Resumos
Neste artigo, sugerimos uma reflexão crítica sobre os usos superficiais da noção de identidade nas Ciências Sociais e propomos tratá-la como um fenômeno social dinâmico e em processo, implicado fundamentalmente por relações de poder. Realizamos uma contextualização do tema nas últimas décadas e apontamos para um conjunto de ideias de autores clássicos dos quais nos aproximamos para pensar o tema. Também apontamos para o que entendemos ser um dos caminhos possíveis para a pesquisa sobre os processos identitários. A partir daí, destacamos e definimos quatro elementos, os atores, as disputas, as normas e os contextos, que consideramos constituintes deste fenômeno social, sugerindo como proceder com sua análise.
Processos Identitários; Poder; Cultura; Identidade; Ciências Sociais
In this article, we suggest to reflect critically on the trivial usage of the concept of identity in the social sciences. We propose to take it as an ongoing social phenomenon primarily affected by power relations. The article presents a contextualization of the theme in recent decades and draws on ideas of classic authors. It also points out to one of the possible paths for research on identity processes. Then, four elements are emphasized: the actors, the disputes, the standards and the contexts which we believe are the constituents of this social phenomenon, suggesting how to proceed with their analysis.
Identity Processes; Power; Culture; Identity; Social Sciences
ARTIGO
Das identidades aos processos identitários: repensando conexões entre cultura e poder
Identities and identity processes: rethinking connections between culture and power
Marcelo Alario EnnesI; Frank MarconII
IUniversidade Federal de Sergipe, Itabaiana, Sergipe, Brasil
IIUniversidade Federal de Sergipe, Aracaju, Sergipe, Brasil
RESUMO
Neste artigo, sugerimos uma reflexão crítica sobre os usos superficiais da noção de identidade nas Ciências Sociais e propomos tratá-la como um fenômeno social dinâmico e em processo, implicado fundamentalmente por relações de poder. Realizamos uma contextualização do tema nas últimas décadas e apontamos para um conjunto de ideias de autores clássicos dos quais nos aproximamos para pensar o tema. Também apontamos para o que entendemos ser um dos caminhos possíveis para a pesquisa sobre os processos identitários. A partir daí, destacamos e definimos quatro elementos, os atores, as disputas, as normas e os contextos, que consideramos constituintes deste fenômeno social, sugerindo como proceder com sua análise.
Palavras-chave: Processos Identitários. Poder. Cultura. Identidade. Ciências Sociais.
ABSTRACT
In this article, we suggest to reflect critically on the trivial usage of the concept of identity in the social sciences. We propose to take it as an ongoing social phenomenon primarily affected by power relations. The article presents a contextualization of the theme in recent decades and draws on ideas of classic authors. It also points out to one of the possible paths for research on identity processes. Then, four elements are emphasized: the actors, the disputes, the standards and the contexts which we believe are the constituents of this social phenomenon, suggesting how to proceed with their analysis.
Keywords: Identity Processes. Power. Culture. Identity. Social Sciences.
1 Introdução
O objetivo deste artigo consiste na reflexão sobre os processos identitários como fenômeno social e suas possibilidades analíticas. Parte da constatação de que se por um lado o debate sobre identidades apresenta sinais de esgotamento, por outro, muitas das questões suscitadas estão longe de serem resolvidas. O esgotamento se explica, ao menos em parte, pelo seu caráter escorregadio e de difícil definição e, também, pela inflação de significados e usos atribuídos ao termo. Porém, se estas dificuldades são correntes e já foram intensamente trabalhadas, não justifica abandonarmos o conjunto de inquietações teóricas e políticas que constituem este debate, por sua atualidade, pela dinâmica, pela universalidade e pela ampla presença social e acadêmica do fenômeno.
Este artigo materializa o esforço não de construirmos um conceito ou uma teoria sobre identidades, mas de apontar caminhos para avançarmos em uma análise sempre reflexiva sobre os processos identitários, como implicados por relações de poder. Representa uma tentativa de superar um debate no qual tal dimensão nem sempre foi ou é considerada de forma adequada, mesmo quando dá visibilidade às culturas não dominantes em seus embates com as políticas oficiais e com a indústria cultural. Desse modo, é frequente observamos abordagens sobre a identidade que, ao invés de ressaltarem a análise sobre sua dimensão política, aquela que possibilita a sua evidência como fenômeno social e que está na própria origem do debate sobre cultura, acabam por naturalizá-la.
Nossa proposta é de crítica aos usos essencializadores e naturaliza-dores do termo identidade e estabelecimento de parâmetros analíticos para compreendermos o que passamos a denominar neste texto de dinâmicas de hierarquização e transgressão social. Dinâmicas, estas, muitas vezes ofuscadas pelos usos do termo identidade associado às ideias de diversidade e pluralidade cultural, principalmente em seus sentidos estáticos. Daí a importância da presente reflexão encontrar subsídios que contribuam para abordar as novas expressões das relações de dominação e de poder que caracterizam a sociedade contemporânea. Algumas vezes, tais expressões estão ocultas sob as ideias enfáticas e aparentes de respeito às diferenças e, de tal modo, não capturam as dinâmicas e as implicações do pertencimento e alteridade como processos relacionais. De certo modo, temos a pretensão de retomar um ponto de bifurcação deste debate e seguir um caminho diferente do trilhado por abordagens que tem resultado, querendo ou não, na re-essencialização, naturalização e despolitização das noções de diferença e de identidade.
Por seu caráter interdisciplinar, o itinerário é sinuoso, passando por várias correntes teóricas na área das Ciências Sociais, com incursões por outras áreas das humanidades. Aqui, entendemos este aspecto como evidência de um fenômeno de ampla abrangência e consideramos as diferentes vertentes, principalmente naqueles contextos em que se romperam as barreiras exploratórias entre as disciplinas, no que diz respeito à análise social. Interessam-nos os enfoques que contribuíram com posicionamentos críticos e que assumem que os fenômenos relacionados às identidades implicam na reflexão sobre o seu caráter processual e dinâmico, enquanto universal e particular, evidenciando suas dinâmicas próprias e suas características mais gerais.
No decorrer do artigo, chegamos à definição de quatro parâmetros a partir dos quais entendemos que os processos identitários podem ser pensados e analisados. Eles envolvem a) os atores sociais de algum modo articulados a grupos, b) os motivos de disputas de pertencimento ou não a tais grupos, c) os elementos morais e normativos que regulam o meio pelos quais estes atores entram em interação pelo que disputam e d) os contextos históricos e sociais nos quais são produzidos e, ao mesmo, contribuem para sua produção.
Desse modo, acreditamos que nossa proposta de reflexão sobre os processos identitários esteja implicada pela abordagem, descrição e compreensão das relações de poder que envolvam marcadores sociais tornados relevantes como caracterizadores de distinção. Procuramos assim, 1) evitar a re-essencialização das identidades e compreendê-las fundamentalmente como relacionais; 2) analisar as ambiguidades e ambivalências dos processos sociais que criam e recriam formas de subordinação e hierarquização, ao mesmo tempo em que expressam formas de contestação e transgressão social; 3) compreender os processos de emergência e (re)inserção social de atores em contextos sociais, políticos e culturais que são caracterizados pelo descentramento, pela fragmentação e pela efemeridade.
