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Trocas desiguais: o Brasil e os brasileiros nas ciências sociais francesas

Unequal exchanges: Brazil and Brazilians in French social sciences

MERKEL, Ian. Terms of exchange: Brazilian intellectuals and the French social sciences. Chicago: The University of Chicago Press, 2022

Resumo

Nesta resenha, são analisadas as contribuições de Ian Merkel para os estudos sobre produção e circulação de intelectuais, ideias e produtos culturais, presentes em seu livro Terms of exchange: Brazilian intellectuals and French social sciences. Aponta-se que os argumentos do livro se enquadram em nova perspectiva teórica de análise sobre as relações culturais e políticas entre centro e periferia, derivada da teoria sociológica contemporânea, além de serem mencionadas as contribuições para a área de pensamento social brasileiro.

Palavras-chave
história das ciências sociais; teoria sociológica; ciências sociais francesas; pensamento social brasileiro; sociologia dos intelectuais

Abstract

In this review, I analyze Ian Merkel’s contributions to studies on the production and circulation of intellectuals, ideas and cultural products in his book Terms of Exchange: Brazilian intellectuals and French social sciences. I point out that the book’s arguments fit into a new theoretical perspective of analysis on the cultural and political relations between center and periphery derived from contemporary sociological theory, in addition to mentioning the contributions to the field of Brazilian social thought.

Keywords
history of social sciences; sociological theory; French social sciences; Brazilian social thought; sociology of intellectuals

Nas últimas décadas, houve grande movimento no sentido de rever a história das ciências sociais realçando as possibilidades de entrecruzamento entre distintas tradições nacionais a partir das relações entre centro e periferia. Ao se levar em conta o escopo da produção sociológica, observam-se duas dimensões: a local/regional/nacional e a global/universal. A reconfiguração analítica das trajetórias da disciplina contestou o eurocentrismo das proposições dos clássicos (e novos clássicos) da disciplina, desafiando o estatuto universal de categorias comumente tomadas como parâmetros inequívocos da modernidade e da produção científica, questionando a reprodução (ou imitação), em outros contextos espaço-temporais, dos padrões socioculturais das sociedades centrais e ressaltando as assimetrias de poder que ampararam as projeções normativas e prescritivas em direção a contextos espaço-temporais periféricos (Chakrabarty, 20073 CHAKRABARTY, Dipesh. Provincializing Europe: postcolonial thought and historical difference. Nova Jersey: Princeton University Press, 2007.; Connell, 20124 CONNELL, Raewyn. A iminente revolução na teoria social. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 27, n. 80, p. 9-20, 2012. https://doi.org/10.1590/S0102-69092012000300001
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; Bhambra, 20141BHAMBRA, Gurminder. Connected sociologies. Londres: Bloomsbury Academic, 2014.).

Essas perspectivas abririam caminho para a investigação das relações entre teoria social/sociológica e história das ciências sociais, pois a possibilidade de teorização sociológica do sul global (Connell, 20124 CONNELL, Raewyn. A iminente revolução na teoria social. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 27, n. 80, p. 9-20, 2012. https://doi.org/10.1590/S0102-69092012000300001
https://doi.org/10.1590/S0102-6909201200...
; Maia, 20177 MAIA, João Marcelo. História da sociologia como campo de pesquisa e algumas tendências recentes do pensamento social brasileiro. História, Ciências, Saúde-Manguinhos, v. 24, n. 1, p. 111-128, 2017. https://doi.org/10.1590/S0104-59702017000100003
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), os contextos científicos periféricos e as sociologias conectadas (Bhambra, 20141BHAMBRA, Gurminder. Connected sociologies. Londres: Bloomsbury Academic, 2014.) se tornam elementos fundamentais para subsidiar explicações que ultrapassam concepções evolutivas ou lineares das ciências sociais. Afinal, as experiências intelectuais periféricas nutriram o núcleo da teoria sociológica contemporânea sobre temas globais, como o modernismo, a modernização e as diferentes configurações da modernidade (Tavolaro, 200510 TAVOLARO, Sérgio. Existe uma Modernidade Brasileira? Reflexões em torno de um dilema sociológico brasileiro. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 20, n. 59, p. 5-22, 2005. https://doi.org/10.1590/S0102-69092005000300001
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; Maia, 20116 MAIA, João Marcelo. Ao sul da teoria: a atualidade teórica do pensamento social brasileiro. Sociedade e Estado, v. 26, n. 2, p. 71-94, 2011. https://doi.org/10.1590/S0102-69922011000200005
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; Connell, 20124 CONNELL, Raewyn. A iminente revolução na teoria social. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 27, n. 80, p. 9-20, 2012. https://doi.org/10.1590/S0102-69092012000300001
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). Em síntese, esses trabalhos apontaram para uma abordagem transnacional da história das ciências sociais, ultrapassando as limitações do nacionalismo metodológico ao ressaltarem as conexões que extrapolam os Estados-nação e promovem a circulação de pessoas, ideias, produtos culturais e recursos financeiros e institucionais.

