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Nazira Zeineddine: a jovem e os xeiques

Nazira Zeineddine: la joven y los jeques

Resumo

Por mais de quatro décadas os debates sobre o hijab se alastravam pelo mundo árabe muçulmano, opondo conservadores e reformistas em um contexto político conformado pelo colonialismo europeu. Em 1927, os xeiques sírios decretaram que as mulheres deveriam cobrir o rosto. As mulheres saíram às ruas e uma jovem drusa de dezenove anos, Nazira Zeineddine, pertencente à burguesia de Beirute, sentou-se à escrivaninha. Escreveu quatrocentas páginas sobre os prejuízos para a sociedade gerados pelo ato de cobrir o rosto das mulheres, citando as escrituras islâmicas e autoridades religiosas e seculares contemporâneas em quase todas as páginas. Poucos meses depois, ela publicaria Unveiling and Veiling. O livro, o primeiro escrito por uma mulher a tratar dos direitos das mulheres no Islã, foi um ataque aos xeiques que se atreveram a ordenar que as mulheres cobrissem seus rostos e que manipulavam as interpretações do Alcorão e dos hadiths com o único objetivo de assegurar poder aos homens. Neste ensaio, apresento uma síntese da hermenêutica de Nazira e minhas hipóteses sobre por que ela e seus escritos permaneceram praticamente desconhecidos até o final do século 20. Artigo traduzido do inglês por Regina Vargas.

Palavras-chave
feminismo árabe; islamismo; hijab ; mulheres muçulmanas; direitos das mulheres

Resumen

A lo largo de más de cuatro décadas los debates sobre el hiyab se extendieron por todo el mundo árabe musulmán, confrontando a conservadores y reformistas en un contexto político moldeado por el colonialismo europeo. En 1927, los jeques sirios decretaron que las mujeres debían cubrirse el rostro. Las mujeres salieron a la calle y al escritorio se sentó una chica drusa de diecinueve años, Nazira Zeineddine, perteneciente a la burguesía de Beirut. Escribió cuatrocientas páginas sobre el daño a la sociedad de cubrir los rostros de las mujeres, citando escrituras islámicas y autoridades religiosas y seculares contemporáneas en casi todas las páginas. Unos meses más tarde, publicó Desvelando y velando. El libro, el primero escrito por una mujer que aborda los derechos de la mujer en el Islam, fue un ataque a los jeques que se atrevieron a ordenar a las mujeres que se cubrieran el rostro y que manipularon las interpretaciones del Corán y los hadices con el único objetivo de garantizar el poder a los hombres. En este ensayo, presento una síntesis de la hermenéutica de Nazira y mis hipótesis acerca de por qué ella y sus escritos permanecieron prácticamente desconocidos hasta fines del siglo XX.

Palabras clave
feminismo árabe; islam; hiyab; mujeres musulmanas; derechos de la mujer

Abstract

For over forty years discussion and debate about the hijab had raged around the Muslim Arab world, and pitted conservatives against reformists within a political context shaped by European colonialism. In 1927 Syrian shaykhs announced that women must cover their faces. Women took to the streets, and a nineteen-year-old Druze woman from the Beirut bourgeoisie took to her desk. Quoting Islamic scriptures and contemporary religious and secular authorities on almost every page, Nazira Zeineddine wrote four hundred pages about the harm to society of covering women’s faces. Within a few months she published Unveiling and Veiling. The book, the first by a woman to detail women’s rights in Islam, was an attack on shaykhs who presumed to order women to cover their faces, and who manipulated interpretations of the Qur’an and hadiths with the sole goal of empowering men. In this essay, I will provide an overview of Nazira’s hermeneutics and my hypotheses for why she and her writings remained virtually unknown until the end of the 20th century.

Keywords
Arab feminism; Islam; hiyab ; Muslim women; women’s rights

Foi em Damasco, durante o tórrido verão de 1927, que o recém descartado hijab voltou. Por mais de quatro décadas, debates em torno do hijab – no final do século 19 e início do século 20, o termo se referia tanto à cobertura do cabelo quanto do rosto1 1 Mais recentemente, foi feita uma distinção para que a cobertura facial seja chamada de niqab. – alastraram-se pelo mundo árabe muçulmano, opondo conservadores e reformistas em um contexto político conformado pelo colonialismo europeu. Para os colonizadores franceses e britânicos, o hijab simbolizava o atraso das comunidades que eles queriam controlar. Fazendo uma distinção entre homens bárbaros e mulheres civilizáveis, eles pareciam crer que, livrando as mulheres do véu, estariam salvando sociedades incultas (Spivak, 199316 SPIVAK, Gayatri C. Can the subaltern speak? In: WILLIAMS, P.; HEMEL, L. C. (ed.). Colonial discourse and Post-Colonial Theory: a reader. Hempstead: Harvester, 1993., p. 93). O hijab tornou-se um emblema do que havia de errado com a cultura muçulmana.

Embora muitos árabes muçulmanos suspeitassem da obsessão europeia com o hijab, alguns homens reformistas, como o acadêmico modernista Muhammad Abduh (1849-1905), o juiz Qasim Amin (1863-1908), o poeta Ahmad Shawqi (1869-1932) e o fundador da República Turca, Mustafa Kemal Ataturk (1881-1938), também consideravam o hijab um obstáculo à capacidade das mulheres de se adaptarem às condições da modernidade.

Em seu controverso Tahrir al-mar'a (A libertação das mulheres), de 1899, Qasim Amin argumentava que o verdadeiro Islã, tendo perdido suas amarras, encontrava-se envolto em inovações misóginas. A abolição do hijab, ele afirmava, era condição sine qua non para que as mulheres muçulmanas tivessem acesso à educação, a escolher seus parceiros para a vida e a alcançar igualdade em alguma medida. Mais tarde, feministas expuseram os pressupostos patriarcais que jaziam no cerne do discurso reformista de Amin, criticando-o por infantilizar as mulheres e reproduzir normas culturais ocidentalizadas. A dominação masculina nunca foi questionada, afirma Leila Ahmed, especialmente pelos “homens das classes assimiladas aos costumes europeus, ofendidos pela humilhação de serem descritos como incivilizados porque ‘suas’ mulheres usam véus” (Ahmed, 1991, p. 163, 165). Esses homens reformistas não eram as únicas pessoas preocupadas com os direitos das mulheres árabes muçulmanas.

Algumas mulheres árabes educadas, de finais do século 19 e início do século 20, também exigiam reformas. Escritoras como as egípcias Aisha Taymuriya (1840-1902) e Malak Hifni Nasif, também conhecida como Bahitat al-Badiya (1886-1918), assim como as libanesas Zaynab Fawwaz (1860-1914), Labiba Hashim (1882-1947) e Mayy Ziyada (1886 -1941) contestavam as leis que discriminavam as mulheres (Badran; Cooke, 19906 BADRAN, Margot; COOKE, Miriam. Opening the gates: a century of Arab feminist writing. Londres: Virago, 1990., p. xv-xlvii). Elas fizeram campanhas pelo direito das mulheres à educação, ao voto, à saúde e ao trabalho. Criaram revistas e escreveram para jornais progressistas sobre o valor para a sociedade de mulheres instruídas, mães da próxima geração de homens líderes. Cientes da polêmica que incitariam, elas defendiam suas reivindicações usando a linguagem dos reformadores islâmicos. Elas “não previram que a inquietação de gênero e a reação conservadora produzida pela guerra e pela ocupação francesa levariam outros a empregar diferentes interpretações dos preceitos religiosos para impedir que elas alcançassem esses direitos” (Thompson, 199917 THOMPSON, Elizabeth. Colonial citizens: republican rights, paternal privilege, and gender in French Syria and Lebanon. Nova York: Columbia University Press, 1999., p. 117). Por causa da mobilização europeia em torno de ideias feministas para promover agendas coloniais, as ações sociais e políticas em defesa das mulheres foram estigmatizadas como ocidentalizadas e antipatrióticas, uma dura acusação em um período de nacionalismo exacerbado.

