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Autoritarismos e estado de exceção no Brasil* * Este trabalho foi realizado com o apoio da Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (Capes) - código de financiamento 001.

Authoritarianism and state of exception in Brazil

Resumo:

O artigo examina interpretações de práticas autoritárias no Brasil. Analisa os ataques à democracia e a implantação de um estado de exceção, elucidando aspectos antidemocráticos persistentes na relação Estado-sociedade. Através de revisão da literatura, parte do período pós-golpe de 2016, que retirou Dilma Rousseff da Presidência da República, segue os anos de gestão Temer e chega até os ataques de janeiro de 2023, passando pelo período correspondente ao governo de Jair Bolsonaro.

Palavras-chave:
Autoritarismos; Democracia; Estado de exceção

Abstract:

The article examines interpretations of authoritarian practices in Brazil. It analyzes the attacks on democracy and the implementation of a state of exception, elucidating persistent anti-democratic aspects in the State-society relationship. Through a literature review, it starts from the period after the 2016 coup that removed Dilma Rousseff from the Presidency of the Republic, follows the years of Temer’s administration and reaches the attacks of January 2023, passing through the period corresponding to Jair Bolsonaro’s government.

Keywords:
Authoritarianism; Democracy; State of exception

Introdução

“Desmoronando diante de nós” - foi exatamente assim que identificamos, sentimos e ouvimos o barulho da implosão de conquistas importantes para a sociedade brasileira, desde que a presidenta Dilma Rousseff foi afastada do Poder Executivo, em 2016. Aliás, no mesmo ano, o então presidenciável, Jair Bolsonaro, em entrevista à rádio Jovem Pan, repetia: “O erro da ditadura foi torturar e não matar” (Defensor..., 2016DEFENSOR DA DITADURA, JAIR BOLSONARO REFORÇA FRASE POLÊMICA: “o erro foi torturar e não matar”. Jovem Pan, 8 jul. 2016. Disponível em: Disponível em: https://jovempan.com.br/programas/panico/defensor-da-ditadura-jair-bolsonaro-reforca-frase-polemica-o-erro-foi-torturar-e-nao-matar.html . Acesso em: 10 abr. 2023.
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, n. p.). Os discursos proferidos pelo ex-deputado (1991-2019) e ex-presidente Bolsonaro (2019-2022) narraram ações autoritárias, ao tempo que congregavam sínteses audíveis por sujeitos que poderiam executar atos de violência, instigados por expressões de ódio direcionadas a parcelas da sociedade.

Com focos distintos, diferentes áreas de conhecimento e pesquisa têm se dedicado a investigar e publicar análises sobre as consequências reais do ruir de direitos, nos planos institucionais e do cotidiano. Esses estudos têm em comum a discussão, indispensável, sobre democracia e autoritarismos que se proliferam e ganham corpo, no golpe1 1 O afastamento da presidenta Dilma Rousseff teve como argumento as denominadas pedaladas fiscais. Entretanto, caracterizou-se como golpe político-jurídico-midiático, expressando correlações de forças e interesses diversos. O ato de afastar a presidenta da República do cargo para o qual fora eleita pelo voto popular, sendo formalizado mediante votação parlamentar, resultando na aprovação do impeachment e consequente cassação do mandato, pelo Senado Federal, teve muitas faces, sendo a violência política de gênero uma delas. “Sexismo e misoginia participaram da construção de um ambiente político no qual uma mulher eleita foi contestada em sua competência e deposta. Em alguns casos, a construção da imagem de Rousseff e a configuração dos posicionamentos favoráveis a sua deposição podem ser descritas como formas de violência política contra as mulheres, [...]” (Biroli, 2018, p. 79). de 2016, após o afastamento da presidenta Dilma Rousseff. Neste artigo, a pretensão é examinar, através de revisão da literatura, interpretações das práticas autoritárias que se seguiram desde o pós-golpe até 2022. São analisados, também, os ataques à democracia e a implantação de um estado de exceção no Brasil, à medida que são apresentadas categorias teóricas que nos auxiliam na explicação dos aspectos antidemocráticos e dos elementos que continuam estabelecendo conexões aos autoritarismos, na relação Estado-sociedade. Chama-se a atenção para fatores que se mantêm e marcam a sociedade brasileira como autoritária. Segundo Chaui (2009CHAUI, M. Cultura e democracia. 2. ed. Salvador: Secretaria de Cultura; Fundação Pedro Calmon, 2009., p. 59), somos uma sociedade “em que as diferenças e as assimetrias sociais e pessoais são imediatamente transformadas em desigualdades, e estas, em relação de hierarquia, mando e obediência”.

É essa sociedade autoritária que molda e controla, além de regimes de governo, ações estatais também autoritárias. Os autoritarismos que impregnaram a discussão, a formulação e a gestão das políticas públicas desde o impeachment2 2 Ver nota de rodapé anterior. foram evidenciadas na progressiva dissolução de garantias de direitos sociais e na insuficiência das respostas às necessidades, na história recente do país.

No artigo, recorremos ao acervo produzido por Lilia Schwarcz, antropóloga e historiadora, para apontar as estratégias autoritárias do presente, bem como suas bases na formação social do Brasil. Seguimos com o debate a partir das teses de Valim (2017VALIM, R. Estado de exceção: a forma jurídica do neoliberalismo. São Paulo: Contracorrente, 2017.) e Casara (2017CASARA, R. R. R. O Estado pós-democrático: neo-obscurantismo e gestão dos indesejáveis. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2017.; 2018), que tomam por referência a categoria estado de exceção, nos termos de Giorgio Agamben (2002AGAMBEN, G. Homo sacer: o poder soberano e a vida nua. Tradução: Henrique Burigo. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2002.; 2020AGAMBEN, G. Reflexões sobre a peste: ensaios em tempos de pandemia. Tradução: Isabella Marcatti. São Paulo: Boitempo, 2020.), para explicar o quadro político brasileiro sob a então gestão de Jair Bolsonaro. Para os autores, nos anos dessa gestão, o país passou ao período pós-democrático. Por fim, apresenta-se a síntese analítica do estudo realizado, indicando desafios democráticos a serem enfrentados no presente e na perspectiva futura.

