Open-access Figuras do intelectual: gênese e devir

Figurations of intellectuals: genesis and possible future

Resumo

Este ensaio pretende apresentar a gênese moderna do intelectual e as figurações que assume ao longo de uma história relativamente recente até chegar a alguns impasses que sugerem sua crise, arriscando-se ao final caminhos possíveis para uma reconfiguração que o permita enfrentar os desafios do mundo social contemporâneo.

Palavras-chave: Figuras do intelectual; Crise dos intelectuais; Sociologia dos intelectuais; Campo cultural; Campo da produção simbólica

Abstract

This essay is aimed to present the modern genesis of intellectuals and their figurations throughout a relatively recent history, up to the emergence of some impasses that suggest a crisis. Some paths are then proposed towards a reconfiguration that could enable them to face the challenges of the contemporary social world.

Key words: Figurations of intellectuals; Crisis of intellectuals; Sociology of intellectuals; Cultural field; Symbolic production field

I

O que é um intelectual? Apenas aparentemente a pergunta soa ingênua, talvez até tola. Ainda mais porque dela podemos derivar uma segunda questão: quem é intelectual? Respondê-las, ou ao menos tentar respondê-las, exige um percurso, reconstruir a gênese da figura do intelectual, percorrer um conjunto de problemas históricos, transitar por um leque de teorias e autores e, a meu ver, tentar vislumbrar algum devir. A viagem não promete qualquer porto seguro, a não ser a convicção de que chegar às respostas, se houver, não é fácil.

O conceito de intelectual, segundo os cientistas sociais que se dedicam ao estudo do tema (Coser, 1970; Altamirano, 2006; Leclerc, 2004; Charle, 1990, 1995), não possui uma definição precisa, um significado estabelecido; é, mais propriamente, uma noção que um conceito, é “multívoca” (Altamirano, 2006), polêmica, desprovida de limites claros e exatos. Para Lewis Coser: Poucos termos modernos são tão imprecisos quanto o termo “intelectual” (Coser, 1970, p. vii, tradução minha)2. O intelectual, portanto, parece fazer parte daquelas categorias sociais (e ao mesmo tempo sociológicas) problemáticas (Leclerc, 2004) como as de “classe social” e “ideologia”, guardadas suas devidas peculiaridades históricas e epistemológicas.

Em boa medida, a dificuldade de se definir o termo deriva do fato de que toda forma de organização social, passada e presente, possui os seus profissionais do pensamento, da cultura e da escrita, em suma, aqueles profissionais que em alguma medida lidam com a dimensão simbólica do tecido social: a China conheceu seus mandarins-letrados (shi), a Índia teve seus videntes e sábios (os rsi, profetas míticos, e os brâmanes, os pandits, os gurus), no Islã encontramos os estudiosos exegetas do Alcorão (os ulemás), do mesmo modo as sociedades do Oriente Médio possuíram seus escribas e sábios (Leclerc, 2004; Weber, 1982). Mesmo no mundo ocidental, a noção de intelectual pode variar conforme o contexto. Ao contrário da França, na Inglaterra, desde o princípio do século XIX até meados do século XX, o substantivo “intelectual” foi profundamente marcado por usos desfavoráveis, atribuindo-lhe uma carga semântica negativa, muitas vezes associando o termo ao de “pedante”, “improdutivo” e “ineficaz” (Williams, 2007, p. 236-7).

Mas podemos chamar tais “profissionais do pensamento” de “intelectuais”? Se tomarmos estes últimos como um grupo mais ou menos homogêneo, dotado de certa autoconsciência, que se arroga o dever moral de criticar a própria tradição que o gera e da qual faz parte, ou seja, desenvolver um pensamento que seja crítico e autocrítico, então é bem possível que a resposta seja não (Leclerc, 2004; Altamirano, 2006; Coser, 1970). Ao que parece, o intelectual, tal qual o concebemos contemporaneamente, é uma figura tipicamente moderna. Tanto é que Altamirano chega a afirmar que a expressão “intelectual moderno” é redundante, praticamente um pleonasmo (Altamirano, 2006, p. 105).

Embora não possamos atribuir à noção de “intelectual” um sentido definitivo, tornando impossível analisá-lo exatamente da mesma maneira em todas as formações sociais, a literatura sobre o assunto concorda que o intelectual, enquanto uma categoria caracteristicamente moderna, possui “certidão de nascimento”: 1894, Paris, França (Leclerc, 2004; Coser, 1970; Altamirano, 2006; Charle, 1990, 1995; Bourdieu, 1996; Said, 2005; Silva 2004).

Por quê?

II

Ao longo do saboroso e instigante Representações do intelectual, fruto das Conferências Reith proferidas em 1993, Edward Said (2005) assume corajosamente o risco de responder justamente àquela questão que parece não ter resposta: o que é um intelectual?

Para ele, o intelectual é caracterizado, fundamentalmente, pela liberdade do pensamento, pela paixão em relação ao conhecimento desinteressado - leia-se aí como livre de quaisquer pressões e interesses imediatos, sejam eles políticos e/ou econômicos -, pelo dever ético de exercer a crítica de modo implacável, se necessário. Tudo isso, em conjunto, define uma espécie de postura moral do intelectual que, ao fim e ao cabo, o define. É em Julien Benda, curiosamente um intelectual conservador, que Said encontra uma figura exemplar do intelectual moderno:

[...] essa figura do intelectual como um ser colocado à parte, alguém capaz de falar a verdade ao poder, um indivíduo ríspido, eloquente, fantasticamente corajoso e revoltado, para quem nenhum poder do mundo é demasiado grande e imponente para ser criticado e questionado de forma incisiva (Said, 2005, p. 23).

Nos termos propostos por Said, os atributos do intelectual permitem-lhe discutir publicamente questões embaraçosas, confrontar ortodoxias e dogmas, não se deixar cooptar por governos ou corporações, e cuja raison d’être é representar todas as pessoas e problemas que são frequentemente esquecidos, desrespeitados, silenciados, alijados da arena pública (Said, 2004; 2005). Em suma, o intelectual, se quiser ser digno desse nome, deve colocar-se ao lado dos injustiçados, dos marginalizados.

Toda essa ousadia, indignação e impertinência é o resultado e, ao mesmo tempo, pressuposto de sua condição de exilado, de marginal, de um estranho em sua própria terra, no mesmo sentido atribuído por Simmel (1939) e Schutz (2003). Para ambos, o estrangeiro é capaz de relativizar e tensionar todo um sistema de conhecimento já enraizado, encarado pelos membros do “endogrupo” como normais, naturais, uma vez que esse “endogrupo” tende a aceitar passivamente os esquemas estandardizados, já elaborados a partir da “pauta cultural” (Schutz, 2003, p. 98) recebida dos antepassados, clérigos, professores e outras autoridades como um guia indiscutível em todas as situações que se dão habitualmente no interior do mundo social. É como se houvesse um conhecimento estabelecido e digno de confiança para os nativos em relação ao qual o estrangeiro se incomoda, não aceita plenamente, o coloca sob dúvida. O estrangeiro rompe, assim, com o pensamento habitual ou com a forma habitual de se pensar. Em suma, o estrangeiro, devido ao seu estranhamento em relação ao que o circunda, passa a questionar tudo aquilo que é inquestionável aos membros de uma determinada configuração social.

O exílio, ainda que doloroso como experiência, pode resultar em antídoto contra a cegueira daquilo que é familiar, facultando ao intelectual a capacidade de romper com a experiência ordinária e as verdades do senso comum (Altamirano, 2006, p. 40-3), almejando sempre alcançar uma vida mais digna e justa para o conjunto da sociedade.