Apesar da oposição à expressão pública das mulheres, uma revolução feminista estava em curso. Em 1923, a aristocrata Huda Shaarawi fundou a União Feminista Egípcia e levou alguns de seus membros a Roma para um encontro feminista internacional. Ao retornarem ao Cairo, Huda e duas de suas companheiras descobriram seus rostos diante de uma multidão estupefata. Enquanto algumas das pessoas que as vieram saudar tenham ficado chocadas, a maior parte delas entusiasmou-se. Em pouco tempo, a notícia se espalhara pelas sociedades de maioria muçulmana, e muitas mulheres tiraram o véu. Em 1973, no quinquagésimo aniversário desse evento revolucionário, a jornalista egípcia Amina Said celebrou a coragem de Shaarawi, Saiza Nabarawi e Nabawiya Musa, narrando como elas haviam

representado o Egito pela primeira vez em uma conferência feminista internacional em Roma. Participantes da conferência vindas de todo o mundo avançado ficaram imensamente surpresas ao ver as três mulheres egípcias … A imagem da mulher árabe na mente das ocidentais era de uma mulher atrasada vivendo detrás das paredes do harém, ignorante, velada e tolhidas em seus intentos e movimentos […] (C)om seus discursos politizados elas atraíram admiração […] Após sua experiência na conferência de Roma, Shaarawi percebeu que o véu era o maior obstáculo ao avanço da mulher árabe muçulmana […] com suas colegas, ela decidiu ser a primeira a tirar o véu. Ao chegarem de trem à estação da capital, as que ali estavam reunidas para recebê-las tinham todas o rosto descoberto. Quando emergiram sinais de desaprovação na multidão, as mulheres imediatamente apoiaram as que não usavam o véu, removendo também os seus e jogando-os ao chão. Portanto, a maior vitória na história da mulher árabe

(Said, 199015 SAID, Amina. Feast of Unveiling. In: BADRAN, M.; COOKE, m. Opening the gates: a century of Arab feminist writing. Londres: Virago, 1990/1973., p. 359-360).

A revolução feminista foi respaldada por uma crítica generalizada a eruditos religiosos corruptos, os xeiques. Em 1929, o escritor egípcio cego, Taha Husayn9 HUSAYN, Taha. 1929 Al-ayyam (Os dias, vol.1) Cairo: [S. ed.], 1929., provocou clamor com a publicação de Al-ayyam (Os dias), sua autobiografia detalhando a corrupção que permeava as instituições religiosas e educacionais. Sua crítica foi especialmente dura em relação aos eruditos da Mesquita de Azhar, que representavam as mais altas autoridades islâmicas da época. Xeiques de todo o mundo ficaram indignados com tal ataque à instituição central da educação islâmica. Em decorrência disso, signos de modernidade e ocidentalização foram estigmatizados como heréticos.

Foi nesse contexto turbulento que os xeiques sírios decretaram, em 1927, que as mulheres deveriam cobrir seus rostos. As mulheres tomaram as ruas e uma jovem drusa de dezenove anos, pertencente à burguesia de Beirute, sentou-se à escrivaninha. O que esses xeiques estavam pensando? Citando escrituras islâmicas e autoridades religiosas e seculares contemporâneas em quase todas as páginas,2 2 Ela cita, por exemplo, o poeta Ahmad Shawqi: “O Egito está renovando sua glória por meio de suas mulheres” e em um poema de 16 versos, ele se referiu às mulheres com véu como “múmias” (Zeineddine, 1998a [S&H], p. 148- 149). Nazira Zeineddine (1908-1976) escreveu quatrocentas páginas sobre os prejuízos impostos à sociedade pelo ato de cobrir o rosto das mulheres. Em poucos meses ela concluiu e, em abril de 1928, publicou Al-sufur wa al-hijab (Desvelar e velar) (Zeineddine, 1998b19 ZEINEDDINE, Nazira. Al-fatat wa al-shuyukh: Nazarat wa munazarat fi al-sufur wa al-hijab wa tahrir al-`aql wa tahrir al-mar’a wa al-tajaddud al-ijtima`i fi al-`alam al-islami (A jovem e os xeiques. Perspectivas e debates sobre ‘Desvelar e velar’ e a liberação do intelecto, a liberação das mulheres e a renovação social no mundo islâmico). Damasco: Dar al-Mada, 1998b/1929. [F&S], p. 11).3 3 Neste ensaio, as referências a Desvelar e velar serão feitas no texto como S&H, do árabe Al-sufur wa al-hijab. As referências de página de seu segundo livro, A jovem e os xeiques, serão feitas no texto como F&S do árabe Al-fatat wa al-shuyukh. Tão candentes foram as questões levantadas no livro que, dois meses depois, ele ganhou uma segunda tiragem.

O livro, o primeiro escrito por uma mulher a tratar sobre os direitos das mulheres no Islã, foi um ataque aos xeiques que ousaram ordenar que as mulheres cobrissem seus rostos e que manipulavam as interpretações do Alcorão e dos hadiths com o único objetivo de assegurar poder os homens. Hadiths – também referidos como “tradições proféticas” – são relatos do século VII dos ditos e feitos do Profeta Maomé, registrados e repetidos por um de seus companheiros. Posteriormente, cada reprodução de um hadith deve ser autenticada por meio de uma cadeia de autoridades confiável. Se, ao longo dos séculos, essa cadeia omitisse ou acrescentasse uma autoridade, o hadith seria invalidado. Nada deixava Nazira mais irritada do que o hadith misógino que os líderes islâmicos gostavam de citar sobre a falta de razão e religião das mulheres. Ela viria a desconstruir esse hadith, mostrando sua implausibilidade por meio de uma comparação cuidadosa com os versículos do Alcorão sobre a inteligência das mulheres (ver adiante).

Antes de publicar o livro, Nazira pedira a seu pai, um juiz otomano considerado muçulmano sunita por sua formação jurídica em Istambul, que verificasse com seus associados muçulmanos, alguns de alto escalão em instituições islâmicas, se a argumentação que ela utilizara estava correta e se ela não havia cometido algum erro factual. Ele o fez e ficou satisfeito, assim como ela, com o livro pronto.

No entanto, revides difundiram-se quase de imediato, inclusive com ataques sexistas contra a autora. Alegavam que ela não conhecia o Alcorão e não tinha o direito de questionar os hadiths do Profeta Maomé que séculos de doutos declararam válidos e, portanto, não passíveis de questionamentos. Nazira rapidamente coletou essas reações e suas refutações em A jovem e os xeiques. Este segundo livro foi publicado em 1929, quando ela tinha vinte anos. Apesar do alvoroço que contrapôs oponentes e proponentes, e da fama que instantaneamente cercou essa jovem ousada e brilhante, em pouco tempo ela desapareceu. A seguir, apresentarei uma síntese da hermenêutica de Nazira, seguida de minhas hipóteses sobre por que ela e seus escritos permaneceram praticamente desconhecidos até o final do século 20.

