas positivas para o futuro do TCJ. A região possui um rico potencial para o desenvolvimento sustentável, impulsionado por sua rica biodiversidade e recursos naturais. Além disso, o crescente interesse pelo turismo ecológico na região pode gerar oportunidades para o desenvolvimento local. Para superar os desafios e alcançar os ODS no TCJ, o estudo apresenta algumas recomendações, como o aumento de investimentos em políticas públicas sociais e ambientais, o fortalecimento da governança local e da participação social, a promoção da educação ambiental e da valorização da cultura local, e o apoio ao desenvolvimento de atividades econômicas sustentáveis. Como considerações finais, propõe-se que os gestores e stakeholders locais sejam capacitados para a compreensão destas metas, de forma a nortear políticas públicas, de maneira que os municípios observem as melhores práticas dentro e fora do Tocantins para o Desenvolvimento Socioeconômico. Além disso, as conclusões e recomendações do estudo podem ser úteis para a formulação de políticas públicas mais eficazes e para a promoção do bem-estar das populações locais, contribuindo para a construção de um futuro mais próspero e sustentável para a região.

Palavras-chave:
Jalapão Sustentabilidade; Políticas Públicas; Matriz de Correlação; Clusters Hierárquicos

Abstract

The objective of this article was to evaluate the stage of implementation of the SDGs in the municipalities that belong to the Jalapão Mosaic (JM), exploring the opportunities and obstacles to achieving the SDGs in this territory. The methodological basis involves a quantitative approach of hierarchical clusters and a correlation matrix based on secondary data, identifying the most relevant SDGs for the region and the challenges for their implementation. The study reveals 15 SDGs with high relevance for the JM, with emphasis on SDGs 1 (End Poverty), 2 (Zero Hunger), 3 (Quality Health), 4 (Quality Education), 8 (Decent Work and Growth Economic), 10 (Reducing Inequalities), 13 (Climate Action), 15 (Life on Earth) and 16 (Peace, Justice and Strong Institutions). However, several challenges prevent the full implementation of these objectives, such as the scarcity of financial and human resources, marked social inequalities, environmental degradation, weaknesses in governance and low social participation. The results showed that municipalities in the region are far from meeting the goals of the 2030 Agenda, despite having high performance in SDGs of the Economic Axis. Despite the obstacles, the study also presents positive perspectives for the future of the TCJ. The region has rich potential for sustainable development, driven by its rich biodiversity and natural resources. Furthermore, the growing interest in ecological tourism in the region can generate opportunities for local development. To overcome the challenges and achieve the SDGs in the JM, the study presents some recommendations, such as increasing investments in social and environmental public policies, strengthening local governance and social participation, promoting environmental education and valuing local culture, supporting the development of sustainable economic activities. As final considerations, it is proposed that local managers and stakeholders be trained to understand these goals, in order to guide public policies, so that municipalities observe the best practices inside and outside Tocantins for Socioeconomic Development. Furthermore, the study's conclusions and recommendations can be useful for formulating more effective public policies and promoting the well-being of local populations, contributing to the construction of a more prosperous and sustainable future for the region.

Keywords:
Jalapão; Sustainability; Public Policies; Correlation Matrix; Hierarchical Clusters

INTRODUÇÃO

A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável estabelece um plano global para alcançar um futuro sustentável e inclusivo através de 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs). Estes objetivos abrangem uma ampla gama de questões sociais, econômicas e ambientais, desafiando as nações e comunidades locais a implementar mudanças significativas.

A ONU (2023ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS - ONU. The Sustainable Development Goals Report. Special edition. Nova Iorque: ONU, 2023. Disponível em: https://unstats.un.org/sdgs/report/2023/The-Sustainable-Development-Goals-Report-2023.pdf. Acesso em: 18 de jan. de 2024.
https://unstats.un.org/sdgs/report/2023/...
) relatou que das 169 metas vinculadas aos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs), metade mostrou desvios moderados ou severos em relação às metas da Agenda 2030 em nível mundial. No Brasil, a implementação dos ODS nos municípios representa um desafio complexo, dada a diversidade e especificidades locais.

No Tocantins, Seall (2023SEALL. Ranking de Sustentabilidade dos Estados. 2023. Belo Horizonte: Centro de Liderança Pública, 2023. Disponível em: https://www.clp.org.br/wp-content/uploads/2023/08/Ranking-dos-Estados-2023-ODS-e-ESG-relatorio-2.pdf. Acesso em: 15 abr. 2024.
https://www.clp.org.br/wp-content/upload...
), considerou que o cumprimento dos ODSs foi de 44%, colocando-o na 16ª posição entre os 27 entes federativos. Este estudo concentra-se nos municípios que compõem o Mosaico do Jalapão (MJ) (Brasil, 2016BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Portaria nº 434, de 29 de setembro de 2016. Reconhecer o Mosaico do Jalapão, abrangendo as seguintes áreas localizadas nos estados do Tocantins e da Bahia. Brasília: Ministério do Meio Ambiente, Gabinete do Ministro, 2016. Disponível em: https://antigo.mma.gov.br/images/arquivo/80238/Mosaicos/PORTARIA_N_434_DE_29_DE_SETEMBRO_DE_2016_-_Diario_Oficial_da_Uniao_-_Imprensa_Nacional_JALAPAO_002.pdf. Acesso em: 26 de abr. de 2024.
https://antigo.mma.gov.br/images/arquivo...
), que compreende uma área de 43.881,14 km², constituindo 15,81% da área do estado do Tocantins (ICMBIO, 2020ICMBIO. Projeto Jalapão. 2020. Disponível em: https://www.gov.br/icmbio/pt-br/assuntos/mosaicos-e-corredores-ecologicos/projeto-jalapao. Acesso em: 15 abr. 2024.
https://www.gov.br/icmbio/pt-br/assuntos...
).

