Resumo
Este artigo visa contribuir para uma redefinição da relação entre a sociologia do trabalho e a teoria social, conectando percepções do marxismo e da teoria do reconhecimento com as da sociologia da cultura. Trabalho está sempre inserido em culturas do trabalho e em uma economia moral e deve ser analisado no contexto de vida no qual pessoas se confrontam com constrangimentos, normas e expectativas sociais e desenvolvem também, nesse trabalho de identidade, as suas orientações de trabalho. Este artigo defende uma referenciação mútua e mais forte entre a sociologia do trabalho e a sociologia da desigualdade social, o que torna necessária a reflexão sobre a importância da concepção de “classe”. O artigo esboça um conceito duplo de classe – no sentido de desacoplar a compreensão deste conceito como contradição entre capital e trabalho daquela de uma categoria sociocultural. Com o “valor social da força de trabalho” propõe-se aqui uma concepção que medeie categorias de reconhecimento e as percepções interseccionais da relação entre capital e trabalho.◊
Palavras- chave sociologia do trabalho; desigualdade social; valor social da força de trabalho; classe
Abstract
This article is a contribution to the attempt at redefining the relationship between work and social theory. It connects insights from Marxism and recognition theory to culture sociology. Work is always embedded within working cultures and a moral economy, so it must be grasped in the life context, on which people are confronted with constraints, norms and social expectations, but also develop, through that work of identification, their work orientations. The article proposes a stronger interconnectedness between sociology of work and the sociology of social inequality, which makes necessary to reflect upon the conception of “class”. The article sketches a double-ended concept of class, in that it detaches it from the usual view of class as contradiction between labour and capital as separated from its understanding as a socio-cultural category. With the idea of “social value of the labour force” it is proposed a mediating conception designed to connect the categories of recognition to intersectional perceptions of the relationship between capital and labour.
Keywords sociology of work; social inequality; social value of the labour force; class
Resumen
Este artículo es una contribución al intento de redefinir la relación entre trabajo y teoría social. Conecta ideas del marxismo y la teoría del reconocimiento con la sociología de la cultura. El trabajo siempre está integrado en las culturas laborales y en una economía moral, por lo que debe ser comprendido en el contexto de la vida, en el que las personas se enfrentan a limitaciones, normas y expectativas sociales, pero también desarrollan, a través de ese trabajo de identificación, sus orientaciones laborales. El artículo propone una interconexión más fuerte entre la sociología del trabajo y la sociología de la desigualdad social, lo que hace necesario reflexionar sobre la concepción de “clase”. El artículo esboza un concepto doble de clase, en el sentido de que separa la visión habitual de clase como una contradicción entre trabajo y capital de su comprensión como una categoría sociocultural. Con la idea de “valor social de la fuerza de trabajo” se propone una concepción mediadora, diseñada para conectar las categorías de reconocimiento con las percepciones interseccionales de la relación entre capital y trabajo.
Palabras clave sociología del trabajo; desigualdad social; valor social de la fuerza laboral; clase
Introdução e observações preliminares
Em geral, a sociologia do trabalho tratou seu objeto, o trabalho, como uma subárea autônoma da sociedade. Isso implicava entender o trabalho como um trabalho remunerado ou assalariado, realizado no seu próprio tempo – o tempo de trabalho – que é separado do resto do tempo de vida como “tempo livre, de lazer” (Freizeit). Bater o ponto e cronometrar o tempo de forma precisa simbolizavam essa separação. Este trabalho assalariado é prestado em espaços próprios, frequentemente em edifícios protegidos do exterior, nas empresas, fábricas e nas administrações. Os trabalhadores são tratados como mão de obra (Arbeitskräfte), que utiliza sua força de trabalho (Arbeitskraft), após sua venda, sob o poder de direção do empregador.1 Consequentemente, a sociologia do trabalho acreditava que poderia analisar o mundo das empresas como um domínio apartado. Nelas os trabalhadores atuam em sua função como empregados e o mundo fora das fábricas desempenha, para as relações laborais, apenas um papel amplamente ignorável. Igualmente, a sociologia das organizações teve como ponto de partida uma clara delimitação a partir do papel da filiação, que permitiu que os membros da organização se vissem apenas enquanto tais e não como sujeitos multifacetados.
Tal perspectiva não é de forma alguma inadequada, pois uma sociedade capitalista moderna é, de fato, caracterizada pela diferenciação funcional do mundo do trabalho, ou seja, da economia, em relação aos outros âmbitos da sociedade e da vida – no nível dos sujeitos. Ao mesmo tempo, essa diferenciação é normativamente ancorada, porque as propriedades pessoais só podem se tornar relevantes na medida em que fizerem sentido para a satisfação de uma função no trabalho e porque o tempo livre deve permanecer livre das competências diretivas dos chefes e das organizações. Só por isso ele pode ser considerado como tempo “livre”.
Contudo, esta percepção sobre o trabalho é, ao mesmo tempo, limitada. Ela abstrai e reduz as pessoas2 a portadoras de uma função em determinados subsistemas. Elas até o são, mas não são apenas isso. Elas vivem sua vida, desenvolvem sua identidade como parte de uma vida diversificada. Elas atravessam as fronteiras dos diferentes subsistemas e se desenvolvem enquanto sujeitos, movimentando-se nas e entre as subáreas e as diferentes exigências, bem como se confrontando com elas. Isto que foi dito aqui no nível micro é válido igualmente para a sociedade, que não se divide e nem se dissolve em subsistemas, mas sim estrutura e integra, por sua vez, a diferenciação funcional dos subsistemas, na medida em que eles se tornam relevantes uns para os outros, seja como acoplamento estrutural (Luhmann, 1998), interpenetração (Münch, 1994) ou como dominância de um subsistema – a economia – no interior de uma diferenciação funcional (Schimank, 2009).
Dominação
Na sociedade capitalista, da mesma forma, a dominação é, consequentemente, diferenciada (differenziert), mas também estruturada e integrada: existe a dominação na empresa, na organização, que – com base no contrato de trabalho formalmente livre e igual – constitui uma dominação legítima, e a autoridade do empregador, ou seja, da organização empregadora, para dar ordens. Tanto seu uso quanto a resistência contrária a ela são objetos da pesquisa sobre o labour process e os conflitos industriais. A categoria do “problema da transformação” se encontra no centro da questão: o capital precisa transformar a mão de obra comprada em força de trabalho efetivamente ativa, no sentido do empregador, a partir de um amplo espectro de métodos. Contudo, essa dominação só pode ser eficaz levando-se em conta que as relações nos mercados de trabalho e as estruturas de desigualdade social na sociedade a ela vinculadas obrigam os/as trabalhadores/as a colocar sua força de trabalho à disposição para os empregadores. Isso pressupõe um tipo de sociedade de mercado, na qual a venda da força de trabalho é a condição para a reprodução da vida daqueles que não dispõem de nenhuma outra fonte de renda relevante, pois as mercadorias de consumo e outros bens, como educação e saúde, somente podem ser adquiridos por meio de pagamento. Nesse sentido, a dominação nas organizações e as estruturas de dominação na sociedade estão entrelaçadas uma com a outra e são o pressuposto uma da outra.
