Acessibilidade / Reportar erro

Nomenclatura de fungos – novo rumo “One fungus - one name” Implicações fitopatológicas do código de Melbourne

Micologia é a especialidade da biologia que estuda os fungos envolvendo a pesquisa em taxonomia, sistemática, morfologia, fisiologia, bioquímica, utilidades e seus efeitos benéficos e maléficos, que podem ser parasitas, saprófitos ou decompositores.

As espécies de fungos sofreram e continuam a sofrer alterações significativas em sua nomenclatura, principalmente devido ao abandono da nomenclatura dupla de espécies em 2013 e à aplicação de tecnologias moleculares na taxonomia, permitindo a correção de erros de classificação anteriores.

A micologia fitopatológica abrange um número maior de espécies e entidades intraespecíficas do que outras áreas do conhecimento humano.

As instituições envolvidas diretamente com a micologia são: (a) - International Mycological Association (IMA), organização que tem como objetivo o incentivo à micologia em todos os seus ramos; (b) – MycoBank - https://www.mycobank.org/, base de dados on-line que visa servir a comunidade micológica e científica, documentando novidades na nomenclatura de fungos (novos nomes e combinações) e dados associados, por exemplo, descrições e ilustrações e administrado pela IMA; (c) Fungalnames - https://nmdc.cn/fungalnames/; (d) GenBank - https://www.ncbi.nlm.nih.gov/genbank/, banco de dados de anotações de sequências de nucleotídeos publicamente disponíveis e suas traduções de proteínas.

Sistemática

Ciência que estuda a diversidade dos seres vivos e seus padrões de parentesco e evolução. Inclui a taxonomia e a filogenia (estudo das relações evolutivas entre os organismos), classificação e da elaboração das regras de nomenclatura(33 TAYLOR, J.W. One Fungus = One Name: DNA and fungal nomenclature twenty years after PCR. IMA Fungus. 2:113-120, 2011.).

Nomenclatura

É o conjunto de princípios e regras que se aplicam aos diferentes nomes de espécies(33 TAYLOR, J.W. One Fungus = One Name: DNA and fungal nomenclature twenty years after PCR. IMA Fungus. 2:113-120, 2011.). Os nomes dos fungos relados são regulados pelo Código Internacional de Classificação Sistemática das Espécies e desde 1867. A nomenclatura botânica, é atualizada a cada seis anos no Congresso Internacional de Botânica. A última versão publicada é conhecida como Código de Viena. O Artigo 59 do Código de Viena estabelece os padrões e recomendações específico para a nomenclatura dos fungos dependendo do seu tipo de reprodução.

O Código Internacional de Nomenclatura para Algas, Fungos e Plantas (conhecido pela sua sigla em inglês, ICN) é o conjunto de regras e recomendações que tratam dos nomes botânicos formais dados a plantas, fungos e alguns outros grupos de organismos. Era anteriormente denominado Código Internacional de Nomenclatura Botânica (ICBN); o nome foi mudado no Congresso Internacional de Botânica em Melbourne em julho de 2011 como parte do Código de Melbourne que substituiu o Código de Viena de 2005(44 KIDD, S.E.; ABDOLRASOULI, A.; HAGEN, F. Fungal Nomenclature: Managing Change is the Name of the Game. Open Forum Infect Dis. 10:ofac559, 2023.).

Taxonomia

É a área da biologia dedicada à organização e classificação dos seres vivos; ou a ciência ou técnica de classificação. É responsável por descrever, identificar e nomear os seres vivos de acordo com os critérios estabelecidos, como aspectos morfológicos, genéticos, fisiológicos e reprodutivos(44 KIDD, S.E.; ABDOLRASOULI, A.; HAGEN, F. Fungal Nomenclature: Managing Change is the Name of the Game. Open Forum Infect Dis. 10:ofac559, 2023.).