Nesta região, há carências em termos dos ODSs, conforme se vê em ICS (2023aINSTITUTO CIDADES SUSTENTÁVEIS - ICS. Índice de Desenvolvimento Sustentável das Cidades [IDSC]. 2023a. Disponível em: https://idsc.cidadessustentaveis.org.br/. Acesso em: 15 abr. 2024.
https://idsc.cidadessustentaveis.org.br/...
). Como agravante, existe a dificuldade de acesso em função de estradas não pavimentadas, situação com previsão de melhoria em 2024, com a realização de serviços de infraestrutura (Tocantins, 2023TOCANTINS. Governo do Tocantins gera desenvolvimento econômico e fortalece o turismo no Jalapão com a pavimentação da TO-247. 2023. Disponível em: https://www.to.gov.br/secom/noticias/governo-do-tocantins-gera-desenvolvimento-economico-e-fortalece-o-turismo-no-jalapao-com-a-pavimentacao-da-to-247/2upho11o2hfx. Acesso em: 15 abr. 2024.
https://www.to.gov.br/secom/noticias/gov...
).

O MJ é constituído por uma microrregião político-geográfica, compreendendo várias Unidades de Conservação (UCs). Segundo Lima e Martins (2021LIMA, J. R.; MARTINS, C. C. Análise preliminar de estudos relacionados à região do Jalapão: TO/PI/BA/MA. Brazilian Journal of Development, v. 7, n. 3, p. 30197-30210, 2021. https://doi.org/10.34117/bjdv7n3-646
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), a região, no Tocantins, abrange os municípios: Almas, Lagoa do Tocantins, Lizarda, Mateiros, Novo Acordo, Ponte Alta do Tocantins, Rio da Conceição, Rio Sono, Santa Tereza do Tocantins e São Félix do Tocantins, conforme Figura 1, a seguir.

Figura 1
Mapa do Mosaico do Jalapão

Na figura 1, as microrregiões do Tocantins estão com os rótulos em negrito e a área na cor verde. Especificamente no caso dos municípios do Jalapão, os rótulos estão em fonte regular, coloridos.

Dado este contexto para o MJ, buscou-se responder ao problema de pesquisa: quais os graus de implementação dos ODSs nos municípios tocantinenses do Mosaico do Jalapão? Com base nesta problemática, este estudo contribui para uma compreensão mais aprofundada dos esforços de Desenvolvimento Sustentável em nível municipal, destacando a importância de adaptar estratégias globais às realidades locais.

Este artigo está organizado em cinco seções, incluindo a introdução. Na seção a seguir, referencial teórico, é abordada a literatura acadêmica sobre os ODSs. Na terceira seção, são apresentados os procedimentos metodológicos deste estudo. Na seção quatro, são abordadas a apresentação e discussão dos resultados. Na seção cinco, são realizadas as considerações finais.

Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável

Os ODSs foram elaborados no Brasil, no Rio de Janeiro, a partir dos resultados da Conferência sobre Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas (Rio+20), no ano de 2012. A Rio+20 reuniu líderes mundiais com o setor privado e outros stakeholders com objetivo de refletir sobre a redução da pobreza, promover a equidade social e garantir a proteção ambiental (ONU, 2016ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS - ONU. Portfólio dos projetos do PNUD Brasil à luz dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. 2016. Disponível em: https://www.br.undp.org/content/brazil/pt/home/library/ods/portifolio-dos-projetos-do-pnudbrasil-a-luz-dos-objetivos-de-des.html. Acesso em: 18 de jan. de 2024.
https://www.br.undp.org/content/brazil/p...
). A discussão sobre os ODSs foi adotada em agosto de 2015 (ONU, 2015ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS - ONU. Agenda de Desenvolvimento Sustentável é adotada por unanimidade pelos 193 Estados-membros da ONU. 2015. Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/70886-agenda-de-desenvolvimento-sustent%C3%A1vel-%C3%A9-adotada-por-unanimidade-pelos-193-estados-membros-da. Acesso em: 18 de jan. de 2024.
https://brasil.un.org/pt-br/70886-agenda...
). Em termos do cumprimento dos ODSs, o PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) é a agência líder da rede global de desenvolvimento da ONU.

No contexto contemporâneo, o Brasil tomou medidas para implementar os ODSs criando, por meio do Decreto 8.892 (Brasil, 2016BRASIL. Decreto nº 8.892, de 27 de outubro de 2016. Revogado pelo Decreto nº 11.704, de 2023. Cria a Comissão Nacional para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Brasília: Presidência da República, Secretaria-Geral, Subchefia para Assuntos Jurídicos, 2016. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/Decreto/D8892.htm#:~:text=DECRETA%3A,pela%20Rep%C3%BAblica%20Federativa%20do%20Brasil. Acesso em: 26 de abr. de 2024.
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_a...
), a Comissão Nacional para os ODSs (CNODS). No entanto, ela foi revogada por meio do Decreto 10.179 (Brasil, 2019BRASIL. Decreto nº 10.179, de 18 de dezembro de 2019. Declara a revogação, para os fins do disposto no art. 16 da Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, de decretos normativos. Brasília: Presidência da República, Secretaria-Geral, Subchefia para Assuntos Jurídicos, 2019. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Decreto/D10179.htm#art2. Acesso em: 26 de abr. de 2024.
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_A...
), sendo retomada por meio do decreto 11.704 (Brasil, 2023BRASIL. Decreto nº 11.704, de 14 de setembro de 2023. Institui a Comissão Nacional para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Brasília: Presidência da República, Casa Civil, Secretaria Especial para Assuntos Jurídicos, 2023. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2023-2026/2023/Decreto/D11704.htm#art11. Acesso em: 26 de abr. de 2024.
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_A...
).