É evidente, segundo Carlos Altamirano (2006), que Said se alinha a uma tradição dreyfusard a propósito do papel que o intelectual moderno deve cumprir, inaugurada a partir do famoso Affaire Dreyfus, escândalo político francês que incendiou os debates públicos entre 1894 e 1906.

O Caso Dreyfus é, sem dúvida alguma, paradigmático, um divisor de águas na história social dos intelectuais, não só porque é responsável pela produção e difusão das mais poderosas representações acerca dos intelectuais, como também os transforma numa questão a ser analisada, num problema que se tornará um desafio para a sociologia. Noutros termos, L’Affaire Dreyfus impõe a necessidade de compreender o intelectual, quem é ele e qual o seu papel na sociedade moderna.

Não apenas Benda e Said viram-se arrebatados pela figura moderna de intelectual que nasceu a partir do Caso Dreyfus, mas mesmo a zelosa sociologia norte-americana - a primeira das grandes sociologias a se debruçar sobre o tema dos intelectuais (Leclerc, 2004) -, tão apegada à pesquisa empírica, foi igualmente seduzida por tal figura. Para Lewis Coser, por exemplo, o intelectual é mais do que um homem inteligente, pois se engaja àqueles valores que considera transcendentes, guiado por um espírito contemplativo e crítico que se opõe ao espírito prático e imediatista dos técnicos e a qualquer atitude conformista. Os intelectuais, para ele, são guardiões dos valores humanistas sem deixar de cultivar uma atitude permanentemente crítica. Nesse sentido, os intelectuais são guiados por um ethos e um senso de dever peculiares (Coser, 1970, prefácio). Do mesmo modo, Hofstadter opõe o espírito prático ao espírito crítico e novamente se aproxima de Coser ao afirmar que o intelectual desempenha um papel lúcido e lúdico, pelo prazer de pensar que o afasta de problemas demasiadamente mundanos e simples. Para Hofstadter, o intelectual ora encarna o espírito da seriedade, ora o da derrisão, que assume a forma do humor e da ironia (Hofstadter, 1963).

Tais representações do intelectual mantêm-se vivas e com relativo vigor, assim como certo anti-intelectualismo que também se origina com o Caso Dreyfus. É preciso, portanto, retomar Dreyfus, ainda que sinteticamente, e compreender o que significou e ainda significa.

III

Em dezembro de 1894, o capitão Alfred Dreyfus, oficial judeu, é condenado pelo conselho de guerra francês por crime de alta traição. Supostamente teria ele entregue documentos secretos à embaixada da Alemanha. A pena: deportação perpétua. Em janeiro de 1895, no momento de sua degradação pública, gritos de “morte aos judeus!” são ouvidos nas ruas de Paris. Em março de 1896, o comandante Picquard, novo chefe de informações, descobre que Dreyfus é inocente e que, provavelmente, o culpado é um outro oficial, o comandante Esterhazy. No entanto, o exército procura abafar o resultado das investigações de Picquard. E, janeiro de 1898, o jornal L’Aurore, de Clemenceau, publica a famosa carta de Émile Zola, escritor progressista, J’accuse (Eu acuso), denunciando o complô do qual Dreyfus é vítima. Já no dia seguinte, 14 de janeiro de 1898, aparecem, no mesmo jornal, várias assinaturas apoiando a atitude de Zola. Na lista, nomes conhecidos, como: Anatole France, Octave Mirabeau; jovens escritores, entre eles, André Gide, Marcel Proust, Charles Péguy (Leclerc, 2004, p. 48-56; Altamirano, 2006, 18-22; Silva, 2004, p. 39-40; Bourdieu, 1996, primeira parte).

O conjunto dos signatários é constituído por jovens escritores, jovens membros da universidade, alunos e ex-alunos da Escola Normal Superior. Conhecidos como dreyfusards, Clemenceau3 tratou de batizar o grupo com o nome de intelectuais ao classificar a petição a favor de Dreyfus como “manifesto dos intelectuais” num artigo escrito em 23 de janeiro de 1898 (Leclerc, 2004, p. 54). Mas é Barrès4, líder dos antidreyfusards, que populariza o termo ao publicar, uma semana depois do artigo de Clemenceau, em Le jornal, uma crônica com o título “O protesto dos intelectuais”:

Apoiando-se nas instituições da conservação e da tradição (a Igreja, a academia francesa, a justiça e o exército, a imprensa conservadora) e chamando os “intelectuais” de “tolos” e “estrangeiros”, Barrès irá assegurar ao termo seu renome e seu destino histórico. Os “intelectuais” são esses professores da universidade, esses membros do instituto, esses normalistas, esses escritores mais ou menos obscuros, republicanos, de esquerda, socialistas, que, para obter a revisão de um processo e reabilitar um indivíduo cuja culpabilidade é indiscutível aos olhos de Barrès, estão dispostos a pôr em risco as instituições e os pilares da sociedade (Leclerc, 2004, p. 54-5).

O termo “intelectual”, inicialmente um simples neologismo criado por Clemenceau e transformado em insulto por Barrès, torna-se uma bandeira gloriosa e um signo de adesão, tanto pelos progressistas quanto pelos conservadores, cada qual com intenções e disposições opostas. O Caso Dreyfus ultrapassa a si mesmo e assume, naquele momento, a feição de conflito ideológico e político. Vez por outra, historicamente, o debate em termos muito semelhantes é reacendido, colocando em polos opostos “intelectuais” e “anti-intelectuais”. O Caso Dreyfus expõe, portanto, que a oscilação entre a apologia do intelectual e o discurso contra o intelectual são tendências que se desenvolvem juntas, numa relação de complementaridade ao invés de negação mútua.

A despeito da importância histórica do caso do comandante judeu injustamente condenado, não é possível pensá-lo descolado do artigo de Zola. O J’accuse constitui o momento fundador de um processo em que os homens de letras, professores, alunos e filósofos intervém no espaço público exercendo sua autonomia de pensamento e crítica. É o artigo de Zola que detona uma cadeia de reações a favor e contra Dreyfus; é sua carta que dá à luz o moderno intelectual5.

O nascimento do intelectual moderno traz consigo questões a serem pesquisadas, debatidas e interpretadas. Uma delas é compreender por que se associa à figura do intelectual uma posição progressista e ao seu adversário a de conservador - pelo menos é o que sugere o cenário histórico do qual brota esse novo personagem social. Não deixa de ser tentador procurar na posição de classe de cada um deles, progressistas e conservadores, uma possível solução para o enigma.

IV

Se uma análise dos intelectuais enveredar pelos pertencimentos de classe, inevitavelmente procuraremos descobrir como o marxismo se posicionou a respeito da questão, e, particularmente, dois nomes despontam: Antonio Gramsci e Raymond Williams.

Gramsci se pergunta se os intelectuais constituem um grupo social autônomo ou cada classe social possui sua própria categoria de intelectuais. O problema é complexo, assinala Gramsci, pois, por um lado, efetivamente cada classe surgida no campo da produção econômica, burguesia e proletariado, pode criar seus círculos intelectuais específicos, com maior probabilidade de que a classe economicamente dominante se torne também culturalmente dominante - para Gramsci, a propriedade dos meios de produção econômica possibilita a propriedade dos meios de produção do saber (Gramsci, 1968). Os intelectuais de uma classe são chamados por Gramsci de “intelectuais orgânicos” e são capazes de produzir, segundo ele, certa homogeneidade ideológica e (auto)consciência, sendo os responsáveis, portanto, pela construção de sua legitimidade.

