Open-access “Visando repelir injusta agressão”: uma sociologia dos accounts policiais e das investigações dos casos de letalidade policial em Minas Gerais

“Aiming to repel unjust aggression”: a sociology of police accounts and investigations into police lethality cases in Minas Gerais

Resumo

Entre 2012 e 2021, 1.146 pessoas morreram em decorrência de intervenções policiais em Minas Gerais. Em quase todos esses casos, a narrativa oficial dos boletins de ocorrência foi de que essas mortes se deram em situações de “confronto”, nas quais os policiais, atuado no “estrito cumprimento do dever legal”, usaram “moderadamente dos meios de força necessários” para “repelir injusta agressão”. Já há no Brasil farta literatura demonstrando que a mobilização dessa gramática, já nos registros iniciais, é a primeira etapa de uma cadeia de procedimentos que, ao final, quase sempre resultará na aplicação jurídica da “excludente de ilicitude” à letalidade policial. Dialogando com essa produção, este artigo apresenta os principais resultados de um estudo de caso sobre o processamento investigativo da letalidade policial militar em Minas Gerais. A partir de abordagem etnometodológica, buscou-se compreender como um complexo sistema de representações, discursos e cognições compartilhadas entre policiais sustenta a construção de accounts sobre os casos de letalidade, dando a eles a forma jurídica da “legítima defesa”. Em termos metodológicos, o estudo se vale da análise de 3.605 B.O. sobre mortes e ferimentos decorrentes de intervenções policiais registradas no estado entre 2013 e 2018, bem como de 25 entrevistas com atores-chave das forças policiais e do Ministério Público. A pesquisa revela que, no campo discursivo, a Polícia Militar de Minas Gerais tem adotado estratégias institucionais para padronizar as narrativas inseridas nos registros de letalidade (boletins de ocorrência e inquéritos policiais militares), já acionando, nesses documentos, a gramática necessária à fundamentação da excludente de ilicitude na etapa judicial. Em termos procedimentais, a corporação tem não apenas assumido a investigação de seus próprios casos letalidade, mas também interditado tentativas de apurações externas feitas pela Polícia Civil. Já na esfera política/institucional, a Polícia Militar tem sistematicamente ignorado determinações do Ministério Público, esgarçando possibilidades de controle externo de sua atividade.

Palavras-chave organizações policiais; letalidade policial; controle externo da atividade policial; violência policial; investigação

Abstract

Between 2012 and 2021, 1,146 people died because of police interventions in Minas Gerais. In almost all these cases, the official narrative of police reports was that these deaths occurred in situations of “confrontation”, in which police officers, acting in “strict compliance with legal duty”, used “moderate force” to “repel unjust aggression”. Literature in Brazil demonstrates that the mobilization of this grammar since the initial records is the first stage of a chain of procedures that, will eventually, almost always, result in the legal application of the “exclusion of illegality” to police lethality. Dialoguing with this production, this article presents the main results of a case study on inquiries into military police lethality in Minas Gerais. Adopting an ethnomethodological approach, we sought to understand how a complex system of representations, discourses and cognitions shared among police officers supports the construction of accounts on lethality cases, giving them the legal form of “legitimate self-defense”. In methodological terms, the study uses the analysis of 3,605 B.O. on deaths and injuries resulting from police interventions, registered in the state between 2013 and 2018, as well as 25 interviews with key-actors from the police forces and the Public Prosecutor’s Office. The research reveals that, in the discursive field, the Military Police of Minas Gerais has adopted institutional strategies to standardize the narratives of lethality records (official reports and military police investigations), activating, already in these documents, the grammar necessary for justifying the exclusion of illegality at the judicial stage. In procedural terms, the corporation has not only undertaken the investigations on its own lethality cases, but also interdicted attempts of external investigations made by the Civil Police. In the political/institutional sphere, the Military Police has systematically ignored determinations of the Public Prosecutor’s Office, fraying possibilities of external control of its activity.

Keywords police organizations; police lethality; external control of police activity; police violence; investigation

Introdução: letalidade e vitimização policial no Brasil

Segundo levantamento realizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 6.145 pessoas morreram em decorrência de intervenções policiais no Brasil em 2021. No mesmo ano, 190 agentes policiais foram assassinados no país (FBSP, 2021). Tais números não apenas posicionam as polícias brasileiras entre as organizações de força mais letais do planeta, respondendo por quase 13% de todas as mortes violentas registradas anualmente no país, como também consolidam seus quadros profissionais entre os que mais morrem em virtude do exercício da atividade ou da própria identidade policial (Misse et al., 2013; Bueno, 2018; Pedrosa Júnior; Monteiro, 2022).

Cabe observar, no entanto, que os indicadores de letalidade e de vitimização policial têm apresentado tendências opostas ao longo dos últimos anos. Entre 2013 e 2021, por exemplo, o número anual de mortes decorrentes de intervenções policiais registrado no país saltou de 2.203 para 6.145 casos (um crescimento bruto de 179%). Já as mortes violentas de policiais apresentaram uma redução bruta de 62% nesse mesmo período, caindo de 490 assassinatos no primeiro ano da série para 190 no último (FBSP, 2021). O gráfico 1 a seguir ilustra tais tendências.

Gráfico 1
Letalidade e vitimização policial no Brasil – 2013 a 2021

O recrudescimento da letalidade policial no Brasil talvez seja hoje a expressão mais aguda dos muitos desencaixes políticos, legais e institucionais que, sobretudo nas últimas décadas, têm caracterizado a atuação e a inserção das organizações policiais no contexto democrático nacional. As perdas humanas decorrentes de ações policiais não apenas se tornaram um de nossos maiores problemas de segurança pública (chegando a representar mais de 20% dos homicídios registrados em estados como São Paulo e Rio de Janeiro), mas também passaram a projetar efeitos deletérios sobre os processos de consolidação das instituições e da própria democracia no país (Bueno et al., 2019; Ferreira, 2019; Monteiro et al., 2020; Schlittler, 2020; Bueno et al., 2021).

Por um lado, isso ocorre porque a percepção pública de que as forças policiais sistematicamente extrapolam suas prerrogativas legais de uso da força corrói a confiança no trabalho realizado por estas corporações e coloca em xeque sua própria legitimidade enquanto instituições de controle social. Por outro lado, porque a própria constatação de que os agentes policiais brasileiros se encontram submetidos a altíssimas taxas de vitimização contribui para consolidar a narrativa pública de “guerra” contra o crime, fortalecendo, junto à sociedade civil, o apelo a formas extrajudiciais de resolução de conflitos (Skolnick; Fyfe, 1993; Souza; Minayo, 2005; Misse et al., 2013; Cano, 2014).

Por fim, soma-se a essas questões a percepção já socialmente generalizada de que há pouca ou quase nenhuma responsabilização dos policiais envolvidos em eventos de letalidade no Brasil. Em um contexto caracterizado pela baixíssima taxa de elucidação dos crimes de homicídios, fruto de investigações precárias e processamentos judiciais deficientes, a tônica nacional vem sendo a da leniência social e institucional com o recrudescimento da violência policial e o aumento sistemático das mortes decorrentes de suas intervenções (Misse et al., 2013; Cano, 2014; Bueno; Rodrigues, 2014; Anistia Internacional, 2015; Zilli, 2018; Ramos, 2020; Godoi et al., 2020).

Visando contribuir com esse debate, o presente artigo se propõe a discutir não apenas o problema da letalidade policial em Minas Gerais, mas, sobretudo, o modo como tem se dado seu processamento investigativo por parte dos órgãos de segurança pública e pelo Ministério Público do Estado. A partir de uma perspectiva etnometodológica (Garfinkel, 2018), pretende-se compreender, empiricamente, como um complexo esquema de cognições, representações e narrativas é institucionalmente mobilizado e manejado pelas forças policiais para sustentar, na quase totalidade dos casos, a construção de accounts (Scott; Lyman, 2008) de “legítima defesa” e, consequentemente, a forma jurídica da “excludente de ilicitude” que chancela as mortes provocadas pelo Estado (D’Elia Filho, 2013).

Tal proposta alinha-se a uma corrente de estudos que, ao longo dos últimos anos, tem se dedicado a tentar compreender como, sobretudo no Brasil, as organizações policiais têm conseguido interditar o avanço de mecanismos de controle social sobre sua atuação, mantendo-se refratárias à imposição de princípios de governança democrática sobre suas estruturas de gestão e de accountability sobre suas práticas (Misse et al., 2013; Ferreira, 2019; Ramos, 2020). A convivência de altíssimas taxas de letalidade com indicadores quase que residuais de responsabilização das corporações policiais e de seus agentes é hoje a manifestação mais evidente do baixo controle público sobre as organizações de força no país.