Trabalho e identidade
A isso se adiciona a importância do trabalho para a identidade e para o reconhecimento das pessoas em uma sociedade que se entende como uma sociedade do trabalho. Nesse sentido, a relação de trabalho não é uma relação puramente instrumental de intercâmbio entre força de trabalho e remuneração. O trabalho é, ao contrário, um elemento essencial do sentimento de autoestima, das experiências de autoeficácia, do posicionamento e pertencimento na sociedade e, portanto, da formação do sujeito e da identidade das pessoas. Este reconhecimento na sociedade é simbolizado, de fato, pela remuneração (na “função simbólica do salário”), mas vai para além disso. Ele afeta a formação do status das pessoas, sua impressão de poder contribuir com a sociedade com seu trabalho, de ser uma parte autônoma da sociedade e de provar a si mesmo. A pergunta sobre qual é a importância do trabalho no processo de formação da identidade não está, contudo, claramente definida. Na verdade, ela se desenvolve em processos de socialização, em instituições da sociedade e, não por último, nas culturas do trabalho e da profissão. Nessas culturas, as desigualdades sociais também se manifestam: as dimensões da autoconsciência e vergonha sociais, as experiências de reconhecimento e potência diferenciam-se muito de acordo com a posição no sistema de desigualdade social e com o habitus (Bourdieu) a ela vinculado e desenvolvido em confronto com a situação social. Estes posicionamentos, próprio e alheio, não param frente às organizações do sistema de emprego, mas atravessam também as relações de desigualdade e as formas de ação das pessoas nas organizações e no trabalho.
O conceito geral de trabalho e o trabalho remunerado
Um aspecto essencial das compreensões de “trabalho” determinadas socioculturalmente deve ser salientado em especial aqui: a relação entre trabalho remunerado e as outras formas de trabalho. Entende-se aqui, especialmente, as diferentes formas de trabalho reprodutivo, como o trabalho do cuidado, da educação, saúde, mas também as atividades de engajamento voluntário. Em que medida estas modalidades podem ser compreendidas como “trabalho” é uma questão de definição social, portanto, das culturas do trabalho. Contudo, isto não deve então ser equivocadamente interpretado como algo simplesmente contingente, do ponto de vista socioconstrutivista, já que isso só pode ser compreendido levando-se em conta a manifestação de relações de gênero e suas transformações enquanto relações de desigualdade social entre homens e mulheres. Por sua vez, essas relações também não são historicamente contingentes, mas repousam sobre a relação entre as esferas produtiva e reprodutiva. Regina Becker-Schmidt (2008; Becker-Schmidt; Krüger, 2009), cujos trabalhos são pioneiros para uma sociologia do trabalho de inspiração feminista, fala da “dupla relacionalidade”, a saber, da conexão entre a assimetria das relações de gênero e a assimetria das esferas sociais. Por um lado, os setores que são, para a produção de mais-valor, “meramente” reprodutivos, especialmente o setor do cuidado, estão na sombra dos segmentos produtivos da economia. Esta assimetria de poder e reconhecimento corresponde à estampa de gênero nas duas áreas: ao setor do emprego, que tem conotação masculina, em especial no trabalho produtivo, e à área do trabalho reprodutivo e do cuidado, que tem conotação feminina. Os trabalhos de cuidado são, em grande parte, não pagos, eles se dão no âmbito da família e são vistos socialmente como deveres ou até como necessidades óbvias de mulheres. Eles são (por isso), em regra, mal pagos quando prestados no mercado em troca de remuneração.
A sociologia do trabalho, portanto, desconhece as relações sociais, na crença de poder se concentrar no trabalho, em específico no trabalho remunerado, nas organizações, nos tempos e lugares, nos quais ele é exercido. No entanto, esta sociologia do trabalho se torna igualmente irrealista quando ignora suas estruturas e lógica própria, bem como as dissolve em um conceito indiferenciado e geral de trabalho, pois, fazendo isso, ela se esqueceria que o trabalho em uma sociedade capitalista serve à produção de mais-valor de forma direta, indireta ou mediatamente indireta e que as pessoas também trabalham essencialmente porque precisam adquirir com isso o seu sustento, mediado pelo nexo entre trabalho-dinheiro-mercadoria. Por isso, o trabalho remunerado funciona como uma grandeza de referência também para o trabalho não remunerado. Em um conceito geral de trabalho – que ultrapassa o trabalho remunerado – encontra-se, contudo, também um teor crítico, pois esse conceito torna inteligível o fato de que, neste trabalho que não se reduz à função remunerada, reside um potencial que aponta para além da sociedade do trabalho assalariado.
Na sequência, irei esclarecer, primeiramente, a concepção de culturas do trabalho, o que pode ajudar a incorporar socialmente o trabalho e a força de trabalho. Em seguida, dedicar-me-ei à relação entre trabalho e desigualdade social, discutindo se, e de que maneira, a categoria “classe” pode se tornar profícua. Com a categoria “valor social da força de trabalho”, mostrarei como as relações culturais e de reconhecimento também são eficazes para a dimensão econômica da desigualdade social e para as relações de exploração. Nessa categoria, a interseccionalidade das relações sociais de desigualdade também será tratada economicamente. Ampliarei essas reflexões, então, com algumas observações sobre a dimensão global da desigualdade social. Por fim, mostrarei que, nas organizações, a desigualdade social se reproduz, mas também é modificada.3
Culturas do trabalho
O que se entende como “trabalho”, o que é visto como “bom” trabalho, quais pretensões no trabalho são legitimamente válidas, como a relação entre trabalho remunerado e outras áreas da vida é percebida e avaliada, quais tipos de trabalho proporcionam reconhecimento e quais proporcionam desrespeito são fatores que diferem histórica e culturalmente. O trabalho está inserido nas visões de mundo e nas normatividades sociais.
“Cultura”, aqui, não tem o sentido da representação essencializada de culturas4 que são, por assim dizer, próprias de determinadas etnias. A cultura deve antes ser entendida como um conceito genérico para as representações, sensações/regras emocionais, valores, normatividades e relações de reconhecimento produzidas e formadas em um determinado âmbito (sociedade, classe, milieu, região, profissão e, também, organização). Elas se manifestam em símbolos e coisas, bem como em corpos, designam padrões institucionalizados e são produzidas e reproduzidas em práticas (doing culture, ver Hörning; Reuter 2004; Hillebrandt 2009). As culturas não são fixas, mas surgem e se transformam, ou seja, são transformadas. Elas seguem, por um lado, determinadas dependências de trajetória (Pfadabhängigkeit), uma genealogia histórica. Mas, principalmente, elas são controversas e frequentemente tensas e contraditórias também no interior das culturas.
Há, aplicada ao trabalho e à economia, uma aproximação da noção de “economia moral”, na forma como foi desenvolvida por E.P. Thompson (1980) em sua análise da resistência das camadas baixas na Inglaterra no século XVIII. A economia moral designa o modo pelo qual a ação na economia está integrada às normas morais de justiça e justificação (Bolton; Laaser, 2020, p. 60; Mau, 2004). Ideias adjacentes a essa são a lay morality de Andrew Sayer (2011), a concepção de “reconhecimento” de Axel Honneth (1994) e a noção de “ordens de justificação” de Luc Boltanski e Laurent Thévenot (2007).
As culturas são controversas e são diferenciadas em subculturas de âmbitos e milieus mais ou menos autônomas. Elas fornecem, assim, também a linguagem e as emoções para os confrontos sociais e para as definições de interesses e pretensões. Elas refletem estruturas de desigualdade social, pois não apenas distinguem as valorações, mas também hierarquizam, tal como Bourdieu (1982) mostrou em suas pesquisas sobre as “distinções”. As culturas do trabalho definem trabalhos mais valiosos e menos valiosos, representações de desempenhos (Leistungen)5 mais e menos dignos de reconhecimento, elas definem trabalhos como dirty work, avaliam o trabalho corporal e o “intelectual”, bem como (des)legitimam diferentes interesses. A conotação de trabalhos como “trabalho de mulher” é também culturalmente marcada. E vice-versa, valorizações opostas são formadas e estabilizadas nas culturas dos subalternos: em meios sociais de operários, o trabalho administrativo é etiquetado como aquele feito por “incompetentes”, enquanto o trabalho corporal “duro” é valorizado como trabalho de verdade, que “produz valores” (Popitz et al., 1957).