Gramsci também é o responsável por alargar a noção de “intelectual” e eliminar a típica distinção burguesa entre “intelectuais” e “não-intelectuais”. Seu argumento é o de que todos os indivíduos são intelectuais, embora nem todos exerçam a função de intelectuais. Mesmo os operários, ao exercerem suas funções, desempenham uma atividade que não é apenas braçal, mas também intelectual. Duas eram as preocupações de Gramsci ao estender a noção de intelectual: combater certo aristocratismo educacional e intelectual, como se as atividades intelectuais fossem privilégio natural de alguns poucos; e indicar as possibilidades para a formação de intelectuais de um novo tipo, oriundos da classe trabalhadora. A diferença entre o douto e o leigo, afirma Gramsci (1968), era apenas de grau; daí a necessidade de reformular radicalmente as escolas e as universidades e evitar que elas continuassem a reproduzir as distinções de classe. As universidades e escolas, até então, constituíam o símbolo da separação entre a alta cultura e a vida, entre os intelectuais e o povo (Gramsci, 1968, p. 126).

Percebe-se no pensamento gramsciano que, embora as relações entre classes sociais e intelectuais sejam complexas, estes, ainda assim, operariam como “funcionários” daquelas (Altamirano, 2006, p. 68).

Um bom exemplo de o quanto as relações entre as classes e os intelectuais é complexa nos é dado por Raymond Williams (2011) ao tratar do “Círculo Bloomsbury”. Grupo formado por pessoas que se conheceram, quase todas elas em Cambridge, reunia entre seus participantes figuras proeminentes, como Virgínia Woolf e E.M. Forster (Literatura), John Maynard Keynes (Economia), James Strachey (Psicanálise), entre outros. Os próprios participantes se definiam como nada além de um grupo de amigos reunidos por laços de afeto que se distribuíam entre o amor e a amizade. No entanto, para Williams, a questão sociológica, aquela que de fato interessa, é saber como essas “estruturas de sentimento” se originavam em formações sociais e culturais mais abrangentes. Estabelecer os elos entre os pertencimentos e posições de classe e os vínculos afetivos era o desafio teórico e metodológico para Williams.

Todos os seus membros, de um modo ou de outro, abraçaram questões políticas importantes, afrontaram instituições tradicionais como a Igreja e o Exército, defenderam reformas sociais, participaram ativamente de movimentos a favor da ampliação de direitos, propuseram um conjunto de reformas sociais a favor dos pobres, criticaram agudamente os setores mais conservadores da sociedade inglesa, inclusive os burgueses, estrato do qual se originara a maioria dos seus membros6. Todavia, aponta Williams, toda essa ação política não visava ultrapassar o regime burguês, revolucioná-lo, mas atualizá-lo visando sua preservação:

Seus membros [o do Círculo Bloomsbury] foram uma fração real da classe dominante inglesa então existente. Eles eram simultaneamente contra as ideias e valores dominantes dessa classe e, de bom grado, por todas as formas imediatas, parte dela (Williams, 2011, p. 213).

Essa fração da classe dominante não representou uma fratura radical em seu interior, mas sua continuidade em novos termos, “[...] o meio para o estágio seguinte necessário de desenvolvimento de sua própria classe” (Williams, 2011, p. 216). Tratava-se, nos termos de Raymond Williams, de uma revolta contra a classe, mas para a classe, que permitiu sua continuidade no poder a partir do exercício de sua hegemonia - não esqueçamos que Williams é um dos mais talentosos herdeiros de Gramsci. Construir a hegemonia significa atender parcialmente as demandas e reinvindicações dos setores dominados da sociedade, recrutar parcela ínfima desses setores por meio da ascensão social para trabalhar ao seu lado e a seu favor, ceder parte de seu terreno e mesmo de seu poder justamente para mantê-lo e legitimá-lo de forma ainda mais contundente:

[...] em sua escala mais ampla, Bloomsbury estava carregando os valores clássicos do Iluminismo burguês. O grupo era contra o convencionalismo, a superstição, a hipocrisia, a pretensão e o espetáculo público. Era também contra a ignorância, a pobreza, a discriminação sexual e racial, o militarismo e o imperialismo. Mas era contra tudo isso em um momento específico do desenvolvimento do pensamento liberal. Contra todos esses males, eles apelavam não a uma ideia alternativa da sociedade como um todo. Ao contrário, apelavam ao valor supremo do indivíduo civilizado, cuja pluralização, com mais indivíduos civilizados, era a única direção social aceitável (Williams, 2011, p. 224).

Os indivíduos civilizados, recrutados inclusive entre os setores sociais mais rebaixados, eram aqueles que compartilhavam os mesmos valores morais, racionalidade e padrões de conduta das frações mais esclarecidas da burguesia inglesa do período. Nesse sentido, o Círculo Bloomsbury se firmava como essa espécie de intelectual orgânico da classe dominante, mesmo mostrando-se, em vários aspectos, radical.

As abordagens de Gramsci e Williams revelam alguns dos possíveis nexos teóricos entre classes sociais e intelectuais, mas não resolvem inteiramente a questão, uma vez que descortinam as ambivalências dos intelectuais - e nem sempre conseguem interpretá-las devidamente - e não levam em conta a possibilidade de sua migração interclasse. Como bem alerta Christophe Charle (1995, p. 92), os intelectuais não formam uma facção política homogênea.

Karl Mannheim (2001), por sua vez, insistiu no caráter transclassista do intelectual. De acordo com ele, os intelectuais constituem um grupo situado entre e não acima das classes:

O membro individual da intelligentsia pode ter, como frequentemente ocorre, uma orientação particular de classe, e em conflitos reais ele pode alinhar-se com um ou outro partido político. Mais ainda, suas posições podem revelar uma clara posição de classe. Mas além e acima dessas filiações, ele é motivado pelo fato de que seu treinamento o equipou para encarar os problemas do momento a partir de várias perspectivas e não apenas de uma, como faz a maioria dos participantes de controvérsias (Mannheim, 2001, p. 81, destaques meus).

A posição de classe, portanto, no caso dos intelectuais - ou intelligentsia, conforme Mannheim -, é uma posição entre outras e uma das várias motivações para o pensamento e para a ação. Uma das características fundamentais do intelectual moderno, de acordo com a embocadura argumentativa mannheimiana, é a de que este não constitui uma casta ou estamento fechados, mas, sim, um grupo aberto às pessoas das mais variadas procedências, sejam elas de classe, gênero, raciais, idade etc. Os intelectuais aparecem e comportam-se como “renegados que abandonaram seu estrato de origem” (Mannheim, 2001, p. 114). Logo, uma visão unitária do mundo não pode mais se impor, assumindo o intelectual a perspectiva fragmentária e plural, a prepará-lo para rever suas próprias opiniões constantemente. Essa capacidade de autoavaliação produz e é produto de uma elevada sensibilidade em relação às visões de mundo alternativas e às interpretações divergentes a respeito do já conhecido e do já instituído, aumentando, assim, sua capacidade de “colocar-se no lugar do outro” (Mannheim, 2001, p. 93). O membro da intelligentsia é aquele que pode viver mais que sua própria vida e pensar mais que seus próprios pensamentos, a elevar-se para além dos fatalismos e dos fanatismos. É por desgarrar de sua origem de classe que o intelectual pode realizar a crítica social e articular um descontentamento que não é apenas seu ou de um grupo social específico7. Mannheim admite que frequentemente é isso que ocorre, causando um custo elevado ao intelectual, a ameaçar, inclusive, tal condição.