Em recente estudo sobre a produção e circulação de intelectuais e ideias, Ian Merkel (2022)8 MERKEL, Ian. Terms of Exchange: Brazilian intellectuals and the French social sciences. Chicago: The University of Chicago Press, 2022. abordou as relações entre o desenvolvimento das ciências sociais na França e o contexto intelectual brasileiro dos anos 1930-1960. O cerne do seu estudo recaiu sobre a experiência de cientistas sociais franceses no Brasil, em especial Fernand Braudel, Roger Bastide, Claude Lévi-Strauss e Pierre Monbeig, que vieram assumir cargos de docência ou realizar pesquisas com longa estadia e ajudaram a fomentar a institucionalização das ciências brasileiras, ao mesmo tempo em que se desenvolviam como cientistas sociais profissionalizados, combinando trabalho de campo com novas abordagens metodológicas.1 1 Ao todo, no período entre 1934 e 1945, cerca de 37 professores franceses estiveram vinculados a universidades no Brasil. Embora em menor número em relação à Universidade de São Paulo, a presença francesa também se fez sentir no Rio de Janeiro, na Universidade do Distrito Federal, na Universidade do Brasil e, no Rio Grande do Sul, na Universidade de Porto Alegre.

Tomado em conjunto, o contexto brasileiro apresentava grande efervescência. Do ponto de vista político, o período entre as décadas de 1930 e 1960 marcou o fim da Primeira República, a ascensão do Estado Novo varguista e a experiência democrática do pós-guerra que duraria até o golpe civil-militar de 1964. No plano cultural e intelectual, esses anos assinalaram a ascensão e nacionalização do modernismo e a institucionalização das ciências sociais nas universidades brasileiras. Do ponto de vista internacional, o contexto intelectual francês estaria atravessado pela II Guerra Mundial e pela descolonização africana. A chegada da missão universitária francesa se enquadra em uma perspectiva mais ampla de relacionamento bilateral entre França e Brasil, sendo parte das inciativas diplomáticas oficiais e extraoficiais da política externa e das disputas internacionais pelas zonas de influência. No entanto, cabe lembrar, como faz Merkel, que os circuitos pelos quais circularam as ideias, os produtos culturais e os intercâmbios educacionais, científicos e culturais do período não se constituíram como trilhos estáveis e lineares, mas foram sendo concebidos à medida que as interações se viabilizavam e em situações específicas, capazes de transformar a intenção de cooperação em experiências concretas.

O livro está dividido em seis capítulos. No primeiro, “São Paulo, the new metropolis with a French university”, é remontada a história da criação da Universidade de São Paulo e seu papel decisivo no campo cultural e científico brasileiro dos anos 1930 e 1940. Além disso, também são abordadas a rivalidade com o Rio de Janeiro e com a Universidade do Distrito Federal e o aprofundamento da predileção da elite paulistana pela cultura francesa, o que resultaria no interesse da contratação de professores universitários franceses para lecionarem na Universidade de São Paulo. O segundo capítulo, “Atlantic crossings and disciplinary reformulation”, versa sobre as motivações pelas quais a geração de jovens professores recém-titulados na França decidiram tomar o Brasil como opção viável para o início de suas carreiras profissionais, a situação europeia do entreguerras e as dificuldades do mercado de trabalho para cientistas sociais, a possibilidade de aquisição de capital social e cultural em um novo país e as transações diplomáticas oficiais e extraoficiais entre os governos brasileiro e francês na chegada de uma nova “missão cultural e científica francesa” no país (Merkel, 20228 MERKEL, Ian. Terms of Exchange: Brazilian intellectuals and the French social sciences. Chicago: The University of Chicago Press, 2022. p. 35).