Para tanto, dividimos o artigo em três partes. Na primeira, Invenções, usos e crises das identidades, procuramos repensar a trajetória do debate a partir dos Estudos Culturais, mais especificamente a partir dos dilemas entre Edward Thompson e Louis Althusser a respeito do lugar e importância do sujeito na história. Isto porque vemos a discussão sobre identidades como um dos desdobramentos do debate mais amplo sobre a noção de sujeito. Ainda nesta parte, procuramos evidenciar a bifurcação ocorrida nos estudos sobre identidades, no sentido do descolamento entre as dimensões culturais e políticas, de modo que as importantes contribuições dadas, por exemplo, por Edward P. Thompson, Raymond Williams e Stuart Hall acabaram se perdendo em abordagens culturalistas que têm despolitizado, naturalizado e ornamentalizado as diferenças.
Na segunda parte, Das identidades aos processos identitários, procuramos evidenciar como autores de diferentes linhas teóricas e metodológicas contribuem com abordagens que consideramos apropriadas para a análise das dimensões políticas das identidades. Nesta parte, retomamos o debate sobre as identidades, procurando indicar um caminho distinto daquele descrito na parte anterior, sem perder de vista a crítica de Stuart Hall e outros autores como Antony Giddens, Norbert Elias, Pierre Bourdieu e Zygmunt Bauman sobre a sociedade contemporânea, pensando as relações de poder e a emergência das identidades como referência política dos sujeitos e dos grupos.
Na terceira parte, propomos explicitar de modo mais claro o que consideramos os elementos constituintes do fenômeno social que denominamos de processos identitários. Nesta última parte, pontuamos os aspectos que consideramos darem conta da apreensão, do estudo e da explicação dos processos relacionais que envolvem e constituem as assimetrias de poder e de que modo as identidades podem ser objetivamente investigadas, apesar de sua característica fluida e imponderável.
2 Invenções, usos e crises das identidades
Nas últimas décadas, a dimensão produtiva deixou de ser a base exclusiva da origem dos conflitos sociais e as esferas simbólicas e subjetivas ganharam maior espaço e legitimidade na análise social. Os embates passaram a ocorrer também no entorno da política de reconhecimento, da expressão, da visibilidade e da particularidade das demandas. No lugar das chamadas identidades de classes surgem o que passou a ser chamado de políticas de identidade, o que significa, de acordo com Hall, uma identidade para cada movimento (Hall, 2002, p. 45). Assim, os conflitos e embates passaram oferecer uma nova base política para novas formulações teóricas em que a cultura e a subjetividade ganharam maior relevância. Nesse contexto, emergem e fragmentam-se velhas e novas identidades que trazem consigo de modo inseparável, velhas e novas alteridades.
A partir de uma releitura do marxismo, que não se restringia às perspectivas economicistas e se estendia ao campo da cultura, os fundadores dos Center for Contemporary Cultural Studies (CCCS) passaram a estudar e a dar visibilidade acadêmica e política às expressões literárias e artísticas da classe operária inglesa no período Pós-Guerras1 1 Atribuído ao pensamento de Raymond Williams, sobre o materialismo cultural, a cultura é compreendida em suas relações com o mundo econômico e político, mas ao contrário do economicismo marxista o autor não a entende de modo unidirecional. . Surge daí um amplo movimento por estudos voltados à compreensão das relações sociais, dos embates, dos conflitos e da dominação social, a partir das práticas, dos costumes e das produções culturais.
As noções de costume e de produção cultural foram amplamente discutidas entre os precursores dos CCCS, como Raymond Williams (2000) e Edward P. Thompson (1998). Tomamos resumidamente duas contribuições consensuais entre eles. Primeiro, pensarmos a cultura significa pensarmos os costumes e a produção simbólica na sociedade, bem como suas conexões com a moral, a economia e a política. Segundo, que a cultura enquanto produção e produto das relações sociais é manipulada cotidianamente pelas pessoas e está implicada por disputas, ambivalências e contradições que nos remetem novamente à moral, à economia e à política. Exclui-se aqui a ideia de cultura como característica, como propriedade de um dado grupo e se aplica o entendimento de cultura ao movimento, às relações e à produção material e simbólica.
Em tal perspectiva, a noção de cultura não se descola das relações sociais e o enfoque recai sobre as percepções e as práticas dos grupos, considerando-se que elas estão a todo instante em movimento e em disputa. Nessa linha de raciocínio, outra contribuição importante é a de Eric Hobsbawm (2008), com aquilo que ele denomina de invenção das tradições, quando sugere que o processo de elaboração de sentido sobre o que é válido e perene do ponto de vista cultural para um dado grupo é uma elaboração construída a partir de relações de forças desiguais, negociadas e imprevisíveis. De certo modo, podemos aproximar tal consideração ao modo como Thompson (1998, p. 17) define cultura e sua conotação como uma arena de elementos conflitivos, um cenário de ambivalências, contradições e fraturas com aparência de unidade ou de sistema social.
As contribuições teóricas e analíticas de E. P. Thompson o colocaram em rota de colisão com uma importante e poderosa vertente do pensamento marxista das décadas de 1950 e 1960, que tinha como uma das figuras mais expoentes o filósofo francês Louis Althusser. Esta polêmica tornou-se paradigmática entre aqueles que não romperiam com o marxismo, mas que desejavam olhar e compreender processos sociais de modo a não reduzi-los à dimensão estrutural-econômica da sociedade e a um projeto revolucionário imanente à própria história. Nessa direção, a obra The making of the English Working Class (A formação da classe operária inglesa) representou uma importante alternativa a respeito de temas centrais na tradição marxista como classe e lutas de classes, agora, abordadas a partir de uma perspectiva de história concebida como experiência e não como um devir definido a partir das estruturas sociais.
Nessa abordagem, as classes sociais, por exemplo, não eram fenômenos sociais dados, pré-definidos, mas compreendidas a partir da análise dos processos sociais em que os trabalhadores constituem-se ou não como classe social. Assim, verifica-se uma concepção centrada no que se chamou de práticas de resistência das classes populares através da consciência de uma, da condição da outra. A própria ideia de classe social, ainda central na análise de Thompson, ganhou um novo entendimento segundo o qual ela não é considerada como um fenômeno pré-existente e o proletariado não está imbuído de uma missão que lhe é imanente, não podendo ser compreendida apenas com base na dimensão econômica.
É interessante notar que tanto Althusser (1985) quanto Thompson (1981) estão na base desta reflexão, mesmo que de modos diferentes (ou até opostos), ao que Stuart Hall (2002) denominou de descentramento do sujeito. Hoje, esta é uma questão central no debate sobre identidades, como veremos adiante. A diferença entre ambos está exatamente na polêmica acerca das ideias que se sustentaram sobre o sujeito. Para Althusser, existe um sujeito coletivo, no caso, necessariamente a classe social, cuja autonomia e liberdade estão em agir conforme a ideologia, como dimensão estrutural do capitalismo (Althusser, 1985).