Para superar uma possível determinação da classe sobre o intelectual, Mannheim não consegue escapar a uma espécie de formulação abstrata e bastante normativa a propósito da intelligentsia, mais preconizando um dever ser do que exatamente analisando e interpretando a figura do intelectual. É como se Mannheim ainda não conseguisse se livrar completamente daquelas representações sobre o intelectual nascidas na passagem do século XIX para o XX - embora tivesse assumido o desafio nada fácil de tentar compreender uma questão crucial, a saber, as relações prováveis que se estabelecem entre os grupos de poder político e econômico e os intelectuais.

V

O Caso Dreyfus e o J’accuse de Zola estabelecem um marco fundamental na formação do intelectual moderno, porque, para além das considerações até agora tecidas, revela o amadurecimento de um processo histórico um pouco mais longo, que, no contexto europeu, remete provavelmente ao século XVI, momento de invenção da imprensa, fato que vai acelerar a circulação de ideias pela Europa; inicia-se um processo intenso de racionalização que impacta tanto a vida cotidiana quanto a filosofia, momento que Weber chamou de “desencantamento do mundo” (Weber, 2004; Oliveira, 2004)8. Ao mesmo tempo, indica os possíveis rumos que tal processo vai seguir.

Aos poucos, a partir do XVI, os intelectuais vão se libertando de seus mecenas eclesiásticos e aristocráticos graças ao início da formação de um mercado de bens simbólicos, desenvolvimento da imprensa, aumento da tiragem dos jornais, publicação de livros e revistas, a criação das Academias de ciência e literatura, a formação de cenáculos e salões literários. Na França, país que junto com a Inglaterra vivenciou uma intensificação desse processo, a diversificação do público é tal que Alain Viala (1985) afirma que é possível vislumbrar já um “primeiro campo literário” (premier champ littéraire) - contrapondo-se à tese de Bourdieu, segundo a qual o campo literário francês se forma apenas no século XIX.

É também na França que ocorreu a “coroação do escritor”, na feliz expressão de Paul Bénichou9, i.e., a centralidade que o escritor passava a ocupar nos cenários social, cultural, político e ideológico a partir do século XVIII (Charle, 1990, 1995). Segundo Christophe Charle, os escritores assumiram efetivamente um papel central na elaboração e difusão de doutrinas sociais e políticas, e devido ao seu acesso aos meios de comunicação da época (imprensa, livros, sucessos teatrais), contribuíram para a formação da própria consciência social das elites e de uma parcela das classes médias - àquele momento formadas pela burguesia ascendente (Charle, 1995, p. 87). Nos séculos XVIII e XIX, ainda em relação à França, o Estado participa ativamente da organização acadêmica das ciências (idem).

No fim do XVIII e início do XIX, em virtude do crescimento do mercado de bens simbólicos, desenvolve-se paralelamente e em oposição às academias e universidades consagradas um outro circuito de produção e consumo culturais, a boêmia e a marginalidade, os excluídos das instituições culturais oficiais e reconhecidas (Darnton, 1987). Um sistema que vai se dinamizando, agregando um leque variado de intelectuais, de estratos sociais diversos, com posições políticas e estéticas distintas potencializa as disputas entre os intelectuais consagrados, de um lado, e os aspirantes, doutro (Charle, 1995).

Quando rebenta o Caso Dreyfus, portanto, o “solo” social estava praticamente pronto, os antagonismos políticos e intelectuais se desdobravam já há algum tempo; as divergências sociais, ideológicas e estéticas, os embates entre modernos e antigos, vinha amadurecendo desde pelo menos o século XVII.

L’Affaire Dreyfus e a reação indignada de Émile Zola revelam, numa só tacada, que o processo de autonomização do campo da produção intelectual resultava de um processo histórico de duração mais longa e apresentava-se, àquela altura, num momento de maturidade.

Num dos empreendimentos teóricos e metodológicos mais sólidos das ciências sociais, particularmente da sociologia, voltados à análise dos intelectuais, Pierre Bourdieu, a partir da sua noção de “campo intelectual”10 - e suas variações, como “campo da produção simbólica”, “campo da produção cultural” etc. -, demonstra que, em virtude da sua própria constituição, os intelectuais estão submetidos a uma dupla determinação: a dos interesses de classe e das frações de classe que em algum grau representam, assim como a da lógica específica do campo da produção cultural. Levar em conta essa dupla dependência permitiu a Bourdieu escapar do risco de reduzir a cultura à condição de mero reflexo das relações de produção, mal que, segundo ele, afeta boa parte da produção marxista a respeito, mesmo aquelas mais refinadas.

Os intelectuais agem e internalizam as regras próprias ao campo ao qual pertencem, internalizando suas normas, reproduzindo-as e (re)criando-as conforme a lógica que o subjaz e o organiza. Uma vez que uma de suas propriedades fundamentais é a disputa entre os agentes pelo reconhecimento, pelo êxito, pelo respeito etc., que os impelem a inovar constantemente, sejam as linguagens estéticas, os modelos científicos ou as perspectivas filosóficas, o intelectual é determinado pelo campo, mas acaba igualmente determinando-o (Passiani, 2009; Passiani; Arruda, 2017). Bem se vê que o campo, particularmente o cultural, é movido pela pluralidade dos critérios de avaliação e validação e das fontes de autoridade, que se multiplicam nas figuras dos inúmeros críticos, cientistas, professores, academias, prêmios etc., como que institucionalizando a própria anomia (Silva, 2004, p. 39).

As regras do campo são criadas, reproduzidas e difundidas pelos agentes e instituições específicas a um campo determinado, garantindo, assim, uma autonomia relativa de uns diante dos outros. Isso significa dizer que o campo cultural não sofre as ingerências dos campos da política e da economia, o que não impede que se estabeleçam zonas de contato entre os campos, formem-se vasos comunicantes entre eles. O Caso Dreyfus revelou a maturidade do campo intelectual francês porque seus agentes e agências traduziram demandas e questões que eram ordem política nos termos do campo da produção simbólica, reconvertendo-os em produtos culturais. Cabe lembrar que todo o debate travado entre os intelectuais a respeito do caso se deu sob a forma de artigos e manifestos nas páginas dos jornais. O campo intelectual corresponde, então, a um microcosmos dentro de um macrocosmo do espaço social que Bourdieu frequentemente fragmenta em subcampos, como o literário, o científico, o escolar etc. - muito embora raramente o próprio Bourdieu utilize a expressão “subcampo”.

Como o intelectual frequentemente transita entre o seu próprio campo e o do poder, parece-me pertinaz a observação de Altamirano (2006, p. 102) segundo a qual o intelectual não tem apenas um público senão ao menos dois: aquele composto pelos membros de seu meio, onde se encontram os seus aliados e os seus rivais, e um auditório mais amplo, que oferece maior ressonância à sua palavra.

Estrutura possuidora de propriedades específicas, o campo intelectual é, para Bourdieu, parte da estrutura maior que constitui o campo do poder. Daí outro traço que oferece da definição dos intelectuais: detentores do capital cultural, são membros da classe dominante, mas na condição de fração dominada da classe dominante. Tal posição ambígua, dominados entre os dominantes, os conduz a uma relação ambivalente tanto com as frações dominantes da classe dominante quanto com as classes dominadas. É esta posição estruturalmente ambígua que ajuda a explicar a tomada de posição dos intelectuais no campo político (Altamirano, 2006, p. 88-9).

O campo (cultural), sinteticamente, assim se caracteriza:

Autónomo (sic), porque elabora e protege os seus princípios de funcionamento e hierarquização; “anómico” (sic), porque o mais importante de tais princípios é que não há lei estética, ética ou social a que obedecer; antes, irredutível multiplicidade de padrões, o campo cultural é pluriforme e vive da confrontação de criações. E eis o que o intelectual, que é o criador, quando interpela na sua qualidade de criador a agenda pública, transporta para a esfera pública (Silva, 2004, p. 40).