Ainda no Brasil, o Índice de Desenvolvimento Sustentável das Cidades (IDSC) foi elaborado pelo Instituto Cidades Sustentáveis (ICS, 2023aINSTITUTO CIDADES SUSTENTÁVEIS - ICS. Índice de Desenvolvimento Sustentável das Cidades [IDSC]. 2023a. Disponível em: https://idsc.cidadessustentaveis.org.br/. Acesso em: 15 abr. 2024.
https://idsc.cidadessustentaveis.org.br/...
), sendo utilizado desde 2013. Ele avalia os ODSs para todas as 17 metas em estudos anuais, coletando dados em todos os 5.570 municípios brasileiros. Os ODSs são mensurados por meio de um conjunto de 100 indicadores de bases estatísticas oficiais como o DataSUS, IBGE e INEP e de observatórios temáticos, como o Observatório do Clima e o MapBiomas (ICS, 2023aINSTITUTO CIDADES SUSTENTÁVEIS - ICS. Índice de Desenvolvimento Sustentável das Cidades [IDSC]. 2023a. Disponível em: https://idsc.cidadessustentaveis.org.br/. Acesso em: 15 abr. 2024.
https://idsc.cidadessustentaveis.org.br/...
).

Estes indicadores para cada ODS são descritos detalhadamente em ICS (2023cINSTITUTO CIDADES SUSTENTÁVEIS - ICS. Metodologia: Índice de Desenvolvimento Sustentável das Cidades - Brasil. 2023c. Disponível em: https://idsc.cidadessustentaveis.org.br/methodology/. Acesso em: 15 abr. 2024.
https://idsc.cidadessustentaveis.org.br/...
). O quadro 1 a seguir relaciona os ODS aos eixos temáticos vinculados a eles (Boar et al., 2022BOAR, A.; PINYANA, E. P.; PALAU, E.; OLIVERAS-VILLANUEVA, M. Alternatives to solve SDG trade-offs and to enforce SDG synergies: A systematic literature review. Management of Environmental Quality: An International Journal, v. 33, n. 2, p. 478-493, 2022. https://doi.org/10.1108/MEQ-07-2021-0181
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). Os dados quantitativos para os 100 indicadores disponíveis no Brasil e as metas para cada ODS podem ser encontrados em ICS (2023dINSTITUTO CIDADES SUSTENTÁVEIS - ICS. IDSC - BR: A evolução das 5.570 cidades brasileiras em direção à Agenda 2030 da ONU. 2023d. Disponível em: https://www.cidadessustentaveis.org.br/paginas/idsc-br/Base_de_Dados_IDSC-BR_2023.xlsx. Acesso em: 15 abr. 2024.
https://www.cidadessustentaveis.org.br/p...
). Estes indicadores, no entanto, não constituem a totalidade dos 230 indicadores preconizados na Agenda 2030 em escala global (Pakkan et al., 2023PAKKAN, S.; SUDHAKAR, C.; TRIPATHI, S.; RAO, M. A correlation study of sustainable development goal (SDG) interactions. Quality & Quantity, v. 57, n. 2, p. 1937-1956, 2023. https://doi.org/10.1007/s11135-022-01443-4
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).

Quadro 1
Eixos temáticos vs. ODSs

Como se pôde vislumbrar no quadro anterior, os indicadores de um ODS podem apresentar correlação negativa com os de outro ODS. Desta forma, configura-se um trade-off, indicando que o cumprimento de ODSs relacionado a um eixo pode prejudicar o cumprimento de outro ODS em outro eixo (Boar et al., 2022BOAR, A.; PINYANA, E. P.; PALAU, E.; OLIVERAS-VILLANUEVA, M. Alternatives to solve SDG trade-offs and to enforce SDG synergies: A systematic literature review. Management of Environmental Quality: An International Journal, v. 33, n. 2, p. 478-493, 2022. https://doi.org/10.1108/MEQ-07-2021-0181
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). Um exemplo é dos ODSs vinculados ao Eixo Econômico, que podem prejudicar o cumprimento de ODSs relacionados ao Eixo Meio Ambiente. Especificamente, o consumo e produção responsáveis estão, em geral, negativamente correlacionados com as práticas com menores custos econômicos. Outro caso é o de práticas de agricultura sustentável em pequena escala vs. combate à fome, pois estas práticas possuem menor potencial em escala global, devido ao déficit de produção entre a oferta e a demanda de alimentos.

Outra forma de interação é a sinergia (ibid.), isto é, quando o cumprimento de um ODS auxilia no alcance de metas de outro, por exemplo, como ocorre entre os ODSs dentro do eixo Meio Ambiente. Na visão dos autores, com base num estudo bibliométrico envolvendo 285 artigos das bases Scopus e Web of Science sobre interações entre ODSs, as maiores sinergias ocorrem com base nos ODSs relacionados à qualidade na educação e a energias renováveis, pois estes dois quesitos fomentam o desenvolvimento de todos os outros ODSs. Eles alertam ainda que a tendência nos países é de crescimento dos trade-offs entre os ODSs, sendo necessárias mais pesquisas de forma a desenvolver inovações que propiciem mais sinergias entre eles.

Na visão de Silva et al. (2021SILVA, R. F.; MOURA, L. L.; GAVIÃO, L. O.; PONTES, A. T.; LIMA, G. A. B.; BIDONE, E. D. Interdependências e trade-offs entre os objetivos do desenvolvimento sustentável: avaliação de municípios brasileiros pelas três dimensões da sustentabilidade. Interações, v. 22, n. 2, pp. 637-652, 2021. https://doi.org/10.20435/inter.v22i2.2720
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), a maior dificuldade em termos de cumprimento dos ODSs no Brasil, foi o trade-off das dimensões econômicas e sociais com a dimensão ambiental. Por exemplo, Bento Gonçalves e Lajeado, com bons indicadores econômicos, tiveram queda no seu desempenho devido a seus indicadores ambientais, indo para as últimas posições no ODS geral.

No contexto dos 5.570 municípios brasileiros, de acordo com o ICS (2023aINSTITUTO CIDADES SUSTENTÁVEIS - ICS. Índice de Desenvolvimento Sustentável das Cidades [IDSC]. 2023a. Disponível em: https://idsc.cidadessustentaveis.org.br/. Acesso em: 15 abr. 2024.
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), o que mais cumpriu os ODSs foi São Caetano do Sul-SP, com 63,4%. O que mais teve dificuldade para atingir estas metas foi Buriticupu (MA), com 29,8%. Em média, os municípios brasileiros apresentaram um cumprimento de 46,8% dos ODSs.