Vê-se que a ideia de sujeito presente em Althusser é significativamente diferente, quando não oposta, à que orientará parte significativa dos estudos voltados para a discussão sobre identidades, embora parta de seus dilemas. Na crítica de Thompson, o sujeito em Althusser é dissolvido, torna-se imaginário por meio da interpelação pela ideologia:
E quanto à 'experiência' fomos levados a reexaminar todos esses sistemas densos, complexos e elaborados pelos quais a vida familiar e social é estrutura e a consciência social encontra realização e expressão [...]: parentesco, costumes, as regras visíveis e invisíveis da regulação social, hegemonia e deferência, formas simbólicas de dominação e resistência, fé religiosa e impulsos milenaristas, maneiras, leis, instituições e ideologias tudo o que, em sua totalidade, compreende a 'genética' de todo processo histórico, sistemas que se reúnem todos, num certo ponto, na experiência humana comum, que exerce ela própria (como experiências de classe peculiares) sua pressão sobre o conjunto. (Thompson, 1981, p. 188-189).
Ao privilegiar a noção de experiência, expressão do fazer e não do devir histórico, Thompson volta-se ao terreno da vida cotidiana dos grupos populares na Inglaterra, no qual encontrou espaço para a criação de homens e mulheres não apenas em sua vida produtiva, mas em sua expressividade cultural. Esta é uma importante aproximação para a legitimação da subjetividade como dimensão política da vida social, como será trabalhada por Stuart Hall (2002), em que o sujeito está implicado, ao mesmo tempo, pela estrutura e pela experiência social.
Hall (2002) se envolve em tal discussão de um modo mais específico, quando aponta para o que considera terem sido as três formas predominantes de se idealizar o sujeito na sociedade moderna. A primeira seria o sujeito do iluminismo, cuja principal característica é o conjunto das ideias marcadas pela filosofia e pela constituição de reformas do Estado a partir do século XVIII, que fizeram predominar o humanismo, o antropocentrismo e o contrato social como referências, sínteses da autonomia, da vontade, dos direitos e dos deveres das pessoas (Hall, 2002). Nesse contexto, o sujeito é representado como soberano, acima e além das determinações sociais. Isto é, o sujeito é um ente autônomo e independente. A sociedade, por sua vez, é compreendida e vivenciada como um aglomerado de indivíduos livres e capazes de dar direção e significado às suas vidas.
A segunda forma seria a do sujeito sociológico, que surgira no contexto da formação da sociedade de massas e a partir do pensamento sociológico que se começou a elaborar sobre esta. Tal concepção de sujeito emergiu no campo político pela forte influência do pensamento marxista e com maior expressão no campo teórico a partir de abordagens como a do interacionismo simbólico. Neste caso, por algum tempo, predominou certo antagonismo teórico entre sujeito e estrutura no pensamento sociológico, que procuramos exemplificar acima na crítica sobre o pensamento de Althusser e Thompson.
Uma terceira concepção de sujeito, segundo Stuart Hall, seria a do sujeito pós-moderno, que ganhou evidência a partir de transformações históricas, políticas, ideológicas e teóricas ocorridas nas três décadas após fim da Segunda Guerra Mundial. Demandas como as relacionadas ao feminismo, ao ecologismo e a várias outras subjetividades, antes colocadas em segundo plano, passaram a compor a base de processos de mobilização política, ou ainda, de politização da identificação, não mais assentadas em argumentos de atributos fixos e estáveis de classificação e de pertencimento dos sujeitos a determinados grupos pré-existentes, mas admitindo-se reordenações de interesses e de sentidos, bem como experiências muito diversas e subjetivas que trouxeram consigo o que Hall (2002) denominou de a crise do sujeito e das identidades. Tais demandas, de sujeitos que não se sentem representados numa dada classe, nação ou etnia, por exemplo, deram origem a novos movimentos sociais e criaram uma nova dinâmica de enfrentamentos com antigos e novos interlocutores.
De certo modo, a emergência de novos sujeitos sociais e o desenvolvimento de uma renovada base conceitual, em parte pelas contribuições dos Estudos Culturais, arejou e deu fôlego às Ciências Sociais para compreensão da questão das identidades como fundadas numa teorização sobre o sujeito. Isso quer dizer que as concepções predominantes sobre o sujeito estiveram e estão diretamente implicando e sendo implicadas pelo debate sobre identidades. A própria recorrência ao tema é um fenômeno que o torna contemporâneo e predominante a partir do surgimento das Ciências Humanas modernas e dos estados nacionais.
Benedict Anderson (2008) e Anthony Smith (1997), ao estudarem a formação das nações, desmontaram a ideia artificiosa e predominante de que os povos, cada qual com uma dada origem, história ou cultura específica, precederam os estados nacionais. Os autores perceberam as implicações que os processos de elaboração e idealização sobre a nação tiveram sobre a constituição de sentimentos de unidade e identidades nacionais, ao mesmo tempo em que se erguiam fronteiras geopolíticas através da diplomacia e da força militar.
Se a concepção predominante sobre as comunidades nacionais é de que elas pré-existem e de que os indivíduos estão inevitavelmente ligados a elas, para Anderson (2008) tais comunidades são imaginadas2 2 Procurando entender as dinâmicas do fenômeno nacional no século XX, Anderson (2008) destaca que a objetividade da existência da nação se constituiu através dos meios simbólicos, pelos quais as línguas denominadas como nacionais e o aparato burocrático e tecnológico - que possibilitou a comunicação impressa de notícias, de literatura, de conhecimento científico e de outras formas de discursos em larga escala - tiveram como efeito de agregar certa comunidade em torno de uma comunicação em que prevaleciam o idioma e os interesses coletivos, mesmo que diante dos conflituosos interesses das pessoas. , no sentido de construídas simbolicamente pelas pessoas que se consideram parte delas. Mesmo reconhecendo este vínculo como socialmente e simbolicamente construído, precisamos ressaltar que nele se assenta também certa concepção de sujeito centrado e vinculado à nação, a qual fez parte do pensamento hegemônico sustentado neste modelo de organização política, dominante durante o último século, apesar de não representar a única forma de se pensar e existir dentro da nação.
Num contexto de múltiplas concepções sobre o sujeito, as discussões sobre identidade estiveram em grande evidência durante o século XX, movidas em grande parte pelos discursos políticos de pertencimento (de nação e de classe) e pelos discursos científicos de classificação (grupos sociais, religiosos, linguísticos, sexuais, raciais, étnicos, etc). No entanto, as reivindicações particularistas e ao mesmo tempo as contestações sobre os rótulos por parte das pessoas demonstraram o caráter eminentemente frágil das dimensões atributivas de identidades aos grupos. Isto contribuiu para o surgimento das disputas e da validade sobre a auto-atribuição. De certo modo, tal debate resultou na possibilidade de visibilidade política e teórica de novos sujeitos sociais, de novas demandas, de novos direitos e desestabilizou uma forma ordenada e tangível de vermos o mundo, pulverizando interesses e multiplicando singularidades.