No capítulo 3, “Getting to know Brasil: the new country behind the metodology”, e no 4, “Four approaches to global and social-scientific crisis”, o autor realiza uma espécie de história intelectual, centrando-se em Pierre Moinbeg, Claude Lévi-Strauss, Fernand Braudel e Roger Bastide. De início, é abordada a composição entre a história, a geografia, a etnologia, a antropologia e a sociologia como disciplinas intimamente combinadas e pouco diferenciadas no contexto intelectual da história das ciências sociais francesas. Também são apresentadas as armações e inovações teóricas e metodológicas que o novo país possibilitaria aos jovens pesquisadores: i) Pierre Moinbeg e os estudos sobre a expansão paulista e a concepção de uma geografia da expansão nos trópicos; ii) Lévi-Strauss, a procura por ameríndios isolados e sem contato e a constituição de uma análise sobre o parentesco, base de sua antropologia cultural; iii) Fernand Braudel e os estudos sobre a temporalidade, as mentalidades e a longa duração; e iv) Roger Bastide e as imersões entre a literatura, a sociologia e os estudos afro-brasileiros.

No capítulo 5, “Brazil and the reconstruction of the French social sciences”, Ian Merkel explora os impactos dos retornos de Claude Lévi-Strauss e Fernand Braudel à França após as suas experiências no Brasil e a rápida ascensão destes cientistas sociais no campo científico francês. Braudel logo ingressou na École Pratique des Hautes Études como professor de história e contribuiu no processo de reconfiguração da Escola dos Annales. Por sua vez, Lévi-Strauss conseguiu emprego no recém-criado Centre National de la Recherche Scientifique e no Musée de l’Homme, até ocupar uma cadeira na École Pratique des Hautes Études e no Collège de France, enquanto contribuía para a constituição da antropologia estruturalista francesa.

Por fim, no capítulo 6, “Racial democracy, métissage, and decolonization between Brazil and France”, Merkel trata da recepção da obra de Gilberto Freyre na França em dois momentos distintos. São destacados um primeiro período, logo após a II Guerra Mundial, no qual há uma recepção positiva das ideias de miscigenação e hibridismo presentes na obra de Gilberto Freyre, e um segundo momento, depois do Projeto Unesco e do processo de descolonização da África, em que suas perspectivas sobre as relações raciais no Brasil passaram a ser contestadas.

No livro de Merkel, temos três níveis de análises: i) as relações entre França e Brasil do ponto de vista das políticas de Estado e das relações internacionais; ii) as relações entre instituições científicas, como as universidades e as associações profissionais; e iii) as relações entre cientistas e intelectuais franceses e brasileiros. Mais do que conjugar o direcionamento hierárquico, a intenção de Merkel é construir uma história transnacional das ciências sociais na qual as instituições e os agentes aparecem dotados de certa autonomia relativa nas suas ações sociais.

Ao realizar a biografia coletiva de Claude Lévi-Strauss, Fernand Braudel, Roger Bastide e Pierre Monbeig, Ian Merkel demonstra o dialogismo de influências recíprocas entre os cientistas sociais franceses e os intelectuais brasileiros. Os franceses que trabalharam na Universidade de São Paulo foram profundamente influenciados por seu tempo no Brasil, possuindo arquivos que demonstram uma rica correspondência não apenas com os brasileiros, mas também uns com os outros. Ao entrelaçar suas histórias e obras, é possível revelar as tramas dessas influências mútuas. Ao longo de suas carreiras, esses pensadores franceses definiram suas disciplinas, construíram sólidos arcabouços teóricos, conduziram trabalhos inovadores e são reconhecidos por suas contribuições às ciências sociais. No entanto, Merkel chama a atenção para o fato de que nada seria possível sem a experiência no Brasil e o contato com os intelectuais brasileiros. Em suma, o mote da perspectiva de Ian Merkel é que intelectuais brasileiros como Mário de Andrade, Arthur Ramos, Caio Prado Jr., Gilberto Freyre e Florestan Fernandes foram cruciais para o desenvolvimento das perspectivas analíticas teórico-metodológicas dos franceses, ao mesmo tempo em que se deixavam influenciar. Categorias e percepções sobre economia global, espaço, temporalidade, sincretismo, raça e estrutura social estiveram no cerne dessas parcerias extraoficiais.

Entretanto, essas relações intelectuais não estão no mesmo pé de igualdade. A Europa não apenas se beneficiou do intercâmbio desigual com grande parte do resto do mundo no passado, mas também intelectuais europeus e não europeus tenderam a reificar essas desigualdades, realçando as estruturas intelectuais derivadas do colonialismo e do imperialismo. Apesar das desigualdades linguísticas, geográficas e, às vezes, sociais, os intelectuais periféricos mudaram o rumo das ciências sociais – talvez mais do que eles próprios reconheciam. Até recentemente, a historiografia das trocas intelectuais e científicas entre a Europa e a América Latina no período moderno era amplamente unidirecional. Reproduzindo a ordem colonial, os estudiosos assumiram que os produtores de conhecimento estavam baseados na Europa – ou, por extensão, na América do Norte – e que a América Latina foi e provavelmente sempre será um receptáculo do conhecimento, das práticas e ideias vindo do centro.