Daí a importância de se compreender como se estrutura, no cotidiano das organizações policiais, o conjunto de representações, narrativas e práticas que, tanto na esfera administrativa quanto na judicial, instrumentalizará a legitimação institucional das mortes praticadas pelos agentes públicos. Antes, no entanto, é importante delinear, ainda que em contornos mais gerais, as principais linhas teóricas e normativas que estruturam tal debate no país.

Campo de estudos sobre letalidade e vitimização policial no Brasil

Ao longo dos últimos anos, tem havido um considerável aumento do número de pesquisas sobre as temáticas da letalidade e da vitimização policial no Brasil. Muitos destes estudos investigam, inclusive, a possível consolidação de uma “cultura do extermínio” entre determinados segmentos das organizações policiais, com forte viés racial, suporte simbólico, discursivo e até mesmo político de outros setores do poder público e também de amplos segmentos da sociedade civil (Adorno, 1998; Anistia Internacional, 2015; Battibugli, 2009; Karasek Neto, 2012; Misse et al., 2013; Ferreira, 2021).

Karasek Neto (2012), por exemplo, discute a existência de uma “subcultura da violência” que permeia a cultura organizacional das polícias militares no Brasil, sustentando simbolicamente a adoção de ações extrajudiciais de eliminação de criminosos considerados perigosos. O autor direciona seu olhar especificamente para as PMs, afirmando que estas instituições seriam, por natureza, bastante permeáveis ao discurso social de eliminação da alteridade por meio da força, disseminado por segmentos da população brasileira. Daí a adoção recorrente de práticas extrajudiciais de extermínio por parte de alguns de seus integrantes.

Em sentido semelhante, Cano (2014) apontou claro viés racial nas ocorrências de letalidade policial registradas nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro. A partir da análise de registros policiais e processos judiciais, o autor observou grande predomínio relativo de vítimas classificadas como “negras” (pretos e pardos) entre os mortos por intervenções policiais. Além disso, seu estudo também demonstrou que a sobrerrepresentação de pretos e pardos entre as vítimas de ações policiais independe dos territórios onde se dão as ocorrências. Negros são muito mais vitimados do que brancos, tanto dentro quanto fora de favelas (Cano, 2014).

Já em pesquisa realizada por Oliveira Jr. (2008), a dimensão territorial/ecológica também é apontada como importante fator explicativo dos maiores índices de letalidade policial. Segundo o autor, territórios caracterizados por forte concentração de desvantagens tenderiam a concentrar maiores indicadores de letalidade e violência policial. A hipótese central é a de que a polícia tende a ter uma atuação potencialmente mais violenta e com maiores índices de letalidade em áreas pobres do que em áreas ricas das grandes cidades (Oliveira Jr., 2008, 2012).

Nessa mesma linha, estudos realizados por Chevigny (1991, 1995), Cano (1997) e Bueno e Rodrigues (2014) chamam a atenção para a existência de um discurso público de suporte à violência policial enquanto estratégia de controle social e enfrentamento da criminalidade no Brasil. De acordo com os autores, o largo histórico de atuação violenta das forças policiais em favelas e bairros pobres de periferia só pôde se consolidar no país porque conta com respaldo político, midiático, institucional e discursivo de largos setores da sociedade.

Em outra vertente, encontram-se pesquisas que procuram analisar os aspectos legais e institucionais que, em maior ou menor grau, favorecem o recrudescimento dos níveis de violência letal por parte das organizações policiais. São trabalhos que problematizam procedimentos de classificação, registro e investigação das ocorrências de letalidade policial, bem como o processamento desses eventos por parte do sistema de justiça criminal.

Estudos conduzidos por Bueno e Rodrigues (2014), Bueno e colegas (2021) e Zilli e Bueno (2022), por exemplo, discutem os impactos que determinadas classificações podem projetar sobre o próprio processo de investigação dos casos de letalidade policial. Ao adotar tipificações como “autos de resistência” e “resistência seguida de morte” para classificar, sem qualquer apuração preliminar, episódios de mortes decorrentes de intervenções policiais, o Estado inverteria o processo de elucidação dos fatos, trabalhando, a priori, com uma dinâmica que pressupõe a excludente de ilicitude da ação policial.

No mesmo sentido, pesquisa realizada por Misse e colegas (2013) identifica uma série de fatores de ordem legal/institucional que contribuem para que não haja, no estado do Rio de Janeiro, a apuração adequada dos casos de letalidade policial e, consequentemente, a punição dos policiais envolvidos. Entre os principais fatores elencados, está a investigação precária dos casos por parte da Polícia Civil, seguida de atuação tímida e leniente do Ministério Público.

A política de manutenção da alta incidência de “autos de resistência” não poderia vigorar sem a cumplicidade de todas as instituições do sistema de justiça criminal. [...] Os resultados do presente estudo revelam não haver empenho da Polícia Civil na investigação das mortes de civis em confronto com a polícia [...], sendo precária a elaboração dos inquéritos por não apresentar elementos probatórios suficientes, seja para confirmar ou refutar a licitude dos óbitos. O dever legal de fiscalização do inquérito cabe ao Ministério Público que, no entanto, tende a não exigir mais do que a inclusão de peças minimamente necessárias para o arquivamento dos procedimentos dentro da formalidade obrigatória, sendo raras as posturas dissonantes de promotores. Os juízes do Tribunal do Júri, por sua vez, têm a prerrogativa de contestar esses arquivamentos, mas salvo poucas exceções tendem não apenas a acatá-los como rejeitar denúncias e impronunciar os casos, devido à falta de elementos mínimos para fundamentar uma acusação

(Misse et al, 2013, p. 179-180).

A constituição de uma complexa estrutura discursiva, administrativa e judicial de legitimação das mortes praticadas pelas polícias também é objeto da pesquisa de D’Elia Filho (2013). A partir da análise de 314 inquéritos sobre “autos de resistência” no Rio de Janeiro (todos arquivados pelo Poder Judiciário sob alegação de “excludente de ilicitude”), o autor se dispõe a analisar estratégias discursivas e procedimentais manejadas pelos operadores do Sistema de Justiça Criminal para a construção da decisão de legitimar as ações policiais que resultam em morte, dando a elas a forma jurídica da “legítima defesa”. Segundo o autor, a mais importante delas é a criminalização das vítimas, rotuladas como “inimigos” e “bandidos” e, portanto, como “matáveis”, bem como a definição da periculosidade do local onde ocorreram os fatos, a “comunidade favelada” (D’Elia Filho, 2013).

Contexto normativo: o controle do uso da força por parte das polícias no Brasil

Diante do contexto de forte aumento de seus indicadores de letalidade policial, o Brasil tem experimentado, em anos recentes, o desenvolvimento de uma série de legislações e normas técnicas que buscam parametrizar e controlar o uso da força por parte das polícias no país. Mais do que isso, as normativas nacionais têm tentado estabelecer protocolos operacionais e administrativos que orientem a atuação dos órgãos do sistema de justiça criminal nas etapas de atendimento, registro, investigação e processamento das ocorrências de letalidade policial (Bueno, 2018; Zilli; Bueno, 2022).

Três documentos podem ser destacados como os mais importantes nesse campo. O primeiro deles é a “Portaria Interministerial n. 4.226/2010”, texto que apresenta 25 diretrizes para normatização do uso da força e de armas de fogo por parte dos agentes de segurança pública no Brasil,1 estabelecendo também uma espécie de roteiro mínimo de procedimentos a serem adotados por agentes e órgãos de Segurança Pública quando as ações policiais resultarem em lesões ou mortes: (1) facilitação da prestação de socorro ou assistência médica aos feridos; (2) preservação do local da ocorrência; (3) comunicação imediata do fato a superior hierárquico e a autoridade competente; (4) recolhimento e apreensão de armas de fogo e munições de todos os envolvidos; (5) realização de perícia criminal no local dos fatos; (6) início imediato das investigações sobre o ocorrido, com acompanhamento das corregedorias de polícia.

O segundo documento merecedor de destaque é a “Resolução nº 08/2012”, editada pela Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República. O texto tem como objetivo padronizar as tipificações adotadas pelos estados para designar, em bancos de dados e registros administrativos, as mortes decorrentes de intervenções policiais. Trata, portanto, da abolição de designações como “autos de resistência” e “resistência seguida de morte” de boletins de ocorrência e demais registros oficiais dos órgãos de segurança pública. A recomendação opera no sentido não apenas de adequar juridicamente a classificação das ocorrências de letalidade policial nos estados, mas também de evitar o uso de termos que, desde o registro inicial, já direcionem as investigações (Misse et al., 2013; Bueno et al, 2021). A Resolução também sugere que, nos estados, todos os casos de letalidade policial sejam criminalmente investigados pelas unidades especializadas de homicídios das Polícias Civis, com rigoroso acompanhamento por parte do Ministério Público, das corregedorias e ouvidorias de polícia.