As mulheres não são pouco dotadas de religião e razão

Desvelar e velar afirma – com base no Alcorão e na Sunna, as duas fontes da doutrina e da fé islâmica – que por mais de um milênio os homens perverteram o Islã com suas interpretações misóginas dos textos sagrados. Sua insistência no hijab como um mandato islâmico, durante séculos, privou as mulheres de seu direito à educação, igualdade, liberdade de expressão e dignidade.

Nazira apresentou dois argumentos robustos e interconectados sobre como os líderes islâmicos misóginos degradaram as mulheres contrariando Deus e Maomé. Ela argumentou, primeiro, que o hijab não era um mandato islâmico e originalmente não se referia a um pedaço de pano. Em vez disso, a palavra hijab significava uma barreira. No Alcorão, o hijab designava a divisão do espaço entre as esposas do Profeta Maomé e seus visitantes.

Em segundo lugar, ela desconstruiu o hadith sobre a deficiência de religião e razão das mulheres.

Supondo que os homens haviam inventado esse hadith, Nazira foi em busca de sua justificativa, a qual ela encontrou em

versículos do Alcorão que concedem às mulheres metade do direito de um homem à herança e consideram o testemunho de uma mulher valendo metade do testemunho de um homem. A poliginia e o talaq4 4 Forma de divórcio na lei islâmica que concede ao homem o direito de repudiar o casamento ao pronunciar três vezes a palavra talaq. (NT-nota da tradutora). também têm influência. Esses privilégios e direitos oficialmente sancionados para os homens levaram algumas autoridades religiosas a concluir que as mulheres carecem de razão e religião

(S&H, p. 96).

Nazira argumentou, ao contrário, que esses versículos revelam o entendimento de Deus da fraqueza do homem: “se Deus quisesse a escravidão, a poliginia e a desigualdade entre homens e mulheres, Ele não teria ordenado gastos para ela, como dote e nafaqa, ou a provisão de todas as suas necessidades e as de seus filhos. Na verdade, todos esses custos representam mais do que metade de uma herança.” (S&H, p. 97, 100) Além disso, esses gastos continuam ao longo da vida de uma mulher, enquanto a herança é uma soma única. Quanto ao talaq, ou divórcio por iniciativa do homem, ela escreveu: “Deus odeia talaq porque é uma negação da graça e uma destruição de lares”, acrescentando esta declaração de al-Ghazali, erudito do século XII, “talaq só é permitido se não houver dano desnecessário. No entanto, talaq acarreta dano” (S&H, p. 220).

Nazira não tinha dúvidas de que, aos olhos de Deus, homens e mulheres eram iguais. Citando inúmeros versículos do Alcorão, muitas vezes juntos para dar ênfase, ela exortou seus leitores a agir de acordo com a revelação e a razão. Para citar um exemplo,

diz-se que as meninas amadurecem aos nove anos e os meninos apenas aos doze, idade em que estão sujeitos às leis da Sharia. Isso não significa que a razão das mulheres está completa antes da dos homens? Essas são as minhas provas sobre a perfeição da razão e religião das mulheres, então, tragam as suas provas sobre a falta delas

(S&H, p. 102-105).

A noção da deficiência de religião e razão das mulheres não veio do Alcorão e, citando o Profeta Maomé, ela insistia em que qualquer hadith que contradiga o Alcorão é falso. Por ser falso e inventado, o hadith deve vir de outra fonte: a invisibilidade das mulheres que o hijab produzia. Permitia aos homens dizer do que gostavam nas mulheres sem prestar atenção às suas respostas. Sem ver os rostos das mulheres, eles não podiam registrar as reações delas às suas palavras. Uma voz abafada pelo tecido era inconsequente, fácil de silenciar. O hijab paralisa metade da população, e essa metade paralisada pode ser desprezada e esquecida (S&H, p. 62).

No entanto, escreveu Nazira, nem sempre foi assim. No passado, as mulheres tiveram posições de poder nas sociedades muçulmanas. No século XI,

Shaykha Shahda, também conhecida como Fakhr al-Nisa, fazia palestras para as elites nas mesquitas e escolas de Bagdá sobre literatura, história e teologia, e ela ainda é muito respeitada. Como ela, também Umm al-Khair e Umm Ibrahim davam aulas para estudantes em Bagdá, e Umm Sa`d bint `Isam al-Sa`duna ensinava ciência das tradições e teologia na madrasa de Córdoba.

Ibn Khallikan e Ibn Mas`ab escreveram sobre a bela neta de Maomé, Sukayna, cuja “casa se tornou a Caaba para as pessoas que vinham de toda a região muçulmana para ouvir suas palestras”. Sukayna não era uma exceção; muitas mulheres de elite exerciam poder. Nazira menciona Ibn Athir, Ibn Jubayr, al-Mas`udi, al-Suyuti, al- Isfahani e, mais recentemente, Zaynab Fawwaz menciona a rainha Khayzuran, que incentivou seu marido al-Mahdi a construir academias, e que recebia acadêmicos, poetas e governantes no palácio. Zubayda, esposa do grande califa de Bagdá Harun al-Rashid, e sua irmã al-Abbasa palestravam para acadêmicos e intelectuais. Qatar al-Nada, esposa do califa al-Mutadid e mãe de al-Muqtadir, comparecia a todas as reuniões oficiais. Nazira menciona Ibn Battuta, cujas famosas viagens o levaram a conhecer mulheres tártaras que convocavam acadêmicos e intelectuais sempre que lhes aprouvesse. Nazira afirma ser bem sabido que Nafisa, neta de Ali – primo e genro, respectivamente, do profeta Maomé e do quarto califa –, foi instrutora do Imam al-Shafii, um dos pais fundadores da lei islâmica. “E esses nomes são apenas alguns entre muitos, demonstrando que as muçulmanas costumavam competir com os homens em visibilidade” (S&H, p. 160-161).5 5 John Stuart Mill, frequentemente citado por Nazira, também escreveu sobre poderosas regentes na Índia, das quais teve conhecimento durante seu posto no subcontinente (Mill, 1869, p. 41). Nenhuma dessas mulheres usava véu.

O hijab não é sinal de carência e inferioridade, declara Nazira, é seu instrumento: “algumas de nós neste Oriente temos padecido de quatro tipos de obscuridade: velo facial, ignorância, hipocrisia e estagnação” (S&H, p. 50). Em lugar de ver que essa peça de pano é o que causa ignorância, hipocrisia e estagnação, esses homens afirmaram que a ignorância, a hipocrisia e a estagnação seriam inerentes às mulheres. Em outras palavras, eles afirmaram que as mulheres exemplificavam o que o tecido produzia. Ao contrário, argumenta Nazira, não faltavam às mulheres razão e religião antes de cobrir o rosto, só depois:

Senhores, vocês nos acusam de carência de religião e razão. Por quê? Porque vocês nos bloquearam os caminhos do intelecto e nos jogaram em um mar de humilhação e ignorância... Como pode haver religião onde há ignorância? O ignorante só se pode valer da superfície da religião, e de que serve a religião sem sua essência?

(S&H, p. 136).

As mulheres, Nazira argumentou, são por natureza racionais e piedosas, sobretudo quando descobrem seus rostos: “qualquer muçulmana que descobrir seu rosto e visão verá o fluxo de liberdade que Deus lhe concedeu” (p. 39). Por atrofiar sua capacidade intelectual, esta peça de pano impede as mulheres de entrar plenamente na vida da comunidade e contribuir para esta. Se é o véu o que desumaniza as mulheres, e são os homens que o impõem, então os homens é que produzem a deficiência de razão e religião nas mulheres. Como é possível que a misoginia desses xeiques não tenha sido refutada? Ela decidiu ser aquela que o faria: “dei à minha razão total liberdade e recebi do Alcorão e da Sunna uma tal luz de ensinamentos sobre a liberdade e os direitos das mulheres que acanharia o sol ao nascer.” (S&H, p. 76).