Tanto os circuitos instituídos e consagrados quanto aqueles círculos marginais mais informais - e não raro em competição - constituem o que se pode chamar genericamente de “meios intelectuais” portadores de sociabilidades específicas, geradores de “microclimas” (Trebitsch, 1992, p. 12) particulares. As formações intelectuais, portanto, estabelecem redes de interações complexas que incluem instituições reconhecidas e “microssociedades” (Altamirano, 2006) que, em conjunto, ora se aproximando, ora se distanciando, em disputa por bens simbólicos, são as responsáveis por elaborar as regras peculiares ao campo intelectual e estabelecer a lógica que o fundamenta.

VI

A história do intelectual conheceu, com a reação de Zola ao Caso Dreyfus, um essencial momento de inflexão que resultava de um processo pouco mais longo, que remontava, pelo menos, a um par de séculos, a sinalizar a emergência de uma nova figura social difícil de ser definida: enraizada numa classe social que a ela, eventualmente, pode se opor; que constitui uma espécie de profissão, mas que frequentemente a transcende, por sua posição crítica, por seu engajamento em torno de certas questões públicas, por sua inclinação ao debate; que, em conjunto, forma grupos que não se confundem com outros conjuntos sociais, mas que a eles, invariavelmente, se referem e se reportam.

Algo que essa história nos mostra é que esse ator social relativamente recente necessariamente se insere numa tradição intelectual - que, evidentemente, varia conforme se distinguem as histórias de cada lugar, de cada campo intelectual específico. Toda obra, a um só tempo, torna-se o prolongamento e a superação de uma tradição, podendo estabelecer o ponto de partida de uma nova tradição que dialoga com a anterior - a “instituição da anomia”, como já afirmado aqui, que corresponde à heterodoxia, à oposição ao cânone e à autoridade. E, para isso: “A obra do intelectual tem necessidade de um quadro cultural e institucional, que permite um fenômeno de inovação cumulativa” (Leclerc, 2004, p. 22). Nesse sentido, o pertencimento a um grupo parece ser condição sine qua non para sua própria emancipação e inovação culturais; cuja existência depende do grupo, que pode ser um grupo consolidado, oficialmente reconhecido, que se expressa, por exemplo, por sua vinculação às academias, às universidades, ou, ao contrário, situados à margem dos sistemas formais, burocraticamente organizados, como certos hábitats, dentre eles, os salões, os cafés, os cenáculos etc.. A invenção do intelectual, como afirma Bourdieu (2012), é sempre uma “invenção coletiva”.

De todo modo, o intelectual, do ponto de vista histórico, está intimamente ligado à universidade (Leclerc, 2004; Coser, 1970; Altamirano, 2006), e talvez seja exatamente tal ligação que marque a ruptura do intelectual com os seus antepassados mais longínquos, como o clerc cristão, os brâmanes hindus, os escribas de Israel, os letrados chineses etc. O nascimento do intelectual moderno está ligado ao nascimento de um conjunto de instituições, entre elas principalmente as universidades, cuja trama participa da constituição do campo intelectual. Lembremos que o já tão comentado Caso Dreyfus é contemporâneo da construção, por volta de 1900, da nova Sorbonne (Leclerc, 2004; Coser, 1970; Charle, 1990; 1995). As universidades comportam-se como lugares centrais para o acolhimento e desenvolvimento das profissões intelectuais; elas se encontram no coração do contexto institucional que produz as elites intelectuais nas sociedades contemporâneas (Altamirano, 2006, p. 121). Se, por um lado, o estatuto do intelectual de modo algum se restringe a um estatuto profissional, por outro, há uma associação evidente com certas profissões, entre as quais se evidencia a de (professor) universitário. Em nossa época, a universidade se tornou o centro produtor de profissões em que se recruta a grande maioria daqueles que desempenham no espaço público o papel de intelectuais - parece não haver dúvidas de que a universidade é um local privilegiado para se criar um caldo de cultura dos discursos críticos, o que não é o mesmo que imaginar, ingenuamente, que se tornou uma espécie de fábrica de pensadores rebeldes, como lembra de maneira arguta Carlos Altamirano (2006). Nunca é demais lembrar que, por mais importante que seja o papel desempenhado pela universidade na produção de conhecimento e na formação das elites culturais, ela não consegue abranger todas as esferas da vida intelectual, composta também por outros ambientes.

Principalmente a sociologia norte-americana (Coser, Parsons, Hofstadter, Shills, Lipset e outros) se refere ao intelectual como um profissional da inteligência, da criação, da inovação cultural - contudo, é preciso observar que essa mesma sociologia, assim como as representações mais habituais do intelectual, preconizam que se frequentemente um intelectual exerce uma profissão intelectual, o contrário não é exatamente verdadeiro, i.e., nem todos os membros das profissões intelectuais constituem um intelectual11.

Se tal representação corresponde, de fato, à realidade empírica, pouco importa, pois o que está em questão é um outro fenômeno: repito, a maneira como os intelectuais concebem-se a si mesmos, como se enxergam e se definem como “classe ética” (Altamirano, 2006), portadora de um “dever moral”. E o modo como se autorrepresentam estimula sua ação, alimenta e direciona certas disposições que, por sua vez, interagem com as próprias representações de si, convertendo-se num círculo necessário. Por isso, é parte fundamental do trabalho do sociólogo questionar (e mesmo duvidar) das representações que os intelectuais constroem a respeito de si mesmos. Os próprios intelectuais são os mais inclinados a descrições normativas de seu papel, prescrevendo para si aquilo que acreditam que devam ser - “críticos”, “livres”, preocupados com a justiça, concebendo-se como classe ética, ou seja, justamente aquelas representações que pontuei já no início deste ensaio. Esta é parte significativa da illusio que todo campo produz e que seus agentes assimilam para garantir a crença no jogo e, por conseguinte, a presença dos agentes no campo. Em boa medida, entender o que é (e quem é) o intelectual implica compreender como o intelectual vê a si próprio e como se define, como se autorrepresenta.

VII

Uma crítica comum dirigida à teoria dos campos de Bourdieu - e, por conseguinte, à sua abordagem a respeito dos intelectuais - é a de que ele desconsidera a necessidade de se historicizar as formas de sociabilidade intelectual, apanhando apenas aquelas propriedades estruturais mais gerais dos campos intelectuais e deixando escapar as idiossincrasias históricas que tornam os campos da produção simbólica de cada lugar diferentes entre si (Trebitsch, 1992, p. 16). A crítica é importante porque nos faz pensar que mesmo as propriedades estruturais são afetadas e constituídas historicamente. Logo, cada campo específico, com uma história que é única, possui propriedades estruturais igualmente singulares. Ou mesmo, se preferirmos uma visada mais geral, podemos nos perguntar como se configuram os campos intelectuais periféricos, daquelas nações que foram colonizadas pelas potências europeias, que experimentaram a escravidão como instituição central geradora de valores morais e sociabilidades - e, aqui, considero particularmente alguns casos latino-americanos e africanos, até por que é esse o horizonte que este dossiê abrange.

Pensar criticamente a herança cultural do ocidente, particularmente a europeia, remete-nos, creio eu, a um intelectual incontornável: Homi Bhabha.