Por fim, cabe mencionar a “Resolução 129/2015”, editada pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). De modo geral, trata-se da normativa de abrangência nacional que oferece as diretrizes mais claras a serem aplicadas pelas organizações públicas em casos de letalidade policial (sobretudo por polícias e Ministérios Públicos Estaduais). Além de parametrizar como devem ser elaborados os registros iniciais dos eventos, o documento também oferece orientações sobre como devem ser conduzidas suas investigações. A normativa também recomenda que os Ministérios Públicos estaduais pactuem, junto às forças policiais locais, protocolos de atuação interinstitucional a serem adotados nos casos de letalidade policial, regulamentando, por exemplo, a prestação de socorro às vítimas de intervenções policiais, a padronização das tipificações utilizadas nos registros policiais etc.

Nesse ponto, a resolução do CNMP toca naquela que talvez seja a maior fragilidade para o exercício do controle externo da atividade policial no Brasil: a autonomia federativa dos estados e, consequentemente, de suas organizações policiais. Estudo realizado pela Fundação João Pinheiro, por exemplo, mapeou um campo de fortes disputas corporativas entre as polícias Civis e Militares nos estados, em torno das prerrogativas e competências investigativas nos casos de letalidade policial. Além disso, também se detectou grande heterogeneidade dos protocolos de atuação, com cada unidade da federação adotando diferentes diretrizes para instruir procedimentos de socorro às vítimas, registro dos fatos, investigação e processamento das mortes decorrentes de intervenções policiais (FJP, 2020).

O que se observa, portanto, é que tanto o processo de normatização do uso da força por parte das organizações policiais, quanto as tentativas de estabelecer protocolos interinstitucionais de atuação dessas corporações em ocorrências de letalidade são movimentos extremamente recentes no Brasil. Do ponto de vista informacional, ainda não há padronização dos modos de registro e das nomenclaturas adotadas pelas polícias nos estados para computar as mortes decorrentes de suas intervenções. Do ponto de vista procedimental, não há uniformidade dos atendimentos, sistematização das comunicações, ou mesmo padrões investigativos mínimos a serem adotados para a apuração dos casos de letalidade. Mesmo a simples definição sobre qual corporação (Polícia Militar ou Civil) deve conduzir essas investigações se transformou em um acirrado campo de disputas corporativas nos estados.

A justificação e a neutralização da letalidade policial

Em termos gerais, esses são os contornos institucionais e normativos que hoje sustentam os altos índices de letalidade policial no Brasil, sem produzir a devida responsabilização das organizações de força e seus agentes. É nesse contexto que se torna fundamental compreender, empiricamente, no cotidiano das polícias, quais elementos discursivos, procedimentais e institucionais estruturam os processos de chancela oficial das mortes provocadas pelo Estado. Coloca-se o desafio de analisar quais são as cognições e representações que orientam os processos de tomada de decisão policial e judicial quando os agentes públicos precisam construir relatos, registrar versões, adotar procedimentos investigativos e dar formas jurídicas às mortes praticadas por eles.

É nesse ponto que a abordagem da etnometodologia (Garfinkel, 2018) pode oferecer ferramentais analíticos bastante interessantes. Em linhas gerais, a perspectiva etnometodológica busca evidenciar como estruturas sociais se constituem a partir de uma série de interações e decisões práticas cotidianas, tomadas por atores que compartilham entre si conjuntos de cognições, representações e interpretações de senso comum sobre determinados contextos e situações. Utilizando este quadro de referência analítica para compreender o processamento investigativo da letalidade policial, trata-se de identificar, por exemplo, quais são os “corpora de conhecimento” que orientam a produção de narrativas de “legítima defesa” em praticamente todos os registros que a polícia produz sobre as mortes que pratica.

Materializados nas narrativas inseridas em boletins de ocorrência e nas peças que compõem os inquéritos policiais, accounts de “legítima defesa” (Scott; Lyman, 2008) podem ser vistos como dispositivos linguísticos empregados para reestabelecer a normalidade da ordem social, quebrada pela frustração de uma expectativa compartilhada quanto ao que deveria ter sido a ação policial. Ao mobilizarem, em praticamente todos os documentos oficiais que produzem, uma série de elementos discursivos de “justificação” das mortes praticadas, os policiais neutralizam eventuais questionamentos sobre suas ações e mitigam conflitos.

As justificações são vocabulários socialmente aprovados que neutralizam um ato ou suas consequências quando um ou ambos são questionados. Mas aqui está a diferença fundamental: justificar um ato é afirmar seu valor positivo em face à alegação do contrário. As justificações reconhecem um sentido geral em que o ato em questão não é permitido, mas alegam que uma ocasião em particular permite ou mesmo exige o tal ato. As leis que regulam o direito de tirar a vida de outros indivíduos são um caso ilustrativo. [...] Em geral, um homem pode justificar ter tirado a vida de outra pessoa alegando ter agido em legítima defesa, em defesa da vida ou da propriedade de outros, ou em ação contra um inimigo confesso do Estado

(Scott; Lyman, 2008, p. 140).

A partir desse enquadramento teórico, torna-se mais clara a importância de se compreender quais elementos discursivos, procedimentais e institucionais são mobilizados pelos agentes e organizações policiais para produzir accounts de “legítima defesa” durante a fase investigativa dos casos de letalidade. Sobretudo porque este material será determinante para dar às mortes praticadas pela polícia a forma jurídica da “excludente de ilicitude”, já na fase judicial (Misse et al., 2013; D’Elia Filho, 2013).

Dados e metodologia

Para viabilizar essa discussão, este artigo apresentará os principais resultados de um estudo de caso sobre o processamento investigativo da letalidade policial em Minas Gerais. Em termos práticos, duas fontes de informações serão utilizadas: a primeira é uma base de dados quantitativos, formada por 3.506 ocorrências policiais registradas em Minas Gerais entre os anos de 2013 e 2018, e que trataram de episódios em que houve mortes e/ou ferimentos decorrentes de intervenções policiais.2 Esses documentos foram obtidos pelo Ministério Público de Minas Gerais a pedido da equipe de pesquisa, extraídos diretamente das bases de dados de ocorrências policiais da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (SEJUSP).3

Para tentar garantir que a busca obtivesse a informação mais precisa possível sobre os registros de uso da força por parte das polícias, foram estabelecidos os seguintes critérios de extração para as ocorrências:

  1. Ocorrências classificadas como homicídio doloso ou culposo, cometido contra profissional de defesa social, em qualquer circunstância.

  2. Ocorrências classificadas como homicídio doloso ou culposo, praticado por profissional de defesa social, em qualquer circunstância.

  3. Ocorrências classificadas como lesões dolosas, culposas ou acidentais, sofridas por pessoas, em decorrência da ação de profissionais de defesa social, em qualquer circunstância.

Além das ocorrências abarcadas por esses marcadores, foram extraídos registros que atendiam, simultaneamente, aos seguintes critérios:

  1. Ocorrências (de qualquer natureza) em que houve disparo de arma de fogo que provocou morte ou ferimento de pelo menos um dos envolvidos.

  2. Participação de pelo menos um agente de segurança pública,4 como autor ou como vítima (ou ambos, simultaneamente). Quando o agente de segurança era registrado nos documentos apenas como testemunha e os fatos aconteceram sem sua participação direta, os casos não foram incluídos.

  3. Fatos ocorridos entre 1º de janeiro de 2013 e 31 de dezembro de 2018.

Tais critérios de busca retornaram 3.506 boletins de ocorrência, integralmente baixados do sistema transacional da SEJUSP, formando um volume de mais de 25 mil páginas a serem analisadas. Ao longo de 18 meses, a equipe de pesquisa leu integralmente todos os REDS, preenchendo, a partir das informações contidas neles, duas bases de dados, em formato Microsoft Excel: uma sobre os eventos em si, outra sobre os envolvidos (vítimas e autores).

As informações contidas nessas bases foram analisadas por meio do software estatístico RStudio, permitindo não apenas delinear uma espécie de “perfil típico” do fenômeno da letalidade policial no estado (perfil sociodemográfico dos envolvidos, as modalidades criminosas ou tipos de trabalho policial que mais resultaram em mortes e ferimentos, os locais onde tais eventos mais ocorreram etc), mas, principalmente, identificar os elementos discursivos e procedimentais mobilizados pelos policiais para, já nos boletins de ocorrência, instruir, administrativa e juridicamente, suas narrativas de “legitima defesa”.