A invisibilidade das mulheres prejudica não só elas mesmas, mas também sua sociedade. Uma sociedade velada fica atrasada em relação àquelas que incluem mulheres no espaço público. O argumento de Nazira reflete a posição de John Stuart Mill, cujas obras ela cita com frequência. Nas observações introdutórias de seu The subjection of women, de 1869, Mill escreve

o princípio que regula as relações sociais existentes entre os dois sexos – a subordinação legal de um sexo ao outro – é um erro em si e é hoje um dos principais obstáculos ao aperfeiçoamento humano; e que deveria ser substituído por um princípio de igualdade perfeita, que não admitisse poder ou privilégio para um lado, nem desvantagem para o outro

(Mill, 186913 MILL, John Stuart. The Subjection of women. Londres: Longman, Green, Reader, and Dyer, 1869., p. 1).

A chave seria uma forte parceria intelectual no casamento: “a regeneração moral da humanidade só terá lugar de fato quando a mais fundamental das relações sociais estiver submetida à justiça equitativa” (Mill, 186913 MILL, John Stuart. The Subjection of women. Londres: Longman, Green, Reader, and Dyer, 1869., p. 31, 50). Nazira cita longamente a dedicatória de Mill em seu livro de 1859, On Liberty, à alma que inspirou suas melhores ideias:

minha amiga e esposa, cuja paixão pela verdade e pela justiça foi meu maior baluarte e cujo apoio ao meu trabalho foi minha mais preciosa conquista. Sua parte neste livro não é menor do que a minha... Se fosse possível à minha pena expressar metade dos nobres pensamentos e sublimes sentimentos sepultados com ela, os catedráticos tirariam mais proveito do que de qualquer coisa que eu escreva por minhas próprias ideias e percepções sem o conselho de sua mente ímpar

(S&H, p. 85).

Nazira exorta cada xeique a ouvir Mill e “devolver à sua esposa os direitos roubados, dos quais o mais elementar é o reconhecimento de sua plenitude de razão e religião”. Os homens não têm o direito de menosprezar a mente e a religião das mulheres porque não lhes cabe julgá-las; em o fazendo se estarão contrapondo a Deus (S&H, p. 85). Ela apoiava, particularmente, a visão de Mill de que a aversão dos homens pela igualdade e liberdade das mulheres tinha origem no temor de serem ofuscados por suas esposas.

O contra-ataque

Desvelar e velar criou furor ao redor do mundo. Adorado por alguns; odiado por outros.6 6 Para um exemplo de uma carta de felicitações enviada pelo primeiro-ministro sírio Taj al-Din al- Hasani a Nazira, em 25 de abril de 1928, ver cooke (2010, p. 61). Para muitas mulheres contemporâneas, o livro e sua autora foram revolucionários. Em 15 de outubro de 1928, ao participar da reunião do conselho diretor da Organização Feminista Internacional em Berlim, Huda Shaarawi escreveu a Nazira: “recebi seu adorável presente, Desvelar e velar, e agradeço por este grito apaixonado pela libertação das mulheres… Nosso sexo fica honrado e orgulhoso por pessoas como você.” Muitas outras mulheres lhe escreveram parabenizando-a (F&S, p. 165-169).

Mas muitos eruditos religiosos reagiram negativamente; tantos, na verdade, que em um ano Nazira coletara críticas suficientes para compilar uma provocativa continuação. A essa altura, no entanto, ela havia se tornado um problema. A editora Quzma publicara seu primeiro livro, mas recusou este segundo e nenhuma outra editora viria a aceitar A jovem e os xeiques (1929). Ela publicou um volume de forma independente, relatando a ampla publicidade que recebera, as invectivas dos xeiques e suas próprias impávidas respostas. Ela dedicou este livro às mulheres em geral, contando como se sentira feliz ao escrever Desvelar e velar, porque acreditava estar prestando um serviço à comunidade muçulmana. Preocupada em mostrar o que havia de positivo no Islã, ela ficou desapontada ao saber que “minha Umma7 7 Umma – palavra árabe que pode ser traduzida como comunidade islâmica. (NT). não está satisfeita com sua garota”. Sempre irônica, ela acrescentou, “e, ainda assim, tomei o Alcorão e a Sunna (código para Maomé) como meus guias; então, talvez a Umma não esteja satisfeita com eles” (F&S, p. 11-12). Em um texto de 2015, escrevi que Nazira

estava especialmente irritada com aqueles cujas opiniões sobre mulheres e gênero ela elogiara em seu livro, e que a atacaram. Ela se dirige aos xeiques na segunda pessoa do plural, muitas vezes tratando-os por “Senhores” e, às vezes, quando irritada com seus insultos, de “xeiques oponentes” ou “lançadores de flechas”. Esses xeiques detinham influência moral no Mediterrâneo oriental e poucas pessoas ousavam questionar sua autoridade

(cooke, 20157 COOKE, miriam. Nazira Zeineddine: pioneer of Islamic feminism. In: BRUCE, S.; SMITS, K. (ed.). Feminist moments: reading feminist texts. Londres: Bloomsbury, 2015. p. 115-122., p. 120).

Percebendo que eles tentavam se distanciar da polêmica, ela zombava de sua hipocrisia: não estariam eles cientes do dano que estavam causando à sua sociedade? Nazira os aconselhava a reexaminar suas noções biológicas de gênero e os advertia a abrir espaço para as influências determinantes da história, da cultura e da sociedade.

Suas críticas mais duras foram reservadas para o Xeique Mustafa al-Ghalayini (1886-1944), presidente do tribunal libanês de justiça para a minoria muçulmana e professor do Colégio Islâmico de Beirute. Nazira o chamou de “líder dos oponentes” por ser aquele que teria instigado grande parte das críticas negativas. Meses depois de receber uma cópia do livro, ele escrevera uma réplica de 194 páginas intitulada Parecer sobre o livro “Desvelar e velar” atribuído à Senhorita Nazira. Zeineddine (F&S, p. 251). Ele alegava que colegas lhe haviam solicitado que apontasse os problemas do livro e ele concordara. Em um sermão de sexta-feira, na mesquita Majidiya, em Beirute, ele repreendeu Nazira por ela afirmar saber mais do que estudiosos como ele. Como era possível que ela pedisse “aos franceses para intervir em assuntos privados dos muçulmanos?” Ao contrário dele, ela não estava autorizada a falar em nome das mulheres muçulmanas (Al-Ghalayini, 19283 AL-GHALAYINI, Mustafa. Nazarat fi kitab al-sufur wa al-hijab al-mansub ila al-anisa Nazira Zeineddine (Parecer sobre o livro ‘Desvelar e velar’ atribuído à Srta. Nazira Zeineddine). Beirut: Quzma, 1928., p. 3, 24, 29, 33). Ele faz a defesa de um livro seu de 1908, criticado por Nazira por suas contradições. Ela escreveu que, ao se dirigir ao Controlador Geral inglês no Egito, Lord Cromer, ele se gabara dos direitos desfrutados pelas mulheres árabes depois que o Islã proibiu injustiças como o enterro de meninas vivas, os direitos de homens se casarem com dezenas de mulheres e de herdarem mulheres após a morte de seus maridos. Ele alegara que o hijab não era islâmico e que os rostos cobertos das mulheres chamam mais atenção do que quando descobertos. Ao se dirigir às mulheres muçulmanas, no entanto, ele pedira modéstia e o uso do hijab. Melindrado com a depreciação de seu livro de 1908 por Nazira, ele afirmou imodestamente que “a pesquisa sobre mulheres muçulmanas em nosso livro era do mais alto calibre. De fato, foi reimpresso no Egito em 1926” (al-Ghalayini, 19283 AL-GHALAYINI, Mustafa. Nazarat fi kitab al-sufur wa al-hijab al-mansub ila al-anisa Nazira Zeineddine (Parecer sobre o livro ‘Desvelar e velar’ atribuído à Srta. Nazira Zeineddine). Beirut: Quzma, 1928., p. 24-25). Alega-se que ele teria admitido privadamente que, caso ela não tivesse criticado aquele livro, ele não o teria refutado (cooke, 20108 COOKE, miriam. Nazira Zeineddine: a pioneer of Islamic feminism. Oxford: Oneworld, 2010., p. 77).