1. Uma interpretação sobre autoritarismo no Brasil, a partir de Lilia Schwarcz

Neste trabalho, tomamos o tempo presente como ponto de partida para identificar as origens de elementos da formação histórica do Brasil e das relações entre as classes sociais, posto que essa perspectiva oferece vias interpretativas das continuidades e das rupturas na organização do Estado, nas políticas públicas e nas relações políticas e sociais.

No livro Sobre o autoritarismo brasileiro, Schwarcz (2019SCHWARCZ, L. M. Sobre o autoritarismo brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2019. 294 p.), partindo do autoritarismo do presente, aponta a escravidão como elemento fundamental e encravado nas origens de uma sociedade violenta e desigual. Nesse sentido, a autora afirma: “A escravidão nos legou uma sociedade autoritária [...]. Uma sociedade acostumada com hierarquias de mando, [...] que lida muito mal com a ideia da igualdade na divisão de deveres, mas dos direitos também” (Schwarcz, 2019SCHWARCZ, L. M. Sobre o autoritarismo brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2019. 294 p., p. 35-36).

Essa hierarquia carrega, em tintas, vozes e armas, um tipo de ódio aos mais pobres na tentativa de esconder a inabilidade de aceitar a igualdade de direitos. Sob a justificativa de que os custos com serviços públicos são excessivos, e que gastos com pobres oneram as finanças nacionais, apoia-se o desfinanciamento de políticas públicas do Estado. Por consequência, compromete-se a garantia de direitos para indivíduos e grupos considerados pobres, mas também sem-teto, sem emprego e sem renda, sem um lugar reconhecido na e pela sociedade. Nessa sociedade autoritária, que rechaça a igualdade formal dos direitos, falta espaço político para aceitar a democracia com justiça social. Observa Schwarcz (2019SCHWARCZ, L. M. Sobre o autoritarismo brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2019. 294 p.) que, em oposição ao movimento ascendente de busca por direitos, herdeiro da redemocratização brasileira de meados dos anos 1980, vivia-se, ao final da segunda década do século XXI, uma crise política, social, cultural e econômica, atravessada pela falta de compromisso com a equidade.

Evidencia-se que, nessa quadra histórica, estiveram sob ataques os movimentos sociais e as múltiplas formas de organização da sociedade, inclusive os movimentos negros. Avanços sociais, como os enfrentamentos da questão racial, no âmbito do Estado brasileiro, resultantes do ativismo negro, foram, por exemplo, estancados durante o governo Bolsonaro.

Expressão de uma agenda reacionária, iniciada com a nomeação, para cargos institucionais de relevância, de sujeitos que negam o racismo e promovem a desinformação, é o relatório Retrato do Acervo - A dominação marxista na Fundação Cultural Palmares 1988-2019FUNDAÇÃO CULTURAL PALMARES (FCP). Retrato do acervo: A dominação marxista na Fundação Cultural Palmares 1988-2019. Brasília: CNIRC, 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.palmares.gov.br/wp-content/uploads/2021/06/cnirc-01-gab-10-06-21.pdf . Acesso em: 25 jul. 2022.
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. No texto, o acervo bibliográfico da Fundação Palmares foi considerado inadequado e alheio à realidade do negro brasileiro - o que, além de desdenhar de um importante órgão da administração pública, desqualificava gestões anteriores e, principalmente, minava a capacidade de compreender, discutir e refazer, pelas vias dos livros, a realidade do povo negro no Brasil. A interrupção da promoção de ações para a igualdade racial, bem como a pregação de ideias falsas para interpretar a questão racial, reforça mais e mais racismos. A persistência do racismo, definido e vivido como ideologia social, implica, na análise de Schwarcz (2019SCHWARCZ, L. M. Sobre o autoritarismo brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2019. 294 p.), uma democracia diminuída, não consolidada.

No exame do mandonismo, Schwarcz (2019SCHWARCZ, L. M. Sobre o autoritarismo brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2019. 294 p.) ressalta que, contemporânea da escravidão, a concentração de terras impregnou o modelo colonial brasileiro de mandos privados, e quase ausência da esfera pública e do Estado. Contra a rebeldia, no controle de pessoas escravizadas, os castigos revelavam a apresentação pública do poder do senhor de terras e, ao mesmo tempo, confirmavam seu arbítrio e mando. Na República Velha, o coronelismo expandia-se em função da relação entre o Estado e os latifundiários.

Defende Schwarcz (2019SCHWARCZ, L. M. Sobre o autoritarismo brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2019. 294 p.) a existência de uma associação entre mandonismo, concentração de renda e poderes políticos. Explica que, na atualidade, nos locais onde essa tríade opera, a precariedade dos serviços públicos e os índices de violência revelam a falência do Estado. Para a autora, o patrimonialismo é uma chave de interpretação da crise política no pós-golpe de 2016, mantendo-se “[...] como um dos grandes inimigos da República, tendo o poder de solapar e enfraquecer as instituições do Estado” (Schwarcz, 2019SCHWARCZ, L. M. Sobre o autoritarismo brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2019. 294 p., p. 87), visto que a utilização de recursos e benefícios públicos se dá de forma privada para preservar relações eleitorais e laços políticos, conservando a pessoalização de atos institucionais.

No par do patrimonialismo, está a corrupção, considerada um problema antigo e atual pela autora. Recontando fatos e feitos de corrupção, desde a história colonial até os mais recentes escândalos veiculados pela mídia, Schwarcz (2019SCHWARCZ, L. M. Sobre o autoritarismo brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2019. 294 p.) segue explicando que, além de aceita, a corrupção foi naturalizada, revelando uma democracia imatura. Recorda que, no período de estabilidade democrática - entre os anos 1990 e 2013 -, denúncias públicas de esquemas fraudulentos evidenciam aspectos das práticas corruptas no âmbito do Estado. Vale acrescentar que o período democrático referido corresponde ao de possibilidade concreta de denunciar, investigar e punir, nos moldes constitucionais, a corrupção, em contraposição à impossibilidade de atos civis dessa natureza em ditaduras.