Desigualdade social
A sociologia do trabalho, enxergando-se como uma sociologia do trabalho remunerado em organizações, trata de questões relativas à desigualdade social, um dos temas mais fundamentais da sociologia, via de regra, no âmbito das organizações do trabalho (Arbeitsorganisationen). A sociologia do mercado de trabalho, que se ocupa das estruturas e mecanismos de acesso ao e saída do emprego, possui, ao contrário, uma conexão muito mais estreita com as questões relativas à desigualdade social também fora das empresas. Contudo, também ela só considera como força de trabalho, em primeiro plano, os/as trabalhadores/as e aqueles/as que procuram emprego (Arbeitsuchende), quando ela inclui em sua função no mercado de trabalho características pessoais e sociais, redes sociais e capital social. Igualmente, a sociologia da desigualdade social se dedica, no entanto, apenas raramente às estruturas e relações em organizações do trabalho. Isso, por um lado, é consequência do enfoque de problemas de pesquisa e campos de investigação, mas é também resultado da união teórica insuficiente entre a sociologia do trabalho e a sociologia da desigualdade social. Este artigo não é o lugar para se apresentar uma solução teórica para este problema. Porém, quero trabalhar com duas categorias que necessitam especialmente de esclarecimento e que serão úteis: a categoria “classe” e aquela do “valor da força de trabalho”.
Classe
O conceito de “classe” é utilizado de formas muito distintas, com diferentes referências teóricas. Uma forma de utilizá-lo converge com Max Weber, e ele pode ser descrito como um conceito econômico que se foca na posição das pessoas frente ao mercado (diferentemente de algo como o conceito de “estamento”). O conceito de classe de Pierre Bourdieu concentra-se igualmente na posição no campo social, contudo, é entendido de forma menos econômica, na medida em que ele inclui os capitais culturais e sociais. Essas concepções têm em comum o fato de não partirem de uma relação dualista de classes, mas de relações de classe mais ou menos complexas. Análises da estrutura de classes como, por exemplo, as de Oesch (2006) e de Erikson e Goldhorpe (1992) são verticais-horizontais e simultaneamente multidimensionais, mas são também orientadas à posição do emprego.
O emprego da categoria “classe” em Marx é heterogêneo. Por um lado, este também utiliza um conceito não dualista de classe, quando distingue, por exemplo no “18 de Brumário” (Marx, 1973), diferentes classes no âmbito da ação política. Por outro lado, contudo, ele usa a categoria classe para marcar a cisão antagônica da sociedade em duas classes: os capitalistas e os trabalhadores e trabalhadoras. Neste caso, no entanto, esses “grupos de pessoas” são, na verdade, os portadores de uma função das lógicas e necessidades econômicas de ação, eles são expressão da “contradição entre capital e trabalho”.
Eu defendo que o emprego do conceito de “classe” no sentido da contradição entre capital e trabalho deva ser analiticamente separado da classificação de pessoas e grupos em classes. Essa separação analítica não exclui o fato de que classificar pessoas ao lado do capital e ao lado do trabalho corresponda à realidade em determinadas fases históricas. Em todo caso, porém, a sociedade presente difere consideravelmente daquelas que Marx tinha em vista em seu tempo e no seu prognóstico de um agravamento do antagonismo de classes. Em primeiro lugar, o lado do “capital” se diferenciou em grupos funcionais de proprietários e donos de capital (proprietários-empresários, bem como acionistas e fundos de ações e de outros investimentos, que são atores corporativos que possuem, eles mesmos, os mais diversos grupos de pessoas como clientes ou interessadas), de altos executivos (que não precisam ser, eles próprios, donos de capital, mas [podem] vender sua força de trabalho) e de outros portadores de funções nas organizações. Em segundo lugar, entre os trabalhadores (trabalhando corporalmente) e os “capitalistas” surgiu um grupo de prestadores de serviços (empregados - Angestellten) em constante expansão, que vendem sua força de trabalho como uma mercadoria, mas se distanciam dos “trabalhadores” e foram cada vez mais os substituindo. Em terceiro lugar, o “proletariado” se expandiu para o setor de serviços, no qual portanto se formou como um “proletariado de serviços” (Bahl, 2014), um grupo subalterno, de trabalhadores precarizados e mercantilizados que, contudo, não têm a chance de desenvolver o “orgulho dos produtores”.6 Por fim, em quarto lugar, há em muitos países, em especial, mas não apenas, naqueles do “sul global”,7 um grande setor de trabalho informal, no qual, embora formalmente não ocorra a venda da mercadoria força de trabalho (na medida em que não se assina qualquer contrato de trabalho regular), esta é factualmente vendida de modo aparentemente autônomo ou, ainda, é oferecida no “mercado” prestações de serviços ou produtos do trabalho por pessoas que não possuem outra coisa senão a sua força de trabalho. Considerar este tipo de venda de (força de) trabalho como uma “empresa” só seria possível com considerável negação da realidade ou com cinismo.
Estes desdobramentos tornam nítido o fato de que o critério da “venda da mercadoria força de trabalho” não é (mais) apropriado para delimitar claramente a fronteira entre trabalhadores e donos dos meios de produção. É verdade que se poderia resolver um pouco melhor o problema, se se definisse o trabalhador não através da venda jurídico-formal da força de trabalho, mas sim através da dependência elementar de pessoas à venda da sua força de trabalho. Assim se esboçaria sem dúvida uma noção gradual (maior ou menor dependência), que não seria uma concepção dual-antagônica de classe.
Contradição entre capital e trabalho
A contradição entre capital e trabalho não foi, com isso, de forma alguma anulada. O capital está orientado à valorização do valor, a força de trabalho está orientada à sua reprodução e à apropriação de seu contexto de vida (não somente a ser força de trabalho). Para os trabalhadores assalariados, trata-se, na “perspectiva da força de trabalho”, da capacidade de venda da força de trabalho a longo prazo (Schumann et al., 1982); já na “perspectiva do sujeito”, trata-se de se colocar no trabalho enquanto pessoa, de passar pela experiência de reconhecimento e de sentido no trabalho. Além disso, na perspectiva do sujeito, trata-se também do contexto de vida, da “diversidade da existência social” (Hürtgen; Voswinkel, 2014), ou seja, da inserção significativa do trabalho assalariado em outras formas de trabalho, no contexto da família, das amizades ou dos hobbies, ou seja, trata-se da identidade complexa e dinâmica dos trabalhadores e trabalhadoras. A contradição entre capital e trabalho é, no âmbito social, assimétrica; afinal, o princípio da valorização do capital domina, pois os trabalhadores assalariados são dependentes das possibilidades de trabalho e do dinheiro nele recebido para poderem satisfazer suas necessidades.
A contradição capital-trabalho atravessa a economia e o trabalho, mas o simples agrupamento de pessoas a um dos lados da contradição não é (mais) inequivocamente possível. Antes, a contradição atravessa também os sujeitos enquanto conflito entre diferentes interesses e necessidades, bem como enquanto exigências de ação constantemente paradoxais dele resultantes (Voswinkel, 2022). É claro que a manifestação e o sopesamento concretos dessas contradições no sujeito distinguem-se de acordo com a situação social, mas também de acordo com a inserção cultural, familiar e biográfica. As contradições no sujeito assalariado saltam especialmente aos olhos quando trabalhadores/as, enquanto possuidores de ações da empresa em que estão empregados, estão interessados em poupar postos de trabalho, mas, por outro lado, enquanto empregados, estão interessados em receber seu sustento. Porém, também de forma mais elementar, os/as trabalhadores/as têm, em razão de sua dependência salarial, por um lado, o interesse no sucesso da empresa e, por outro lado, um interesse na melhor venda possível de sua força de trabalho.