Incomodada com a palavra atribuído, ou seja, com a presunção de que não fora ela, mas nove pessoas indoutas que teriam escrito o livro, Nazira retrucou longamente. Ela se envaidecia do insulto de que uma simples jovem como ela, “formada em escolas seculares e conventuais, seria incapaz de escrever tal obra, de abranger a Sunna e de compreender os versos do Alcorão. E ele se dirigiu a mim e disse: Nazira Zeineddine, essas são as pessoas que escreveram teu livro e o adornaram” (F&S, p. 16; ver cooke, 20108 COOKE, miriam. Nazira Zeineddine: a pioneer of Islamic feminism. Oxford: Oneworld, 2010., p. 39-44, p. 69-73).

Ela enfrentou outros críticos, recomendando que, antes de criticá-la, os xeiques deveriam ler o Alcorão que, como ela havia argumentado, do princípio ao fim afirma a inteligência e os direitos das mulheres. Ela é mordaz em seu sarcasmo: “Senhores e xeiques oponentes, vocês deveriam ler mais antes de escrever seus livros e cartas repreendendo o comportamento da Jovem, para saber o que disse nosso Mestre Ali, o Líder dos Fiéis, sem precisar depender dos missionários” (F&S, p. 41). Não, ela não consultara os missionários, mas tem certeza de que seus oponentes o fizeram. Ali estava uma mulher de 20 anos, sem credenciais islâmicas formais, derramando desdém sobre conhecidos e respeitados xeiques que, como ela o fez, deveriam ter memorizado o Alcorão.

Ela os repreendeu por aceitarem sem questionar e citarem alguns hadiths sobre mulheres que deviam ser questionados. O Profeta jamais poderia ter dito que as mulheres carecem de religião e razão, pois nutria alta estima pelas mulheres. Não havia ele afirmado que o Paraíso repousa sob os pés das mães e que o que ele mais amava eram perfumes, orações e as mulheres? O mais importante, no entanto, é que os religiosos eruditos deveriam saber que quando um hadith contradiz o Alcorão, ele está errado. A palavra não mediada de Deus supera qualquer coisa, inclusive um feito ou uma declaração do Profeta relatada por um simples, ainda que ilibado, mortal.

Repetidas vezes ela destaca trechos de seu trabalho que os xeiques citaram erroneamente ou usaram ou interpretaram de forma inadequada. Ao contrário da riqueza anterior de citações do Alcorão e de hadiths, que não são referenciadas especificamente, ao mencionar as reações de catedráticos e de xeiques ao seu livro, ela aponta páginas específicas em seus escritos e fornece cadeias de autoridades para provar a confiabilidade de certos hadiths relacionados a um argumento que ela está sustentando.

A arrogância vislumbrada no primeiro livro tornou-se mais pronunciada. Ela incluiu dezenas de páginas de citações positivas de Desvelar e velar. Ao descrever um encontro seu com um grupo que ela chama de “mulheres muçulmanas ilustradas”, Nazira cita uma mulher não identificada que recebe quatro páginas para produzir citações literais do livro. Ela zomba de al-Ghalayini, escrevendo “pobre Xeique, ele não conseguiu refrear sua alma raivosa de buscar vingança. Nada encontrando em seu livro, exceto o que está concorde com a religião, a razão e o bem-estar dos muçulmanos, ele inventou coisas.” O que Xeique Salim Hamdan estava pensando quando afirmou que o hijab é islâmico? Ele transformou sua opinião em lei, mesmo sabendo que mulheres de outras religiões usam véu (F&S, p. 256-260).

Em um espírito de abertura ao diálogo, ela desafiou seus oponentes a trazer provas do Alcorão de que os rostos deveriam ser cobertos. Ela consideraria essas provas, mas apenas se elas não fossem fundadas no verso sobre modéstia e sobre desviar o olhar do sexo oposto. Como o versículo se dirigia tanto a homens quanto a mulheres, eles teriam que exigir também dos homens que cobrissem seus rostos. Se os homens se recusem a cobrir o rosto e ainda assim o querem impor às mulheres, “então rogo a vocês que reconheçam que a justiça e o respeito pela religião que vocês professam nada mais eram que um ardil para permitir que oprimissem sua mãe, sua irmã, sua esposa e agissem injustamente com elas” (F&S, p. 182-183).

Ela citou vários hadiths sobre mulheres muçulmanas sem véu em torno de Maomé e então perguntou: “Senhores, vocês leram no Livro ou em um hadith alguma prescrição contra tirar o véu? Certamente não! Então, se não encontraram tal prescrição, encontraram alguma sobre cobrir o rosto? Mais uma vez, certamente não! Então, por que desobedecem ao mandamento de Deus e do Profeta? Quando um homem cobre o rosto de uma mulher, senhores, ele comete uma forma de injustiça” (F&S, p. 186-189).

Ela se mostra evidentemente encantada com a acusação de que seria impossível a uma Jovem ter escrito o livro. Era inconcebível, para eles, que uma jovem que seria, afinal, carente de religião e razão, pudesse escrever tal tomo; portanto, assumiram ser obra de muitos homens. Para ela, tais acusações ridículas confirmavam “que são os homens os que carecem de razão e que a senhorita Nazira Zeineddine é a mais erudita entre os eruditos do passado e do presente e só ela pode ocupar o trono do conhecimento e da compreensão. Ela foi capaz de entender os versículos de Deus e interpretar aqueles relacionados com o véu” (F&S, p. 15). Notável soberba, mas justificada!

A busca por Nazira e seus livros

Como pôde um livro que “redefiniu os termos do conflito entre as elites religiosas e o movimento de mulheres por pelo menos uma década” (Thompson, 199917 THOMPSON, Elizabeth. Colonial citizens: republican rights, paternal privilege, and gender in French Syria and Lebanon. Nova York: Columbia University Press, 1999., p. 127) ter saído de circulação?8 8 Não é incomum uma obra explosiva desaparecer, ter suas ideias plagiadas, e sua autora ou autor esperar séculos para ser descoberta, se o for. Veja-se, por exemplo, Ernst von Lasaulx (1805-1861), um dos idealizadores do conceito de era axial junto com Weber, que desapareceu enquanto estes eram celebrados. Seu livro Neuer Versuch einer alten auf die Wahrheit der Thatsachen gegründeten Philosophie der Geschichte (Nova tentativa de uma velha filosofia da história baseada na verdade dos fatos), de 1856, sumiu da história, até que Hans Joas o ressuscitou em um livro de 2012 coeditado com Robert Bellah, intitulado The Axial Age and its Consequences (Harvard, 2012), mostrando que von Lasaulx havia desenvolvido a ideia um século antes de Karl Jaspers, considerado o pioneiro do termo em seu livro de 1949, On the Origin and Goal of History (Joas, 2012). Como pode ter desaparecido esta Jovem audaciosa e com ela o apelo tantas vezes reiterado à liberdade de religião, de conhecimento, de arbítrio e à libertação das mulheres, que levará à renovação da sociedade?