Enquanto as práticas corruptas não são interrompidas, nem devidamente enfrentadas, Schwarcz (2019SCHWARCZ, L. M. Sobre o autoritarismo brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2019. 294 p., p. 124) relembra: “governos de matriz autoritária tomam o poder ou são eleitos utilizando slogans que denunciam práticas ilícitas de governos anteriores e assim se autovalorizam”. Nessa linha argumentativa, ao primar pelos interesses particulares e impregnar as instituições de ilegalidades, a corrupção atrapalha a superação das desigualdades sociais. O urgente combate à corrupção por parte do Estado brasileiro, longe da pessoalização da prática, ou a associação exclusiva a partidos políticos é, para a autora, parte da agenda democrática.

De acordo com Schwarcz (2019SCHWARCZ, L. M. Sobre o autoritarismo brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2019. 294 p.), as desigualdades sociais podem se apresentar “em faces” distintas, inclusive na desigualdade racial. Em Brasil: uma biografia, Schwarcz e Starling (2015SCHWARCZ, L. M.; STARLING, H. M. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.) afirmaram que a tortura e a violência contra jovens negros, nas favelas, são uma marca incontornável do passado escravocrata, que denuncia a suspensão da regra democrática.

Dos roubos e furtos aos latrocínios, das atividades do narcotráfico às milícias, todos em crescimento, entre 2015 e 2017, a autora localizou na sensação de impunidade a parcial explicação para a guinada autoritária, dentro do período democrático: “Para acabar com a violência, os eleitores exigiam medidas igualmente violentas” (Schwarcz, 2019SCHWARCZ, L. M. Sobre o autoritarismo brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2019. 294 p., p. 160). Já a sensação de medo e insegurança, procedente da constância e da ascendência da violência urbana, estaria vinculada à defesa de mais coerção por parte do Estado (Schwarcz, 2019SCHWARCZ, L. M. Sobre o autoritarismo brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2019. 294 p.).

A demanda por segurança, com tolerância à violência estatal como resposta institucional, passa pela criação de instrumentos legais e diferentes propostas legislativas não aprovadas. Para Souza e Serra (2020SOUZA, L. A. F.; SERRA, C. H. A. Quando o estado de exceção se torna permanente: reflexões sobre a militarização da segurança pública no Brasil. Tempo Social, São Paulo, v. 32, n. 2, p. 205-227, 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.revistas.usp.br/ts/article/view/158668 . Acesso em: 2 ago. 2022.
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, p. 207):

[...] o clamor por segurança, mais rigor da punição e penas mais longas se fez ouvir nos corredores dos palácios de governo. Lei de crimes hediondos, prisões de segurança máxima, redução da maioridade penal, liberalização da posse de armas, pena de morte, não punibilidade da violência policial, guerra às drogas, criminalização de movimentos sociais, toque de recolher, sistemas ampliados de vigilância e controle, condomínios fechados, privatização da segurança, poder de polícia para guardas municipais e para militares, maior presença militar na segurança, enfim, compuseram o quadro complexo de propostas e ações que desviou a democracia brasileira de agendas inclusivas típicas da luta histórica dos movimentos sociais por cidadania.

As sínteses de soluções autoritárias para a segurança pública, por serem tão simples e pontuais, escorregam, no período analisado, intencionalmente, para fora do debate público e se encontram com a venda de mais armas de fogo para civis. A legitimidade de matar em nome da suposta segurança lança fora do debate respostas que deveriam ser construídas no âmbito do Estado, terminando por contribuir com a lógica da exceção, ao invés de garantir direitos para todas as pessoas.

Na conjuntura política que sucedeu o golpe de 2016, Schwarcz (2022SCHWARCZ, L. M. O sequestro da Independência. Revista USP, São Paulo, v. 1, n. 133, p. 13-32, 2022. DOI: 10.11606/issn.2316-9036.i133p13-32. Disponível em: Disponível em: https://www.revistas.usp.br/revusp/article/view/199281 . Acesso em: 15 jul. 2022.
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) identificou mais um capítulo da história autoritária do país, haja vista que, em diferentes períodos da República, o funcionamento do Estado se deu na exceção. No prefácio, em inglês, Brazilian authoritarianism: past and present, referindo-se ao pós-eleições de 2018, a autora foi taxativa: “Never has the present so closely resembled the past3 3 “Nunca o presente se assemelhou tanto ao passado” (Schwarcz, 2022, p. xxii, tradução nossa). (Schwarcz, 2022SCHWARCZ, L. M. Brazilian authoritarianism: past and present. Tradução: Eric M. B. Becker. New Jersey: Princeton University Press, 2022., p. xxii).

Schwarcz (2019SCHWARCZ, L. M. Sobre o autoritarismo brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2019. 294 p., p. 229) destaca a oposição entre democracia e exceção como elementos excludentes, e frisa: “[...] diferentes momentos de intervenção autoritária no Brasil foram, com frequência, justificados em nome da segurança nacional”. A suspensão da regra democrática implica, portanto, supressão de direitos. É essa supressão, investigada pela autora, que viabiliza a verificação das armadilhas do estado de exceção: apesar de prometer segurança, gera mais inseguranças, retrocessos no acesso aos direitos sociais e mais desigualdades.

No artigo “O sequestro da Independência”, Schwarcz (2022SCHWARCZ, L. M. O sequestro da Independência. Revista USP, São Paulo, v. 1, n. 133, p. 13-32, 2022. DOI: 10.11606/issn.2316-9036.i133p13-32. Disponível em: Disponível em: https://www.revistas.usp.br/revusp/article/view/199281 . Acesso em: 15 jul. 2022.
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) analisa a Independência do Brasil, em 1822 - processo que rompeu com o sistema colonial, mas manteve inalterada a representatividade e a participação política nas instituições, criando, dessa forma, um Estado sem criar uma nação. A autora assegura que o governo Bolsonaro projetou uma imagem da Independência como um passado “fardado, branco e muito bem organizado. Um passado de ordem, sem dissensões, violências ou civis comandando o processo de emancipação” (Schwarcz, 2022SCHWARCZ, L. M. Brazilian authoritarianism: past and present. Tradução: Eric M. B. Becker. New Jersey: Princeton University Press, 2022., p. 31).