No contexto deste artigo, o termo objetivos refere-se aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável como um todo, enquanto metas se referem aos valores-alvo específicos que devem ser alcançados para o cumprimento de um ODS, conforme preconiza MacFeely (2019MACFEELY, S. The big (data) bang: Opportunities and challenges for compiling SDG indicators. Global Policy, v. 10, p. 121-133, 2019. https://doi.org/10.1111/1758-5899.12595
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). O mesmo autor relatou que somente 93 dos 232 indicadores são regularmente coletados por pelo menos metade dos países ao redor do mundo, o que torna impossível mensurar o progresso de forma exaustiva em relação às 169 metas para os 17 ODSs em escala global. Esta escassez de dados, segundo o autor, reflete a falta de acesso de 52% da população global à internet, o que inviabiliza a coleta de dados para os indicadores, de forma ágil e em grande escala.

Conforme se vê na figura 2, a seguir, os municípios com os maiores percentuais de cumprimento dos ODSs se concentram nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, na faixa de 50 a 60% (em amarelo). Praticamente nenhum município brasileiro se encontra nas faixas de 60% e acima (verde claro e verde escuro). Os municípios que enfrentam as maiores dificuldades para o cumprimento dos ODSs estão nas regiões Norte e Nordeste (em vermelho), na faixa de 0 a 40%.

Figura 2
Cumprimento dos ODSs nos municípios brasileiros

A partir do que foi visto nesta seção, há várias oportunidades de melhoria, respeitando-se as diferenças culturais, de forma a promover o Desenvolvimento Humano nas diversas regiões brasileiras. Destaca-se a necessidade de abordagens contextualizadas para a implementação dos ODS, enfatizando a importância de estratégias adaptadas às realidades locais.

Especificamente no Tocantins, predominam os municípios com 40 a 50% dos ODS. Em segundo lugar, em termos de frequência relativa do estado, ficam os municípios pontuando entre 0 e 40% de cumprimento dos ODSs, o que justifica a necessidade de análise estatística que será apresentada na seção a seguir.

Procedimentos metodológicos

O presente estudo, do tipo descritivo e quantitativo, foi realizado utilizando o software estatístico RStudio para avaliar a implementação dos ODSs no MJ. Estas análises incluíram as técnicas de análise de clusters e Matriz de Correlação. Os dados para os 100 indicadores relacionados aos 17 ODSs foram obtidos em ICS (2023dINSTITUTO CIDADES SUSTENTÁVEIS - ICS. IDSC - BR: A evolução das 5.570 cidades brasileiras em direção à Agenda 2030 da ONU. 2023d. Disponível em: https://www.cidadessustentaveis.org.br/paginas/idsc-br/Base_de_Dados_IDSC-BR_2023.xlsx. Acesso em: 15 abr. 2024.
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).

Como forma de implementar a análise, inicialmente, os municípios foram agrupados de acordo com o nível de cumprimento dos ODSs por meio de uma Análise de Clusters Hierárquicos. Em seguida, foi elaborada uma matriz de correlação, de forma a identificar diferenças significativas entre os municípios considerando os diferentes ODSs, de maneira semelhante a Kostetckaia e Hametner (2022KOSTETCKAIA, M.; HAMETNER, M. How Sustainable Development Goals interlinkages influence European Union countries’ progress towards the 2030 Agenda. Sustainable Development, v. 30, n. 5, p. 916-926, 2022. https://doi.org/10.1002/sd.2290
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) e Pakkan et al. (2023PAKKAN, S.; SUDHAKAR, C.; TRIPATHI, S.; RAO, M. A correlation study of sustainable development goal (SDG) interactions. Quality & Quantity, v. 57, n. 2, p. 1937-1956, 2023. https://doi.org/10.1007/s11135-022-01443-4
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).

No caso de ausência de dados em ICS (2023dINSTITUTO CIDADES SUSTENTÁVEIS - ICS. IDSC - BR: A evolução das 5.570 cidades brasileiras em direção à Agenda 2030 da ONU. 2023d. Disponível em: https://www.cidadessustentaveis.org.br/paginas/idsc-br/Base_de_Dados_IDSC-BR_2023.xlsx. Acesso em: 15 abr. 2024.
https://www.cidadessustentaveis.org.br/p...
), foram coletados de fontes oficiais e públicas, como o Atlas de Saneamento Baśico Brasileiro (ANA, 2023AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS - ANA. Atlas Esgotos: Despoluição das Bacias Hidrográficas. Brasília: ANA, 2023. Disponível em: https://arquivos.ana.gov.br/imprensa/publicacoes/ATLASeESGOTOSDespoluicaodeBaciasHidrograficas-ResumoExecutivo_livro.pdf. Acesso em: 15 abr. 2024.
https://arquivos.ana.gov.br/imprensa/pub...
) e a base de informações sobre Saneamento Básico nos Municípios Brasileiros (INFOSANBAS, 2024INFOSANBAS. Informações sobre Saneamento Básico. Belo Horizonte: UFMG, 2024. Disponível em: https://infosanbas.org.br. Acesso em: 15 abr. 2024.
https://infosanbas.org.br...
). Por estes meios, foi possível uma análise detalhada e contextualizada da implementação dos ODS nos municípios do Mosaico do Jalapão, avaliando o progresso alcançado e os desafios a serem superados. Na seção a seguir, são apresentados os resultados e discussão.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Em termos de estatística descritiva, os municípios do MJ, cumpriram, em média, 42,26% dos ODSs. Esta pontuação gerou uma classificação média de 4.243,7 no ranking dos municípios brasileiros, com desempenho considerado baixo (40 a 49,99% de cumprimento dos ODSs).

Na seção a seguir é iniciada a análise com base na técnica dos clusters hierárquicos.