A historiadora Elizabeth Thompson acredita que catedráticos como al-Ghalayini desconsideraram o argumento social e político mais amplo do livro, ao destacar debates prescritivos sobre se as escrituras islâmicas impunham ou não o véu. Com efeito, ao construir a questão do véu como uma questão prescritiva, Zayn al-Din [também conhecida como Zeineddine] entrou diretamente no jogo dos eruditos muçulmanos conservadores e se colocou – e a todas as demais mulheres – em uma desastrosa desvantagem

(Thompson, 199917 THOMPSON, Elizabeth. Colonial citizens: republican rights, paternal privilege, and gender in French Syria and Lebanon. Nova York: Columbia University Press, 1999., p. 135, 136).

Vigilantes conservadores intimidavam as mulheres jogando ácido nas que caminhavam sem véu nas ruas. Em meados da década de 1930, muitos xeiques na Síria e no Líbano haviam reduzido a questão do hijab a um simples binário: aqueles que o apoiavam eram bons muçulmanos; os que se opunham eram colaboradores dos franceses.

Como pôde a primeira mulher a publicar um livro sobre os direitos das mulheres no Islã ter sido esquecida? Seu nome era conhecido nos círculos feministas islâmicos do final do século 20 e início do século 21, mas em 2007, quando comecei minha pesquisa, poucas pessoas sabiam ou, ao que pude apurar, importavam-se em saber quem ela era e o lhe acontecera depois de seus dois livros terem enfurecido as autoridades muçulmanas do Líbano e da Síria nas décadas de 1920 e 1930.

Quando os editores da Oneworld me convidaram para escrever uma biografia para a série Makers of the Muslim World, escolhi Nazira Zeineddine. Eu acreditava que uma pesquisa focada revelaria o paradeiro da autora e de suas obras. Mas o projeto foi muito mais difícil do que eu imaginava. Em nenhum lugar encontrei menção de onde ela morou no Líbano ou do que ela fez depois que seus dois livros Desvelar e velar e A jovem e os xeiques criaram alvoroço. Eu sabia que seu pai, Said Bey Zeineddine, era um juiz otomano formado em Istambul e, portanto, considerado na época muçulmano sunita. Ele exercera a advocacia em vários lugares na Turquia, Síria e Palestina e acabara em Beirute. Uma pesquisa de campo na região emperrou no início, mas logo começou a responder a essas perguntas. Embora Said Bey Zeineddine não tenha deixado rastros na Turquia, ele o fez no Líbano. Em 2008, eu soube que uma cidade drusa no Monte Líbano chamada Baaqlin estava comemorando o centenário do nascimento de Nazira. Embora o resto da sociedade libanesa se havia esquecido dela, um professor druso do ensino médio de Baaqlin, Nabil Abu Matar estivera escrevendo um livro sobre Nazira desde o início dos anos 1980. Quando ele morreu, em 1995, antes de terminar o livro, sua esposa Hayat retomou de onde ele havia parado e publicou o livro a tempo para o colóquio de agosto (Abu Matar, 20081ABU MATAR, Nabil; ABU MATAR, Hayat. Nazira Zayn al-Din ra’ida fi al-taharrur al-niswi (Nazira Zeineddine: pioneira da liberação das mulheres). Beirut: Dar al-Taqaddumiya, 2008.).

Voei a Beirute, onde conheci pessoas que a conheciam por seus escritos ou pessoalmente. Uma delas era Aida al-Jawhari, uma acadêmica que, no ano anterior havia publicado o primeiro livro sobre Nazira e seus escritos (al-Jawhari, 20075 AL-JAWHARI, Aida. Ramziyat al-hijab: mafahim wa dalalat (O simbolismo do hijab: conceitos e significados). Beirut: Markaz Dirasat al-Wahda al-Arabiya, 2007.). Três outras pessoas eram membros de sua família: dois filhos que emigraram para a Itália quando adolescentes e um sobrinho chamado Said Zeineddine em homenagem ao tio, pai de Nazira. Entrevistei todas essas pessoas e até acompanhei a acadêmica e o sobrinho a Ayn Qani.

Soube que, em 1938, Nazira se casou com Shafiq al-Halabi, renomado druso de Baaqlin, que fora governador de Beirute durante a Segunda Guerra Mundial. Com o casamento, sua já vacilante carreira intelectual foi interrompida. Ao entrevistar seus filhos, comecei a perceber a vida na família al-Halabi. O filho mais novo de Nazira, Arij, lembrou que, ao voltar da escola, sempre encontrava a casa “cheia de gente importante”, e que sua mãe se reunia com até 300 pessoas por dia.

As pessoas procuravam meu pai para resolver disputas, principalmente entre drusos e cristãos. Não era um ambiente confortável para as crianças, então escapávamos para brincar com os amigos ou para caçar. Lembro que Alfred Naqqash, presidente do Líbano, brincava comigo e me deixava montar em suas costas. Nosso pai era severo. Não brincava nem contava piadas. Não queria que seus filhos entrassem na política. Nosso pai era muito rigoroso com os horários das refeições: almoço às 12h em ponto e jantar às 7h. Conversava-se muito pouco à mesa. Nosso pai não estava interessado em nós porque éramos muito pequenos. Não ajudava com o dever de casa, nossa mãe ajudava. Depois do jantar, ele se retirava para seu quarto, que também servia de escritório, e fechava a porta.9 9 Entrevista, 10 de agosto de 2008.

O irmão de Arij, Nabil, expressou o mesmo tipo de distanciamento de seus pais. Ele ouvira falar que sua mãe prestara bons trabalhos para a Cruz Vermelha e organizações de mulheres. No entanto, ele sabia tão pouco sobre o passado feminista de sua mãe que, quando uma passagem de Desvelar e velar foi trabalhada em sua turma do ensino médio, ficou surpreso em saber que sua mãe já tivera uma vida exterior à sua casa de infância. Ele ficou constrangido ao admitir que não conseguia entender a passagem – o árabe clássico de sua mãe estava muito além do árabe do ensino médio.

Embora os filhos tivessem apenas lembranças vagas sobre a mãe, o sobrinho, Said, assumiu a tarefa de coletar tudo a ver com sua tia, inclusive um grande maço de cartas de todo o mundo. As entrevistas com esses três homens preencheram a lacuna existente entre a publicação dos dois livros de Nazira e sua morte, em 1976. Comecei a juntar as peças do quebra-cabeça da história, dos escritos e da época dessa mulher.

Nazira era a mais velha de quatro filhos de uma célebre família drusa. Nascida em Istambul e educada em escolas francesas em Beirute,10 10 Arij disse-me que sua mãe foi a primeira menina libanesa a obter o bacharelado francês (entrevista em 10 de agosto de 2008). ela aprendeu sobre o Islã com seu pai e seu círculo de eminentes conhecidos homens de letras e religiosos. Said Bey Zeineddine promovia regularmente encontros de portas abertas em sua casa ancestral em Ayn Qani, uma aldeia drusa nas montanhas Chouf acima de Beirute. Numa época em que as meninas eram educadas para ficar em casa e aprimorar-se nas artes domésticas, Nazira frequentava o salão do pai. No final da adolescência, ela dava palestras em Beirute sobre os direitos das mulheres no Islã.