Durante o referido governo, reforçou-se o apagamento de narrativas da pressão popular de civis, bem como as negociações políticas, sucessoras do dia 7 de setembro de 1822 (Schwarcz, 2022SCHWARCZ, L. M. O sequestro da Independência. Revista USP, São Paulo, v. 1, n. 133, p. 13-32, 2022. DOI: 10.11606/issn.2316-9036.i133p13-32. Disponível em: Disponível em: https://www.revistas.usp.br/revusp/article/view/199281 . Acesso em: 15 jul. 2022.
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). Alinhada com outras datas simbólicas, comemorativas e de relevância nacional, foi promovida em escala pública, inclusive virtual, a autopromoção da pessoa do então presidente, desviando possibilidades de debates qualificados sobre a historiografia nacional e a comemoração dos 200 anos da Independência do Brasil. No dia 7 de setembro de 2022, com um discurso ameaçador para a democracia e hipersexualizado, aquele presidente utilizou-se da data para afirmar-se como o único competente para gerir o país. Isso demonstra, sem a pretensão de reduzir os muitos debates instigados pelas obras aqui referenciadas, a atualização da tese de Schwarcz: projetos autoritários recriam o passado, suplantando o papel de grupos não europeus e colonizados na formação social e política do povo brasileiro.

Considerando a Constituição Federal de 1988, de cunho democrático, a autora, concluindo estarmos numa democracia imperfeita, ou seja, eivada de questões raciais, desigualdades sociais e econômicas e injustiças, reafirma que, embora a norma democrática não tenha sido atingida, o medo avançou sobre quem defende valores democráticos, apagando as utopias. Ao admitir o período de recessão democrática, Schwarcz (2019SCHWARCZ, L. M. Sobre o autoritarismo brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2019. 294 p.) advoga que, diante da crise, é preciso manter a esperança de que as populações irão exigir seus direitos.

2. Autoritarismo e Estado de exceção: apontamentos sobre elos visíveis na pandemia de covid-19

Reflexões sobre a violação de regras constitucionais têm sido robustamente desenvolvidas nas obras do filósofo italiano Giorgio Agamben, para quem a política se tornou integralmente biopolítica4 4 O conceito de biopolítica em Agamben admite a necessidade de compreender a ideia de “vida nua” e de “vida sacra”. A partir de categorias gregas, Agamben examina a vida nua como a vida desprovida de qualquer qualificação política; é para ela que se retorna quando os seres humanos são desprovidos dos direitos de cidadão. A biopolítica em Agamben consiste na elevação dessa vida natural. Sobre esses conceitos, que se completam, é indispensável a leitura do livro Homo sacer: o poder soberano e a vida nua (Agamben, 2002). - haja vista que esta última já existia desde a Antiguidade, na tese do autor. Considerando a Europa oriental, do seu tempo, o autor analisou o Estado de exceção para explicar o pensamento político que lhe é contemporâneo, advertindo sobre os processos de dissolução dos organismos estatais tradicionais, no território, como estrutura permanente (Agamben, 2002AGAMBEN, G. Homo sacer: o poder soberano e a vida nua. Tradução: Henrique Burigo. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2002.).

Antes de aplicar a teoria do estado de exceção para analisar as medidas tomadas durante a pandemia de covid-19, Agamben (2004AGAMBEN, G. Estado de exceção: homo sacer II, I. Tradução: Iraci D. Poleti. São Paulo: Boitempo, 2004., p. 13) afirmou, no livro Estado de exceção, que esse paradigma de governo se constitui como “um patamar de indeterminação entre democracia e absolutismo”. Nessa construção teórica, o estado de exceção moderno é uma criação da tradição democrático-revolucionária. Segundo o autor, no estado de exceção:

O aspecto normativo do direito pode ser, assim, impunemente eliminado e contestado por uma violência governamental que, ao ignorar no âmbito externo o direito internacional e produzir no âmbito interno um estado de exceção permanente, pretende, no entanto, ainda aplicar o direito (Agamben, 2004AGAMBEN, G. Estado de exceção: homo sacer II, I. Tradução: Iraci D. Poleti. São Paulo: Boitempo, 2004., p. 131).

Em Reflexões sobre a peste, Agamben (2020AGAMBEN, G. Reflexões sobre a peste: ensaios em tempos de pandemia. Tradução: Isabella Marcatti. São Paulo: Boitempo, 2020.) defendeu que as medidas adotadas pelo governo da Itália diante da transmissão do vírus SARS-CoV-2 foram desproporcionais: “Parece quase que, esgotado o terrorismo como motivador de medidas de exceção, a invenção de uma epidemia possa oferecer o pretexto ideal para ampliá-las além de todo limite” (Agamben, 2020AGAMBEN, G. Reflexões sobre a peste: ensaios em tempos de pandemia. Tradução: Isabella Marcatti. São Paulo: Boitempo, 2020., p. 11, on-line).

Ressaltamos, em respeito às obras e ao autor, que em nenhum momento identificamos a negação da existência do vírus ou a recusa de que os adoecimentos sejam identificados como um problema, apesar de Agamben (2020AGAMBEN, G. Reflexões sobre a peste: ensaios em tempos de pandemia. Tradução: Isabella Marcatti. São Paulo: Boitempo, 2020.) não se referir ao direito à saúde ou indicar que a pandemia é uma questão para e de saúde pública. Antes, mantendo a coerência com sua teoria política, retomou a análise do uso político do medo - tanto do vírus quanto da doença - como mote sobre o qual emergem perguntas e lições em relação a uma “invenção” chamada pandemia. Atento às transformações das relações humanas, ou às tentativas de limitar o contato entre humanos, em toda a Europa, o autor atiça as críticas sobre o uso de tecnologias digitais, nas relações profissionais e pessoais, por decretos.