Análise de Clusters Hierárquicos

Considerando que os municípios foram denominados conforme o quadro 2 a seguir, tem-se a análise de semelhança entre eles por meio do dendrograma, utilizando as variáveis disponíveis em ICS (2023aINSTITUTO CIDADES SUSTENTÁVEIS - ICS. Índice de Desenvolvimento Sustentável das Cidades [IDSC]. 2023a. Disponível em: https://idsc.cidadessustentaveis.org.br/. Acesso em: 15 abr. 2024.
https://idsc.cidadessustentaveis.org.br/...
).

Quadro 2
Municípios vs. Códigos utilizados no dendrograma.

Desta forma, o dendrograma se apresenta na figura 3, a seguir, utilizando os códigos do quadro 1 para os municípios do Mosaico do Jalapão. O dendrograma foi elaborado utilizando-se a função hclust (pacote stats) a partir dos dados secundários de ICS (2023aINSTITUTO CIDADES SUSTENTÁVEIS - ICS. Índice de Desenvolvimento Sustentável das Cidades [IDSC]. 2023a. Disponível em: https://idsc.cidadessustentaveis.org.br/. Acesso em: 15 abr. 2024.
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) para os ODSs.

Figura 3
Dendrograma ilustrando a semelhança entre os municípios do Mosaico Jalapão

Conforme visto na Figura 4, o dendrograma auxilia na percepção de quais municípios são mais parecidos entre si em termos dos 17 ODSs. De um modo geral, pode-se então observar que os clusters do gráfico correspondem aos diferentes grupos de desempenho do Tabela 1 a seguir: (1) São Félix do Tocantins, Rio da Conceição e Mateiros; (2) Novo Acordo, Almas e Lizarda e (3) Rio Sono, Santa Tereza do Tocantins, Ponte Alta do Tocantins e Lagoa do Tocantins. A tabela 1 foi elaborada com os dados secundários sobre ODSs constantes em ICS (2023a).

Tabela 1
Municípios vs. ODSs e classificação no ranking nacional

Conforme visto no quadro 2, os municípios semelhantes se agrupam, facilitando a geração de convênios e relações institucionais entre eles. Sintetizando os escores dos ODSs nos municípios do MJ, as melhores pontuações foram nos ODSs: 3 (Saúde e Bem-Estar), 10 (Redução das Desigualdades), 11 (Cidades e Comunidades Sustentáveis), 12 (Consumo e Produção Responsáveis) e 16 (Paz, Justiça e Instituições Eficazes). Os piores desempenhos foram nos ODSs: 4 (Educação de Qualidade), 5 (Igualdade de gênero), 6 (Água Limpa e Saneamento), 9 (Indústria, Inovação e Infraestrutura), 13 (Ação Contra a Mudança Global do Clima), 14 (Vida na Água) e 17 (Parcerias e Meios de Implementação).

Em termos dos eixos temáticos, as médias foram entre 2 (baixo) e 3 (médio) para os eixos social e econômico. A média ficou entre 1 (muito baixo) e 2 (baixo) somente no eixo ambiental. Percebe-se então que os ODSs vinculados à esfera de atuação humana têm melhor avaliação do que os ligados ao Meio Ambiente.

Na seção a seguir, foi analisada a matriz de correlação, de forma a identificar quais variáveis se influenciam mutuamente no caso dos municípios do MJ.

Matriz de Correlação

Para elaborar a matriz de correlação, conforme se vê na figura 5 a seguir, foi utilizada a pontuação geral referente aos 17 ODSs nos municípios do MJ (ICS, 2023dINSTITUTO CIDADES SUSTENTÁVEIS - ICS. IDSC - BR: A evolução das 5.570 cidades brasileiras em direção à Agenda 2030 da ONU. 2023d. Disponível em: https://www.cidadessustentaveis.org.br/paginas/idsc-br/Base_de_Dados_IDSC-BR_2023.xlsx. Acesso em: 15 abr. 2024.
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). Desta forma, foi considerado mais viável realizar as correlações entre os 17 ODSs do que entre os 100 indicadores disponíveis em ICS (2023dINSTITUTO CIDADES SUSTENTÁVEIS - ICS. IDSC - BR: A evolução das 5.570 cidades brasileiras em direção à Agenda 2030 da ONU. 2023d. Disponível em: https://www.cidadessustentaveis.org.br/paginas/idsc-br/Base_de_Dados_IDSC-BR_2023.xlsx. Acesso em: 15 abr. 2024.
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). Alinhado com a visão de Kostetckaia e Hametner (2022KOSTETCKAIA, M.; HAMETNER, M. How Sustainable Development Goals interlinkages influence European Union countries’ progress towards the 2030 Agenda. Sustainable Development, v. 30, n. 5, p. 916-926, 2022. https://doi.org/10.1002/sd.2290
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), foram considerados como sinergias os coeficientes de correlação superiores a 0,5 e como trade-offs entre ODSs os inferiores a -0,5. A análise de sinergias e trade-offs seguiu o modelo adotado por Kostetckaia e Hametner (2022KOSTETCKAIA, M.; HAMETNER, M. How Sustainable Development Goals interlinkages influence European Union countries’ progress towards the 2030 Agenda. Sustainable Development, v. 30, n. 5, p. 916-926, 2022. https://doi.org/10.1002/sd.2290
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) e Pakkan et al. (2023PAKKAN, S.; SUDHAKAR, C.; TRIPATHI, S.; RAO, M. A correlation study of sustainable development goal (SDG) interactions. Quality & Quantity, v. 57, n. 2, p. 1937-1956, 2023. https://doi.org/10.1007/s11135-022-01443-4
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).