Em 1923, quando tinha quinze anos, ela ouviu falar de ativistas feministas no Egito e se correspondeu com Huda Shaarawi. Quando, em 1927, os xeiques sunitas em Damasco emitiram uma fatwa contra a retirada do véu, Nazira organizou seus argumentos contra a fatwa. Ela não estava só na luta contra as autoridades religiosas e sua pretensão de saber melhor o que o Alcorão e a Sunna exigiam dos muçulmanos. Enquanto desenvolvia seu trabalho apoiada no de mulheres e homens feministas egípcios, ela estava cercada por feministas libanesas que exigiam seus direitos como mulheres e cidadãs plenas de seu país.

Por que ela foi tão rapidamente esquecida mesmo em sua terra natal? Emily Fares Ibrahim, em seu Adibat lubnaniyat (Escritoras libanesas), de 1961, fornece biografias de mulheres que ela considerava as dezesseis mais importantes escritoras feministas que viveram entre 1838 e 1960, incluindo Zaynab Fawwaz (1850-1914), Labiba Hashim (1882-1952) e Mayy Ziyada (1886-1941). Ela elogia suas conquistas e demandas por igualdade no que chama “nossa literatura feminista” (Ibrahim, 196110 IBRAHIM, Emily F. Adibat lubnaniyat (Escritoras libanesas). Beirut: Dar al-Rihani, 1961., p. 140). Surpreendentemente, ela jamais menciona Nazira, essa proeminente intelectual libanesa e pioneira do feminismo islâmico, quem ela pode ter conhecido, já que ambas moravam em Beirute na mesma época. Em um documentário de 2014, Aida al-Jawhari11 11 Nazira Zeineddine documentário de Aida al-Jawhari. (Em árabe). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=SVpQGB_lARw sugere que um possível motivo foi que ela ter deixado de escrever após a publicação de A jovem e os xeiques. Mas há muitos escritores que não publicam nada depois de um livro notável e nem por isso são esquecidos.

Há outras razões para a repressão da memória de Nazira. Como filha de um juiz otomano, Nazira reivindicara uma autoridade muçulmana sunita que lhe permitiria arbitrar o que era islâmico e o que não era. Ironicamente, porém, ao afirmar que o hijab não era islâmico, ela transformou a polêmica do hijab em uma questão civil que poderia ser julgada pelos franceses, aos quais ela poderia pedir apoio. Os franceses tornaram-se o terceiro elemento entre proponentes e opositores do hijab. Eles eram secularistas cujo compromisso com a neutralidade em questões religiosas, ela pensou na época, os tornaria aliados na luta contra o hijab.

Nazira não apenas apelou para a intervenção dos colonizadores franceses, como também não temeu apresentar modelos de feminilidade ideal que não fossem muçulmanos nem árabes. Ela fez referência a mulheres ocidentais que não usam véu e são respeitadas, podendo desempenhar papéis importantes em sua sociedade. Com base em sua experiência na escola do convento, ela escreveu sobre freiras que, apesar de não cobrirem o rosto, não são tratadas pelos homens muçulmanos carentes de razão e religião e os pais enviam seus filhos para as escolas das freiras (S&H, p. 134, 138). Se essas escolas eram consideradas as melhores, então deveriam ser emuladas:

A melhor maneira de construir as melhores escolas para árabes e islâmicos é copiar as melhores escolas e universidades estrangeiras como Oxford, Sorbonne, Columbia, Princeton e Harvard, onde as mentes são livres para elevar-se aos céus, iluminadas por novos conhecimentos e atentas às forças iluminadoras que Deus lhes deu, purificadas dos germes de moléstias estagnantes ou costumes antiquados que são um desastre para o Oriente

(F&S, p. 40).

Essas escolas estrangeiras poderiam inspirar autonomia cultural, social e política, o caminho do verdadeiro nacionalismo, um compromisso com uma nação que dá às mulheres o direito de cultivar suas mentes. Embora Nazira pensasse que poderia trabalhar tanto no sistema francês quanto no islâmico, ela acabou fracassando. Poucos catedráticos islâmicos se convenceram de que suas demandas por mudança nas normas e valores de gênero eram baseadas em uma plena compreensão do Islã, e não na emulação de modelos europeus. Alguns a tacharam de traidora e, como já mencionado, Xeique al-Ghalayini liderou a acusação de que o livro não seria dela – ela teria emprestado seu nome a um livro escrito pelos missionários.

Mas Desvelar e velar não é um trabalho missionário. Falta-lhe o projeto central do colonialismo: menosprezar a sociedade a ser penetrada e possuída. O estratagema europeu era usar a opressão das mulheres como medida do calibre intelectual da sociedade e do valor espiritual de sua religião. Uma sociedade na qual os homens são autorizados a discriminar suas mulheres só pode ser salva para a civilização universal por meio da mediação de um agente externo e civilizado, ou seja, o colonizador.

Nazira não afirmou que os homens eram incivilizados ou que havia algo de errado com a sociedade muçulmana. O problema residia nos xeiques. Esses é que não entendiam que a família e a nação só podem melhorar elevando e preparando suas mulheres para serem plenamente humanas. As mulheres devem ser consideradas irmãs e parceiras (S&H, p. 52, 59, 85, 113). Espelhando-se no Alcorão, em Maomé, mas também em John Stuart Mill, ela defendia a igualdade intelectual e espiritual entre mulheres e homens e o direito daquelas de participar dos assuntos domésticos e da sociedade. Antecipando os argumentos das feministas do final do século 20 ela declarou que a criação, e não a natureza, era responsável por qualquer carência nas mulheres.

Em Nazira Zeineddine: pioneira do feminismo islâmico, acrescentei outro motivo para o apagamento de Nazira da história: uma mudança radical na política libanesa (cooke, 2010, p. 104-105). Após o colapso caótico e a dissolução do Império Otomano, em 1922, e a apropriação da Síria e do Líbano como territórios da França, após a Primeira Guerra Mundial, a afiliação confessional tornou-se um jogo político. Os drusos, que até então tinham poder no Líbano, foram desbancados pelos maronitas como resultado de um censo de 1932 instigado pela França. O censo buscou determinar as posições políticas nacionais em termos do tamanho comparativo das dezessete diferentes comunidades religiosas do país. Foi o primeiro e último censo desse tipo realizado e desde o início foi contestado. Os franceses anunciaram os resultados do censo: seus protegidos, os maronitas, eram os mais numerosos e, portanto, deveriam ser nomeados para os mais altos cargos do sistema político do país. Os próximos mais numerosos foram os sunitas, seguidos pelos xiitas e só depois pelos drusos. O censo concedeu aos drusos poderes e influência nacional limitados e, sobretudo, fixou a identidade drusa como heterodoxa. Os drusos já não podiam falar em nome do Islã sunita, como pai e filha Zeineddine haviam feito. Nazira referia-se a si mesma como uma jovem muçulmana em ambos os textos e o fazia para provar sua autoridade e direito de defender os direitos das mulheres no Islã, contra as reivindicações dos homens de que uma boa muçulmana deve cobrir o rosto e calar a boca. Três anos após a publicação de A jovem e os xeiques, no qual ela zombou da crítica de seu oponente mais poderoso, o Xeique al-Ghalayini, sua identidade religiosa recém fixada suplantou sua afirmação de ser muçulmana. As autoridades religiosas que atacaram sua posição ideológica, senão a solidez de seu argumento, podiam esquecer essa pedra em seu sapato e os apoiadores dela permaneceram em silêncio.