A partir daí, surgiram novos problemas. Tanto dentro quanto fora da academia, a palavra identidade passou a ser utilizada para nos referirmos aos aspectos e fenômenos que até então eram denominados ou estudados por outros termos como cultura, tradição, costume, folclore, entre outros correlacionados. Alguns usos indiscriminados da ideia de identidade reduziram o fenômeno às características e aos atributos substantivos de grupo social ou grupo cultural. Assim, observamos que em muitas situações a identidade acabou reduzida a um caráter descritivo, fixo estável e determinista do que se define como grupo.
Atualmente a palavra identidade é empregada comumente como forma e justificativa de valorização de culturas locais, de legitimação de grupos sociais e de valorização de diferenças culturais e comportamentais. Nesses casos, podemos verificar que há uma confusão recorrente quanto ao uso da palavra identidade para nos referirmos a processos socioculturais que seriam descritos mais acertadamente se fossem empregados outros termos ou conceitos como, entre outros, costume, cultura ou grupo social. Tudo passou então a ser positivamente chamado de identidade, o que, na realidade, mais confunde do que informa ou explica, e pouco contribui para a análise e compreensão de novas formas de coerção e transgressão sociais como fenômenos culturais e políticos.
Nos dias de hoje, tanto na mídia, quanto na academia, ainda que de modos diferentes, o emprego do termo identidade tem ressaltado a diversidade, a pluralidade cultural e o descentramento dos sujeitos sociais. Nesse sentido, dissociada de sua dimensão analítica e de suas implicações políticas, a identidade aparece como característica da contemporaneidade podendo levar a pensar que vivemos em um mundo no qual as diferenças culturais não estão implicadas e perpassadas pelas desigualdades sociais, econômicas e políticas.
Salientamos que o uso recorrente e, de certo modo, acrítico da palavra identidade, muitas vezes tem produzido um senso comum tanto fora quanto dentro da academia. Ao contrário dessa tendência dominante, quando pensamos em processos identitários, pensamos no caráter ambivalente, dinâmico, fluído, inacabado e imponderável do fenômeno. Cabe-nos, então, entender a dinâmica desse movimento a partir das experiências sociais. Daí a proposta de se pensar os processos identitários a partir de uma perspectiva situacional, relacional e contrastiva na qual as disputas sociais ocupam um lugar central na constituição da ideia de diferenças e dos sentimentos de pertença.
3 Das identidades aos processos identitários
Defendemos a ideia de que os processos identitários precisam ser analisados, sobretudo, como expressão de relações de poder geradoras de estratificação, hierarquização e localização, mas também, por vezes, de transgressão social. Tal perspectiva se opõe às análises pautadas exclusivamente na identificação de atributos e elementos que caracterizariam determinados grupos e expressariam suas identidades (como gênero, cor de pele, nacionalidade, tradições culturais, entre outros). Tais atributos seriam mais bem empregados na análise social se os considerássemos como marcadores produzidos ou construídos através das relações sociais, tal como buscaremos destacar.
Entendemos como a principal característica da contribuição dos diferentes autores trazidos para esse debate o fato de, embora guardarem distinções teóricas e analíticas, serem convergentes quando ressaltam a dimensão relacional e política das identidades.
Na linha dos Estudos Culturais, para Woodward:
Todas as práticas de significação que produzem significados envolvem relações de poder, incluindo o poder para definir quem é incluído e quem é excluído. A cultura molda a identidade ao dar sentido à experiência e ao tornar possível optar, entre as várias identidades possíveis, por um modo específico de subjetividade. [...] Somos constrangidos, entretanto, não apenas pela gama de possibilidades que a cultura oferece, isto é, pela variedade de representações simbólicas, mas também pelas relações sociais. (Woodward, 2000, p. 18-19).
Com base na ideia acima, é possível dizer que o pertencimento e a alteridade são produzidos por meio de relações de poder e que nossas escolhas e sensos de identificação resultam da maneira de nos pensarmos e de nos imaginarmos no mundo, a partir do contexto e das relações sociais nos quais estamos envolvidos. Se, por um lado, o pertencimento reflete certa particularização da existência social, por outro, coloca em dúvida também qualquer amplitude generalista da mesma.
Ao discutir as tensões e contradições do universal e do particular, Laclau (2001) parte do pressuposto de que o universalismo é sempre um particularismo imposto a outros particularismos. Nesse processo, o aspecto diferencial entre os vários particularismos é destacado por ele:
Agora, se a particularidade se afirma como mera particularidade, em uma relação meramente diferencial com outras particularidades, está sancionando o status quo na relação de poder entre grupos. Essa é exatamente a noção de 'desenvolvimentos separados', tal como foi formulado durante o apartheid: só o aspecto diferencial é destacado, enquanto as relações de poder nas quais o último se baseia são sistematicamente ignoradas (Laclau, 2001, p. 238).
O particular e o universal colocam em questão os limites e o respeito entre grupos distintos quando o desenvolvimento separado é questionado por relações multi/interculturais, como fica latente nos processos de institucionalização política de estados nacionais e seus modelos de desenvolvimento, por exemplo. Desse modo, uma vez inviabilizado o desenvolvimento separado, resta definir quais particularidades irão prevalecer sobre outras particularidades, tornando-se, assim, universais. Questão que nos remete novamente às relações de poder.
Por exemplo, em suas análises sobre o universo escolar e a inevitável questão das diferenças culturais nele contidos, Silva (2000, p. 97) propõe uma teorização que leve em consideração a identidade e a diferença como processos de produção social, como processos de relações de poder. Isso significa que entendermos e discorrermos sobre identidade e diferença não é suficiente para compreendermos a realidade social na qual se produz o contexto de desigualdades nela imbricadas pela identificação e pela diferenciação; antes, é necessário nos debruçarmos sobre os processos sob os quais elas se constituem.
Assim, entendemos que a análise dos processos identitários não pode prescindir de sua dimensão política, pois esses, ao mesmo tempo, produzem diferença como expressão de direito, mas também (re)criam desigualdades e relações de subordinação e dominação. Portanto, as análises sobre identidades nos remetem a um processo de localização social, fruto de coerções e facilitador da ação social, o qual deve ser compreendido com base em contextos históricos e sociais, o que, para nós, depende da distribuição de poder entre os indivíduos e grupos, bem como das regras ou da moral e dos costumes que neles se fazem presentes.
Os processos de localização social caracterizam-se, também, pela produção da diferença e do sentimento de pertencimento, de indivíduos e de grupos sociais, dando origem, em suas relações, às identificações. Essas relações são mediadas por fronteiras materiais ou simbólicas que funcionam como elementos definidores e demarcadores do eu/nós e do nós/outros. Tais fronteiras são socialmente construídas e são ressignificadas em razão das mudanças dos contextos sociais e históricos que, ora se configuram de modo centralizado e unificado, ora descentrado e fragmentado, como demonstrou Stuart Hall (2002). Se o sujeito centrado não desapareceu com o advento do sujeito descentrado, significa dizer que vivemos um movimento dialético entre concepções de identidade estáveis, fixas e sólidas, por um lado, e de identidades dinâmicas, fluídas e ambivalentes, por outro.