Na matriz de correlação da figura 4, as correlações positivas estão em azul e as negativas em vermelho. Como chave para a interpretação, quanto maior o círculo e mais forte a cor, maior o valor absoluto do coeficiente de correlação. Conforme se viu na matriz anterior, não foi possível calcular a correlação para o ODS 14, pois nenhum dos municípios informou às bases empregadas pelo ICS (2023dINSTITUTO CIDADES SUSTENTÁVEIS - ICS. IDSC - BR: A evolução das 5.570 cidades brasileiras em direção à Agenda 2030 da ONU. 2023d. Disponível em: https://www.cidadessustentaveis.org.br/paginas/idsc-br/Base_de_Dados_IDSC-BR_2023.xlsx. Acesso em: 15 abr. 2024.
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) as condições locais de tratamento de esgoto, o que levou à ausência de valores para computar as correlações nesta variável. No entanto, a partir do Atlas sobre esgotamento sanitário no Brasil (ANA, 2023AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS - ANA. Atlas Esgotos: Despoluição das Bacias Hidrográficas. Brasília: ANA, 2023. Disponível em: https://arquivos.ana.gov.br/imprensa/publicacoes/ATLASeESGOTOSDespoluicaodeBaciasHidrograficas-ResumoExecutivo_livro.pdf. Acesso em: 15 abr. 2024.
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), é possível mensurar estas condições na região, conforme quadro 3 a seguir.

Figura 4
Matriz de correlação

Quadro 3
Condições de esgotamento sanitário no Mosaico do Jalapão

Conforme se viu no quadro anterior, pode-se inferir que o ODS 14 se encontra na classificação “muito baixo” (0 a 39,99% de cumprimento da meta) para todos os municípios, devido à virtual ausência de tratamento de esgoto na região.

Nos parágrafos a seguir serão discutidas as sinergias (correlações significativas e positivas) que foram encontradas entre os ODSs no MJ: (a) 1, 10, 11, 16; (b) 2, 12; (c) 4, 6, 13; (d) 7, 9; (e) 15, 17. A classificação para o desempenho no cumprimento dos ODSs pode ser vista na Figura 2 (p. 6) deste artigo.

No caso dos ODSs 1 (Erradicação da Pobreza), 10 (Redução das Desigualdades), 11 (Cidades Sustentáveis) e 16 (Paz, Justiça e Instituições Eficazes), está claro que todos os esforços para a melhora de índices de desigualdade (representados nos ODS 1 e 10) melhoram os índices relacionados à violência, representados no ODS 16. Além disso, esforços comunitários no sentido dos ODSs 1 e 11 promovem a implementação da sustentabilidade nos municípios, conforme Almeida (2022ALMEIDA, F. The Contribution of Local Agents and Citizens to Sustainable Development: The Portuguese Experience. Sustainability, v. 14, n. 19, p. 12696, 2022. https://doi.org/10.3390/su141912696
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) relatou ter ocorrido em Portugal. No caso do Jalapão, este tipo de iniciativa foi relatado em Lindoso e Parente (2015LINDOSO, L. C.; PARENTE, T. G. Ação Coletiva para o Termo de Compromisso na Região do Jalapão-TO: fortalecendo os sistemas de uso comum. Anais… VII ENANPPAS, 17 a 20 de maio de 2015. Brasília: UnB, 2015.).

No tocante à relação entre os ODSs 2 (Fome Zero e Agricultura Sustentável) e 12 (Consumo e Produção Sustentáveis), todos os municípios ficaram com escores na faixa de desempenho alto a muito alto para este indicador. No caso do ODS 2, a maioria dos municípios teve desempenho entre baixo e médio. No caso do ODS 2, o indicador Produtores de Agricultura Familiar com apoio do PRONAF ainda se apresenta em desenvolvimento, com destaque para os municípios de Mateiros, São Félix e Santa Teresa com desempenho alto e muito alto. No entanto, o indicador “Estabelecimentos que praticam agricultura orgânica” do ODS 2 teve pontuação 0 para todos os municípios do MJ.

Por outro lado, no caso dos indicadores do ODS 12 (Consumo e Produção Sustentáveis) somente Santa Tereza do Tocantins e Rio da Conceição estão na faixa ótima de coleta de resíduos sólidos (entre 0,5 e 0,8 kg diários/hab.). Por outro lado, conforme se viu no quadro 3 (p. 11), 7 dos 10 municípios têm este serviço, sem implantação de coleta seletiva em nenhum dos 10 municípios.

No caso da sinergia entre os ODS 4 (Educação de qualidade), 6 (Água Potável e Saneamento) e 13 (Ação Contra a Mudança Global do Clima), todos os municípios tiveram desempenho muito baixo ou baixo nos ODSs 4 e 6. Em termos dos indicadores do ODS 4, todos os municípios tiveram desempenho alto ou superior no acesso escolar à internet. No entanto, somente em Santa Tereza do Tocantins há dependências adequadas a pessoas com deficiência, recursos para atendimento educacional especializado e 100% de professores com ensino superior na Educação Infantil. Mateiros, por outro lado, se destaca com 97% de professores com ensino superior no Ensino Fundamental. Em termos de presença de espaços culturais, São Félix, Rio da Conceição, Santa Tereza, Lagoa do Tocantins, Novo Acordo e Mateiros pontuaram com desempenho alto nesse quesito.

Como pontos negativos do ODS 4 (educação), em termos da população até os 19 anos de idade que concluiu o ensino médio, todos os municípios se situam entre 6,38% e 13,64% de proporção na população. Em termos da Prova Brasil, todos os indicadores foram considerados baixos de acordo com os parâmetros de ICS (2023dINSTITUTO CIDADES SUSTENTÁVEIS - ICS. IDSC - BR: A evolução das 5.570 cidades brasileiras em direção à Agenda 2030 da ONU. 2023d. Disponível em: https://www.cidadessustentaveis.org.br/paginas/idsc-br/Base_de_Dados_IDSC-BR_2023.xlsx. Acesso em: 15 abr. 2024.
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). Além disso, as taxas de analfabetismo variam entre 14,57% e 26,37% nos municípios do MJ.