O Brasil e os brasileiros, como objetos de estudo, fontes de apoio institucional ou rede intelectual, passaram a ocupar lugar de destaque nas ciências sociais francesas. Com uma concepção de história transnacional das ciências sociais, a proposta de Merkel é reconectar histórias e trajetórias que permaneceram fragmentadas por razões linguísticas e institucionais e, às vezes, em função da suposição de que certos lugares são incapazes de contribuir para a teoria devido à sua posição na economia política do conhecimento. Do ponto de vista teórico, ao destacar o papel do Brasil e dos brasileiros nas ciências sociais francesas, o autor revelou conexões que ajudam a repensar a história do pensamento social moderno, sua produção e circulação entre tradições nacionais conectadas. Empiricamente, demonstrou que trabalhos intelectuais e construções teóricas são derivadas de empreendimentos coletivos inseparáveis do tempo/espaço e das relações sociais estabelecidas. De certo modo, essas experimentações confrontariam o eurocentrismo das explicações sociológicas e alçariam novos modos de entendimento da história das ciências sociais ao aprofundar variáveis fundamentais para a construção de uma história transnacional da sociologia, como as migrações e os deslocamentos de intelectuais e cientistas e as trocas internacionais entre instituições, como fundações ou agências culturais mais amplas.

Extrapolando o argumento de Merkel, é possível pensarmos que a profissionalização das ciências sociais se deu em efeito cascata no mundo ocidental. Os critérios de formação da comunidade científica, ampliação e popularização de cursos de pós-graduação, criação de redes de financiamento de pesquisas, abertura e rotinização de mercado de trabalho, formação de mão de obra, entre outros, existiriam em condições de implementação quase ao mesmo tempo na Europa e na América Latina. Em certa medida, não haveria descompasso significativo entre o desenvolvimento das distintas tradições nacionais das ciências sociais. Aliás, deve-se incluir entre essas condições a própria circulação de paradigmas teórico-metodológicos, quer por via dos fluxos de informação e publicações, quer através de viagens e intercâmbios científicos transnacionais. Isso nos leva a desvendar os motivos pelos quais houve a hierarquização de modos de produção e circulação intelectual que privilegiaram o domínio de algumas dessas tradições sobre outras e excetuaram do mainstream das ciências sociais autores e textos vindos da periferia.

Para o leitor habituado aos estudos sobre pensamento social brasileiro, a pesquisa de Ian Merkel traz a possibilidade de fértil diálogo ao repensar as relações e trocas desiguais entre contextos culturais e científicos, de modo a superar os dilemas do nacionalismo metodológico. Recentemente, o tema é alvo de investigação de uma nova geração de pesquisadores, como Adélia Miglievich-Ribeiro (2018)9 MIGLIEVICH-RIBEIRO, Adélia. Encontros entre Paulo Freire e Amílcar Cabral: a crítica pós-colonial e decolonial em ato. Revista Brasileira de Sociologia, v. 6, n. 14, p. 201-221, 2018. https://doi.org/10.20336/rbs.427
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, Christian Lynch (2013)5 LYNCH, Christian. Por que pensamento e não teoria? A imaginação político-social brasileira e o fantasma da condição periférica. DADOS – Revista de Ciências Sociais, v. 56, n. 4, p. 727-767, 2014. https://doi.org/10.1590/S0011-52582013000400001
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, João Marcelo Maia (2011)6 MAIA, João Marcelo. Ao sul da teoria: a atualidade teórica do pensamento social brasileiro. Sociedade e Estado, v. 26, n. 2, p. 71-94, 2011. https://doi.org/10.1590/S0102-69922011000200005
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, Sérgio Tavolaro (2017)11 TAVOLARO, Sérgio. Retratos não-modelares da modernidade: hegemonia e contra-hegemonia no pensamento brasileiro. Civitas – Revista de Ciências Sociais, v. 17, n. 3, p. 115-141, 2017. https://doi.org/10.15448/1984-7289.2017.3.26580
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e Mariana Chaguri e Mário Medeiros (2018)2 CHAGURI, Mariana; MEDEIROS, Mário. Rumos do Sul: periferia e pensamento social. São Paulo: Alameda, 2018., demonstrando a recorrência do tema entre os brasileiros.