A contradição entre capital e trabalho deve ser diferenciada da oposição entre “pobre” e “rico”. O desenvolvimento da concepção marxiana consiste (diferentemente das compreensões populares cotidianas), particularmente, em separar analiticamente a diferenciação entre capital e trabalho daquela entre “rico e pobre”. A dualidade entre “pobre” e “rico” não tem relação com a dinâmica e a lógica da produção e é uma noção, no fim das contas, gradualista. Por outro lado, “a oposição entre capital e trabalho”, de acordo com a análise semântica de Luhmann (1989, p. 161) “serve para identificar as classes sociais, pois ela cria dicotomias mais fortes que a diferenciação entre rico e pobre, com seus muitos degraus intermediários”. O “rico” e o “pobre” correspondem também, bem vagamente, ao critério da relação com os meios de produção. Com isso não se quer dizer que a diferenciação entre rico e pobre, por sua vez, não possa ser politicamente ou sociologicamente significativa e eficaz para o conflito, contudo, ela não coincide com aquela diferença entre capital e trabalho.
Exploração
A partir dessas reflexões, segue-se que a noção de exploração, que é central para a relação de classes, deve ser apreendida de uma determinada maneira. Em uma compreensão clássica, “exploração” quer dizer a apropriação do mais-produto pelo capital, o qual resulta daquele trabalho que vai além da parte necessária para a reprodução do valor da força de trabalho. No entanto, o problema seria realmente o fato de que trabalhadores e trabalhadoras não recebem aquilo que produzem para além dos custos da reprodução de sua força de trabalho? Já na “Crítica do programa de Gotha”, Marx (1962, p. 18 s.) apontava que, em uma sociedade comunista, os recursos necessários à substituição dos meios de produção, para investimentos adicionais, custos de administração, para seguros e – como se diria hoje – programas de transferência social, bem como todo o dispêndio de impostos com infraestrutura e com serviços públicos de interesse geral, deveriam ser deduzidos do produto total, antes da distribuição dos resultados do trabalho. Dito de outro modo: a maior parte da mais-valia não serviria à riqueza privada do capitalista.
Na compreensão clássica de “exploração”, encontramos uma sobreposição, de um ponto de vista teórico, da estrutura e do poder com a relação entre pobreza e riqueza. O ponto decisivo da relação de exploração entre capital e trabalho não é a distribuição injusta (que enquanto tal deve ser, de um ponto de vista normativo, naturalmente criticada e ser causa de conflitos), mas sim a circunstância de as decisões sobre a utilização do mais-produto e, com isso, sobre a política das empresas e as condições de trabalho (em um sentido amplo), serem tomadas de maneira privada – e isso não significa que sejam tomadas por uma pessoa privada, mas sim por um lado da relação entre capital e trabalho. Já que no capital o papel da direção da produção está conectado com a exclusão do lado do trabalho em relação à disposição sobre o mais-produto, trata-se de uma apropriação privada e, nesse sentido, de uma exploração.
A separação entre a relação de classes no sentido da contradição entre capital e trabalho, enquanto oposição de interesses e lógicas que podem se manifestar como contradições no sujeito, por um lado, e a “classe” enquanto categoria socioestrutural, por outro lado, não limita o entendimento do antagonismo de classes e nem suaviza a representação de antagonismos. Quando a perspectiva do trabalho se relaciona não apenas à “perspectiva da força de trabalho”, da resistência contra a exploração na produção, mas também às pretensões de vida dos/as trabalhadores/as, então a compreensão do antagonismo de classes pode ser, na verdade, ampliada para o contexto de vida e, com isso, para o contexto social.
Classe e milieu
Pode-se, de uma forma analiticamente diferenciada da contradição entre capital e trabalho, falar de “classe”, no sentido de Bourdieu (1985), para conceituar “classe” como uma combinação estruturada de diferentes tipos de capital (estrutura de capital e volumes de capital). Com o emprego do conceito de “classe” são enfatizadas as divisões, demarcações e oposições na sociedade. Falar de “classe” facilita pensar em relações e posições complementares no espaço social, ao invés de evocar uma imagem de “camadas”, umas sobre as outras, de diferentes características de grupos. Portanto, este conceito não é mais puramente econômico, se, com a inclusão do capital “cultural”, o sentido da cultura se torna relevante para a estrutura de classes, assim como ele se remete, com o capital “simbólico”, também às relações de valoração (Wertigkeit) e de reconhecimento na sociedade.
Tal conceito de “classe” se aproxima do conceito de “meio social” (milieu), contanto que se tome este conceito não como uma categoria pura de estilo de vida. Se se entende “meio social” como comunidade culturalmente formada por um habitus, então aqui se insere referência à base de classe do habitus. A “classe” articula o lado do status e o lado dos recursos, além de enfatizar a superioridade e subordinação. Já o “meio social” articula mais a formação da estrutura sociomoral e cultural baseada nas estruturas de classe. Meios sociais são formações de identidade comum através de semelhantes interpretações, valorações, orientações políticas baseadas em recursos condicionados pelas classes, restrições e posições. Classes, naturalmente, são significativas não apenas na sociedade, mas também nas organizações do trabalho; porém não como simples agrupamento das pessoas e posições na contradição entre capital e trabalho. As instituições e orientações culturais de “meios sociais” também são relevantes nas fábricas e organizações, exatamente porque os empregados atuam não somente como mera mão de obra nas organizações do trabalho, mas também como seres humanos com suas identidades e com a diversidade de sua existência social.
O valor social da força de trabalho
Quando enfatizo aqui a importância de culturas (do trabalho), de economias morais ou de ordens de justificação e reconhecimento, bem como de meios sociais, isso não significa de forma alguma que essas abordagens se oponham à esfera econômica, como se fossem uma segunda esfera, independente dela. Isso ocorre frequentemente quando categorias como “cultura” e “reconhecimento” são confrontadas à situação econômica e material ou aos “interesses” materiais (sobre isso ver Voswinkel, 2012) e quando (como sugere a discussão entre Nancy Fraser e Axel Honneth, 2003) se defende uma alternativa entre lutas por distribuição e por reconhecimento. Uma distinção fundamental parece ser se nos confrontos sociais se trata de questões de distribuição ou de conflitos culturais, étnicos, religiosos, relacionados a gênero ou a orientações sexuais, por reconhecimento e identidade. De fato, os conflitos sociais são, em regra, de acordo com a tese aqui defendida, tanto lutas por distribuição quanto por reconhecimento.
A conexão entre economia e “cultura” eu expresso aqui na categoria do “valor social da força de trabalho”. Essa conexão recorre à categoria do “valor da força de trabalho” de Marx. De acordo com ele, o valor da força de trabalho é “determinado, como o de todas as outras mercadorias [...], pelo tempo de trabalho necessário para a produção, portanto, também para a reprodução deste artigo específico” (Marx, 1971, p. 184). Estes custos necessários de reprodução não devem ser entendidos como um mínimo fisiológico, mas sim como históricos e normativos: “Ao contrário das outras mercadorias, a determinação do valor da força de trabalho contém, assim, um elemento histórico e moral” (p. 185) A categoria do “valor social da força de trabalho” adere, então, a esta concepção e expande o “elemento historicamente moral” à teoria do reconhecimento e da legitimação. Aquilo que é socialmente aceito e normativamente reivindicado como “necessário” para a reprodução da força de trabalho não é dado naturalmente, mas sim determinado por construções culturais e sociais, que, por sua vez, são sempre o resultado de confrontos sociais e relações de poder. Entendido dessa maneira, o “valor da força de trabalho” não é uma categoria simplesmente econômica, mas sim uma categoria social.