Semanalmente, Agamben escreveu sobre a normalização do estado de exceção - uma vez que a perenidade da crise anunciava o duradouro estado de emergência; advertia como o distanciamento social era um novo princípio de organização social e, por isso, diferia do excesso de individualismo; e, por fim, registrou o silêncio das religiões e de juristas sobre os desrespeitos à liberdade na Europa e, assim, aos princípios constitucionais. O estado de exceção em Agamben não é necessariamente aquele que suspende a democracia, mas também não corresponde ao exercício pleno de aspectos democráticos no cotidiano das populações.

Agamben (2021aAGAMBEN, G. O rosto e a morte. Instituto Humanitas Unisinos, São Leopoldo, 5 maio 2021a. Disponível em: Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/608961-o-rosto-e-a-morte-artigo-de-giorgio-agamben . Acesso em: 20 jul. 2022.
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; 2021bAGAMBEN, G. A vida nua e a vacina. Instituto Humanitas Unisinos, São Leopoldo, 20 abr. 2021b. Disponível em: Disponível em: https://www.ihu.unisinos.br/categorias/608523-a-vida-nua-e-a-vacina-artigo-de-giorgio-agamben : Acesso em: 20 de jul. 2022.
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) continuou dissertando sobre a pandemia e outros aspectos que compuseram o momento sanitário da Europa, no período analisado, sob uma governabilidade desprovida de elementos políticos: a “governamentalidade baseada apenas em um controle algorítmico” (Agamben, 2021aAGAMBEN, G. O rosto e a morte. Instituto Humanitas Unisinos, São Leopoldo, 5 maio 2021a. Disponível em: Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/608961-o-rosto-e-a-morte-artigo-de-giorgio-agamben . Acesso em: 20 jul. 2022.
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n. p.). Também criticou o uso obrigatório de máscaras e, com ironia, esboçou críticas às exigências da vacinação contra a covid-19.

No mesmo território - na mesma Europa -, observando o cenário pandêmico, em que escrevia Agamben, o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos (2020SANTOS, B. de S. A cruel pedagogia do vírus. São Paulo: Boitempo, 2020.) admitia que havia se instalado um Estado de exceção para responder à pandemia, mas, em debate com as ideias de Agamben, alertou para a necessidade de “[...] distinguir no futuro não apenas entre Estado democrático e Estado de excepcão, mas também entre Estado de excepção democrático e Estado de excepção antidemocrático” (Santos, 2020SANTOS, B. de S. A cruel pedagogia do vírus. São Paulo: Boitempo, 2020., p. 14). A conclusão de Santos (2020SANTOS, B. de S. A cruel pedagogia do vírus. São Paulo: Boitempo, 2020.) sobre a diversidade de exceções e os objetivos da exceção, no cerne da excepcionalidade pandêmica, propiciou a superação de análises locais para nomear o que chamou de zonas de invisibilidade no mundo. Alertava o autor para a extrema vulnerabilidade de milhares de refugiados e imigrantes na Europa, para quem o acesso à água era limitado, faltava sabão e seria impossível praticar distanciamento social nos poucos metros em que habitavam. Além disso, indagava-se Boaventura sobre como seria a quarentena de quem não tinha casa.

A identificação das necessidades sociais, naquelas conjunturas e condições inteiramente novas - com um vírus ainda em fase de reconhecimento, sendo deslocado por distintas regiões do mundo na velocidade de jatos -, pode reorientar produções teóricas e redefinir suposições e conceitos já consolidados. A comprovação da realidade, na América Latina, desestabiliza possibilidades de utilização das medidas sanitárias adotadas por recomendação da Organização Mundial da Saúde como exemplos do estado de exceção. Daqui dos trópicos, a realidade é: uma mulher preta, numa franja urbano-metropolitana, não podia amamentar sua criança porque tinha fome; pessoas não utilizavam máscaras, porque lhes faltava renda capaz de viabilizar o consumo do item, quando se encontrava à venda; não se lavam as mãos, porque falta água nas torneiras e sabão, adia-se o banho. De fato, diferentes sujeitos estavam e estão expostos a todos os tipos de vírus, em territórios do medo.

No ensaio Quando acaba o século XX,Schwarcz (2020SCHWARCZ, L. M. Quando acaba o século XX. São Paulo: Companhia das Letras, 2020. E-book., p. 12) observou a negação da ciência pelo governo, no Brasil, durante a pandemia de covid-19, asseverando: “Um governo autoritário e populista que só acredita em si mesmo acha que tem respostas para tudo e fala diretamente com o povo, sem necessidade da ciência, dos acadêmicos, dos jornalistas, das instituições democráticas”.

Evidenciou-se, também, a face do anti-intelectualismo, com alinhamento internacional, vociferando o descrédito às ciências, no par com figuras políticas e “cientistas” brasileiros apelando para o uso de hidroxicloroquina para tratar a covid-19 (Miguel, 2022MIGUEL, L. F. A cruzada contra o capital cultural. Mediações: Revista de Ciências Sociais, Londrina, v. 27, n. 3, p. 1-19, 2022. Disponível em: Disponível em: https://ojs.uel.br/revistas/uel/index.php/mediacoes/article/view/45807 . Acesso em: 24 fev. 2023.
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). A ausência de planejamento de medidas para conter a velocidade da transmissão do vírus, bem como a demora de definição e de adoção de políticas públicas e de ações efetivas para salvaguardar empregos, renda e preservar vidas, mitigando as consequências sociais e econômicas da pandemia, revelou mais uma vez as expressões das desigualdades sociais na formação social brasileira, e anunciou quem eram os sujeitos “deixados para morrer” nesse estado de exceção.