Compreendidas a partir dessas premissas, as relações sociais e de poder, produtoras de localização e transgressão social, não obedecem a uma lógica imanente e tampouco se reduzem aos seus fatores externos. Isso quer dizer que os processos identitários não se explicam apenas a partir dos atores sociais que mantêm relações do tipo face a face ou apenas por sobredeterminações que agem sobre eles a partir do exterior, mas estão implicados por ambos os fatores, bem como são experimentados e significados de diferentes modos pelos sujeitos.
Com esta reflexão, pretendemos converter analiticamente o par identidade/alteridade na tríade pertencimento/alteridade/desigualdade. Esta tríade é formada a partir da incorporação da noção de interculturalidade, em especial a desenvolvida por Canclini (2007). De acordo com autor, a interculturalidade, como categoria política e analítica, avança em relação à multiculturalidade. Isso porque a multiculturalidade nos remete com frequência à celebração da diferença, a qual, quando ocorre por meio de sua naturalização e despolitização, produz a re-essencialização das identidades, bem como, a guetização de grupos étnicos e culturais. Isto é, a ideia de multiculturalidade tende a manter a diversidade e a diferença cultural de modo estanque e não consegue avançar quanto às desigualdades que permeiam as relações entre diferentes, enquanto a noção de interculturalidade se propõe dinâmica e desprovida de substancializações.
Por sua vez, a noção de interculturalidade procura dar visibilidade e inteligibilidade às relações culturais e de poder, marcadas simultaneamente pela diferença e pela desigualdade. Permite, também, compreendermos como as relações de dominação são portadoras de formas de resistência e autonomia. A interculturalidade tem como pressuposto o reconhecimento de que as culturas são inacabadas, incompletas e intangíveis, como produtos de comunicação mútua e permanente, como no sentido que Homi Bhabha (1998) dá à noção de tradução cultural. Em tal perspectiva, a tradução, a interseção e o hibridismo cultural não descartam a compreensão sobre as relações de poder, sobre os processos de hierarquização e de subordinação social. Isto é, a produção do pertencimento, da alteridade e da desigualdade não são processos excludentes, nem acabados, ao contrário, são interdependentes, construídos mutuamente e de modo contínuo, implicados pelas experiências individuais e coletivas.
Se os processos identitários expressam relações de poder, localização, classificação e hierarquização social, eles são, também, produtores de transgressão, de contestação social, de ambivalências e de fronteiras permeáveis. Isto já foi indicado por muitos como um traço característico da sociedade contemporânea, mas quem sabe possa também ser considerado em maior ou menor grau como uma característica universal do comportamento social e aplicado ao estudo de outros contextos históricos.
Como característica das últimas décadas, concordamos com Bauman (2005) quando afirma estamos marcados pela individualização em excesso. Nesse caso, esta marca nos faz oscilar entre o sonho e o pesadelo, o conforto e o desespero, a segurança e o perigo, caracterizados pelo sentido ambivalente da ênfase no arbítrio. Diante da profusão de identidades emergindo a todo instante e da necessidade percebida de nos localizarmos, ao mesmo tempo em que proclamamos a particularidade, nos colocamos diante de uma das conseqüências mais avassaladoras da individualização: são as encarnações mais comuns, mais aguçadas, mais profundamente sentidas e perturbadoras da 'ambivalência' (Bauman, 2005, p. 52).
A identidade emerge daí como idealização de um processo de vinculação a partir de uma ideia de diferença, construída por oposições simbólicas. Nessa direção, parece ser acertada a opção de Cuche (2002) ao eleger o processo de identificação como categoria de análise no lugar do uso da palavra identidade. Cuche (2002) recorre aos contextos de interação social não apenas para compreender os lugares sociais nos quais se localizam os atores em interação, mas também, e talvez o mais importante, para fundamentar o que denomina de estratégias identitárias. As estratégias identitárias são desenvolvidas pelos sujeitos como meio de encontrar o melhor posicionamento nas interações sociais.
Trata-se de uma dinâmica semelhante à evidenciada por Goffman (2008) ao estudar a produção do estigma e de como este é absorvido ou rechaçado pelos grupos e indivíduos. Também se assemelha ao que Bourdieu (1989) chamou de conversão do estigma em emblema, para o mesmo fim de Goffman. Isto quer dizer que os contextos sociais são importantes, tanto para produção da autoidentidade e da heteroidentidade, quanto para se entender a correlação de forças entre ambas. Isto é, a prevalência da autoidentidade sobre a heteroidentidade depende da distribuição de poder entre os atores sociais em interação. De certo modo, com base nesta perspectiva, falar em identidades negociadas parece ser uma redundância, uma vez que as identidades sempre estão em movimento em razão das relações de poder travadas entre indivíduos e grupos. As pessoas entram e saem dos grupos de pertencimento ou aderem e afastam-se deles, embora a intensidade e a permanência mobilizadoras não sejam a mesma em todos os casos.
De algum modo, a análise social sobre os processos identitários só se torna possível através da observação das dinâmicas demarcatórias da diferença, ou seja, do olhar sobre um dado contexto das relações sociais, que nos permita caracterizar as diversas maneiras pelas quais os indivíduos e grupos sociais em interação constroem as fronteiras sociais. Fredrik Barth (1998, p. 195), no texto Grupos étnicos e suas fronteiras, revigorou os estudos sobre identidades desde os anos setenta, ao sugerir que o ponto central da pesquisa sobre a identidade étnica é a fronteira étnica. Tomando de empréstimo a noção de Barth, podemos dizer que o objeto de análise dos estudos sobre os processos de identificação são as fronteiras, ou aquilo que os sujeitos constroem como fronteiras entre eles, fazendo prevalecer certo entendimento sobre quem compõe o nós e quem são os outros, implicados aí por consensos, sentimentos e interesses.
O sentido de fronteira está mais para metáfora, mas uma metáfora consistente para análise, pois só existe quando há uma ideia de outro (indivíduo, grupo, região, nação etc.) do qual se supõe a diferença. Portanto, a fronteira decorre do indicativo simbólico de tal diferença. Tais fronteiras, cabe ressaltar ainda, não são necessariamente estáveis ou estáticas, mas fluidas e móveis. Isso significa que os indivíduos as cruzam e as ressignificam constantemente. Com isto, reforça-se nosso argumento: que para o senso comum é identidade, na verdade é um conjunto de marcadores, os quais possibilitam identificar no outro aquilo que se constrói como sendo o sentido da diferença (comportamentos, indumentárias, línguas, parentescos, territórios, traços fenotípicos, entre outros), e são acionados como referências de demarcação das fronteiras quando algo está socialmente em jogo.
4 Processos identitários como objeto da análise
A ampla discussão sobre identidades surgiu associada ao debate sobre maior visibilidade e compreensão sobre a emergência de novos sujeitos sociais e suas demandas no período Pós-Guerras. No entanto, se por um lado a emergência de novos direitos entrou nas agendas das políticas nacionais e internacionais, principalmente por sua ênfase à valorização da diferença e das particularidades; por outro lado, certo princípio da diferença e da particularização tornou-se uma referência hegemônica de pensamento, muitas vezes dissociada da problemática das desigualdades e das análises sobre hierarquias sociais. Isso acabou, em muitos casos, por re-essencializar e naturalizar a diferença em outras escalas.