O próprio Marx é um exemplo de como as concepções culturais e históricas de trabalho, força de trabalho, família e relações de gênero adentram no valor social da força de trabalho. Quando ele se refere à “diferença de natureza” da força de trabalho, “se ela é masculina ou feminina, madura ou imatura” (p. 542), e quando vê que o valor da força de trabalho é determinado “pelo tempo de trabalho necessário para o sustento da família da classe trabalhadora” (p. 517), ele toma como base – como um filho de seu tempo – determinadas relações de gênero (aqui, a família sustentada por uma só pessoa) e determinadas representações do “trabalho natural da mulher”.
Formulado de maneira geral: há, nas sociedades, um padrão daquilo que, para determinados grupos de pessoas, é reconhecido como uma recompensa financeira adequada e correspondente ao status. Esses padrões são, sem dúvida, altamente controversos, são objeto de lutas por reconhecimento. Contudo, eles se baseiam, ao mesmo tempo, em padrões institucionalizados de estima daquilo que, para determinados grupos de pessoas, é reconhecido como uma recompensa adequada e correspondente ao status. Eles são diretamente relevantes, tanto economicamente quanto para a teoria distributiva. Se se compreende aquilo que é “necessário” para a reprodução da força de trabalho como aquilo que é considerado, em uma sociedade, como “adequado” para a reprodução de uma determinada força de trabalho, como algo digno dela e que ela pode reivindicar de forma legítima, então ganhamos uma versão de teoria do reconhecimento do valor da força de trabalho em um sentido mais amplo. Com isso, o valor da força de trabalho reflete desde sempre as relações de reconhecimento, as estimas, em relativa transformação, das qualificações, estilos de vida, formas de trabalho e, assim, culturas do trabalho. Avaliações sociais são, portanto, diretamente relevantes para a valorização (verwertungsrelevant). Não é possível separar reconhecimento e distribuição.
O valor social da força de trabalho é, com isso, ao mesmo tempo, também um objeto de lutas por distinção e de estratégias de exclusão social (soziale Schließung).8 Isso já se mostra desde a definição do que é considerado uma qualificação e, assim, como um trabalho “complicado” em contraste com o trabalho “simples” (Marx, 1971, 211 s.). Obviamente, o valor das qualificações não pode ser mensurado de acordo com o tempo de trabalho que precisou ser investido em sua aquisição, como demonstram, por si mesmos, os diferentes retornos financeiros em tempos de cursos para diferentes graus acadêmicos. Antes, as atribuições sociais de valorações estão conectadas ao reconhecimento de algo como qualificação. Essas atribuições são frequentemente generificadas, sendo as qualificações consideradas como tipicamente femininas menos reconhecidas como tais, já que são vistas como capacidades praticamente “naturais” de mulheres (em especial as atividades de cuidado – care – e atividades próximas ao contexto doméstico). Porém, também as qualificações acadêmicas e profissionais são diferentemente valorizadas e essas avaliações diferem com frequência conforme a cultura e as especificidades do país e conforme as dependências de trajetória, tais como a importância do status do funcionário público e o papel social do serviço público, ou o cumprimento do padrão da relação típica de trabalho9 e da “propriedade social” (Castel, 2000) estabelecida pelo Estado de bem-estar social. O valor social da força de trabalho é, além disso, influenciado por processos de institucionalização, como a exitosa profissionalização de ocupações. Aqui, fica clara a importância do poder organizacional e dos processos de exclusão social.
Marx distingue os valores das mercadorias de seus preços. Estes últimos oscilam de acordo com a proporção de oferta e demanda, da escassez no mercado de bens (Marx, 1970, p. 200 ss.). Consequentemente, os salários, enquanto preços da mercadoria força de trabalho, também se desviam dos valores, conforme sua oferta e demanda no mercado de trabalho. As remunerações reais resultam, nesse sentido, não apenas do valor social da força de trabalho, mas também das relações de escassez e da capacidade dos trabalhadores assalariados de se impor e se organizar. Também são essenciais as condições gerais da política social estatal, da organização do Estado social, em especial do seguro-desemprego e muitos outros fatores que influenciam os recursos de poder dos trabalhadores. Os preços da força de trabalho são, portanto, determinados não somente pelos custos de reprodução da força de trabalho e pela determinação social de sua respectiva adequação, mas também por fatores sistêmicos e por relações de poder.10 A economia e a normatividade, ou seja, as relações de reconhecimento, encontram-se, assim, interrelacionadas. Não apenas as relações de reconhecimento influenciam a economia (enquanto valor social da força de trabalho), mas também a economia marca as relações de reconhecimento – porque o montante da renda e da demanda por cada força de trabalho tem, por sua vez, influência sobre sua estima social. A remuneração não é apenas um símbolo de reconhecimento, mas é, ela mesma, uma causa de reconhecimento. Essa relação entre economia e reconhecimento deve ser complementada por uma forma de reconhecimento de tipo moral. Essa forma de reconhecimento é frequentemente manifestada exatamente em relação àqueles trabalhos que não resultam em renda ou status e que, contudo, são tidos na sociedade como altamente valorosos em termos morais – muitas vezes exatamente porque eles são considerados como altruístas ou como um sacrifício: os trabalhos do cuidado e o trabalho voluntário são exemplos disso (Voswinkel, 2021b). Não é coincidência que se trate aqui, frequentemente (mas nem sempre), de trabalhos conotados como femininos. A discussão na crise da Covid-19 em torno da “relevância para o sistema” (Systemrelevanz) de trabalhos que foram aplaudidos, mas não foram valorizados economicamente, também é característica disso. Enfatizo isso aqui, para evitar o erro de dizer que o reconhecimento – proporcionado pelo valor social da força de trabalho – teria em geral um efeito econômico. Ao contrário, existe uma tensão entre diferentes dimensões do reconhecimento e a recompensa material dos trabalhos.
Valor social da força de trabalho e a interseccionalidade da desigualdade
Até aqui, concebi o valor social da força de trabalho como uma categoria de intermediação entre a determinação econômica do valor da força de trabalho e a avaliação cultural de categorias de forças de trabalho, bem como suas características. Uma outra possibilidade consiste em entendê-lo como uma conexão entre diferentes dimensões de desigualdade – passando por classes sociais, gêneros, raças, pertencimentos étnicos ou orientações sexuais, além de idade, origem imigrante (Migrationshintergrund) (ou seja, já estabelecidos e desviantes) e outras categorias de características. A concepção de “interseccionalidade” compreende a sociedade como uma conexão de múltiplas estruturas de desigualdade (Klinger; Knapp, 2007; Lenz, 2010). Qual delas é mais central ou menos central para uma determinada perspectiva é uma decisão que não está tomada de antemão. Não se trata, pois, de uma conexão entre contradições principais e secundárias. As estruturas de desigualdade interseccionais estão ligadas a discriminações específicas: as centrais são o classismo, o sexismo e o racismo. Todas essas estruturas de desigualdade se manifestam no valor social da força de trabalho. Isso não significa que a dimensão econômica seja vista como a dimensão central, mas sim que o valor social da força de trabalho é a expressão econômica das diferentes dimensões de desigualdade, de discriminação, ou seja, de desvalorização, e afeta a exploração econômica. Assim, sob as condições de uma desigualdade estruturada de modo racista, o valor social da força de trabalho de pessoas negras é tendencialmente inferior que o de pessoas brancas. O resultado disso é que as chances de remuneração e ascensão de pessoas negras são menores. Isso pode não somente levar a uma desvantagem direta no mercado de trabalho, mas se reflete, antes, já nas piores chances de formação, de tal modo que o valor da força de trabalho também fica menor em relação à qualificação. É possível que as condições ruins de moradia tragam consigo efeitos estigmatizantes também na procura de emprego. Junto a isso há danos no sentimento de autoestima de pessoas discriminadas, que se manifestam, por sua vez, até mesmo no habitus e na aparência daqueles afetados. Os processos de inferiorização racista do valor social da força de trabalho têm, portanto, vários níveis e não se dão somente de forma direta, mas também indireta. Desse modo, os processos complexos de desrespeito e estigmatização têm um efeito econômico redutor do valor.