Essas novas abordagens possuem o mérito de explicitar os fluxos internacionais que podem explicar processos de institucionalização das ciências sociais que se imaginava ser genuinamente endógenos. Além disso, oferecem uma visão mais complexa da dimensão internacional (ou global) da produção científica, não mais vista como uma externalidade que serviria de contexto geral para as dinâmicas internas de cada caso nacional ou regional. Porém, não menos importante, há o reconhecimento de assimetrias entre centros e periferias na produção e circulação de ideias e produtos culturais, sem, entretanto, recair na tentação do mito de origem ou de certa perspectiva de aclimatação acrítica, imitação ou disseminação uniforme e homogênea de algum centro irradiador. As trocas e fluxos ocorridos entre casos concretos não se fundaram como relações estáveis e unidimensionais. Muito embora desiguais, foram sendo constituídos à medida que as interações entre contextos científicos se viabilizavam e em situações específicas capazes de transformar a relação entre centro e periferia em experiências tangíveis empiricamente.

Em suma, tais trabalhos reconhecem a importância de espaços institucionais e tradições intelectuais periféricas para a história global das ciências sociais, afastando a ideia de que esses seriam apenas derivações de espaços institucionais do centro, rompendo a visão de que o fluxo entre centro e periferia seria unilateral. De todo modo, para o público estrangeiro, cujo inglês é a língua de trabalho, o livro de Ian Merkel certamente contribuirá para o entendimento das relações desiguais entre um contexto intelectual periférico e intelectuais vindos do centro.

  • 1
    Ao todo, no período entre 1934 e 1945, cerca de 37 professores franceses estiveram vinculados a universidades no Brasil. Embora em menor número em relação à Universidade de São Paulo, a presença francesa também se fez sentir no Rio de Janeiro, na Universidade do Distrito Federal, na Universidade do Brasil e, no Rio Grande do Sul, na Universidade de Porto Alegre.

Referências

  • 1
    BHAMBRA, Gurminder. Connected sociologies Londres: Bloomsbury Academic, 2014.
  • 2
    CHAGURI, Mariana; MEDEIROS, Mário. Rumos do Sul: periferia e pensamento social. São Paulo: Alameda, 2018.
  • 3
    CHAKRABARTY, Dipesh. Provincializing Europe: postcolonial thought and historical difference. Nova Jersey: Princeton University Press, 2007.
  • 4
    CONNELL, Raewyn. A iminente revolução na teoria social. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 27, n. 80, p. 9-20, 2012. https://doi.org/10.1590/S0102-69092012000300001
    » https://doi.org/10.1590/S0102-69092012000300001
  • 5
    LYNCH, Christian. Por que pensamento e não teoria? A imaginação político-social brasileira e o fantasma da condição periférica. DADOS – Revista de Ciências Sociais, v. 56, n. 4, p. 727-767, 2014. https://doi.org/10.1590/S0011-52582013000400001
    » https://doi.org/10.1590/S0011-52582013000400001
  • 6
    MAIA, João Marcelo. Ao sul da teoria: a atualidade teórica do pensamento social brasileiro. Sociedade e Estado, v. 26, n. 2, p. 71-94, 2011. https://doi.org/10.1590/S0102-69922011000200005
    » https://doi.org/10.1590/S0102-69922011000200005
  • 7
    MAIA, João Marcelo. História da sociologia como campo de pesquisa e algumas tendências recentes do pensamento social brasileiro. História, Ciências, Saúde-Manguinhos, v. 24, n. 1, p. 111-128, 2017. https://doi.org/10.1590/S0104-59702017000100003
    » https://doi.org/10.1590/S0104-59702017000100003
  • 8
    MERKEL, Ian. Terms of Exchange: Brazilian intellectuals and the French social sciences. Chicago: The University of Chicago Press, 2022.
  • 9
    MIGLIEVICH-RIBEIRO, Adélia. Encontros entre Paulo Freire e Amílcar Cabral: a crítica pós-colonial e decolonial em ato. Revista Brasileira de Sociologia, v. 6, n. 14, p. 201-221, 2018. https://doi.org/10.20336/rbs.427
    » https://doi.org/10.20336/rbs.427
  • 10
    TAVOLARO, Sérgio. Existe uma Modernidade Brasileira? Reflexões em torno de um dilema sociológico brasileiro. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 20, n. 59, p. 5-22, 2005. https://doi.org/10.1590/S0102-69092005000300001
    » https://doi.org/10.1590/S0102-69092005000300001
  • 11
    TAVOLARO, Sérgio. Retratos não-modelares da modernidade: hegemonia e contra-hegemonia no pensamento brasileiro. Civitas – Revista de Ciências Sociais, v. 17, n. 3, p. 115-141, 2017. https://doi.org/10.15448/1984-7289.2017.3.26580
    » https://doi.org/10.15448/1984-7289.2017.3.26580

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    13 Dez 2022
  • Aceito
    19 Jul 2023
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