Um segundo conjunto de dados, este estritamente qualitativo, é o conteúdo resultante de 25 entrevistas em profundidade, realizadas entre os meses de janeiro e junho de 2019, com atores-chave do sistema de Segurança Pública e de Justiça Criminal de Minas Gerais. Foram entrevistados cinco promotores de justiça do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG); 12 representantes da Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) pertencentes às carreiras de delegado, escrivão e investigador; oito oficiais da Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG). Tais entrevistas produziram cerca de 35 horas de gravação em áudio, cujos principais trechos foram transcritos e organizados a partir de três grandes categorias temáticas, aderentes às etapas que compõem o próprio fluxo de investigação dos casos de letalidade: 1) competências e prerrogativas de investigação; 2) procedimentos de investigação preliminar; 3) procedimentos de investigação de seguimento.

Todos esses atores-chave foram selecionados a partir da posição institucional que ocupam no fluxo de processamento investigativo dos casos de letalidade policial: pelo MP, foram selecionados promotores de justiça atuantes no Tribunal do Júri (responsável pelo julgamento dos casos de letalidade), bem como em promotorias especializadas de controle externo da atividade policial; pela PC foram selecionados policiais lotados em delegacias especializadas de investigação de homicídios em Belo Horizonte e região metropolitana (unidades que têm como uma de suas atribuições investigar os homicídios praticados por policiais); pela PM foram selecionados oficiais-comandantes dos cinco batalhões da capital com maiores indicadores de letalidade policial no período analisado, bem como oficiais lotados na Corregedoria da corporação (responsável por dar suporte às investigações internas que a PMMG faz sobre os casos de letalidade).5

Dentro da perspectiva de usar o ferramental da etnometodologia para abordar o processamento investigativo da letalidade policial em Minas Gerais, a fala desses atores, captada a partir das entrevistas, mas também dos documentos oficiais produzidos por eles, permite não apenas compreender como se dá, em termos práticos, a atuação das polícias quando seus agentes se envolvem em ocorrências que resultam em mortes (o atendimento aos casos, suas comunicações, modos de registro, coleta de provas, investigações etc), mas também explorar quais são as cognições e representações compartilhadas, saberes cotidianos e tensões institucionais que orientam suas tomadas de decisão ao longo das investigações. Consequentemente, também se torna possível compreender como se estrutura a construção dos accounts de “legítima defesa” que culminarão na forma jurídica da “excludente de ilicitude”.

Uso da força e letalidade policial em Minas Gerais

Ao longo dos últimos anos, Minas Gerais tem experimentado um forte aumento de seus indicadores de letalidade policial. Entre 2009 e 2021, o número de mortes decorrentes de intervenções policiais teve um aumento bruto de 128%, saltando de 50 óbitos no primeiro ano da série, para 114 no último (com pico de 166 mortos pela polícia em 2017). O número anual de policiais assassinados, por outro lado, apresentou relativa estabilidade ao longo de todo esse período, como demonstra o gráfico 2 a seguir.

Gráfico 2
Letalidade e vitimização policial em Minas Gerais – 2009 a 2021

Dentro desse escopo geral, a análise do conteúdo de 3.506 boletins de ocorrência registrados em Minas Gerais entre os anos de 2013 e 2018 revela uma espécie de “perfil típico” das ocorrências em que houve uso de força potencialmente letal por parte das polícias no estado. Os dados indicam, por exemplo, que 90% destes eventos foram protagonizados por policiais militares, em 88% dos casos, envolvendo agentes “em serviço”. A maioria das ocorrências aconteceu fora de favelas (73,7%), em via pública (78%), durante a noite ou madrugada (62%).

Outro dado a ser observado diz respeito à dinâmica situacional dos eventos: em 55,5% dos casos, os policiais estavam em patrulhamento rotineiro quando foram acionados via central de rádio, ou se depararam com algum evento que lhes despertou a atenção. Nada menos do que 81,4% das interações violentas aconteceram em decorrência de tentativas de abordagem a suspeitos ou em situações de flagrante delito. Isso demonstra que a maioria das intervenções policiais que resultam em mortes e/ou ferimentos não se dá durante operações especiais planejadas, mas sim durante atividades policiais rotineiras, envolvendo, em quase 80% dos casos, agentes lotados em unidades operacionais de área.

Os registros também possibilitam identificar uma espécie de “perfil típico” das vítimas da violência policial: 97% são do sexo masculino, 67% têm entre 12 e 29 anos e 68,4% são pretas ou pardas. Em Minas Gerais, uma pessoa preta tem quatro vezes mais chance de ser vítima de uma intervenção policial violenta do que uma pessoa branca. Por fim, os dados demonstram que 36% dos mortos e feridos pela polícia estavam desarmados e que 94,6% de todos eles foram imediatamente socorridos (em 65,6% dos casos, pelos próprios policiais envolvidos nas ocorrências). A tabela 1 a seguir resume os achados da análise.

Tabela 1
Perfil típico das ocorrências policiais que resultaram em mortos e/ou feridos em Minas Gerais (MG) – 2013 a 2018

O que os dados analisados indicam, portanto, é que, em Minas Gerais, as ocorrências policiais que resultam em mortos e/ou feridos contrariam a narrativa que atribui grande parte da letalidade policial aos confrontos mantidos entre unidades policiais especializadas e criminosos fortemente armados, durante operações de repressão ao tráfico de drogas em favelas (Cano, 1997, 2014). O problema envolve a atuação policial rotineira, fora das favelas, durante abordagens a pessoas consideradas suspeitas, ou intervindo em crimes comuns em andamento.

“Visando repelir injusta agressão”: a construção dos accounts de “legítima defesa” nos casos de letalidade policial

Conforme discutido anteriormente, o Brasil convive com altos índices de letalidade policial, mas baixíssimos níveis de responsabilização das corporações policiais e dos agentes envolvidos nesses eventos. Estudos sobre o tema demonstram que, independentemente do que efetivamente acontece nas ocorrências, a esmagadora maioria das mortes decorrentes de intervenções policiais não é devidamente investigada e acaba sendo administrativa e juridicamente processada como caso de “legítima defesa”. Do primeiro registro policial à sentença judicial, o account que prevalece é, quase sempre, aquele apresentado inicialmente pelos próprios policiais envolvidos nas ocorrências: a morte dos cidadãos teria se dado em situações de “confronto”, quando os agentes, agindo “em legítima defesa”, “utilizaram meios moderados de força para repelir injusta agressão” (Misse et al., 2013; D’Elia Filho, 2013).

Especificamente em Minas Gerais, um aspecto político-institucional anterior, próprio ao processamento dos casos, precisa ser observado, porque torna a questão ainda mais complexa: nos eventos de letalidade envolvendo policiais militares (90% dos casos, como demonstrado anteriormente) não há normativas e protocolos interinstitucionais que determinem qual corporação detém a competência administrativa e legal para fazer o registro, a investigação e o processamento inicial dos casos. Por causa desse “hiato normativo”, os homicídios praticados por policiais militares (tanto “em serviço”, quanto “de folga”, mas em razão do serviço policial) acabam sendo investigados simultaneamente pelas duas corporações, com evidente prejuízo para as apurações conduzidas pela Polícia Civil, como será discutido e evidenciado mais adiante. Torna-se importante, portanto, compreender quais são as cognições e interpretações compartilhadas que sustentam esse entendimento e as práticas que dele decorrem.

Na origem dessa disputa normativa, encontra-se a interpretação institucional que a Polícia Militar de Minas Gerais oferece ao artigo 8º do Código de Processo Penal Militar (CPPM), dispositivo este que atribui à Polícia Judiciária Militar competência para apurar “crimes militares”. A partir do entendimento, compartilhado entre os membros do alto-comando da corporação, de que as mortes decorrentes de intervenção policial configurariam “crimes militares” (ou ainda de que, independentemente do homicídio praticado pelos agentes, cabe à corporação apurar outras eventuais transgressões legais ou disciplinares, de natureza militar, eventualmente praticadas durante essas ocorrências), sempre que ocorre uma letalidade envolvendo seus agentes, a PMMG instaura Inquéritos Policiais Militares (IPMs), realizando, internamente, a investigação que julgar necessária. Segundo um oficial da PM:

Não é competência deles (Polícia Civil). [...] Se for por causa do homicídio que o militar cometeu, não. Porque a responsabilidade de apuração do crime penal militar é da Polícia Militar, ou da Polícia Judiciária Militar. Quem é o responsável pela Polícia Judiciária Militar? O comandante. São três palavrinhas: Polícia Judiciária Militar, o comandante. [...] Se ele estiver em serviço, ou em razão dele, e cometer um crime, mesmo que esteja previsto no Código Penal comum, a competência de julgamento é da Justiça Militar

(Oficial 2 da PMMG).