Podemos dizer algo semelhante sobre o desfavorecimento da força de trabalho feminina. Encontramos, também neste caso, desvantagens diretas. Entretanto, as desvantagens mediadas são as mais importantes: pela definição de trabalhos como “trabalho de mulheres”, portanto como um trabalho específico, que é especial em um sentido visto, na maioria das vezes, como negativo. Muitas competências que são relevantes para o “trabalho de mulheres” (empatia, competência social, zelo etc.) são enxergadas principalmente como capacidades “naturais” de mulheres, capacidades que não necessitam de uma formação especial e, nessa medida, não são consideradas como “qualificações” adquiridas. Além disso, as autoprivações, enquanto formas aprendidas de comportamento “feminino”, desempenham aqui também uma função.
Por outro lado, ocorrem processos de exclusão social. Aqueles que são favorecidos nas relações de desigualdade, por exemplo por raça e gênero, desenvolvem um interesse em reforçar esta posição, não apenas para continuar tendo preferência nas relações de reconhecimento, mas também porque isso traz consigo vantagens econômicas. De sua perspectiva, o pagamento mais baixo a pessoas discriminadas é, de um lado, uma proteção de seus próprios privilégios (remuneração, segurança de emprego, posição hierárquica), mas também uma proteção contra a concorrência para redução salarial, contra o achatamento salarial (Dumpinglöhnen) e, com isso, contra a possibilidade de colocar o posto de trabalho em risco também para os “privilegiados”. Se suas condições de trabalho são entendidas como normais e adequadas (e com razão, pois o discurso em torno dos “privilegiados” oculta a relação de desigualdade frente aos realmente mais abastados e a exploração pelo capital), então o pior salário a pessoas discriminadas representa também um perigo, pois o capital tem um interesse no achatamento salarial, para reduzir o valor total da força de trabalho por um lado, mas também para colocar as reivindicações dos menos discriminados sob pressão. As diferenciações nos valores sociais da força de trabalho são, portanto, sempre um fator de divisão (intencional ou resultante) dos assalariados e um instrumento de dominação do capital. As mudanças nas relações de desigualdade racistas, sexistas etc., são, assim, também um instrumento para o combate das divisões internas entre os assalariados. Com isso fica claro que o antirracismo e a promoção das mulheres só estão superficialmente (e talvez por pouco tempo) em conflito com os confrontos de classes.
O valor social da força de trabalho e a desigualdade social global
A reflexão, até agora, partiu do pressuposto de uma sociedade (nacional) em grande parte fechada. Contudo, o capitalismo moderno e as desigualdades sociais em um mundo global devem ser contemplados no mínimo também a partir de uma perspectiva global. Isso se refere tanto à sociedade mundial quanto aos conglomerados que operam transnacionalmente, bem como a uma classe de assalariados que é composta de trabalhadores de diferentes origens e que é constantemente reconfigurada pelos processos migratórios.
Nessa perspectiva, a importância do valor social da força de trabalho se torna ainda mais clara, pois fica nítida, sobretudo, a relevância das diferentes culturas do trabalho, das dependências de trajetória institucionais, das valorizações ou desvalorizações e das distintas formas e graus de dependência da venda da força de trabalho para as relações de exploração e de poder entre capital e trabalho. Em diferentes países distinguem-se substancialmente as relações de trabalho, a avaliação de desempenhos que devem ser reconhecidos, os tipos de benefícios sociais estatais e as relações industriais. Contudo, a globalização e a migração não apenas tornam essas diferenças nítidas, mas também trazem consigo transformações, pois as diferentes pretensões e culturas do trabalho influenciam umas às outras. Tornam-se relevantes, ao mesmo tempo, as regulamentações supranacionais, tais como aquelas que se desenvolvem na União Europeia, mas também aquelas que (ainda muito insuficientemente) são (deveriam ser) implementadas por ONGs na forma de padrões sociais em cadeias de produção de valor (Pries, 2010). A abertura através dos e para os processos migratórios é acompanhada, no entanto, por formas de exclusão social. Isso diz respeito a economias nacionais inteiras, no sentido de medidas protecionistas, mas também às tentativas de defesa ou discriminação de trabalhadores e trabalhadoras imigrantes. Os “nativos” têm receio da concorrência de imigrantes, os quais, por sua vez, passam por experiências de discriminação, estão expostos a reações racistas e vivenciam a segregação. Eles são frequentemente aproveitados por empregadores também para reduzir os custos totais da força de trabalho e colocar os “nativos” sob a pressão da concorrência. Defronta-se com isso colocando a força de trabalho imigrante, no sentido de uma “subclasse”, nas posições mais baixas. A essa situação se opõem não apenas suas pretensões de igualdade de tratamento, mas também os interesses do capital em utilizar o “capital humano” dos/das imigrantes, motivo pelo qual suas possibilidades de formação e de ascensão são, às vezes, inclusive fomentadas. Portanto, as constelações de interesses e as políticas são, por todos os lados, complexas e contraditórias. Disso resultam novas constelações políticas, com uma importância crescente, também entre os assalariados, do populismo de direita, o qual propaga exclusões sociais. Trata-se nesses confrontos também das negociações do valor social das diferentes categorias de força de trabalho.
Assim, a sociologia do trabalho e da desigualdade deveriam considerar a desigualdade social como uma desigualdade global (Weiß, 2017). Nesta altura, só se pode falar disso como uma necessidade que ainda não ganhou muita atenção da sociologia do trabalho. A desigualdade social global de forma alguma se expressa apenas nas diferenças de renda e de padrão de vida entre os países. Mais do que isso, as desigualdades internas são substanciais na maioria dos países. Não se confronta simplesmente o “norte global” ao “sul global” – também nos países do Atlântico Norte a economia, o mundo do trabalho e a sociedade são, como naqueles do “sul global”, igualmente fragmentadas e estruturalmente heterogêneas (Hürtgen, 2015). Ao mesmo tempo, com as mobilidades globais do trabalho e do capital, intensificam-se as interações entre as respectivas classes sociais no nível transnacional. Com isso, transformam-se de tal maneira os horizontes de comparação e os quadros de reivindicação dos sujeitos que circunscrever o pensamento às fronteiras nacionais se torna cada vez mais inadequado (Milanović, 2016).
Na interação e na perspectiva global, distintos valores sociais da força de trabalho, portanto, deparam-se uns com os outros. A origem nacional e regional, ou seja, a localização da força de trabalho se torna, por sua vez, uma dimensão do valor social da força de trabalho, mesmo que seja porque os horizontes de comparação dos/das (potenciais) imigrantes têm as condições tanto dos países de origem quanto dos potenciais países de destino.