Taxon

O taxon (plural taxa) é a unidade taxonômica associada à classificação cientifica de seres vivos. As sete categorias taxonômicas são: reino, filo, classe, ordem, família, gênero e espécie. O fato de um mesmo organismo ser denominado por dois nomes diferentes é uma característica única da micologia. Assim, os termos teleomorfo, anamorfo e holomorfo aplicam-se a partes dos ciclos de vida dos fungos nos filos Ascomycota e Basidiomycota. Teleomorfo: o estágio reprodutivo sexual; anamorfo: um estágio reprodutivo assexuado. Quando um único fungo produz múltiplos anamorfos morfologicamente distintos, estes são chamados de sinanamorfos. Holomorfo: todo o fungo, incluindo anamorfos e teleomorfos. De acordo com o artigo 59, cada uma dessas fases reprodutivas é denominada por um nome diferente, composto tanto no caso de gênero quanto de espécie (ex.: anamorfo: Fusarium graminearum/teleomorfo: Gibberella zeae). Para denominar a espécie do organismo em seu conjunto (holomorfo), o artígo 59 dava prioridade ao nome do teleomorfo.

Filogenia

É o estudo da relação evolutiva entre grupos de organismos que é descoberto por meio de sequenciamento de dados moleculares e matrizes de dados morfológicos. A filogenética molecular ou filogenia molecular, é um ramo da filogenia que analisa as diferenças moleculares hereditárias, principalmente nas sequências de DNA, para obter informações sobre as relações evolutivas entre os seres vivos. O resultado duma análise de filogenia molecular expressa-se numa árvore filogenética. Para construir uma árvore filogenética, são utilizadas sequências parciais de certos genes que fornecem informações úteis para distinguir a variabilidade intra e interespecífica, como entre diversas genealogias e diferentes espécies dentro do mesmo gênero.

ITS. A região interna transcrita do DNA ribossomal é uma das sequências utilizadas como marcador molecular. O arranjo ITS consiste nas regiões ITS1, 5.8S e ITS2 do gene do rDNA nuclear, que estão entre as sequências mais versáteis para a análise filogenética de fungos(66 MCNEILL, J.; BARRIE, F.R.; BUCK, W.R.; DEMOULIN, V.; GREUTER, W.; HAWKSWORTH, D. L.; HERENDEEN, P.S.; KNAPP, S.; MARHOLD, K.; PRADO, J.; PRUD’HOMME VAN REINE, W. F.;. SMITH, G. F.; WIERSEMA, J. H.; TURLAND, N. J.. International Code of Nomenclature for algae, fungi, and plants (Melbourne Code) adopted by the Eighteenth International Botanical Congress Melbourne, Australia, July 2011. Koeltz Scientific Books. ISBN 978-3-87429-425-6). Atualmente, com a aplicação de técnicas de análise filogenética é possível determinar os teleomorfos de espécies de fungos sem reprodução sexuada conhecida.

O Instituto Internacional de Botânica de Viena criou um comitê para abordar especificamente a questão da dupla nomenclatura. Também foi levantada a possibilidade de desenvolvimento de um código de nomenclatura específico para fungos(MycoCode) administrado pelo Congresso Internacional de Micologia e não pelo Congresso Internacional de Botânica. No Congresso Internacional de Botânica 2011, realizado em Melbourne (Australia), a primeira decisão do congresso foi mudar o nome do Código, que passou a se chamar Código Internacional de Nomenclatura de Algas, Fungos e Plantas. Os termos algas, fungos e plantas aparecem em letras minúsculas indicando que não são utilizados no sentido taxonômico, uma vez que o Código inclui cianobactérias em algas e oomicetos em fungos(55 HAWKSWORTH, D.L.; CROUS, P.W.; REDHEAD, S.A. et al. The Amsterdam declaration on fungal nomenclature. IMA Fungus. 2:105–112, 2011.).