Bhabha propõe que o “compromisso com a teoria” que os intelectuais das nações periféricas precisam assumir implica um gesto duplamente inscrito (Bhabha, 1998, p. 47) que deve tentar, num mesmo movimento, subverter e substituir as teorias importadas de outros contextos, num esforço de tradução e ressignificação do pensamento e das ideias importadas, de acordo com as novas realidades históricas e sociais locais, que, inevitavelmente, oferecem desafios distintos e impensados por modelos teóricos de outra cepa:

A linguagem da crítica é eficiente não porque mantém eternamente separados os termos do senhor e do escravo, do mercantilista e do marxista, mas na medida em que ultrapassa as bases de oposição dadas e abre um espaço de tradução: um lugar de hibridismo, para se falar de forma figurada, onde a construção de um objeto político que é novo, nem um e nem outro, aliena de modo adequado nossas expectativas políticas, necessariamente mudando as próprias formas de nosso reconhecimento do momento da política (Bhabha, 1998, p. 51, destaques meus).

Bhabha (1998) preconiza, pois, a “negociação” em lugar da “negação”, buscando a articulação de elementos antagônicos e contraditórios, num esforço de síntese dialética que rearticula, ou traduz segundo Bhabha, elementos que não são “nem o Um” “nem o Outro”, “mas algo a mais”, que contesta os termos e territórios de ambos, forçando o intelectual a um trabalho que é simultaneamente de citação e de (re)criação, posicionando esse intelectual num “entre-lugar” como o fruto da combinação entre a herança e o trauma, permitindo-lhe elaborar “um outro testemunho da argumentação analítica, um engajamento diferente na política e em torno da dominação cultural” (idem, p. 60).

Se, no caso europeu, os limites entre os campos da política (entendido como o campo do poder por excelência) e da produção simbólica/cultural são mais visíveis, mais bem delimitados, cada qual procurando preservar sua autonomia relativa, as proposições de Bhabha nos levam a pensar que em alguns casos, como o latino-americano e o africano, há um borramento de tais fronteiras, tornando-as bem mais imprecisas e porosas, pois no caso dos intelectuais das nações consideradas periféricas, cujo desenvolvimento (político, econômico e mesmo cultural) se viu por muito tempo atrelado e submetido às nações centrais por meio do colonialismo e do imperialismo, os desafios e conquistas epistemológicas e estéticas são igualmente políticas, já que se trata de uma conquista cultural que implica igualmente uma emancipação, uma transcendência do pensamento que abre horizontes e possibilidades da imaginação e, portanto, da própria ação. Por isso os intelectuais periféricos se empenharam arduamente nos movimentos de libertação política de seus países, nos movimentos de emancipação dos direitos, nos projetos de modernização, nas lutas contra as ditaduras locais, às vezes nos processos intrincados de construção mesmo de suas nações. Não é por acaso, e bastante comum, que, nesses casos, a emancipação política coincida com a criação dos campos da produção intelectual, em processos que não são apenas coincidentes, mas intimamente imbricados. O compromisso intelectual, em tais circunstâncias, é eticamente mais complexo e profundo, pois envolve e hibridiza questões políticas que são epistemológicas e epistemológicas que são políticas.

O decurso de tais histórias cria as condições propícias para o questionamento das representações hegemônicas do intelectual, geralmente de extração europeia, que tendem a assumir, segundo o professor da Faculdade de Ciências Econômicas e Sociais da Universidade Central da Venezuela, Daniel Mato, as ideias de “intelectual”, “pesquisador” e “acadêmico”, em muitos casos, como intercambiáveis entre si (Mato, 2004, p. 80). Mato (2004) afirma que, no caso latino-americano, não se restringem à academia, à universidade, extrapolando os seus marcos e abarcando outras formas de conhecimento e saberes que se manifestam numa miríade de movimentos sociais (feminista, indígena, afro-latino-americanos, direitos humanos etc.), nas artes populares e inclusive em organizações governamentais. Esta última característica torna os campos da produção cultural ainda mais peculiares, pois em vários casos o Estado participa ativamente de sua constituição sem com isso ameaçar sua autonomia relativa12.

Arrisco dizer que essas propriedades não são exclusivas dos meios intelectuais latino-americanos, repetindo-se noutros contextos cujas histórias de dominação, desigualdades brutais, violências de todas a ordens se assemelham. Nos termos de Gérard Leclerc (2004), os “intelectuais do Terceiro Mundo” são os frutos do colonialismo, do imperialismo, da modernização/ocidentalização, o que lhes concede o lugar de mediadores entre os diferentes mundos culturais, numa formulação muito próximo daquela elaborada por Bhabha.

Esses casos, assinala Mato (2004), nos mostram que as práticas dos intelectuais em alguns contextos se desenrolam além e dentro do âmbito acadêmico convencional, criando as oportunidades para desenvolvimentos teóricos inovadores, imprevistos.

VIII

Um conjunto de transformações históricas provocou, como não poderia deixar de ser, impacto sobre os círculos intelectuais, desde os mais tradicionais até os mais outsiders, lançando dúvidas sobre o papel e a importância dos intelectuais no mundo contemporâneo, criando até a incerteza sobre sua existência atual (Silva, 2004; Sarlo, 2004.

Quais as causas que produziram uma crise dos intelectuais? Sinteticamente, aponto alguns possíveis fatores, todos eles de algum modo interligados, que participaram e participam do ocaso do intelectual, ou pelo menos de um tipo de representação do intelectual:

  • 1) Curiosa e paradoxalmente, o desenvolvimento do campo intelectual, com o aumento exponencial da produção de dados e informação, fruto do próprio crescimento das universidades, do investimento público e privado em pesquisa, acabou por criar sua especialização e profissionalização extremas (Oliveira, 2004; Coser, 1970; Said, 2004, 2005; Sarlo, 2004), produzindo uma espécie de enclausuramento, i.e., cada vez mais professores, cientistas e artistas estão envolvidos em suas atividades específicas, eximindo-se da responsabilidade de discutir questões mais amplas na esfera pública - aliás, a própria concepção de esfera pública, tal como imaginava Habermas (1984), caiu em descrédito, obrigando o seu abandono ou sua reformulação;

  • 2) O ímpeto produtivista e a “caça” por recursos econômicos que viabilizem suas pesquisas e projetos de outras naturezas, também resultado da especialização, concorre para a cooptação dos intelectuais profissionais por agências públicas e privadas, colocando em risco a autonomia do pensamento crítico;

  • 3) A ampliação das atividades intelectuais e sua pluralização - jornalistas, publicitários, consultores para uma cartela variadíssima de assuntos etc. - combinadas ao desenvolvimento e ampliação das tecnologias de informação e comunicação colocou sob suspeita e inibiu aquele intelectual que se comportava como espécie de legislador, que possuía uma voz universal que ecoava largamente e emitia sua avaliação sobre um leque variado de assuntos (Sarlo, 2004);

  • 4) A competição entre os profissionais intelectuais se tornou injusta e desigual, uma vez que alguns têm acesso ilimitado aos meios de comunicação, frequentemente trabalhando para eles, e outros têm sua entrada interditada ou são esquecidos e invisibilizados pelos media, a depender de seu posicionamento quanto a alguns assuntos ou mesmo devido à sua inclinação ideológica;

  • 5) O engajamento político excessivo e a-crítico de alguns intelectuais, à esquerda e à direita do espectro político-partidário-ideológico, e a proximidade suspeita que alguns deles podem criar com o campo do poder contribuem para produzir certa cegueira e causar alguma descrença em relação aos seus argumentos, opiniões e avaliações (Leclerc, 2004; Coser, 1970).