Outro conjunto de cognições e interpretações é acionado, no entanto, quando a questão é tratada pela Polícia Civil. Inclusive, o mesmo Código Penal Militar (CPM) é discursivamente mobilizado para reivindicar, para a PC, a prerrogativa exclusiva de investigar os homicídios praticados por PMs. Em seu artigo 9º, parágrafo 1º, o CPM determina que “os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos por militares contra civil, serão da competência do Tribunal do Júri” (Brasil, 1969). Ou seja, como os casos de mortes decorrentes de intervenção policial militar deverão ser julgados pela Justiça Comum, a Polícia Civil entende que cabe a ela (e não à PM), a prerrogativa legal de investigar os fatos. Segundo um delegado:

A lei fala: a Polícia Civil investiga crimes comuns, exceto os militares. Ao contrário senso, a Polícia Militar investiga crimes militares, exceto os crimes comuns. A Polícia Militar está impedida de investigar crimes comuns. Homicídio é competência do Tribunal do Júri, mesmo praticado por policial militar em serviço contra civil. Se é do Júri, não é crime militar, se não é crime militar, a Polícia Militar não pode investigar

(Delegado de Polícia 1, da Delegacia Esp. de Homicídios).

Diante dessa ausência de acordo entre as corporações, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) tem tentado estabelecer as bases de um protocolo interinstitucional de atuação para os casos de mortes decorrentes de intervenção policial militar. Na “Nota Técnica 004/2014”, por exemplo, o órgão elenca procedimentos que deveriam ser impreterivelmente adotados sempre que ocorresse um caso de letalidade policial: isolamento e preservação dos locais de crime; realização de perícia técnica em todos os casos; comunicação imediata dos fatos à Polícia Civil; compartilhamento de informações coletadas pela PM com a Polícia Civil; restrição das investigações feitas pela PM à esfera das questões militares e disciplinares, com a PC assumindo a responsabilidade pela apuração do homicídio em si.

O texto, no entanto, foi ignorado pelo Governo do Estado, pela Secretaria de Segurança Pública e pela própria PM que, no mesmo ano, editou normativa para demarcar e reforçar seu entendimento sobre o tema. Nos termos da “Instrução Conjunta de Corregedorias Nº2”:

Art. 32. A notícia de fato previsto como crime doloso contra a vida (crimes contra a pessoa tipificados no CPM: art. 205 – homicídio consumado e tentado; art. 207 – provocação direta, indireta e auxílio a suicídio), praticado por militar em serviço ou agindo em razão da função, contra civil, nos termos do § 2º do art. 82 do CPPM, será investigada pela Polícia Judiciária Militar, por intermédio de Inquérito Policial Militar ou Auto de Prisão em Flagrante

(Minas Gerais, 2014).

Em 2016, o MP voltou à carga e editou a “Recomendação 01/2016”. No documento, o órgão realiza nova tentativa de estabelecer protocolos mínimos de atuação para os casos de letalidade policial, sugerindo a adoção de medidas de contenção das atividades investigativas realizadas pela PM e o direcionamento de toda a apuração para a Polícia Civil. Mais uma vez, no entanto, a normativa foi ignorada pela Secretaria de Segurança Pública e pela Polícia Militar.

Diante da falta de força política do MPMG para, administrativamente, determinar para as polícias um protocolo de atuação a ser seguido para a investigação dos casos de letalidade envolvendo militares, alguns membros do órgão avaliam que somente a judicialização da questão poderia conter o avanço da PM sobre o campo. Nas palavras de um promotor:

O caminho é o de se exigir do Estado, e não da Polícia Militar ou Civil, mas do Estado, que cumpra o que o Código de Processo Penal dispõe. Ou seja, o Estado, através de sua chefia, determinar às suas polícias, que lhe são subordinadas, como proceder em casos dessa natureza. Eu acredito que o instrumento jurídico para isso seria uma ação civil pública obrigando o Estado a cumprir a lei, já que não se conseguiu alcançar um consenso administrativo e extrajudicial a respeito

(Membro nº4 do Ministério Público de Minas Gerais).

Nas lacunas deixadas por esse cenário de disputas e dissensos institucionais, o caminho para a construção dos accounts de “legítima defesa”, sempre que ocorre uma morte decorrente de intervenção policial, começa a ser efetivamente pavimentado já nos boletins de ocorrência registrados pelos policiais. Em grande parte dos B.O. analisados, observou-se a mobilização de narrativas e gramáticas padronizadas, mas que já acionam dispositivos de justificação e terminologias que dialogam com universos de significados e definições de situação importantes para a construção da forma jurídica da “excludente de ilicitude”: as mortes teriam ocorrido em situações de “confronto”, quando os agentes, atuado em “estrito cumprimento do dever legal”, usaram “moderadamente dos meios necessários” para repelir uma “injusta agressão”, perpetrada contra eles (ou contra terceiros) por “indivíduos armados”.

Ainda segundo tais narrativas, imediatamente após a constatação de que a ação policial vitimou civis, os agentes “prestaram socorro imediato” às vítimas, que “faleceram antes de chegar ao hospital”. É importante observar que, a despeito de serem materializadas em documentos administrativos, tais accounts já buscam acionar e dialogar com cognições típicas do universo jurídico, mais especificamente com aquelas que constam como pré-requisitos para a constituição da forma jurídica da “legítima defesa”. Segundo um delegado entrevistado:

Na maioria deles, quase 100%, a história é a mesma: repelindo injusta agressão. Os policiais revidaram essa injusta agressão e isso acabou resultando no evento morte. A justificativa para efetuar os disparos mortais, regra geral, é a mesma. Parece que é até padronizado: repelindo injusta agressão. Vocês tiveram acesso ao REDS? Vocês vão ver que é sempre a mesma coisa. “Pra proteger a nossa integridade física”. Sempre a mesma coisa. [...] Pelo contexto que chega nos históricos de ocorrência, é praticamente “control C, control V”

(Delegado de Polícia 5, da Delegacia Esp. de Homicídios).

A padronização dessas narrativas indica não apenas a existência de diretrizes institucionais quanto ao roteiro básico a ser inserido nos B.O., mas também o compartilhamento de sensos comuns sobre as práticas policiais e as terminologias mais adequadas para registrá-las. Entre os agentes, a legitimidade das intervenções policiais é tomada como dada (taken for granted) e é a partir dessa premissa partilhada que se constroem os accounts que irão dar a forma jurídica da letalidade policial. Sob a perspectiva etnometodológica, tais accounts expressam e são, ao mesmo tempo, expressões das racionalidades que orientam a atuação policial e seus modos de administrar conflitos (Beato Filho, 1992).

A partir dessa primeira narrativa, coloca-se em movimento uma complexa cadeia de procedimentos institucionais e investigativos que, do momento do fato até a conclusão das investigações, sustentará, na maioria dos casos, a versão de “uso proporcional e legítimo da força” por parte de policiais. E será esta conclusão investigativa que ganhará, aí já na etapa judicial, as formas jurídicas da “legítima defesa” e, consequentemente, da “excludente de ilicitude” da ação policial. Em termos práticos, é a etapa da investigação dos casos que acaba por determinar seu desfecho judicial. Não por acaso, as expressões “repelir” ou “injusta agressão” constam em nada menos do que 86% dos históricos das ocorrências. Já as expressões “legítima defesa”, “defender”, ou “uso progressivo da força” figuram em 75,4% dos B.O.. Consolidando a narrativa da excludente de ilicitude, as expressões “socorrer” ou “socorro à vítima” foram utilizados em 60,6% dos documentos.6

Investigações preliminares

A análise dos boletins de ocorrência e das entrevistas também permite detalhar o que seria uma espécie de “processamento inicial típico” dos casos de letalidade policial em Minas Gerais. Segundo os entrevistados, na quase totalidade dos eventos em que a ação policial resultou em mortes, houve, por parte dos militares envolvidos, a prestação de socorro às vítimas. Tal prática, no entanto, é alvo de duras críticas por parte de policiais civis, que identificam nela uma estratégia deliberadamente adotada pelos PMs para alterar provas dispostas nos locais de crime e prejudicar levantamentos periciais. Segundo um investigador e um delegado,

[...] isso aí é praxe deles. Independente de o cara ter morrido ou não. Muitas vezes o cara já morreu, pegam o cara morto. Muitas vezes, em local de crime, a gente conversa com testemunhas e falam pra gente: “já estava morto, levou não sei quantos tiros, levou trocentos tiros aqui, estava caído e morto, não estava nem mexendo, nem respirando”. Pegaram e jogaram na viatura pra deixar o local inidôneo. [...] Pra confundir o local de crime. [...] Geralmente quando está alterado assim, acontece de a perícia não ir ao local, justamente por ter sido alterado e eles não terem condições de fazer o serviço (Investigador de Polícia 2, da Delegacia Esp. de Homicídios).