3. Exceção e autoritarismos em toda parte?

No Brasil, a tese de Agamben encontrou eco na obra do Professor Dr. Rafael Valim para o estudo das categorias Estado de Direito e estado de exceção. Confirma Valim (2017VALIM, R. Estado de exceção: a forma jurídica do neoliberalismo. São Paulo: Contracorrente, 2017., p. 18): “[...] embora o uso sistemático da exceção possa levar à ruína o Estado de Direito, ela pressupõe o quadro de referência do Estado de Direito”.

Valim (2017VALIM, R. Estado de exceção: a forma jurídica do neoliberalismo. São Paulo: Contracorrente, 2017.), com cautela, descreveu os elos entre exceção e autoritarismos5 5 Note-se que a relação entre exceção e autoritarismo não foi/é tratada nas obras de Agamben, mas foi sendo construída por Valim. e concluiu: a exceção nega a Constituição Federal de 1988, porque viola a soberania popular e instala práticas autoritárias, que já estavam com o caminho aberto pela deslealdade à própria Carta Magna. E, nesse cenário, tanto o Poder Executivo como o Poder Judiciário se convertem em fontes de exceção, sendo o segundo o agente de exceção mais perigoso.

No Direito, a categoria analítica estado de exceção passou a ter a capacidade de explicar o desvirtuamento do Direito Penal e do Direito Processual, como a crise constitucional e a simulação de um processo legal no golpe contra a presidenta Dilma Rousseff, em 2016, por exemplo. Valim seguiu se questionando sobre quem decide por estados de exceção, defendendo que a exceção desfaz tanto o Direito como a Política. O autor discute as pontes quebradas e remontadas entre política e economia:

A subalternidade da política à economia ajuda a explicar a atual crise de legitimidade dos órgãos eletivos, aos quais compete, por meio de um discurso fantasioso e, por vezes, ridículo, editar legislações francamente antissociais, mas que beneficiam o seu senhorio, o mercado (Valim, 2017VALIM, R. Estado de exceção: a forma jurídica do neoliberalismo. São Paulo: Contracorrente, 2017., p. 22).

Na proposição de Valim, o mercado é a autoridade que opta por estados de exceção. Aliás, a tese do poder econômico, ou do mercado como entidade soberana, é compartilhada pelo jurista e Professor Dr. Rubens Casara (2018CASARA, R. R. R. Sociedade sem lei: pós-democracia, personalidade autoritária, idiotização e barbárie. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018., p. 17): “Hoje, pode-se afirmar que o mercado se tornou o principal (quando não o único) modelo para as relações sociais em todo o mundo”. Casara (2018CASARA, R. R. R. Sociedade sem lei: pós-democracia, personalidade autoritária, idiotização e barbárie. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018.) argumenta que a democracia foi derrotada pela não imposição de limites ao poder econômico, o que constitui a pós-democracia.

Mesmo identificando a pertinência, e aderência à realidade, da vinculação entre poder econômico e Estado, a ideia de pós-democracia, como abordada por Valim (2017VALIM, R. Estado de exceção: a forma jurídica do neoliberalismo. São Paulo: Contracorrente, 2017.), sustentada a partir da suposta falta de limites à economia, não se deixa escapar à relação entre a democracia e o atual estágio do capitalismo financeirizado. Conforme Piketty (2014PIKETTY, T. O capital no século XXI. Tradução: Mônica Baumgarten de Bolle. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014.), o poder público tem papel central na vida econômica e social, ao passo que tem se constituído como desafio democrático a dupla empreitada de controlar o capitalismo financeiro e de renovar e modernizar os sistemas de arrecadações e gastos do Estado.

Antes de publicar livros sobre pós-democracia, Casara (2013CASARA, R. R. R. Convenções da ONU e leis internas sobre drogas ilícitas: violações à razão e às normas fundamentais. Revista da EMERJ, Rio de Janeiro, v. 16, n. 63, p. 30, 2013. Edição especial. Disponível em: Disponível em: https://www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_online/edicoes/revista63/revista63_27.pdf . Acesso em: 20 jul. 2022.
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) já tinha verificado o transbordar do autoritarismo e de técnicas antidemocráticas, no Executivo e no Parlamento, a partir do exame do tratamento penal na criminalização dos usos e tráficos de drogas ilícitas no Brasil. Confirmava, no início, entre magistrados e depois por escrito, no texto publicado no mesmo ano, a influência da mídia e seu poder sobreposto às teorias penais e às ciências da saúde, para reforçar proibicionismos e criminalizações de drogas. Após descrever as lesões aos princípios da lesividade, da dignidade da pessoa humana e da proporcionalidade concreta, promovidas pelo Direito Penal aplicado em crimes sobre drogas no país, concluiu que a falta de respeito à autonomia da pessoa, contida nas leis internas e, também, nas convenções da Organização das Nações Unidas (ONU, 1971ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Convention on psychotropic substances. Viena: ONU, 1971. Disponível em: Disponível em: http://www.unodc.org/pdf/convention_1971_en.pdf . Acesso em: 14 maio 2022.
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; 1998ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Convenção das Nações Unidas contra o tráfico ilícito de drogas narcóticas e substâncias psicotrópicas. Viena: ONU, 1988. Disponível em: Disponível em: http://www.tjmt.jus.br/intranet.arq/cms/grupopaginas/105/975/convention_1988_es.pdf . Acesso em: 6 abr. 2023.
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), tem implicado na inexistência do Estado democrático de direito.

Partindo da tese weberiana de que o Estado detém o monopólio legítimo da violência (guardando consigo poder), Casara (2018CASARA, R. R. R. Sociedade sem lei: pós-democracia, personalidade autoritária, idiotização e barbárie. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018.) identificou, na ausência de limites, a aversão do poder à democracia, sobretudo quando impera a razão neoliberal, voltada à liberdade de lucrar e de acumular.

Segundo Casara (2020CASARA, R. R. R. Bolsonaro: o mito e o sintoma. São Paulo: Contracorrente, 2020., p. 18, on-line), “o Brasil, que sempre conviveu com uma democracia de baixa intensidade, passou docilmente à pós-democracia”, de modo que estaríamos diante de um Estado pós-democrático, no qual o poder é ilimitado. E explicou: “Por ‘Pós-Democrático’ entende-se um Estado sem limites rígidos ao exercício do poder, [...]”, e no qual o poder político e o poder econômico se misturam.