Certamente, a figura do intelectual hoje não é a mesma daquela das controvérsias entre dreyfusards e antidreyfusards, seu papel e atuação são outros, diferentes, mas não menos importantes. Os intelectuais, a despeito de sua possível crise, não podem ser ainda dispensados; e os intelectuais, por sua vez, devem assumir o desafio de procurar outras formas de intervir no mundo social sem prejudicar ou ameaçar a autonomia dos campos da produção cultural (Silva, 2004). Num terreno socio-histórico tão fragmentado e pluralizado, tão marcado por atos de intolerância, cravejado de desigualdades de todas as naturezas, tão atravessado por antagonismos radicais, talvez os intelectuais possam atuar como uma espécie de intérpretes, mais ou menos como sugere Homi Bhabha, a criar pontes entre mundos distintos para sonharmos mundos possíveis, obrigando-(n)os a uma reinvenção de si que depende, por suposto, da reformulação dos campos intelectuais e da illusio que é o seu resultado e os baliza.

Se o percurso que foi sugerido neste ensaio responde às perguntas que lhe servem de abertura, difícil dizer. Mas tendo a acreditar que, no caso das ciências sociais, as respostas, dado o seu caráter provisório e parcial, são menos importantes que as perguntas que as ensejam, porque estas, é provável, persistirão e incomodarão por mais tempo.

Levantar dúvidas; explicitar dilemas; sugerir caminhos para sua compreensão sem a intenção de estabelecê-los definitivamente; duvidar das respostas prontas e interpretações consagradas; perturbar aqueles que comodamente pensam que os intelectuais são imunes às críticas e às crises; provocar quem acha que os intelectuais não existem mais ou, se existem, não passam de inúteis sem importância, é o espírito que anima o dossiê Sociologia dos Intelectuais que se apresenta a seguir, cujos artigos que o compõem expressam, temática, metodológica e epistemologicamente os problemas e questões que cercam o nascimento e a trajetória do intelectual moderno, as incertezas que o assolam, as transfigurações que sofreu a partir de uma série transformações históricas, inclusive a presença e importância da figura do intelectual não-europeu, cujas características, disposições e posicionamentos (científicos, políticos, ideológicos e estéticos) obrigam a pensar o intelectual contemporâneo a partir de outros parâmetros, a conduzir, inevitavelmente, a uma reformulação das ciências sociais e suas formas de abordar o tema.

O artigo que abre o Dossiê, Elementos para uma teoria da criação literária: o caso de Franz Kafka, de Bernard Lahire, trata da associação que se construiu entre intelectual e escritor e procura desvendar, sob uma perspectiva sociológica, o que ele chama de “mistérios da criação literária”, o que impõe, como esforço investigativo, alternar e combinar vários planos de análise, desde a produção social e histórica do escritor, passando por suas experiências em círculos sociais mais restritos, principalmente a família, até chegar à obra propriamente dita, articulando, assim, a pesquisa externa dos condicionantes sociais e sua transformação em elementos de linguagem e estilo.

A seguir, o(a) leitor(a) encontrará Intelectuais à prova de barricadas: Félix Guattari e a subjetivação militante de 68, artigo com argumentação rigorosa de Nilton Ota sobre um tema ainda pouco explorado por nossas ciências sociais, a saber, a iniciativa política e epistemológica - na verdade, dimensões que estão implicadas uma na outra - de Félix Guattari em criar o Centre d’études, de recherches et de formation institutionelles (CERFI), espaço que servia de meio de interlocução com o contexto político da época, experiência que afetava sua disposição crítica manifesta tanto em seu empreendimento teórico quanto em seu engajamento.

Em Orientações para uma descolonização do conhecimento: um diálogo entre Darcy Ribeiro e Enrique Dussel, Adélia Miglievich-Ribeiro e Edison Romera mostram como é possível estabelecer vasos comunicantes, um diálogo instigante entre o antropólogo brasileiro Darcy Ribeiro e o filósofo argentino Enrique Dussel, cada qual, separadamente, envolvido num projeto comum, epistemológico e político, de descolonizar o conhecimento científico e filosófico “em” e “a partir” da América Latina visando superar modelos epistêmico eurocentrados. O artigo nos mostra que a circulação internacional das ideias nunca ocorre de modo passivo entre os agentes envolvidos, mas motiva (re)criações e ressignificações inusitadas que provocam efeitos nos domínios do saber e da política.

Numa parceria já conhecida e reconhecida, os sociólogos Luiz Carlos Jackson, brasileiro, e Alejandro Blanco, argentino, avaliam comparativamente os papéis desempenhados pelos críticos literários José Luis Martínez, Antonio Candido e Adolfo Prieto na formação dos campos culturais de México, Brasil e Argentina, respectivamente, apontando semelhanças e dessemelhanças entre seus projetos intelectuais que, ancorados na institucionalização universitária dos cursos de letras, não deixavam de se preocupar com uma espécie de (re)descoberta de seus países e denúncia de seus males.

A socióloga mexicana Lidia Girola, com o artigo Elites intelectuales e Imaginarios sociales contrapuestos en la era del “milagro mexicano” y su expresión en la revista Cuadernos Americanos, escapa à noção habitualmente utilizada de “campo” (intelectual, cultural etc.) e mobiliza a de “imaginários sociais” para analisar e compreender como dois grupos intelectuais distintos, um de origem espanhola e outro nacional, portanto portadores de imaginários contrapostos, participaram da criação do periódico Cuadernos Americanos e compartilharam suas páginas nas décadas de 1940 e 1950 para refletir, debater e mesmo propor soluções para os problemas do México, principalmente, mas também da América Latina como um todo, numa íntima associação com as esferas do poder.

Por fim, o artigo do Professor Hélgio Trindade, intitulado ‘Disciplinarização’ e construção institucional da sociologia nos países fundadores e sua reprodução na América Latina, num estudo comparativo de largo alcance, mostra-nos a emergência de uma área mais específica do campo cultural, a da sociologia, tanto nos países fundadores quanto sua reprodução e inovação, temática e institucional, na América Latina.

Integra o dossiê a entrevista Estudos pós-coloniais, identidade e educação: diálogos entre Brasil e Moçambique, realizada por Marcelo Cigales e Fernando Mezadri com o intelectual moçambicano Severino Elias Ngoenha. Nela, observamos que o processo de descolonização diz respeito a um processo de construção do conhecimento e do saber que implica a tradução e a reelaboração dos modelos intelectuais importados a causar efeitos epistemológicos e políticos, que, no caso de Ngoenha, significa a participação ativa na elaboração de novos currículos para as universidades moçambicanas.

Esperamos que o Dossiê que o leitor tem em mãos sirva como um convite e uma provocação para pensarmos sem medo nem pudor o papel dos intelectuais hoje, e que sirva, oxalá, para instigar a reflexão crítica sobre nós mesmos e nossas práticas.