Eu acho que há uma leniência institucional. Tá todo mundo vendo socorrer defunto aí. Ninguém faz nada! Tá socorrendo defunto, está lá escrachado. Se você pegar um REDS, uma ocorrência policial, e der para um gari e falar: “lê esse REDS”. Ele vai falar: “mas aqui socorreu defunto!” Será que ninguém está vendo isso? Não precisa ter conhecimento aprofundado. Está socorrendo defunto. Qual é o interesse em socorrer defunto? Alguma coisa tem! (Delegado de Polícia 5, da Delegacia Esp. de Homicídios).

A partir da suposta prestação de socorro às vítimas, os policiais militares colocam em movimento uma engrenagem de procedimentos administrativos e investigativos que, na prática, garantirá que quase todos os elementos fundamentais para a condução das investigações preliminares sejam coletados somente pela própria Polícia Militar, inviabilizando os levantamentos da Polícia Civil. O primeiro passo é a manutenção das comunicações iniciais sobre os confrontos na rede exclusiva de rádio da PM, em sua central de operações (COPOM).

Pelo rádio, os PMs envolvidos acionam seus superiores hierárquicos, fazendo com que estes se desloquem imediatamente até o local dos fatos (na maioria das vezes um hospital). Lá, os oficiais coletam as primeiras informações sobre o ocorrido, identificam eventuais testemunhas e determinam que os militares envolvidos sigam para a sede de seu próprio batalhão, lá permanecendo à disposição das providências de Polícia Judiciária Militar. Mesmo eventuais testemunhas da ocorrência são retiradas do local pela PM e compulsoriamente levadas para dentro das unidades militares, para a tomada de depoimentos. Outra equipe de militares, sem qualquer relação com o evento, é então destacada para cuidar dos procedimentos burocráticos de registro da ocorrência. Segundo um dos oficiais entrevistados,

o CPU (coordenador de policiamento da unidade) chega, entrevista os militares e, após tomar pé da situação, já dá a voz de prisão para os militares. Aí os militares são recolhidos para o quartel, onde já são adotadas as providências de Polícia Judiciária Militar. É recolhido o armamento para já poder encaminhar para a perícia e outros procedimentos de praxe. [...] As testemunhas são arroladas no B.O. e, em um primeiro momento, eles acompanham o APF no quartel. [...] Chegando aqui nós já temos uma salinha separada, um cartório. Primeiro ouve-se o condutor que deu voz de prisão aos militares, que geralmente é o CPU. E depois são ouvidas as partes. São ouvidos os autores e depois as testemunhas. [...] O armamento que foi utilizado pelos policiais também fica apreendido

(Oficial 3 da PMMG).

Dentro de todo o fluxo de procedimentos adotados para construir os accounts de legítima defesa, talvez nenhum momento seja mais importante do que o da produção do primeiro registro sobre os fatos, por meio dos boletins de ocorrência. Conforme diversos estudos já demonstraram, será a narrativa contida nos B.O. que orientará a direção das investigações e, posteriormente, sustentará a forma jurídica da letalidade policial. Cientes disso e imbuídos da premissa corporativamente partilhada de que a ação de seus subordinados foi legítima, os oficiais da PMMG mobilizam recursos institucionais para, coletivamente, construir o account mais aderente possível àqueles elementos que serão formalmente observados pela comunidade de operadores que apreciará os fatos já na etapa judicial. Nos termos de um dos oficiais entrevistados,

[...] tem um boletim a ser registrado e ele precisa de uma revisão por parte do comandante de Companhia. Ele tem que revisar o que está sendo escrito, como está sendo contada a história, tem que ser bem detalhado. O boletim de ocorrência é uma peça fundamental depois para a persecução criminal, para o Ministério Público, para começar a confrontar provas. [...] Nós designamos um militar redator, que é um sargento. [...] Ele vai redigir o REDS sob orientação do comandante de Companhia. Então ele não encerra o REDS sem o comandante de Companhia rever, revisar e fazer as devidas correções. [...] Porque, às vezes, o militar quer ser resumido demais no REDS, mas às vezes ele tem que ser detalhado. [...] Porque esse REDS vai ser submetido ao próprio militar no interrogatório dele. Esse REDS depois vai ser confrontado pelo promotor de justiça

(Oficial 5 da PMMG).

Mas a centralidade dos boletins de ocorrência para a composição da forma jurídica da letalidade policial não reside apenas nas narrativas que carregam. Em alguns casos, os B.O. podem ser utilizados como instrumento de redirecionamento das possibilidades investigativas, seja por meio de estratégias tipicamente discursivas e classificatórias (dispersando, por diversas seções dos documentos, as informações referentes às mortes praticadas pela polícia, ao mesmo tempo em que destaca elementos de crimes conexos), seja pelo manejo da burocracia investigativa (particionando as narrativas sobre a letalidade por mais de um documento e, com isso, fragmentando o trabalho de apuração dos fatos).

A produção da opacidade ou da fragmentação investigativa funciona basicamente da seguinte forma: quando policiais militares matam uma pessoa que havia acabado de praticar um roubo, podem optar por enfocar no boletim de ocorrência não a morte do suspeito, mas sim o crime previamente praticado por ele (no caso, o roubo). Ao registrarem o evento como “roubo consumado”, assinalado a informação sobre a morte do autor apenas em campos secundários do documento, os policiais podem encerrar este B.O. em pequenas delegacias distritais (que não detêm a prerrogativa de investigar homicídios, mas tão somente o roubo que está descrito nos campos principais do boletim de ocorrência). Outra possibilidade é o particionamento dessas informações em boletins de ocorrência distintos: registra-se um B.O. sobre o roubo junto a uma delegacia distrital da Polícia Civil e outro sobre a morte praticada pelos policiais junto ao próprio batalhão ao qual pertencem os PMs (de modo que esta informação demore o maior tempo possível para chegar à PC).

Essas “divergências classificatórias” estão presentes em 38% das ocorrências de letalidade policial analisadas pela presente pesquisa. Contrariando normativas nacionais e internacionais que determinam que mortes decorrentes de intervenções policiais devem ser registradas como ocorrências de “homicídio”, esses documentos receberam classificações criminais diversas, sem relação evidente com a letalidade (foram registradas como roubos, furtos, tráfico de drogas etc). Na prática, seja por meio do manejo narrativo, seja pelo acionamento seletivo da burocracia investigativa, circunscreve-se o campo de produção dos accounts de letalidade à própria Polícia Militar, interditando a participação discursiva e, portanto, investigativa, da Polícia Civil.

Conforme também já demonstrado por diversos estudos (Misse et al., 2013; D’Elia Filho, 2013; Godoi et al., 2020; Ferreira, 2021), outro elemento central para a constituição dos accounts de legítima defesa é a inserção, ainda nos boletins de ocorrência, de uma série de elementos que sustentem processos de “destituição moral das vítimas”. Em termos etnometodológicos, trata-se de utilizar vocabulários socialmente aprovados e compartilhados para projetar estigmas sobre as pessoas vitimadas. Com isso, justifica-se a violência policial e, discursivamente, neutraliza-se o ato violento, ou pelo menos suas consequências, quando ambos vierem a ser questionados.

Não por acaso, grande parte dos boletins de ocorrência analisados trazem dados sobre o histórico criminal das vítimas da letalidade policial. A preocupação em construir a figura do “bandido” nas ocorrências demonstra a orientação cognitiva de negar às pessoas mortas a condição de vítima, ou mesmo de legitimar a ação policial porque esta vítima supostamente merecia o dano. E aqui há um ponto central: a justificação operada pela destituição moral das vítimas afirma o valor positivo da ação policial face às alegações contrárias. Reconhece-se que, no sentido geral, a letalidade não é socialmente aprovada, mas alega-se que a ocasião particular e, principalmente, a pessoa da vítima (transfigurada em “bandido”) permitiu ou mesmo exigiu o ato (Scott; Lyman, 2008).

Na Polícia Militar, esta operação discursiva é sustentada pela mobilização de recursos institucionais para a investigação não apenas dos fatos, mas, principalmente, das figuras pessoais das vítimas. Nas palavras de um oficial entrevistado,

[...] já é doutrina da seção de inteligência acompanhar esses casos e produzir essa informação. Tanto as informações para assessorar o comando da unidade relativo à ação dos militares, como informações para dizer quem é a pessoa que morreu ali. Porque às vezes a pessoa leva muito em consideração isso. A gente leva em consideração para tentar entender também qual era o potencial lesivo que esse cara vinha apresentando. Um exemplo: agora, na última situação de letalidade que nós tivemos na unidade, morreu um rapaz que era homicida contumaz no (nome do bairro). Estava com mandado de prisão em aberto, era um cara que se destacava pelos requintes de crueldade e descaso com que fazia os homicídios, não se preocupando com quem estaria no entorno, se ele viria a atingir alguém que não o alvo dele. [...] Então, quando eu falo que a gente busca essa informação sobre quem era essa pessoa, é para ajudar também na formação da convicção do comandante, da decisão dele. Pra ele saber que aquele é um cara que vai tentar mesmo contra as guarnições. E para a gente saber também que repercussão isso vai dar nas comunidades

(Oficial 6 da PMMG).