Esta situação ambígua e contraditória foi gestada em um contexto marcado pela crise do estado nacional, do socialismo real e pelas transformações culturais favorecidas pela comunicação global através do desenvolvimento da microeletrônica e do advento da internet (Appadurai, 2004). Tais transformações favoreceram o surgimento de forças centrífugas que agem descentrando, liquefazendo, efemerizando e volatizando as referências identitárias (Hall, 2002), outrora aparentemente estabelecidas. Esse contexto de sobreposições que nos coloca diante do caráter ambíguo das identidades simultaneamente por sua objetividade e por sua subjetividade aponta para um fenômeno social da ordem do imponderável, mas nem por isto impossível de ser analisado.
Tendo em vista o caráter ambivalente e movediço das identidades, quando se trata de uma definição conceitual do fenômeno, o desafio é como apreender e explicar os processos relacionais envolvidos no que tem sido a ênfase à diferença entre grupos, e por consequência, estão implicados por assimetrias de poder diante do caráter não palpável da identidade. Nossa proposta é de voltar a atenção às dinâmicas ou aos processos em si mesmos e, principalmente: a) aos atores sociais e como ocorrem as demarcações da diferença entre eles; b) ao que está em disputa quando se ressalta a identidade e a diferença; c) as normas e os princípios sociais que fundamentam e regulam sua existência; e d) os contextos históricos e sociais, já que entendemos os processos identitários como relacionais e situacionais. Tal enfoque nos aproxima dos sujeitos e de como eles se veem e são vistos socialmente, das questões que tornam relevantes os sentidos de identificação e diferenciação, bem como das instituições e dos argumentos explícitos ou implícitos que sustentam as fronteiras sociais físicas e imaginárias entre os grupos.
4.1 Os atores
Os marcadores sociais são elementos simbólicos e estão associados ao processo de produção da ideia de pertencimento ou de alteridade com relação a um outro. Isto, se considerarmos os marcadores como os significantes das fronteiras. Tais marcadores são os sinais corporais, as formas de agir, de falar, de vestir, entre outras, evidenciadas pelos próprios sujeitos como substâncias particulares dos grupos sociais no momento em que são ressaltados os seus significados.
Normalmente, estes marcadores são confundidos com a identidade. Como se, ao portar determinada característica ou ao se agir de determinada forma, criasse uma correlação direta de associação dos indivíduos a um pertencimento social e cultural. Acrescentamos que os significados sobre os marcadores sociais são produzidos pelos sujeitos e resultam de relações de forças entre eles, implicados por costumes, normas sociais e contextos que expressam significados morais. Tal característica nos leva novamente à dimensão eminentemente relacional, na qual os limites do nós e do eles são produzidos. Por exemplo, para Woodward (2000), bandeiras, uniformes e marcas de cigarro, assim como a religião, os estilos de músicas e os traços fenotípicos podem ser marcadores simbólicos igualmente significativos.
A marcação social/simbólica é a forma elementar de expressão das relações sociais de poder e de disputa. Esta ideia nos remete a um segundo componente a ser considerado na análise dos processos identitários, o qual envolve o algo que pode estar em disputa. Tal dimensão já foi observada por vários autores de diversas orientações teóricas que estudaram as identidades. Entre os interacionistas simbólicos, como para Strauss (1999), as interações sociais produtoras de identidades são, ao mesmo tempo, classificatórias e indetermináveis, já que sua produção depende do contexto social, este, por sua vez, em permanente transformação.
Strauss destaca alguns aspectos desta relação a serem analisados:
a) o poder de 'nomear como um ato de colocação ou de classificação do eu e dos outros'; b) [...] a perpétua interdeterminação das identidades na contínua mudança dos contextos sociais [...]; c) o '[...] caráter simbólico e do tipo de desenvolvimento dos contextos sociais'; d) [...] as mudanças no comportamento e na identidade dos adultos [...] e; e) '[...] o caráter simbólico da afiliação a grupos [...]' (Strauss, 1999, p. 31 e 32).
De uma outra perspectiva, ainda ressaltando a dimensão política do que aqui estamos chamando de processos identitários, Norbert Elias (2005) nos oferece a noção de configuração como aporte conceitual para apreendermos sobre os atores sociais em suas relações de interdependência, ao criticar concepções de que as estruturas sociais são exteriores aos indivíduos
Para Elias, as configurações e a interdependência são constituídas por tramas de poder, cujo equilíbrio é sempre instável e varia de acordo com o número e nível de força dos participantes e os diferentes níveis de intensidade com que eles se envolvem (Elias, 2000, p. 24). Para nós, em tais contextos é que o fenômeno das identidades pode emergir, sem ignorarmos o caráter simbólico e relacional da afiliação a grupos, como diz Strauss (1999).
A distribuição de poder entre sujeitos e as tramas de interdependências dela decorrentes é destacada por Elias (2005, p. 88) pelo caráter processual das relações entre pessoas interdependentes. A dinâmica destas relações é caracterizada pelo fato de que elas se modificam quando muda a distribuição de poder (Elias, 2005, p. 88). Em tais contextos, as identidades se tornam expressivas e, nesse sentido, nos interessa destacar o lugar central da abordagem relacional da sociedade a partir da noção de configurações e de interdependência, fundamentalmente pelo lugar central que a noção de poder deve ocupar nestas análises.
4.2 As disputas
Assim como nas configurações, nos processos identitários os atores estabelecem relações de disputa por um bem ou objeto material ou simbólico. No caso das identidades, também está em disputa o poder de nomear, autonomear-se e aceitar ou resistir à nomeação imposta pelo outro. Nessa mesma linha de argumento, Cuche (2002) defende que a relação de força entre os envolvidos na disputa por algo implica, para além de bens materiais, todo e qualquer bem simbólico, inclusive os processos de nomeação, por implicarem em classificação, hierarquização e significação moral e política no âmbito das relações sociais.
O que pode estar em disputa nos contextos de identificação faz parte do entendimento coletivo sobre desigualdades no acesso a recursos ecológicos e econômicos, a honra, os meios de produção, as memórias sociais, os objetos de valor moral ou religioso, os prestígios, os territórios, os títulos sociais, entre outros. Tais disputas não são necessariamente caracterizadas pelas relações produtivas, mas envolvem questões de valores e crenças construídas coletivamente. Para Stuart Hall (2003), citando Roland Barthes, para além dos bens, os grupos que se fortalecem em torno das identidades estão em disputa pelo manuseio e pelo controle sobre os signos, mais especificamente sobre o que e como os bens e outros significantes podem significar socialmente.
Embora saibamos que os processos identitários não são apenas formas de nomeação, isto é, de classificação e de hierarquização social, mas também estratégias e expressões de transgressão e contestação que indivíduos e grupos sociais considerados subordinados possuem frente aos considerados hegemônicos, o enfoque sobre as denominações e sua contextualização é sempre revelador, principalmente quando percebemos como se estabelece sua relação com o que está em disputa. Em sua inerente ambiguidade, as identidades expõem as dinâmicas sociais das forças de classificação e de hierarquização social como sendo constituídas também por aqueles que as resistem e as transgridem, são as situações de evidência das fronteiras que tornam ao mesmo tempo visíveis os elementos, as dinâmicas e os sentidos da disputa.