Ainda no estudo desta sinergia, no caso do ODS6 (Água Potável e Saneamento), São Félix, Novo Acordo, Lagoa do Tocantins, Santa Tereza, Rio da Conceição e Almas tiveram desempenho alto no indicador “População atendida com serviço de água”. No entanto, todos os municípios tiveram desempenho muito baixo em termos de coleta e tratamento de esgoto sanitário (ICS, 2023dINSTITUTO CIDADES SUSTENTÁVEIS - ICS. IDSC - BR: A evolução das 5.570 cidades brasileiras em direção à Agenda 2030 da ONU. 2023d. Disponível em: https://www.cidadessustentaveis.org.br/paginas/idsc-br/Base_de_Dados_IDSC-BR_2023.xlsx. Acesso em: 15 abr. 2024.
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; ANA, 2023AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS - ANA. Atlas Esgotos: Despoluição das Bacias Hidrográficas. Brasília: ANA, 2023. Disponível em: https://arquivos.ana.gov.br/imprensa/publicacoes/ATLASeESGOTOSDespoluicaodeBaciasHidrograficas-ResumoExecutivo_livro.pdf. Acesso em: 15 abr. 2024.
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).

Por outro lado, somente São Félix e Rio da Conceição tiveram desempenho alto no ODS 13 (Ação Contra a Mudança Global do Clima). Todos os municípios estão com excesso de emissões de CO² per capita e metade dos municípios se encontra com excesso de concentração de focos de calor, devido ao alto número de queimadas na região. Como agravante, em todos os municípios há escassez de estratégias de prevenção a desastres naturais. Como pontos positivos, em Ponte Alta, Rio da Conceição, Lizarda e São Félix, o percentual desmatado está abaixo de 5%, o que é considerado um bom desempenho no contexto brasileiro (ICS, 2023dINSTITUTO CIDADES SUSTENTÁVEIS - ICS. IDSC - BR: A evolução das 5.570 cidades brasileiras em direção à Agenda 2030 da ONU. 2023d. Disponível em: https://www.cidadessustentaveis.org.br/paginas/idsc-br/Base_de_Dados_IDSC-BR_2023.xlsx. Acesso em: 15 abr. 2024.
https://www.cidadessustentaveis.org.br/p...
). Considerando a sinergia entre os ODSs 4, 6 e 13, demonstra-se que os indicadores educacionais e de saneamento, mesmo que de forma gradativa, caminham em conjunto com as reduções nas mudanças climáticas, por exemplo, utilizando estratégias sustentáveis na agricultura (Campbell et al., 2018CAMPBELL, B. M.; CAMPBELL, B. M.; HANSEN, J.; RIOUX, J.; STIRLING, C. M.; TWOMLOW, S.; WOLLENBERG, E. L. Urgent action to combat climate change and its impacts (SDG 13): transforming agriculture and food systems. Current opinion in environmental sustainability, v. 34, p. 13-20, 2018. https://doi.org/10.1016/j.cosust.2018.06.005
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).

Os ODSs 7 (Energia Limpa e Sustentável) e 9 (Indústria, Inovação e Infraestrutura) também apresentaram sinergia. No caso dos indicadores do ODS 7, todos os municípios ficaram com acesso à energia elétrica entre baixo (64,46%) e médio (96,25%). Para os proxies do ODS 9 (Infraestrutura), em todos os municípios, há baixo investimento público em infraestrutura e baixa participação de empregos em atividades intensivas em conhecimento. Desta forma, percebe-se que ainda não há uma preocupação no MJ com a infraestrutura, mas já há indícios de avanços em direção à justiça energética. Neste sentido, Lippert e Sareen (2023LIPPERT, I.; SAREEN, S. Alleviation of energy poverty through transitions to low-carbon energy infrastructure. Energy Research & Social Science, v. 100, p. 103087, 2023. https://doi.org/10.1016/j.erss.2023.103087
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) preconizam que estes avanços devem ser medidos em termos de inclusão, equidade e heterogeneidade contextual em termos de acesso à energia elétrica pela população.

No caso dos ODSs 15 (Vida Terrestre) e 17 (Parcerias e Meios de Implementação) também houve sinergia entre indicadores ambientais e sociais, levando os municípios com indicadores mais altos no ODS 17 a melhores indicadores no ODS 15. Em termos de áreas florestadas (ha/hab.), 8 dos 10 municípios tiveram alto desempenho. No caso de existência de Unidades de Conservação, somente Mateiros, Novo Acordo e Ponte Alta tiveram desempenho alto. Em termos de maturidade para captação de recursos para preservação ambiental, somente Almas teve desempenho alto.

Relativamente ao ODS 17 (parcerias), os municípios de Mateiros, São Félix e Lizarda tiveram desempenho alto em termos do total de receitas arrecadadas. Desta forma, corrobora-se que houve a implementação de parcerias público-privado e entre municípios com o objetivo de fortalecer o turismo ecológico na região, o que levou ao incremento no ODS 15, conforme relatado em Tocantins (2019TOCANTINS. Naturatins e Adetuc articulam parceria para ordenamento ambiental e turístico da região do Jalapão. 2019. Disponível em: https://www.to.gov.br/naturatins/noticias/nuratins-e-adetuc-articulam-parceria-para-ordenamento-ambiental-e-turistico-da-regiao-do-jalapao/2yexg7v999es. Acesso em: 15 abr. 2024.
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).

Em seguida, são analisados os trade-offs (correlações significativas negativas) relevantes no MJ: (a) 1, 5, 6, 10, 11, 13; (b) 2, 3; (c) 3, 7, 12 e (d) 8, 9.

No trade-off entre os ODSs ambientais (6 - água potável e saneamento e 13 - ação contra mudanças climáticas) e sociais (1 - Erradicação da pobreza; 5 - igualdade de gênero; 10 - redução das desigualdades e 11 - cidades sustentáveis), observou-se que a pauta ambiental tem mais prioridade que os indicadores sociais nos municípios com as melhores pontuações no ODS geral. Conforme Adhikari et al. (2023ADHIKARI, B; URBACH, D.; CHETTRI, N.; SHARMA, E.; BREU, T.; GESCHKE, J.; FISCHER, M.; PRESCOTT, G.W. A multi-methods approach for assessing how conserving biodiversity interacts with other sustainable development goals in Nepal. Sustainable development. v. 1, n. 1, p. 1-15, 2023. https://doi.org/10.1002/sd.2582
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), este fenômeno ocorre devido à exploração desequilibrada do ecoturismo. Neste tipo de situação, as medidas de conservação do meio ambiente não são pensadas em conjunto com os povos nativos, levando-os a não poderem exercer suas atividades tradicionais para a geração de renda. Como solução, o planejamento da conservação das UCs deve ocorrer de forma coletiva, de forma que os trabalhadores que estão envolvidos em atividades que causam degradação ambiental sejam capacitados para a geração de renda, por meio de atividades econômicas ambientalmente sustentáveis com foco em igualdade de gênero.