A comparação internacional pode ajudar a tornar compreensíveis os contextos de desigualdade social e as culturas (regionais) do trabalho, bem como as dependências de trajetória. Assim como Simim (2023) mostra, os trabalhos manuais e serviços “simples” no Brasil são menos estimados que na Alemanha, o que poderia ser atribuído, entre outros fatores, à maior integração de ocupações sem qualificação formal nas estruturas de grande empresa do fordismo na Alemanha, ou também à história de desrespeito de atividades simples e racializadas na esteira da escravidão de longa duração no Brasil. Souza chama atenção para como a dignidade humana no Brasil é negada a grandes grupos populacionais e como esses incorporam essa degradação em suas identidades (Rehbein; Souza, 2014, p. 195 ss.). Em relação ao setor de TI indiano, Mayer-Ahuja (2014) mostra que um outro entendimento de tempo de trabalho (uma mistura mais forte do tempo de trabalho com as atividades reprodutivas e lúdico-comunitárias), baseado em uma outra divisão do trabalho familiar e na transferência, difundida na classe média, de muitas atividades reprodutivas a empregados, possibilita a falta de limites aos tempos de atendimento e jornadas de trabalho de trabalhadores homens no setor de TI. Como resultado, essa compreensão distinta de tempo de trabalho facilita a cooperação entre especialistas de TI alemães e indianos no âmbito da deslocalização (offshoring) do trabalho, pois na Índia é mais comum trabalhar também noite adentro. Aqui fica clara qual importância, para o trabalho, deve ser atribuída às longas dependências de trajetória históricas, às ordenações de gênero e às relações racistas.
Desigualdade social e sua tradução em organizações
A dominação e a desigualdade social existem no nível da sociedade, mas naturalmente também nas empresas e organizações. É certo que sua manifestação aqui é sim dependente e marcada pelo nível da sociedade, mas também é modificada em relação a ela. A desigualdade social é traduzida nas organizações e é lá estruturada de uma forma específica. E as estruturas hierarquicamente desiguais em empresas e organizações repercutem, por sua vez, nas relações sociais de desigualdade.
Por um lado, as organizações do trabalho se baseiam nas desigualdades sociais. Isso se mostra em suas estratégias de recrutamento de pessoal. Para isso, elas usam as instituições de ocupações e profissões, tentam identificar os recursos e capacidades dos candidatos, que também são formadas essencialmente fora das organizações, e seu habitus. Nessa medida, elas reproduzem as estruturas sociais de desigualdade. Fazendo isso elas põem em prática também os padrões sociais de legitimação, tais como o respectivo tipo de princípio do mérito (Leistungsprinzip), as culturas do trabalho, a interseccionalidade das estruturas de desigualdade e, por conseguinte, também os valores sociais da força de trabalho, em prol da otimização de sua estrutura de custos.
Contudo, elas também a transformam, em certa medida. Pois avaliam, por exemplo, as qualificações e competências tendo em vista suas próprias necessidades e lógicas de decisão. Assim é que algo como a compreensão de desempenho em empresas se encaixa no padrão empresarial de avaliação do trabalho e do mérito (Leistungsbewertung). Nessas empresas, os critérios de concepções de justiça internas frequentemente têm importância – comparados com as atividades nas relações de hierarquia, concorrência e cooperação empresariais. Os degraus da ascensão servem também para o vínculo com as organizações e são feitos levando isso em conta. Sendo assim, as relações sociais e laborais no interior das organizações não são formadas simplesmente a partir do padrão dos mercados e não reproduzem simplesmente as estruturas de desigualdade na sociedade e no mercado de trabalho. As organizações criam, assim, seus próprios critérios sobre o que deve ser visto como desempenho e como uma contribuição para o sucesso da empresa. As possibilidades da carreira devem possibilitar vínculos de longo prazo e, portanto, são dispostas tendencialmente a uma maior duração, de tal forma que, por exemplo, a duração do pertencimento à empresa, mas também as redes de pessoas, tornam-se relevantes para determinar qual posição os empregados ocupam na estrutura de desigualdade intraorganizacional. Nas organizações, pode-se desenvolver uma política social própria e, ocasionalmente, as regulações e mecanismos participativos intervêm nos tipos de desigualdade social (Voswinkel; Wagner, 2014; Kratzer et al., 2019). Assim “a gestão de recursos humanos (human resource management) empresarial [tem], como um todo, funções e implicações reguladoras de desigualdade, classificando, selecionando e hierarquizando” (Menz; Nies, 2018, p. 126). Os planos de incentivo às mulheres, as regulações de cotas e as políticas de diversidade das organizações podem contribuir com a melhora na igualdade de oportunidades para as mulheres, em um nível ainda não alcançado fora da organização. E, vice-versa, as transformações no nível da sociedade que foram induzidas politicamente são, contudo, também frequentemente bloqueadas na esfera organizacional, porque o objetivo de ajustar cada um ao conjunto de trabalhadores (Belegschaft), os mecanismos informais de ascensão e o “teto de vidro” nas carreiras de mulheres têm um efeito retardatário.
A necessidade de cooperar no trabalho pode contribuir para que as diferenças culturais e os possíveis conflitos sejam deixados de lado na “colaboração pragmática”, como constatou Werner Schmidt (2006) na relação entre empregados alemães e estrangeiros em empresas industriais alemãs. As exclusões sociais podem aprofundar a estrutura de ocupações principais e marginais, mas podem também estruturar de maneira específica, por exemplo, tornando o pertencimento à empresa mais importante que a origem migratória.
Com seus trabalhos de estruturação, as organizações têm um efeito retroativo nos mercados de trabalho regionais. Elas criam possibilidades de formação, orientações profissionais e constituição de redes, pois o posto de trabalho em uma empresa renomada é algo desejável por quem procura um emprego. Pertencer a uma organização prestigiada frequentemente valoriza o status de seus empregados e se torna parte de sua autoestima. Já que o trabalho é relevante para a identidade e reconhecimento, as relações de reconhecimento nas organizações do trabalho também marcam as dinâmicas psíquicas das trajetórias biográficas como um todo e, por conseguinte, também as relações e pretensões de reconhecimento fora da empresa, repercutindo, assim, na cultura regional do trabalho. O pertencimento às organizações é um dos mecanismos centrais de inclusão e exclusão na sociedade. Basta pensar que a distribuição de tarefas no trabalho está ligada ao pagamento de uma remuneração, às possibilidades de consumo e à seguridade social, mas também às relações familiares e até mesmo à formação (Ausbildung) dos filhos.
Do mesmo modo, a desigualdade social global é modificada nas empresas transnacionais. Exatamente em regiões precárias do “sul global” o pertencimento a tais conglomerados frequentemente destaca os empregados de seu meio social. Os horizontes de comparação e, também, os trajetos da carreira são algumas vezes dispostos de maneira internacional, de tal modo que se formam alternativas intraorganizacionais a caminhos migratórios precários e as pretensões relativas às condições de trabalho e de vida não se alinham mais (apenas) ao ambiente regional, mas sim (também) às relações no conglomerado de empresas. Por outro lado, os valores sociais da força de trabalho são usados também para pressionar as partes da empresa com melhores condições de trabalho, na comparação local, a aceitar pioras nessas condições. Independentemente de se ter, como efeito, a tendência à valorização ou à depreciação: em todo caso, os confrontos e as negociações de condições de trabalho em tais organizações só podem ser entendidos a partir da perspectiva transnacional. Isso é um exemplo de entrelaçamento (mas não de identidade) entre as desigualdades sociais globais com os diferentes valores sociais da força de trabalho e sua utilização e modificações nas estruturas internas da organização.
Conclusão
Este artigo defende que a sociologia do trabalho – diferentemente do que ocorre na maioria das vezes – não trate o trabalho como um subsistema autônomo, no qual os/as trabalhadores/as são concebidos/as apenas como força de trabalho. Ao contrário, para os/as trabalhadores/as, o trabalho é somente um âmbito – mesmo sendo um âmbito essencial – de sua vida e da diversidade de sua existência social. Igualmente, o trabalho remunerado é apenas uma forma de trabalho, que é, contudo, uma forma dominante sob as condições do capitalismo, pois o nexo entre emprego e remuneração constitui o pressuposto também da reprodução das forças de trabalho e, com isso, também de sua satisfação de necessidades fora do trabalho, bem como o pressuposto de sua identidade e reconhecimento na sociedade. A relação entre trabalho remunerado e outras formas de trabalho (por exemplo, o trabalho reprodutivo) é, portanto, assimétrica.