4.3 As normas
As normas que norteiam as relações sociais podem ser expressas na forma de costumes, tradições, leis ou discursos. Nesse caso, a questão do poder reaparece numa condição em que as práticas e as normas se reproduzem e estão mutuamente implicadas. Aqui, não estamos considerando que os atores sociais simplesmente se adéquam a regras. Ao contrário, partimos do pressuposto de que as normas e os discursos bem como as instituições que as sustentam, são produzidas nas e a partir das relações de poder.
A chave para entendermos tal concepção está na ideia de que o caráter estrutural das ações sociais é produto do modo como a coerção social é filtrada pela cognoscibilidade dos agentes (Giddens, 2003). A ação dos sujeitos ocorre considerando determinadas condições, mas ao atuarem socialmente eles as (re)criam continuamente. Não há um ponto de partida com base no qual se poderia dizer que as regras são anteriores aos atores ou vice-versa. Para nós, as relações entre as normas e os atores sociais nos processos identitários são capturadas pelo monitoramento reflexivo, pois, de acordo com Giddens (2003), é por meio da continuidade entre ambos que se processa a produção da vida social.
Para estudarmos os processos identitários, é pertinente entendermos que os elementos estruturais são, ao mesmo tempo, coercitivos e facilitadores da ação social. Nesse sentido, para Giddens, há três sentidos de coerção:
a) Coerção social: Coerção resultante do caráter do mundo material e das qualidades físicas do corpo; b) Sanção (negativa): Coerção resultante de respostas punitivas por parte de alguns agentes em relação a outros e c) Coerção resultante da contextualidade da ação, isto é, do caráter 'dado' de propriedades estruturais vis-à-vis com atores situados (Giddens, 2003, p. 208).
Além do mais, as formas de coerção são variáveis de acordo com os contextos, nos quais pesam tanto aspectos materiais e institucionais, quanto formas de cognoscibilidade dos agentes (2003, p. 211). Desses contextos negociados entre estrutura e agência, surgem as possibilidades e os fundamentos balizadores da disputa e dos sentidos da identificação. Portanto, o senso coletivo de afinidade, como amálgama das identidades, é constituído de vontade, de interesse, de possibilidade e de representação.
4.4 Os Contextos
Como já dito, entendemos os processos identitários como relacionais e situacionais e, por isto, como produtos e produtores de contextos histórico-sociais. Isto é, os contextos são produzidos pela dinâmica de distribuição de poder entre os indivíduos e grupos sociais e pelas normas que a norteiam. A construção da identidade se faz no interior de contextos sociais que determinam a posição dos agentes e por isso mesmo orientam suas representações e suas escolhas (Cuche, 2002, p. 192).
Os contextos e situações sociais são, também, elementos que participam da construção e redefinição das fronteiras e marcadores sociais/ simbólicos. Estas fronteiras são socialmente construídas e são permanentemente ressignificadas. Muda-se o contexto, mudam-se as identidades, e vice-versa, mudam-se as identidades, muda-se o contexto.
A diferença e o sentimento de pertencimento seriam, pois, produzidos em situações ou contextos em que indivíduos orientam suas ações a partir de outros indivíduos com os quais mantêm relações de disputas mediadas por normas. São estas relações produzidas na e por meio das situações ou contextos que nos ajudam a pensar os processos identitários como relações de poder, porque nos permitem perceber as circunstâncias em que ocorrem às interações, tanto no que diz respeito à liberdade e autonomia dos participantes quanto às formas de coerção social.
No mundo da ambivalência, fluidez e descentramento, os contextos estão intimamente relacionados à produção de múltiplos e, muitas vezes, simultâneos vínculos sociais. Daí que o fato de existirem vários pertencimentos socialmente legitimados é uma marca do mundo contemporâneo. Esta dinâmica é bastante clara nos fluxos migratórios. Nesses casos, o pertencimento altera-se de acordo com o contexto. Para ser eleito, um filho de imigrante necessitará de mais votos do que possivelmente poderia receber dentro de sua própria colônia. Assim, deverá acionar outros vínculos sociais: ser comerciante, professor, atleta, mulher, homossexual, ambientalista etc. Por sua vez, para se afirmar dentro do próprio grupo deverá acionar principalmente marcadores étnicos que o diferenciam da sociedade receptora. (Lesser, 2001, Seyferth, 1999, Ennes, 2001).
O conjunto das questões descritas acima nos permite indicar que as identidades são passíveis de serem estudadas quando percebemos um dado processo social, a partir da evidência dos quatro componentes interrelacionados: os atores sociais, as disputas, as normas e os contextos.
Considerações Finais
As questões sobre identidade ganharam visibilidade e expressão com as mudanças políticas e culturais observadas nas últimas cinco décadas. Essas mudanças foram produzidas pelas transformações do chamado mundo moderno, que inclui a crise das metareferências, a emergência de novos sujeitos que passaram a formular e lutar por uma nova agenda política e o desenvolvimento de teorias sociais explicativas sobre a constituição dos grupos sociais e das diferenças entre eles. O resultado desse processo foi a ampliação da noção de direitos, a qual conferiu visibilidade a segmentos sociais e regiões do planeta, antes menosprezados.
O conjunto das mudanças aqui expostas, tanto no campo histórico quanto no teórico, está relacionado a uma tradição do pensamento social envolvendo a contribuição de autores como E. P. Thompson e Raymond Williams e, mais tarde, Stuart Hall e Eric Hobsbawn, os quais estabeleceram parâmetros robustos para pensarmos as interfaces entre cultura e poder de modo a reconhecer as relações sociais, em particular, as relações de poder e suas implicações em distintas circunstâncias. Como vimos, pensar a cultura por meio dos processos identitários implica considerar as conexões entre a moral, a economia e a política, nas quais os atores sociais experimentam a coerção e a transgressão social em proporções diferentes e de acordo com cada contexto social. Apesar dos autores citados não serem os únicos a contribuírem com tal discussão, eles formaram a base de nosso ponto de partida, pelo modo que concebem as disputas sociais e as múltiplas possibilidades de sentido que os sujeitos podem dar às mesmas.
A análise sob a ênfase dos processos identitários pode, assim, avançar criticamente em relação a algumas concepções do multiculturalismo, no qual, não obstante o seu triunfo idealizado como celebração normativa do direito à diferença, criou algumas armadilhas que mascaram relações desiguais de poder. Como essas conquistas não ocorreram no vazio social e político, sendo por isso reapropriadas e ressignificadas no contexto da sociedade contemporânea, cabe-nos compreender as nuanças constitutivas desses processos, por meio dos embates cotidianos entre as referências normativas e legitimadoras das concepções de diferença, que argumentam pela redução das desigualdades sociais em contraste com as formas de ação social e os modos de expressão reativos produzidos por aqueles que vivenciam a experiência, mesmo que fluída e provisória, de se construírem como sujeitos de identificação coletiva. Desse modo, nos esforçamos por apontar alternativas às incongruências postas pelo debate sobre identidades que têm seguido a direção da naturalização e da despolitização do fenômeno, supervalorizando soluções denominadas multiculturais e consideradas definitivas, como se aí tudo se resolvesse e apaziguasse quando o tema é a convivência com as diferenças e as desigualdades. Pelo contrário, a idealização do multiculturalismo também marca o cenário intenso das relações de poder quando a identidade está em questão, quase sempre como um elemento argumentativo de legitimação das diferenças e das hierarquias entre elas. As políticas multiculturais de governo procuram ordenar e controlar um processo que é dinâmico e instável: a identificação.