Neste ponto, é importante observar que, ao reivindicar a prerrogativa de monopolizar o processo de construção de accounts sobre seus próprios casos de letalidade, a PM precisa fazer mais do que apenas articular gramáticas, saberes e cognições internamente compartilhadas; precisa também tentar interditar a produção de accounts eventualmente divergentes. É por isso que, em termos práticos, os procedimentos de registro e de investigação preliminar adotados pela PM também operam no sentido de dificultar (ou mesmo interditar) o trabalho de apuração externo da Polícia Civil. Segundo os investigadores entrevistados, quando ocorre um evento de letalidade policial militar, até mesmo a comunicação inicial dos fatos à PC é retardada pela PM, para que as providências militares sejam tomadas sem interferência das Delegacias de Homicídios. Ao tomarem ciência do ocorrido, os investigadores civis já se deparam com um cenário de local de crime alterado, PMs e eventuais testemunhas envolvidas já confinadas em batalhões, armas de fogo apreendidas pela própria Polícia Militar e nenhuma colaboração por parte dessa corporação. Segundo um investigador e um delegado entrevistados,

Na verdade, a informação não chega pra CEPOLC (Central de Comunicação da Polícia Civil). [...] Tanto que quando a gente chega a um local de crime e a gente percebe que o homicídio ocorreu há várias horas, a gente entra em contato com a CEPOLC e eles: “não, a informação tem tantos minutos.” [...] Primeiro essa informação circula no local do crime, entre os PMs ali. Infelizmente, acontece de eles atrasarem a nossa chegada. Primeiro eles investigam, depois passam pra gente. Eles tentam, na verdade, acobertar a situação quando é erro deles e eles não conseguem achar uma saída. Eles tentam o máximo possível resolver a situação ali, de forma que a gente chegue e engula do jeito que querem passar pra gente. Para que a gente não consiga apurar os fatos como realmente aconteceu

(Investigador de Polícia 2).

A Polícia Militar não entrega seu policial para a Polícia Civil. [...] Eles é que fazem o flagrante deles lá, alegando que é crime militar [...] É interessante conversar com os investigadores que fazem os locais de letalidade. Quando chegam aos locais, a PM já pegou todos os policiais, todas as testemunhas, levam todo mundo para o batalhão, não dão qualquer acesso. Isolam todo mundo lá que é pra gente não ter acesso, pra dificultar mesmo. Fazem o APFD deles e não deixam a Polícia Civil ter acesso (Delegado de Polícia 1, da Delegacia Esp. de Homicídios).

Mesmo nos raros casos em que a Polícia Civil consegue fazer com que os militares se apresentem para prestar depoimentos, normalmente em alguma delegacia de plantão, poucas horas após o episódio da letalidade, os investigadores relatam a pressão feita pela PM para que não seja feita a prisão em flagrante dos militares, seja coagindo delegados e investigadores, seja retirando à força os PMs da unidade civil. Segundo um delegado da PC e um oficial da PM,

Em situação que eu presidi no plantão, que tinha envolvimento de policial militar, chega lá 15, 20, 30 policiais militares pra poder ocupar o espaço. Quando eles vão, acontece isso. Chega o comandante, lota o prédio de militar. O objetivo é coagir. Coagir testemunhas, coagir os policiais civis, coagir o próprio delegado. Então é difícil, é uma investigação difícil

(Delegado de Polícia 3, da Delegacia Especializada de Homicídios).

Nós temos muitos embates. Tem delegado que bate o pé, entende que a competência é deles e que não abrem mão. [...] Aí as armas já estão apreendidas à disposição da Justiça Militar. E tem delegado que exige que eu apresente as armas lá pra ele. Mas como é que eu posso apresentar as armas para ele a partir do momento que eu já fiz o APF? [...] Outra situação: os militares são apresentados (à Polícia Civil) para serem ouvidos em decorrência da ocorrência de roubo (que originou a letalidade). [...] Já teve delegado que quis autuar os militares pelo homicídio. Aí é outro embate. [...] Já teve situação de ter que tirar o polícia de dentro da delegacia. Na tora. [...] Situação que até já cercaram delegacia. Chegaram lá as viaturas do turno: “vou tirar o polícia daí. Como é que você vai reter o polícia? Não vai!” É tenso

(Oficial 3 da PMMG).

Outra frente de interdição das investigações preliminares feitas pela Polícia Civil é a atuação de agentes do serviço de inteligência da PM (que trabalham em trajes civis) nos locais dos fatos, imediatamente após os supostos confrontos. De acordo com investigadores e delegados entrevistados, estes agentes realizam trabalhos de apuração nas cenas de crime, interrogam testemunhas, apreendem imagens eventualmente feitas por câmeras de vigilância e levam testemunhas para quartéis da PM antes da chegada da Polícia Civil. Os entrevistados narram, inclusive, casos em que estes militares teriam se apresentado nos locais de crime trajados com uniformes da própria PC.

Já tivemos casos aqui, de testemunha presencial que falou pra gente: “o pessoal da Polícia Civil já esteve aqui, falou pra gente não comentar mais nada com ninguém, que a gente já foi ouvido e não é para passar mais informações para ninguém.” E a gente foi descobrir que quem se prestou a esse lamentável papel foram policiais da P2 se passando por policiais civis. Inclusive com camisa da Polícia Civil

(Delegado de Polícia 5, da Delegacia Esp. de Homicídios).

Na primeira comunicação de rádio, os que vão chegar primeiro, com certeza, vão ser os P2. [...] E como eles chegam em carros descaracterizados, não chegam fardados, a população os confunde com policiais civis que estão iniciando as investigações. Então eles vão nas casas, eles coletam as imagens... Na hora que você vai coletar as imagens, a população fala: “não, a Polícia Civil já esteve aqui, já levaram as imagens.” Já teve caso de eles levarem até os aparelhos

(Delegado de Polícia 4, da Delegacia Esp. de Homicídios).

Primeira decorrência administrativa dos trabalhos de investigação preliminar, o registro das ocorrências de letalidade policial foi outro aspecto bastante discutido pelos atores-chave entrevistados. Apesar de normativas nacionais e internacionais determinarem que todas as mortes decorrentes de intervenções policiais devem ser registradas como ocorrências de “homicídio”, em Minas Gerais, tais casos têm recebido tipificações diversas nos B.O., algumas delas sem qualquer relação com a letalidade (ocorrências registradas como roubos, tráfico de drogas etc.). Em muitos casos, os próprios PMs responsáveis pelas mortes de civis figuram nas ocorrências como vítimas de “tentativas de homicídio”, praticadas pelos supostos opositores mortos.

Mesmo a recomendação de que os casos de letalidade policial devem ser registrados em Delegacias Especializadas de Homicídios raramente é cumprida. A prática mais comum é o registro dessas ocorrências em delegacias de área, ou mesmo junto aos próprios batalhões dos PMs envolvidos. Tal prática interfere no processamento dos casos, uma vez que a natureza criminal consignada nos B.O. determina a qual unidade policial o registro será encaminhado para investigação. Ocorrências de letalidade policial militar registrados como “roubo” (o confronto e a morte teriam se dado durante a tentativa da polícia de impedir um assalto), por exemplo, costumam ser registradas em delegacias distritais que, em Minas Gerais, não possuem competência administrativa para investigar homicídios (e que, portanto, não poderão investigar as mortes praticadas pela PM).

Investigações de seguimento

Superada a etapa de coleta de informações nos locais de crime e de registro inicial dos casos, tem início o que os entrevistados definem como “investigação de seguimento”: as apurações feitas nos dias subsequentes aos fatos, para organizar o conjunto de provas nos inquéritos instaurados. Dentro da PM, este “fazer investigativo” conta com apoio do setor de inteligência da corporação, que mobiliza não apenas agentes do serviço velado das próprias unidades operacionais envolvidas nos casos, mas também policiais da Corregedoria-Geral da instituição. Atualmente, o órgão corregedor disponibiliza aos batalhões o trabalho investigativo de equipes compostas por quatro ou cinco PMs do serviço velado, acionados para levantamentos de campo no dia do crime, mas também para a sequência das apurações. Quando esta pesquisa foi realizada, o órgão mantinha 52 policiais militares, trabalhando em regime de escala de plantões de 24 horas, para auxílio nas investigações de letalidade envolvendo PMs.