Referências

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  • 3 BHABHA, Homi. O compromisso com a teoria. In: BHABHA, H. O local da cultura. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1998.
  • 4 BOURDIEU, Pierre. A miséria do mundo. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.
  • 5 BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 1998.
  • 6 BOURDIEU, Pierre. As regras da arte. São Paulo: Cia. Das Letras, 1996.
  • 7 BOURDIEU, Pierre. Campo intelectual e projeto criador. In : POUILLON, Jean et al. Problemas do estruturalismo. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1968.
  • 8 CHARLE, Christophe. Naissance des “intellectuels” (1880-1900). Paris : Les Éditions de Minuit, 1990.
  • 9 CHARLE, Christophe. Intellectuels, Bildungsburgertum et professions au XIXème siècle [Essai de bilan historiographique comparé (Allemagne Allemagne]. Actes de la Recherche en Sciences Sociales, v. 106-107, p. 85-95, mars 1995.
  • 10 COSER, Lewis A. Men of ideas. A Sociologist’s view. Nova York: Free Press, 1970.
  • 11 DARNTON, Robert. Boemia literária e revolução. O submundo das letras no Antigo Regime. São Paulo: Cia. Das Letras, 1987.
  • 12 GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organização da cultura. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968.
  • 13 HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural da esfera pública. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984.
  • 14 HOFSTADTER, Richard. Anti-intellectualism in American Life. Nova York: Alfred Knopf, 1963.
  • 15 LECLERC, Gérard. Sociologia dos intelectuais. São Leopoldo, RS: Ed. Unisinos, 2004.
  • 16 MANNHEIM, Karl. O problema da “intelligentsia”: um estudo de seu papel no passado e no presente. In: MANNHEIM, K. Sociologia da cultura. São Paulo: Perspectiva, 2001.
  • 17 MATO, Daniel. Para além da academia. Práticas intelectuais latino-americanas em cultura e poder. In: MARGATO, Izabel; GOMES, Renato C. (Orgs.). O papel do intelectual hoje. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2004.
  • 18 MICELI, Sergio. Intelectuais e classe dirigente no Brasil (1920-1945). São Paulo: Difel, 1979.
  • 19 OLIVEIRA, Francisco. Intelectuais, conhecimento e espaço público. In: MORAES, Dênis (Org.). Combates e utopias. Os intelectuais num mundo em crise. Rio de Janeiro: Record, 2004.
  • 20 PASSIANI, Enio. Afinidades seletivas: uma comparação entre as sociologias da literatura de Pierre Bourdieu e Raymond Williams. Estudos de Sociologia, v. 14, n. 27, Unesp-Araraquara, p. 285-299, 2º semestre de 2009.
  • 21 PASSIANI, Enio; ARRUDA, Maria Arminda do Nascimento. Campo cultural (verbete). In: CATANI, Afrânio M. et al. (Orgs.). Vocabulário Bourdieu. Belo Horizonte: Autêntica, 2017.
  • 22 SAID, Edward. Representações do intelectual. As Conferências Reith de 1993. São Paulo: Cia. Das Letras, 2005.
  • 23 SAID, Edward. O papel público de escritores e intelectuais. In: MORAES, Dênis (Org.). Combates e utopias. Os intelectuais num mundo em crise. Rio de Janeiro: Record, 2004.
  • 24 SARLO, Beatriz. A voz universal que toma partido? In: MORAES, Dênis (Org.). Combates e utopias. Os intelectuais num mundo em crise. Rio de Janeiro: Record, 2004.
  • 25 SCHUTZ, Alfred. Estudios sobre teoría social. Escritos II. Buenos Aires: Amorrortu, 2003.
  • 26 SILVA, Augusto Santos. Podemos dispensar os intelectuais? In: MARGATO, Izabel; GOMES, Renato C. (Orgs.). O papel do intelectual hoje. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2004.
  • 27 SIMMEL, Georg. Sociología. Estudios sobre las formas de socialización. Buenos Aires: Espasa-Calpe Argentina, 1939.
  • 28 TREBITSCH, Michel. Avant-propos : la chapelle, le clan et le microcosme. Le Cahiers de L’IHTP. Sociabilités intellectuelles : Lieux, milieux et réseaux, Centre National de la Recherche Scientifique, n. 20, p. 11-21, mars 1992.
  • 29 VIALA, Alain. Naissance de l’écrivain. Paris : Les Éditions de Minuit, 1985.
  • 30 WEBER, Max. Os letrados chineses. In: WEBER, M. Ensaios de sociologia. Rio de Janeiro: Guanabara, 1982.
  • 31 WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Cia. Das Letras, 2004.
  • 32 WILLIAMS, Raymond. Intelectual. In: WILLIAMS, R. Palavras-chave. Um vocabulário de cultura e sociedade. São Paulo: Boitempo, 2007.
  • 33 WILLIAMS, Raymond. O círculo de Bloomsbury. In: WILLIAMS, R. Cultura e materialismo. São Paulo: Ed. Unesp, 2011.
  • 1
    No original: “Few modern terms are as imprecise as the term ‘intellectual’”.
  • 2
    Georges Clemenceau (1841-1929) foi jornalista, médico e estadista francês, figura central da Terceira República, colocando-se, frequentemente, numa posição de vanguarda, seja ela política, seja estética. Informações biográficas disponíveis em: https://www.britannica.com/biography/Georges-Clemenceau. Acesso em: 06 fev 2018.
  • 3
    Auguste-Maurice Barrès (1862-1923), escritor e político, foi considerado um dos pais do nacionalismo francês. Eleito deputado por Nancy em 1889, nunca abandonou completamente a literatura, dedicando-se a novelas, teatro e ensaios políticos, podendo ser considerado um dos mais importantes intelectuais conservadores do final do século XIX e início do XX na França. Informações biográficas disponíveis em: http://www.academie-francaise.fr/les-immortels/maurice-barres. Acesso em: 06 fev 2018.
  • 4
    A carta de Zola não deixa também de alçar o escritor e a literatura a um outro patamar, estabelecendo entre a figura do primeiro e a do intelectual quase uma sinonímia, uma filiação quase instantânea; e elevando a segunda a uma forma reconhecida e legítima de conhecimento sobre o mundo.
  • 5
    Apenas para ilustrar: Leonard Woolf envolveu-se com a Liga das nações, com o Movimento das Cooperativas, com o Partido Trabalhista e em questões anti-imperialistas; Virgínia Woolf, além de contestar e revolucionar a linguagem estética, participou ativamente dos incipientes movimentos feministas ingleses.
  • 6
    Ademais, para Mannheim, os intelectuais podem servir aos conservadores ou aos operários sem pertencer propriamente a nenhuma dessas classes.
  • 7
    A propósito, escreve Francisco de Oliveira: “O intelectual moderno constrói-se naquele momento que Weber chamou de ‘desencantamento do mundo’, desligado dos mecanismos tradicionais da dominação e do poder, sobretudo da Igreja e do Estado. Não é mais uma extensão da Igreja, nem do Estado. Ergue-se exatamente nessa transição e com ele surgem, ao mesmo tempo, não se podendo dizer quem veio primeiro, a tarefa do intelectual e o seu campo de atuação: o campo do conhecimento” (Oliveira, 2004, p. 55).
  • 8
    Ver: Bénichou, 1981.
  • 9
    Não cabe aqui uma discussão pormenorizada e excessivamente didática dos conceitos de “campo” e habitus de Pierre Bourdieu, por algumas razões: primeiro, não é esta a intenção do ensaio, que se limita a mobilizar apenas os sentidos que convergem para os problemas aqui tratados; e, em segundo lugar, tomo como pressuposto que o leitor domine o vocabulário básico do autor. Para maiores esclarecimentos acerca de tais conceitos, consultar: Bourdieu, 1968, 1996, 1998.
  • 10
    “Segundo os autores norte-americanos, o intelectual, por sua psicologia e sobretudo por sua função, está mais ligado a certas profissões intelectuais (professores, artistas) do que a outras (médicos, engenheiros, advogados)” (Leclerc, 2004, p. 64).
  • 11
    Para mim, um caso exemplar da relação entre os campos da política e o intelectual, que não implica obrigatoriamente o prejuízo do segundo, é estudado por Sergio Miceli em Intelectuais e classe dirigente no Brasil (1920-1945), cujos resultados da pesquisa permitem estabelecer a distinção entre “escritor-funcionário” e “funcionário-escritor” a demonstrar a autonomia daquele em referência a este.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2018

Histórico

  • Recebido
    03 Fev 2018
  • Aceito
    15 Fev 2018
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