O destino de Nazira como intelectual esquecida pode ser comparado ao desaparecimento do psicanalista e sociólogo alemão Erich Fromm. Neil McLaughlin escreve que a “construção social de reputações intelectuais pode ser compreendida segundo variantes de quatro modelos: (1) clima da época; (2) geografia/tradições nacionais; (3) prestígio institucional e (4) características pessoais” (McLaughlin, 201712 MCLAUGHLIN, Neil. How to become a forgotten intellectual? Intellectual movements and the rise and fall of Erich Fromm. Sociological Forum, v. 13, n. 2, p. 215-246, 1998., p. 217). Cada variante responde de forma diferenciada pela ascensão de um intelectual à fama e seu subsequente mergulho no esquecimento. Como Fromm, o declínio final de Nazira deveu-se ao “peso da intensa hostilidade” e à falta de uma comunidade intelectual emotivamente engajada em promover e desenvolver o “desafio às ortodoxias” lançado por ela (p. 239-240). Não seria antes da década de 1990 que sua indignação com a misoginia das chamadas autoridades islâmicas seria captada por feministas islâmicas, quase todas as quais, no entanto, deixaram de reconhecer seu trabalho inovador.

Em 18 de janeiro de 1974, dois anos antes de sua morte, Nazira deu uma entrevista a Saad Sami Ramadan que indicava o quanto ela havia mudado ao longo desses quarenta e quatro anos. Sua primeira pergunta foi: “O que te fez lembrar de mim? Vivo longe das luzes e de qualquer atividade que valha a pena mencionar. Mas obrigada pela visita que ressuscita do passado distante as imagens dos meus esforços para libertar as mulheres árabes.” Ela o lembrou dos muitos intelectuais árabes importantes que elogiaram seu livro, incluindo o poeta iraquiano al-Rusafi, que escreveu liricamente sobre como ela havia golpeado os costumes que sustentavam uma “prisão repugnante para as mulheres”. Por que – perguntou Ramadan – ela decidira escrever? Ela respondeu que queria ajudar sua sociedade. Seu sonho era ser uma médica que pudesse ajudar na epidemia de mortes no parto, mas nenhuma faculdade de medicina na década de 1920 aceitava mulheres; então, sua única alternativa era escrever. No entanto, depois do casamento ela não podia escrever, porque o papel da mulher era em casa. Ela admitiu que as mulheres sem obrigações domésticas poderiam trabalhar. As mulheres devem participar da política votando, mas não devem se tornar politicamente ativas porque “os partidos políticos corrompem as mulheres”. Respondendo à pergunta final sobre quem a impressionou como a mais eloquente voz em defesa dos direitos das mulheres à liberdade, ela mencionou Ataturk, o fundador da República Turca, porque ele creditou suas vitórias sobre os inimigos a seus soldados e a “arrancar o véu dos rostos das mulheres” (Ramadan, 197414 RAMADAN, Saad Sami. Nazira Zeineddine: political parties corrupt women. Al-Hasna’, n. 645, 1974., p. 16-17). Embora tenha mencionado as feministas árabes, incluindo Huda Shaarawi, em seus livros e nesta entrevista, ela escolheu exaltar um homem como o mais ardoroso defensor dos direitos das mulheres porque este se orgulhava de ter se oposto ao hijab e, assim, trazer modernidade para sua incipiente república.

Quando Nazira morreu, durante o segundo ano da guerra civil libanesa (1975-1990), não houve grande funeral. A jovem que atraíra grande atenção para as interpretações misóginas das escrituras islâmicas, que enfureceu os xeiques no final da década de 1920 e abriu uma brecha em sua sociedade, caía no espaço escuro entre as linhas da história.

  • 1
    Mais recentemente, foi feita uma distinção para que a cobertura facial seja chamada de niqab.
  • 2
    Ela cita, por exemplo, o poeta Ahmad Shawqi: “O Egito está renovando sua glória por meio de suas mulheres” e em um poema de 16 versos, ele se referiu às mulheres com véu como “múmias” (Zeineddine, 1998a18 ZEINEDDINE, Nazira. Al-sufur wa al-hijab. Muhadarat wa nazarat fi tahrir al-mar’a wa al-tajaddud al-ijtima`i fi al-`alam al-islami (Desvelar e velar. Lições e perspectivas sobre a liberação das mulheres e a renovação social no mundo islâmico). Damasco: Dar al-Mada, 1998a/1928. [S&H], p. 148- 149).
  • 3
    Neste ensaio, as referências a Desvelar e velar serão feitas no texto como S&H, do árabe Al-sufur wa al-hijab. As referências de página de seu segundo livro, A jovem e os xeiques, serão feitas no texto como F&S do árabe Al-fatat wa al-shuyukh.
  • 4
    Forma de divórcio na lei islâmica que concede ao homem o direito de repudiar o casamento ao pronunciar três vezes a palavra talaq. (NT-nota da tradutora).
  • 5
    John Stuart Mill, frequentemente citado por Nazira, também escreveu sobre poderosas regentes na Índia, das quais teve conhecimento durante seu posto no subcontinente (Mill, 186913 MILL, John Stuart. The Subjection of women. Londres: Longman, Green, Reader, and Dyer, 1869., p. 41).
  • 6
    Para um exemplo de uma carta de felicitações enviada pelo primeiro-ministro sírio Taj al-Din al- Hasani a Nazira, em 25 de abril de 1928, ver cooke (2010, p. 61)8 COOKE, miriam. Nazira Zeineddine: a pioneer of Islamic feminism. Oxford: Oneworld, 2010..
  • 7
    Umma – palavra árabe que pode ser traduzida como comunidade islâmica. (NT).
  • 8
    Não é incomum uma obra explosiva desaparecer, ter suas ideias plagiadas, e sua autora ou autor esperar séculos para ser descoberta, se o for. Veja-se, por exemplo, Ernst von Lasaulx (1805-1861), um dos idealizadores do conceito de era axial junto com Weber, que desapareceu enquanto estes eram celebrados. Seu livro Neuer Versuch einer alten auf die Wahrheit der Thatsachen gegründeten Philosophie der Geschichte (Nova tentativa de uma velha filosofia da história baseada na verdade dos fatos), de 1856, sumiu da história, até que Hans Joas o ressuscitou em um livro de 2012 coeditado com Robert Bellah, intitulado The Axial Age and its Consequences (Harvard, 2012), mostrando que von Lasaulx havia desenvolvido a ideia um século antes de Karl Jaspers, considerado o pioneiro do termo em seu livro de 1949, On the Origin and Goal of History (Joas, 201211 JOAS, Hans. The Axial Age debate as religious discourse. In: BELLAH, R. N.; JOAS, H. (eds.). The Axial Age and its consequences. Cambridge: Belknap Press, 2012. p. 9-29.).
  • 9
    Entrevista, 10 de agosto de 2008.
  • 10
    Arij disse-me que sua mãe foi a primeira menina libanesa a obter o bacharelado francês (entrevista em 10 de agosto de 2008).
  • 11
    Nazira Zeineddine documentário de Aida al-Jawhari. (Em árabe). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=SVpQGB_lARw
  • Artigo traduzido do inglês por Regina Vargas.

Referências

  • 1
    ABU MATAR, Nabil; ABU MATAR, Hayat. Nazira Zayn al-Din ra’ida fi al-taharrur al-niswi (Nazira Zeineddine: pioneira da liberação das mulheres). Beirut: Dar al-Taqaddumiya, 2008.
  • 2
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  • 3
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Fev 2023
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    28 Jun 2022
  • Aceito
    14 Dez 2022
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