Não considerar o trabalho (apenas) como um subsistema diferenciado (ausdifferenziertes Teilsystem) significa pensá-lo inserido em uma economia moral, ou seja, em culturas do trabalho nas quais estão determinados elementos como: o que é visto como um trabalho (valioso), como um desempenho, e qual importância deve receber o trabalho na vida. Essa determinação cultural, que é, do mesmo modo, sempre controversa, está estreitamente ligada com as relações de desigualdade social. Essas implicam relações desiguais de reconhecimento e de valoração de (grupos de) pessoas. Estas desigualdades são multidimensionais, ou melhor, interseccionais, elas se relacionam, sobretudo,11 com a classe e o pertencimento a um milieu, com gênero e “raça”, ou origem étnica, e são na maioria das vezes marcadas também por tendências de exclusão social.
Este artigo defende que a noção de sociedade de classes se diferencie entre a estruturação pela contradição entre capital e trabalho e um conceito socioestrutural de classe, que se apoia em Bourdieu e utiliza o conceito de milieu. A sociedade capitalista é (assim como antes) marcada pela contradição entre capital e trabalho, que deve ser entendida como contradição e conflito entre duas lógicas de ação antagônicas (e ao mesmo tempo assimetricamente eficazes) – uma contradição que atravessa, na atualidade, cada vez mais, os próprios sujeitos. A exploração, como este artigo propõe, deve ser compreendida menos no sentido da relação entre “rico” e “pobre” e mais como a disposição sobre o mais-produto, ou seja, como categoria de poder e dominação. A estrutura de desigualdade na sociedade mostra-se, em contrapartida, marcada sim pela contradição entre capital e trabalho, contudo menos dualista; uma estrutura mais complexa, que também é, ela mesma, moldada culturalmente e estruturada de modo interseccional.
As diferentes valorações da força de trabalho, que são culturalmente moldadas por relações de reconhecimento, e as diversas estruturas interseccionais de desigualdade manifestam-se economicamente, em sua relevância para as relações de exploração, no valor social da força de trabalho. Este conceito deve ser compreendido enquanto custos de reprodução da mercadoria força de trabalho, os quais são entendidos como adequados culturalmente e no pano de fundo das relações sociais de desigualdade. Sendo assim, as diferentes categorias de mão de obra se distinguem de acordo com os valores socialmente determinados de sua força de trabalho. As estruturas interseccionais de desigualdade e as relações de reconhecimento culturalmente definidas tornam-se assim relevantes, ao mesmo tempo, de uma perspectiva distributiva.
A categoria do valor social da força de trabalho ganha outra relevância através da globalização das relações de desigualdade. A partir de então, em razão das cooperações e dos relacionamentos globais, mas também em razão dos processos migratórios, diferentes culturas do trabalho e estruturas interseccionais complexas de desigualdade interagem e se manifestam em valores sociais da força de trabalho diferenciados, os quais se tornam, eles mesmos, um fator de dominação e concorrência. As relações de reconhecimento são, por conseguinte, relevantes de um ponto de vista intercultural. Elas próprias remetem à estima de culturas que, portanto, se manifestam ao mesmo tempo economicamente.
É, ao mesmo tempo, significativo para a sociologia do trabalho e das organizações investigar a organização do trabalho também em sua lógica relativa própria. Pois as desigualdades sociais tornam-se, por um lado, relevantes nas organizações do trabalho e, por outro lado, são modificadas de acordo com os problemas, objetivos e culturas organizacionais. Por sua vez, a própria desigualdade social é marcada também por essas estruturações organizacionais de desigualdade. Por isso, é incontornável também para a sociologia da desigualdade social, dedicar-se ao mundo do trabalho.
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1
[NT] O termo “Arbeitskraft” é traduzido usualmente como “força de trabalho”, mas é empregado originalmente também para designar o conjunto dos/das trabalhadores/as. Por isso, em alguns poucos casos, a depender do sentido usado no original, este termo será traduzido também como “mão de obra”.
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2
[NT] O termo original aqui é Menschen. Apesar de a tradução mais correta ser “seres humanos”, o termo é empregado em alemão na maioria das vezes de uma forma mais usual, da mesma forma que no português brasileiro se utiliza o termo “pessoas”. A escolha da tradução foi, portanto, de usar o termo “pessoas” nesses casos.
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3
Uma formulação mais detalhada dos argumentos essenciais se encontra em Voswinkel (2021a).
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4
É claro que seria melhor, por assim dizer, afirmar: elas não deveriam ter em mente uma ideia essencializante, segundo a qual uma cultura seria intrínseca a um povo, uma nação, um determinado grupo populacional etc., de tal forma que se achasse que, com a constatação de uma tal cultura, já se pudesse explicar os modos de ação e prescrever outros grupos humanos como estranhos – e tendencialmente depreciá-los – (othering). Isso ocorre naturalmente com frequência. Opor-se a isso não pode, contudo, significar negar a importância da cunhagem cultural ou reduzir as pessoas a portadoras de funções culturalmente neutras. Por trás disso se esconde (exatamente porque isso só existe enquanto uma abstração), com bastante frequência, a perspectiva óbvia da marcação cultural própria.
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5
[NT] O termo Leistung tem diversos sentidos. Ele é empregado no sentido de “desempenho”, “performance”, “trabalho” e, também, muito comumente, “mérito”, contudo de uma forma menos carregada que em português. A tradução seguiu, em cada caso, o sentido trazido no texto, que varia entre “desempenho” e “mérito”.
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6
[NT] Trata-se, aqui, do orgulho de trabalhadores/as materiais na indústria, que entendem a si mesmos como aqueles/as que, de fato, produzem os bens para a sociedade.
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7
Emprego aqui, de forma sumária e informal, o conceito de “sul global” para uma rápida simplificação, embora seja claro que neste conceito são resumidos países, regiões, culturas e centros políticos (im)potentes imensamente distintos, que (também historicamente) têm pouco em comum uns com os outros. Também o conceito de “norte global” cobre diferenças acentuadas e, por fim, nesta dualidade, a classificação de regiões inteiras do mundo (tais como Rússia e Ásia central, mas também a China, que se desenvolve do “Sul” para o “Norte”) permanece completamente indeterminada.
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8
[NT] O termo “soziale Schließung” é traduzido no Brasil também como “fechamento social”, quando é utilizado em referência à teoria de Bourdieu. Contudo, o texto original, apesar de ter esta teoria como referência, utiliza o termo muitas vezes de uma forma mais usual e ampla, motivo pelo qual se escolheu traduzir aqui e em outras passagens por “exclusão social”.
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9
[NT] A relação “típica” ou “normal” de trabalho, em alemão “Normalarbeitsverhältnis”, designa a relação de emprego formal típica, duradoura, com jornada de trabalho definida e de tempo integral, ou seja, o padrão de trabalho assalariado predominante no período industrial. Este termo é usado atualmente em oposição às relações “atípicas” de trabalho – flexível, intermitente, temporário etc.
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10
A complexidade da relação entre os custos de (re)produção de mercadorias e seus preços, determinados pelas relações de mercado, bem como as variações que precisam ser consideradas levando em conta as participações no lucro das distintas formas de capital e ainda outros fatores do processo econômico levantam a questão, que não será discutida aqui, de até que ponto a teoria do valor-trabalho de Marx seria útil para uma teoria econômica que queira abranger e analisar os processos econômicos concretos. De qualquer forma, seu mérito consiste, contudo, em destacar também em termos normativos a importância central do trabalho na agregação de valor.
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11
A própria importância está, no entanto, moldada também culturalmente e, portanto, não está fixada.
Referências
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
17 Maio 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
-
Recebido
01 Nov 2022 -
Aceito
18 Abr 2023