Na obra O Estado Pós-democrático: neo-obscurantismo e gestão dos indesejáveis, Casara (2017CASARA, R. R. R. O Estado pós-democrático: neo-obscurantismo e gestão dos indesejáveis. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2017.) já havia afirmado que a naturalização de práticas autoritárias, muitas delas dotadas de violência e de coação, explicava a substituição do Estado Democrático de Direito pelo Estado Pós-democrático. De acordo com o autor, isso teria sido realizado, com facilidade, graças à tradição autoritária. Nesses termos, afirma: “Essa tradição é composta de convicções políticas, econômicas e sociais que formam um padrão amplo e coerente que é expressão de tendências antidemocráticas” (Casara, 2017CASARA, R. R. R. O Estado pós-democrático: neo-obscurantismo e gestão dos indesejáveis. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2017., p. 87, on-line).

Consideramos problemáticas duas palavras empregadas por Casara, em duas obras distintas, para explicar o trânsito do Estado Democrático para o Estado Pós-democrático, isto é, “docilmente” e “facilidade”. Os significados dessas palavras esbarram, ou não coincidem, com atos de resistência e demais formas de contestação pela sociedade. Ocupações, protestos, marchas e outros modos de mobilização, inclusive no ciberespaço, escancaram, publicamente, opiniões e posicionamentos políticos que conflitam com a polícia ou com as regras do estado de exceção. Sem implicância linguística, notamos também que as práticas autoritárias jamais foram naturalizadas, estando, pois, incorporadas na nossa formação social e política, como já explicado a partir das obras de Schwarcz, na seção 1 deste artigo. Em outras palavras: é impossível naturalizar aquilo que já se faz inerente a uma sociedade.

Além disso, sobre autoritarismos, mesmo em ditaduras, incidem atos de contestação, por vezes, nada dóceis. Nesse sentido, é preciso sublinhar, nas obras de Agamben e no Direito, no Brasil, no que concerne à categoria estado de exceção, a ausência das devidas ponderações sobre a capacidade de exigir direitos, organizar pautas de lutas sociais e construir sociabilidades não violentas, por distintos grupos sociais. A interpretação do estado de exceção, sem atenção à formação social brasileira, homogeneíza consequências sobre a Política, o Direito e a Economia. Ademais, pode camuflar conclusões sobre os reais impactos das práticas autoritárias, que atravessaram ditaduras e democracias no país, em distintas conjunturas, incidindo, diferentemente, sobre diversas classes sociais.

Durante a gestão Bolsonaro, tornaram-se complexas as formas como avançavam as “exceções” e também as estratégias ditatoriais e militares, incorporadas à política partidária e à gestão das instituições. Houve a presença de militares, com ou sem farda, em postos de comando e na função de ministros de governo, entre outras velhas formas autoritárias que ganharam atualizações naquele período.

Nas metrópoles brasileiras, na produção do espaço, persistem desigualdades no acesso à terra e no direito à moradia que podem ceifar o irreparável: vidas humanas. Chuvas, desmoronamentos, deslizamentos, afogamentos obrigam toda a sociedade a compreender que, para alguns grupos, os de menor renda, o que poderia ser apenas um episódio natural ou de alterações nas condições climáticas, de fato, tem raiz nas relações sociais, políticas, econômicas e de poder pretéritas. Essas relações incidem na concentração de terra e de riquezas, persistentes até hoje, e transbordam-se em catástrofes que assumem seu ponto mais elevado nos espaços urbanos.

4. Novo governo, velho golpismo à espreita? Desafios democráticos à vista

O processo eleitoral brasileiro, que antecedeu o início do governo Lula-Alckmin (2023), parecia guardar combos de ansiedade e esperança, notícias falsas e medo, debates televisivos superficiais e distantes, frente ao real, marcados por agressividade e discurso antipolítica. O resultado eleitoral, por sua vez, trouxe um cenário assustador: bloqueios em rodovias, manifestações em frente aos quartéis e continuidade de atos digitais geradores de desinformação, aproveitando o vazio das palavras nunca proferidas em pronunciamento do ex-presidente Bolsonaro, reconhecendo o resultado das urnas. A expressão da vontade popular, definida no registro do voto para a escolha do seu representante maior - Presidente da República -, passa a ser negada insistentemente. Aliás, o ponto fulcral era desacreditar as urnas eletrônicas, sustentando argumentos falaciosos e sem comprovação. Contraditoriamente, as demais representações para as casas legislativas deixavam de ser submetidas ao ímpeto da ausência de reconhecimento do voto popular depositado nas urnas eletrônicas.

O autoritarismo das representações do Poder Executivo da gestão Bolsonaro “escalaram o último andar” do traço antirrepublicano observável, com o embarque aéreo, para os Estados Unidos, às vésperas da posse do presidente eleito - Luiz Inácio Lula da Silva. A comitiva do ex-presidente deixou, portanto, o país, com manifestantes instalados em vias públicas e áreas militares, reivindicando por “intervenção militar”, para evitar a posse do novo mandatário, em 1º de janeiro. Insatisfeitos, insuflados a vandalizar e a destruir o patrimônio público, em 8 de janeiro de 2023, um domingo, ainda com explicações sendo construídas, praticaram atos de violência nos prédios dos três poderes - Executivo, Legislativo e Judiciário -, em Brasília, a capital do país, expondo, assim, a face bolsonarista da violência contra o Estado de Direito.

O golpismo estava à espreita. Sem enxergar nada além de um suposto “perigo comunista” - expressão repetida e banalizada seguidamente nas redes sociais de extremistas - e de um infundado terror, atribuídos a determinados partidos políticos de esquerda, os discursos autoritários almejaram firmar a negação da política. Entretanto, os atos adotados perpassavam e se faziam políticos e ideológicos.