Paralelamente ao trabalho investigativo próprio, a PM adota uma série de medidas administrativas para impor dificuldades às investigações conduzidas pela Polícia Civil. Por determinação do Comando Geral da corporação, os PMs envolvidos nos eventos de letalidade não se apresentam para prestar depoimento às Delegacias de Homicídios. Além disso, as armas envolvidas nos supostos confrontos permanecem custodiadas nos quartéis e não são entregues ao delegado que preside o inquérito (as Delegacias de Homicídios só tem acesso indireto à perícia das armas quando a própria PM, para atender às demandas de seus IPMs, envia o material para ser periciado pelo Instituto de Criminalística, que é vinculado à PC). Mesmo informações administrativas que a PM poderia fornecer à PC para ajudar na apuração dos casos (escala de serviço e registros funcionais dos policiais envolvidos, informações sobre movimentação de viaturas, registros de comunicação dos fatos etc), são frequentemente negadas às Delegacias de Homicídios.

Quando a gente chega ao local, já tem fato alterado, o morto foi socorrido, todo morto é socorrido. Então você já tem a cena alterada, você não encontra cápsulas, os objetos foram alterados e as testemunhas, que são os próprios militares, já estão no quartel e dali eles não saem. Dali você já não consegue mais falar com eles. [...] A gente não tem acesso nem posterior, porque a gente intima e eles não comparecem. [...] As armas envolvidas no confronto somem também. Como eles não se apresentam, ficam lá no quartel. Você nunca consegue uma documentação relativa à viatura, horários, escalas, isso não chega nunca. [...] Eu tenho casos aqui, que você pede um registro, uma planilha de viaturas naquela data. “Ah, porque o arquivo pegou fogo”. “Teve um problema lá com a mudança do arquivo e alguns registros extraviaram”. Então fica essa situação. E se a vítima for um criminoso contumaz, aí é justificativa pra tudo. Você vai encontrando só barreira, barreira, barreira. Quando se chega a uma conclusão final, o que é muito raro, ainda tem essa barreira do indiciamento. Então quando você tem um militar condenado, pode saber que é porque o negócio foi muito escrachado. [...] A verdade é que a Polícia Civil não tem força para este tipo de investigação

(Delegado de Polícia 3, da Delegacia Esp. de Homicídios).

A falta de colaboração com as investigações realizadas pela Polícia Civil é confirmada por um oficial entrevistado, sob o argumento de que tais eventos constituiriam crimes militares e, portanto, fora da competência investigativa da PC.

Se ele quiser apurar pra lá, ele apura. Mas ele não vai ouvir meus militares. Se me requisitar, eu não vou enviar os militares. Ele apure do jeito que ele achar que tem subsídios pra lá. Mas eu não vou encaminhar o policial para ser ouvido lá, não vou permitir que ele ouça o militar, até porque não é competência dele. Em alguns casos, no calor dos fatos, acabam levando o militar pra delegacia e ouvindo, mas esta não é a recomendação. A recomendação é ação típica da Polícia Militar. Ele pode fazer a apuração paralela dele pra lá, mas normalmente não tem muita validade isso

(Oficial 1 da PMMG).

Considerações Finais

O que todo o material coletado indica é que existe hoje, em Minas Gerais, um cenário de fortes disputas corporativas e conflitos institucionais em torno do processamento investigativo das mortes decorrentes de intervenções da Polícia Militar. Empiricamente, o que se constata é que a PM tem avançado sobre o campo das investigações, colocado em operação um complexo conjunto de procedimentos que, além de garantir à organização o quase monopólio sobre a apuração e a produção discursiva sobre dos eventos que envolvem seus agentes, praticamente interdita as possibilidades investigativas externas que a Polícia Civil poderia vir a fazer.

Na origem desse processo, evidencia-se um movimento institucional da PM mineira para tentar controlar as narrativas sobre suas lógicas de atuação e estabelecer uma hegemonia de sentidos e de avaliações públicas sobre seus modos de administrar conflitos. Não por acaso, a corporação tenta se apropriar da produção discursiva sobre aquela que é a expressão mais aguda de seu fazer policial: o uso da força letal. Ao avançar sobre o campo do processamento inicial das mortes provocadas por seus agentes, abarcando não apenas o registro dos fatos por meios dos boletins de ocorrência, mas também suas investigações, a PM demonstra ter compreendido que é a partir dos accounts constituídos nessa etapa que se formam os enquadramentos e consensos institucionais que determinarão a forma jurídica que sua letalidade terá.

É por isso que, ao tomar conhecimento de uma morte provocada por um de seus agentes, a PM aciona uma série de protocolos operacionais orientados para a produção de informações e registros oficiais que, na imensa maioria dos casos, sustentarão e darão materialidade aos accounts de “legítima defesa” produzidos pelos próprios policiais envolvidos. Para a PM, a importância de formalizar essa produção discursiva não reside apenas na necessidade de fortalecer enquadramentos cognitivos internos sobre como a polícia deve agir; trata-se, sobretudo, de neutralizar eventuais questionamentos públicos externos, restaurando a normalidade das expectativas sociais sobre o papel das polícias e os limites do uso da força por parte do Estado em sociedades democráticas. Dar à letalidade policial a forma jurídica da “legítima defesa” ou da “excludente de ilicitude” é, para as organizações de força, um imperativo de sobrevivência institucional no campo da segurança pública.

Em Minas Gerais, será o material investigativo e os accounts produzidos pela própria Polícia Militar, quando não aqueles que, ainda que produzido pela Polícia Civil, tiveram toda sua elaboração submetida aos filtros e obstáculos impostos pela PM, que acabará pavimentando o caminho para que, já na fase judicial, prevaleça a forma jurídica da “legítima defesa” inicialmente formulada pelos militares, com a consequente aplicação da excludente de ilicitude.

Em muitos sentidos, tal cenário decorre do forte espírito de corpo que caracteriza as culturas e práticas policiais, aliado ao próprio perfil das vítimas preferenciais da letalidade estatal: populações socialmente estigmatizadas e, mesmo dentro delas, sujeitos supostamente criminosos, tidos como “matáveis” (Misse et al., 2013, Cano, 2014; Ferreira, 2021). Tais elementos esvaziam esforços mais comprometidos com práticas, processos ou fluxos de persecução criminal menos ritualísticos e mais interessados em compreender as reais nuances das intervenções policiais que culminaram em mortes violentas. Em muitos casos, os próprios policiais envolvidos são as principais (se não as únicas) testemunhas das ocorrências, em inquéritos que irão investigar muito mais o histórico criminal das vítimas e as supostas agressões praticadas por elas, do que propriamente a conduta dos agentes públicos.

Obviamente, não há, pelo menos no caso de Minas Gerais, elementos suficientes para afirmar que a maioria dos casos de letalidade policial militar decorre de ações em que houve uso abusivo ou desproporcional da força. No entanto, a apropriação quase que exclusiva, por parte da própria Polícia Militar, de todas as etapas do processo investigativo desses casos (bem como a vasta gama de procedimentos que a corporação adota para interditar e inviabilizar as apurações feitas pela Polícia Civil) torna virtualmente impossíveis a efetiva fiscalização e o controle externo democrático das ações policiais que resultam em mortes.

  • 1
    Por se tratar de uma portaria, o documento não possui poder de regulamentação legal da atuação das forças de segurança pública nos estados da Federação. Limita-se a fazer recomendações, vinculando o eventual repasse de recursos federais à observância dos parâmetros por ela definidos.
  • 2
    Em Minas Gerais, os boletins de ocorrência registrados pelas forças de Segurança Pública receberam o nome de “Registro de Eventos de Defesa Social” (REDS).
  • 3
    O repasse dos REDS à equipe de pesquisa do NESP/FJP se deu a partir de um programa de pesquisas que a instituição mantém com o Ministério Público de Minas Gerais, por meio de Termo de Cooperação Técnica (TCT).
  • 4
    A metodologia de busca e coleta de informações considerou como “agentes de segurança pública” policiais civis, policiais militares, policiais penais e bombeiros militares.
  • 5
    O estudo aqui discutido integra um amplo programa de pesquisa sobre “controle externo da atividade policial em Minas Gerais”, mantido por Termo de Cooperação Técnica (TCT) firmado entre o NESP/FJP e o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG). A realização da pesquisa junto ao MPMG e às polícias Civil e Militar foi formalmente autorizada por todas essas organizações, sendo facultado aos seus membros a livre decisão individual de colaborar ou não com o estudo.
  • 6
    Nos formulários que os policiais preenchem para compor os boletins de ocorrência, a seção chamada “Histórico da ocorrência” é a parte do documento na qual os agentes relatam, com suas próprias palavras, a dinâmica dos eventos criminais. Trata-se de campo fundamental do registro, uma vez que apresenta, para leitores externos, a narrativa policial dos fatos ocorridos.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Abr 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    22 Set 2021
  • Aceito
    17 Fev 2023
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