Um fungo, um nome

Foi introduzida pelo Código de Melbourne (2011) o abandono definitivo da dupla nomenclatura. Por exemplo, Phomopsis longicolla nome abandonado para o anamorfo e Diaporthe longicolla para o teleomorfo, o válido (77 SCHOCH, C.L.; SEIFERT, K.A.; HUHNDORF ,S.; ROBERT, V.; SPOUGE, J. L.; LEVESQUE, C.A.; CHEN, W. (2012) Nuclear ribosomal internal transcribed spacer (ITS) region as a universal DNA barcode marker for fungi. Proc. Natl. Acad. Sci. U.S.A., 109, 6241–6246.).

O sistema de nomenclatura duplo pode ser confuso. No entanto, é essencial para profissionais de fitopatologia, identificação de fungos, área na qual fungos de reprodução assexuada são comumente encontrados nomenclatura dupla de fungos. Por exemplo, a mancha amarela da folha do trigo é causada por um fungo com dois nomes: o anamorfo Drechslera tritici-repentis e teleomorfo Pyrenophora tritici-repentis, formado nos restos culturais.

Outra importante novidade introduzida pelo Código de Melbourne é o reconhecimento do publicações eletrônicas para fins de descrição de novas espécies a partir de janeiro de 2012(11 AIME, M.C.; MILLER, A.N.; AOKI, T.,; BENSCH, K., CAI, L.; CROUS, P.W.; HAWKSWORTH, D.L.; HYDE, K.D.; KIRK, P.M.; L¨UCKING, R. et al. How to publish a new fungal species, or name, version 3.0. IMA Fungus, 12, 11, 2021.).

Desde 1935, os diagnósticos de novas espécies tiveram que ser publicados em latim, mas o Código de Melbourne estabelece que a partir de janeiro de 2012, o latim não é mais necessário para descrições e/ou diagnósticos, e estes agora podem ser em inglês ou latim, mas não em qualquer outro idioma (Art. 39.2).

Na década de 1970, quando as disposições de 1981 foram elaboradas, surgiu o impacto da sistemática molecular. Uma década mais tarde, começava a tornar-se óbvio que fungos sem fase sexual conhecida podiam ser colocados com segurança em géneros tipificados por espécies em que a fase sexual era conhecida.

O Congresso em Melbourne alterou o Código Internacional de Nomenclatura para algas, fungos e plantas e adotou o princípio “um fungo, um nome”. Por isso, a partir de janeiro de 2013, cada espécie de fungo será definida por um nome único, dando prioridade aos nomes mais antigos e, portanto, mais difundido ou conhecido, independentemente de serem anamórficos ou teleomórficos. Isto significa que todos os nomes legítimos propostos para uma espécie, independentemente do estádio em que sejam tipificados, podem servir como o nome correto para essa espécie. Todos os nomes agora competem em pé de igualdade pela prioridade e sua atualização consta no MycoBank (https://www.mycobank.org/) e no Fungalnames (https://nmdc.cn/fungalnames/).

Os estudos moleculares melhoraram a forma como as espécies de fungos são definidas e identificadas, permitindo o refinamento das relações filogenéticas inter- e intraespécies e a correção de erros taxonômicos decorrentes da classificação fenotípica e dos métodos de identificação utilizados no passado. Embora o uso de sequências ITS como único critério de identificação de fungos em nível de espécie é questionável, é um requisito de fato na maioria das revistas de micologia. Atualmente, novas técnicas de sequenciamento e pirosequenciamento permitem a detecção de espécies fúngicas desconhecidas sem a necessidade de verificar visualmente suas estruturas quando cultivado em meio de cultura. A maioria das sequências genéticas ITS de fungos depositados no GenBank são de espécies das quais não há cultivo em meio de cultura ou descrição de suas estruturas morfológicas. Esses tipos de “unidades taxonômicas “moleculares” não estão contemplados no Código, e sistemas alternativos já foram propostos para sua nomenclatura.

Juntamente com o surgimento de novos métodos de sequenciamento, a identificação de fungos está se transformando de baseada na morfologia para a em sequência, por exemplo, código de barras de DNA e comparação genômica.