Procuramos evidenciar que o interesse nos processos identitários não se restringe às características e identificação dos marcadores, como fazem crer, muitas vezes, os estudos substancialistas. Antes, sua complexidade compreende a análise das mudanças sociais, políticas e culturais que alteram significativamente a realidade social, tanto no que diz respeito às novas demandas e conquistas de novos direitos, quanto à emergência de novos atores sociais, os quais se inventam e inventam os outros constantemente. Esta continua sendo uma questão de fundamental importância no cenário contemporâneo, a qual não pode ou não deve ser observada com as lentes distorcidas da celebração ou da negação das diferenças.
Nesse sentido, propomos que os estudos sobre processos identitários levem em consideração nas suas análises: os atores sociais, o que está em disputa, quais as normas, os discursos que mediam as relações de poder, e os contextos sociais nos quais se inserem. Estes elementos devem dar conta das relações por meio das quais se produz o pertencimento e a alteridade, a hierarquização e a transgressão social, além dos processos tensos, dinâmicos, ambíguos e ambivalentes de classificação. Ou seja, sugerimos que as questões colocadas pela análise social levem em consideração os sujeitos, as formas e os embates através dos quais eles elaboram seus entendimentos sobre si próprios e sobre os outros em condições específicas.
Esperamos que esta proposta de compreender os processos identitários como fenômeno social seja útil para a análise, a abordagem e a explicação sobre as relações sociais e de poder como argumentamos até aqui, de modo: 1) a evitarmos a (re)essencialização das identidades e compreendê-las como relação (outro, diferente), em especial uma relação de poder (desigual); 2) compreendermos os processos de emergência e de (re)inserção social de atores em contextos caracterizados pelo descentramento, pela fragmentação e pela efemeridade; 3) estarmos atentos à análise das ambiguidades e ambivalências de processos sociais que criam e recriam formas de subordinação e hierarquização, ao mesmo tempo que expressam formas de contestação e transgressão social.
Por fim, diante da insistente emergência de agendas efêmeras ou perenes pelo reconhecimento da alteridade e da particularidade como contraponto ao homogêneo, bem como das respostas das políticas institucionais que as acolhem em projetos englobantes e consequentemente intencionalmente reguladores, insistimos na necessidade de referências conceituais que nos permitam captar e instrumentalizar reflexivamente a análise sobre o curso de tais processos e suas ambivalências e contradições.
Recebido em: 02/05/2013
Aceite final: 16/09/2013
Marcelo Alario Ennes. Docente do Departamento de Educação/UFS/Campus de Itabaiana, do Programa de Pós- graduação em Sociologia - PPGS/UFS e líder do Grupo de Estudos e Pesquisas Processos Identitários e Poder GEPPIP, m.ennes@uol.com.br
Frank Marcon. Docente do Departamento de Ciências Sociais e dos Programas de Pós-Graduação em Sociologia e em Antropologia, (PPGS/UFS e PPGA/UFS). Líder do Grupo de Estudos Culturais, Identidades e Relações Interétnicas, marconfrank@hotmail.com
- 1. ALTHUSSER, L. Aparelhos ideológicos do Estado. 2. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1985.
- 2. ANDERSON, B. Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
- 3. APPADURAI, A. Dimensões Culturais da Globalização: a modernidade sem peias. Lisboa: Teorema, 2004.
- 4. BARTH, F. Grupo étnico e suas fronteiras. In.: POUTIGNAT, Philippe, STREIFFFERNART, J. Teorias da Etnicidade São Paulo: Editora Unesp, 1998. p. 187- 227.
- 5. BAUMAN, Z. Identidade: entrevista a Benedetto Vecchi. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005.
- 6. BHABHA, H. K. O local da cultura. Belo Horizonte: UFMG 1998.
- 7. BOURDIEU, P. Poder Simbólico Lisboa: Difel, 1989. p. 107 132.
- 8. CANCLINI, N. G. Diferentes, desiguais e desconectados 2. ed. Rio de Janeiro: UFRJ, 2007.
- 9. CUCHE, D. A noção de cultura nas ciências sociais 2. ed. Bauru/SP, 2002.
- 10. ELIAS, N. Introdução à sociologia Lisboa: Edições 70, 2005.
- 11. ELIAS, N. Os estabelecidos e os outsiders Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editores, 2000.
- 12. ENNES, M. A. A construção de uma identidade inacabada: nipo-brasileiros no interior do Estado de São Paulo. São Paulo: Unesp, 2001.
- 13. GIDDENS, A. A constituição da sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
- 14. GOFFMAN, E. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Rio de Janeiro: LTC, 2008.
- 15. HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade 7. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.
- 16. HALL, S. Da Diáspora: identidades e mediações culturais Belo Horizonte: UFMG; Brasília: UNESCO, 2003.
- 17. HOBSBAWM, E. J et al. A invenção das tradições. 5. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2008
- 18. LACLAU, E. Universalismo, particularismo e a questão da identidade. In: MENDES, C. Pluralismo cultural, identidade e globalização São Paulo: Record, 2001. p. 229 250.
- 19. LESSER, J. A negociação da identidade nacional: Imigrantes, minorias e a luta pela etnicidade no Brasil. São Paulo: Unesp, 2001.
- 20. MARCON, F. Diálogos Transatlânticos: identidade e nação entre Brasil e Angola. Florianópolis: Letras Contemporâneas, 2005.
- 21. SEYFERTH, G. Etnicidade, política e ascensão social: um exemplo teutobrasileiro. Mana vol. 5, n. 2, 61-88, 1999.
- 22. SILVA, T. T. A produção social da identidade e da diferença. In: ____. Identidade e diferença: a perspectiva dos Estudos Culturais Petrópolis: Vozes, 2000. p. 73- 102
- 23. SMITH, A. D. A Identidade Nacional Lisboa: Gradiva, 1997.
- 24. STRAUSS, A. L. Espelhos e máscaras São Paulo: Edusp, 1999.
- 25. THOMPSON, E. P. A miséria da Teoria: ou um plenetário de erros. 1. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981.
- 26. WILLIAMS, R. Cultura. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000.
- 27. WOODWARD, K. Identidade e diferença: uma introdução teórica conceitual. In: SILVA, T. S. (org.) Identidade e diferença: a perspectiva dos Estudos Culturais. Petrópolis: Vozes, 2000. p. 7 72.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
23 Abr 2014 -
Data do Fascículo
Abr 2014
Histórico
-
Aceito
16 Set 2013 -
Recebido
02 Maio 2013