Segue agora a análise do trade-off entre os ODS 2 (Fome zero e agricultura sustentável) e 3 (Saúde e Bem-estar) com os ODSs 7 (Energia Acessível e Limpa) e 12 (Consumo e Produção Responsáveis). No caso dos municípios do MJ, todos os municípios estão com pontuação entre baixo e alto para o ODS 3 (Saúde) e alto ou muito alto para o ODS 12 (Consumo e produção responsáveis). Por outro lado, o ODS 2 (Fome zero) está com pontuação entre muito baixo e médio. O ODS 7 (Energia Acessível), por sua vez, possui todos os escores na classificação muito baixo. Desta forma, percebe-se que foram priorizados os indicadores de Saúde e Consumo em detrimento da Segurança Alimentar e acesso à Energia Elétrica. Este fenômeno ocorre principalmente em contextos de baixa renda, em que os trade-offs são maximizados e as sinergias dificultadas, conforme relataram Wei et al. (2023WEI, Y.; ZHONG, F.; SONG, X.; HUANG, C. Exploring the impact of poverty on the sustainable development goals: Inhibiting synergies and magnifying trade-offs. Sustainable Cities and Society, v. 89, p. 104367, 2023. https://doi.org/10.1016/j.scs.2022.104367
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).

No caso do trade-off entre o ODS 8 (Trabalho Decente e Crescimento Econômico) com o ODS 9 (Indústria, Inovação e Infraestrutura), percebe-se que houve investimento dos municípios no Ecoturismo, em detrimento do investimento em industrialização. Isto se corrobora pelos indicadores mais altos no ODS nos municípios que são portais do Jalapão, como São Félix, Mateiros e Santa Tereza.

Conforme se viu ao longo desta seção, os municípios se dividiram em conglomerados agrupados por desempenho nos ODSs, mas pontuaram entre 38,36% e 44,45% no cumprimento geral dos ODSs, o que os situa na faixa de desempenho baixo, em sua maioria (9 de 10 municípios). Os ODSs a melhorar são principalmente os que tiveram desempenho muito baixo para todos os municípios: 9 (Indústria, Inovação e Infraestrutura - Eixo econômico); 14 (Vida na água - eixo Meio Ambiente) e 17 (parcerias e meios de implementação - Eixo Sociedade). Os ODSs que tiveram melhor desempenho foram do eixo econômico: 10 (Redução das desigualdades) e 12 (Consumo e produção responsáveis). Desta forma, deve-se ter o cuidado para que não haja trade-off entre o eixo econômico e os outros, a exemplo do que ocorreu em Bento Gonçalves e Lajeado (ambas no Rio Grande do Sul), conforme visto no referencial teórico. Na seção a seguir, são realizadas as considerações finais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo explorou a implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) nos municípios que compõem o MJ, refletindo sobre os desafios globais do desenvolvimento sustentável na região. Através da nossa análise, identificou-se que, embora haja progressos significativos em algumas áreas, persistem desafios substanciais, particularmente em relação às metas ambientais e sociais.

Comparando os achados com a literatura existente, observou-se uma consonância com estudos similares que indicam a complexidade de implementar os ODSs em níveis municipais, dada a diversidade de contextos e a limitação de recursos. Este trabalho, no entanto, não está isento de limitações. A principal restrição encontrada foi a disponibilidade dos dados, um desafio comum na avaliação dos ODSs em nível municipal.

Diante dessas reflexões, sugere-se como caminho para futuras pesquisas uma análise mais aprofundada dos indicadores dos ODSs que tiveram baixo preenchimento de dados nos pequenos municípios brasileiros, utilizando-se bases de dados oficiais, conforme foi realizado neste artigo. Além disso, estudos futuros podem explorar comparações entre diferentes regiões do Brasil ou mesmo em um contexto internacional, ampliando a compreensão das estratégias de implementação dos ODSs.

Por fim, é essencial destacar a importância de uma abordagem integrada na implementação dos ODSs, considerando as sinergias e trade-offs entre os diferentes ODSs. Recomenda-se que os formuladores de políticas e gestores municipais considerem essas interações ao planejar e implementar iniciativas locais. A cooperação entre diferentes setores e níveis de governo, bem como a participação da sociedade civil, são cruciais para o sucesso na busca por um desenvolvimento verdadeiramente sustentável.

Este estudo reforça a necessidade de um comprometimento contínuo e inovador com os ODS, adaptando-se às realidades locais e aprendendo com as experiências de diferentes comunidades no caminho para alcançar um futuro sustentável para todos. Como sugestões para gestores e stakeholders, propõe-se que os agentes locais sejam capacitados para a compreensão destes indicadores, de forma a nortear políticas públicas, de maneira que os municípios tenham acesso às melhores práticas com vistas ao seu desenvolvimento.

AGRADECIMENTOS

Agradecimento ao Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional pelo ambiente propício à pesquisa e à extensão e pela sua relevância na promoção do Desenvolvimento Socioambiental Sustentável no Tocantins. Agradecemos à CAPES pela bolsa concedida por Viviane Araújo Leal durante seu mestrado.

REFERÊNCIAS

  • FINANCIAMENTO

    Viviane Leal foi bolsista da CAPES durante todo o mestrado. Número do processo: 2019SLR54881.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    25 Set 2023
  • Aceito
    03 Abr 2024
  • Publicado
    13 Maio 2024
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