Na frente, e dentro das instituições - Congresso Nacional, Supremo Tribunal Federal, Poder Executivo -, na capital da República, constatava-se a imensa vandalização perpetrada de forma assustadora. Os manifestantes desses atos miraram a negação do reconhecimento dos resultados das urnas, vinculavam-se à extrema-direita, defendiam e solicitavam a intervenção das Forças Armadas, no sentido de que assumissem o governo do país e instalassem novamente uma ditadura militar. De fato, essas manifestações transbordam atitudes de intolerância e disseminação de ódio, com efeitos devastadores para as relações sociais e políticas, além de consequências ainda pouco transparentes e, sobretudo, desafiadoras para a sociedade e o Estado.

Considerações finais

Distintas indagações emergem do processo reflexivo e analítico traçado neste artigo. Laços funestos de autoritarismos transitam, nos dias atuais, conectando-se a formas originárias da formação sócio-histórica brasileira. Mas vão além, pois desenvolvem novos modos que se espraiam, exacerbando e expondo riscos para a sociedade, alargando as consequências sobre as relações sociais, econômicas e políticas do país.

Ademais, o mundo se mostra em ebulição, no jogo do redesenho de sua geopolítica. Há conjunção de fatores, envoltos em interesses e dinâmicas econômicas, atravessada pelo aprofundamento das desigualdades e da pobreza, das relações de classes sociais, situadas no centro das relações capitalistas. Ainda mais, estudiosos apontam para uma mudança de paradigma e, nesse contexto, o velho não se foi e o novo ainda não se instalou. Expressões e (re)ascensão de movimentos de extrema-direita percorrem diferentes continentes e expõem suas garras também no Brasil.

A intolerância, a instigação do ódio e o defenestramento de reputações - tendo adotado meio preferencial de disseminação as redes sociais e as notícias falsas que por elas se espalham, com o uso de linguagens e imagens imprecisas e confusas - ampliam seus tentáculos, reverberam nos autoritarismos, na verticalização de poder. Esse universo de fatores impacta nas relações sociais.

Ataques a escolas, creches, professores, crianças e adolescentes, além das costumeiras incursões nas áreas de pobreza, por forças do Estado, expõem a face de tragédias e violências, que se arraigam em distintas formas de autoritarismos e, mesmo, da exposição de uma sociedade adoecida e da negação de avanços civilizatórios.

Desafios estão postos. Movem-se na retomada e na ampliação de formas organizativas da sociedade, dos movimentos sociais, da construção e constituição de debates políticos sólidos, capazes de criar dinâmicas de reflexões e análises para pensar e repensar o conjunto das relações sociais e da sociedade, o Estado e a (re)construção da vida. Desafios se fazem presentes na direção dos processos educativos, pautando todos os espaços que asseguram o respeito e a convivência com as diferenças. A tudo isso se somam o enfrentamento e a superação das desigualdades sociais, econômicas, políticas e jurídicas, e a retomada de relações sociais aceitáveis. São urgentes desafios a serem enfrentados e perseguidos antes que seja tarde demais!

Referências

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  • AGAMBEN, G. A vida nua e a vacina. Instituto Humanitas Unisinos, São Leopoldo, 20 abr. 2021b. Disponível em: Disponível em: https://www.ihu.unisinos.br/categorias/608523-a-vida-nua-e-a-vacina-artigo-de-giorgio-agamben : Acesso em: 20 de jul. 2022.
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    » https://www.revistas.usp.br/ts/article/view/158668
  • VALIM, R. Estado de exceção: a forma jurídica do neoliberalismo. São Paulo: Contracorrente, 2017.
  • *
    Este trabalho foi realizado com o apoio da Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (Capes) - código de financiamento 001.
  • 1
    O afastamento da presidenta Dilma Rousseff teve como argumento as denominadas pedaladas fiscais. Entretanto, caracterizou-se como golpe político-jurídico-midiático, expressando correlações de forças e interesses diversos. O ato de afastar a presidenta da República do cargo para o qual fora eleita pelo voto popular, sendo formalizado mediante votação parlamentar, resultando na aprovação do impeachment e consequente cassação do mandato, pelo Senado Federal, teve muitas faces, sendo a violência política de gênero uma delas. “Sexismo e misoginia participaram da construção de um ambiente político no qual uma mulher eleita foi contestada em sua competência e deposta. Em alguns casos, a construção da imagem de Rousseff e a configuração dos posicionamentos favoráveis a sua deposição podem ser descritas como formas de violência política contra as mulheres, [...]” (Biroli, 2018BIROLI, F. Uma mulher foi deposta: sexismo, misoginia e violência política. In: RUBIM, L.; ARGOLO, F. (org.). O golpe na perspectiva de gênero. Salvador: EdUFBA, 2018. p. 75-84., p. 79).
  • 2
    Ver nota de rodapé anterior.
  • 3
    “Nunca o presente se assemelhou tanto ao passado” (Schwarcz, 2022SCHWARCZ, L. M. Brazilian authoritarianism: past and present. Tradução: Eric M. B. Becker. New Jersey: Princeton University Press, 2022., p. xxii, tradução nossa).
  • 4
    O conceito de biopolítica em Agamben admite a necessidade de compreender a ideia de “vida nua” e de “vida sacra”. A partir de categorias gregas, Agamben examina a vida nua como a vida desprovida de qualquer qualificação política; é para ela que se retorna quando os seres humanos são desprovidos dos direitos de cidadão. A biopolítica em Agamben consiste na elevação dessa vida natural. Sobre esses conceitos, que se completam, é indispensável a leitura do livro Homo sacer: o poder soberano e a vida nua (Agamben, 2002AGAMBEN, G. Homo sacer: o poder soberano e a vida nua. Tradução: Henrique Burigo. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2002.).
  • 5
    Note-se que a relação entre exceção e autoritarismo não foi/é tratada nas obras de Agamben, mas foi sendo construída por Valim.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    10 Jul 2024
  • Aceito
    19 Ago 2024
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