Quanto ao uso de forma specialis (f. sp.), variedade (var) e raça.

Qualquer nome de táxon deve ser aplicado às regras, incluindo forma specialis, variedade e raça. Se seus nomes listados realmente tiverem mais de um nome de morfologias diferentes, ele deve ser alterado ou inalterado de acordo com um nome do fungo considerando que o primeiro nome legítimo publicado tem prioridade.

Os nomes atuais de fungos fitopatogênicos podem ser encontrados no MycoBank https://www.mycobank.org/ e no Fungalnames (https://nmdc.cn/fungalnames/).

Como exemplo, em consulta em outubro (2023) esses são os nomes atuais validados para fungos patogênicos nas culturas da soja e do trigo considerando um fungo um nome (Quadros 1 e 2).

Quadro 1
Nomes científicos atuais de fungos patogênicos à soja
Quadro 2
Nomes científicos atuais e sinônimos de fungos patogênicos ao trigo

Finalmente, com essa divulgação, espera-se que editores, revisores e escritores sigam as decisões da International Mycological Association (IMA).

REFERÊNCIAS

  • 1
    AIME, M.C.; MILLER, A.N.; AOKI, T.,; BENSCH, K., CAI, L.; CROUS, P.W.; HAWKSWORTH, D.L.; HYDE, K.D.; KIRK, P.M.; L¨UCKING, R. et al How to publish a new fungal species, or name, version 3.0. IMA Fungus, 12, 11, 2021.
  • 2
    ANTONIO, V.; TUSET, J.J. (Unidad de Micología. Instituto valenciano de investigaciones agrarias (IVIA)). PHYTOMA. MAYO p. 56-58, 2012.
  • 3
    TAYLOR, J.W. One Fungus = One Name: DNA and fungal nomenclature twenty years after PCR. IMA Fungus. 2:113-120, 2011.
  • 4
    KIDD, S.E.; ABDOLRASOULI, A.; HAGEN, F. Fungal Nomenclature: Managing Change is the Name of the Game. Open Forum Infect Dis. 10:ofac559, 2023.
  • 5
    HAWKSWORTH, D.L.; CROUS, P.W.; REDHEAD, S.A. et al The Amsterdam declaration on fungal nomenclature. IMA Fungus. 2:105–112, 2011.
  • 6
    MCNEILL, J.; BARRIE, F.R.; BUCK, W.R.; DEMOULIN, V.; GREUTER, W.; HAWKSWORTH, D. L.; HERENDEEN, P.S.; KNAPP, S.; MARHOLD, K.; PRADO, J.; PRUD’HOMME VAN REINE, W. F.;. SMITH, G. F.; WIERSEMA, J. H.; TURLAND, N. J.. International Code of Nomenclature for algae, fungi, and plants (Melbourne Code) adopted by the Eighteenth International Botanical Congress Melbourne, Australia, July 2011. Koeltz Scientific Books. ISBN 978-3-87429-425-6
  • 7
    SCHOCH, C.L.; SEIFERT, K.A.; HUHNDORF ,S.; ROBERT, V.; SPOUGE, J. L.; LEVESQUE, C.A.; CHEN, W. (2012) Nuclear ribosomal internal transcribed spacer (ITS) region as a universal DNA barcode marker for fungi. Proc. Natl. Acad. Sci. U.S.A., 109, 6241–6246.

Editado por

Editor associado para este artigo: Edson Luiz Furtado

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Jun 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    22 Jan 2024
  • Aceito
    24 Jan 2024
Grupo Paulista de Fitopatologia FCA/UNESP - Depto. De Produção Vegetal, Caixa Postal 237, 18603-970 - Botucatu, SP Brasil, Tel.: (55 14) 3811 7262, Fax: (55 14) 3811 7206 - Botucatu - SP - Brazil
E-mail: summa.phyto@gmail.com