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Serviço Social na luta pela educação dos trabalhadores do campo

Social Service in the fight for the education of field workers

Resumo:

Este artigo tem como objetivo relatar a experiência de luta para implementar o curso de Serviço Social na Universidade Federal do Tocantins (UFT) para camponeses, em convênio com o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera). Como metodologia, foi realizada uma pesquisa em Relatórios da UFT e na Literatura do Serviço Social e da Educação do Campo. Podemos observar que a implantação desse curso ocorreu com dura austeridade fiscal e mediante a opressão aos movimentos sociais, o que tem apontado para a necessidade de lutas constantes para garantir que os acadêmicos consigam concluir seu curso.

Palavras-chave:
Lutas sociais; Educação do campo; Serviço Social; Pronera

Abstract:

This article aims to report the experience of the struggle to implement a Social Service Course at the Federal University of Tocantins (UFT) for peasants in agreement with the National Program for Education in Agrarian Reform (Pronera). As a methodology, research was carried out in reports and in the Literature of Social Service and field Education. We can observe that the implementation of this course occurred with harsh fiscal austerity and through oppression of social movements, which has pointed to the need for constant struggles to guarantee the completion of the course.

Keywords:
Social struggles; Field education; Social Service; Pronera

Introdução

No âmbito geral do Serviço Social, o tema da formação profissional sempre foi recorrente e objeto de preocupação na agenda político-organizacional e acadêmica. O amadurecimento da discussão, adquirido no âmbito da trajetória sócio-histórica, originou, inclusive, a construção coletiva e a aprovação das diretrizes curriculares da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS) nos anos 1990, expressando uma dada direção político-pedagógica defendida pela categoria de assistentes sociais.

Nas últimas décadas, este tema vem ganhando ainda mais destaque, devido à expansão da educação superior no Brasil, com o crescimento do setor privado educacional, particularmente na modalidade de Ensino a Distância (EaD), o que vem impondo diferentes empecilhos para a afirmação da direção social estratégica da formação profissional, defendida pelo conjunto das entidades da categoria e pelos diversos movimentos sociais, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que traz a luta pela educação do campo, de qualidade e com financiamento público.

Nesse cenário, o curso de Serviço Social da Universidade Federal do Tocantins (UFT), vinculado ao Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera),1 1 O Pronera é um programa da reforma agrária que financia a educação formal para os trabalhadores do campo, das águas e das florestas. O curso de graduação em Serviço Social da UFT ocorre em parceria com o Incra, com uma metodologia diferente e com orçamento específico, para possibilitar o ingresso desse público desde a alfabetização até a pós-graduação. fruto das lutas da categoria profissional e dos movimentos sociais, iniciou suas atividades em outubro de 2019,2 2 Esse ano foi o primeiro do governo Bolsonaro, de 1º de janeiro de 2019 a 31 de dezembro de 2022. Esse foi um período marcado por um grande retrocesso nas pautas progressistas, tendo em vista que se tratava de um governo extremamente conservador. em um cenário de um movimento nacional de mercantilização da educação superior e em uma conjuntura nacional de aprofundamento do pensamento conservador e de retrocesso no campo das políticas públicas, como na política educacional e de reforma agrária. Lembramos que o ano de 2019 marcou a ascensão da extrema-direita no governo federal, com o início do governo Bolsonaro, que atacou os movimentos sociais, as organizações populares e as políticas sociais, como a educação do campo.

Para os sujeitos coletivos que fazem parte do curso de Serviço Social, esse processo de implementação do curso em questão oferece desafios para o desenvolvimento e a consolidação dessa experiência, na perspectiva da garantia da educação como direito e de uma formação profissional de qualidade. Em 2019, iniciou-se o terceiro curso de Serviço Social vinculado ao Pronera, sendo a primeira experiência realizada na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e que formou a turma “Carlos Nelson Coutinho”, em 2015. A segunda experiência foi concluída na Universidade Estadual do Ceará (Uece), com a formação da turma “Eldorado dos Carajás”, em 2018. A terceira turma do curso de Serviço Social, da UFT, foi nomeada “Maria Trindade”, em homenagem a uma mulher militante do Tocantins.

A realidade da formação profissional em Serviço Social, no Tocantins (TO), não está isolada no processo em nível nacional de precarização e de mercantilização da educação superior. Segundo dados do Ministério da Educação (MEC), até o presente momento, existem 32 Instituições de Ensino Superior ofertando o curso de Serviço Social em vários municípios no TO. Dessas, somente duas são instituições públicas, sendo esses cursos (presencial e gratuito) oferecidos na Universidade Estadual Tocantins (Unitins) e na UFT, campus de Miracema. Os demais cursos são oferecidos por 30 instituições de ensino privado, sendo 29 na modalidade EaD e somente um na modalidade presencial.

É importante assinalar que muitos cursos de EaD são distribuídos em vários polos pelo interior do estado, dificultando a exatidão do número de cursos nessa modalidade. Além disso, cabe ressaltar que as vagas anuais autorizadas pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC) estão, na sua maioria, no ensino privado, especialmente na modalidade EaD. Tal cenário impõe desafios na garantia de uma formação profissional em Serviço Social pública, gratuita e de qualidade no Tocantins.

Este artigo tem como objetivo relatar a experiência de luta para implementar a formação profissional em Serviço Social para os trabalhadores camponeses, em convênio com o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera) da Universidade Federal do Tocantins (UFT). Vale dizer que a proposta desse curso foi fruto de uma reivindicação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST/TO), e que ele iniciou em 2019, com estudantes do Maranhão, Pará e Tocantins. Para isso, iremos apresentar a relação desse curso com o projeto de formação profissional, expresso nas diretrizes curriculares da ABEPSS, seu processo de implantação e desafios.

1. Formação profissional em Serviço Social: fundamentos e diretrizes

Inicialmente, destacamos que o Projeto Pedagógico de Curso (PPC) do Serviço Social da UFT do Projeto Pronera, juntamente ao Incra, está fundamentado com base nos princípios fundamentais do Código de Ética Profissional do Assistente Social de 1993, que tem os seguintes valores: a liberdade como valor ético central; a defesa intransigente dos direitos humanos; a ampliação e a consolidação da cidadania; o aprofundamento da democracia; a defesa da equidade e da justiça social; a promoção da diversidade humana; a qualidade dos serviços prestados, entre outros.

Além disso, o PPC está alinhado aos pressupostos e aos princípios da formação profissional expressos nas diretrizes curriculares da ABEPSS (1996ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENSINO E PESQUISA EM SERVIÇO SOCIAL. Diretrizes gerais para o curso de Serviço Social. Rio de Janeiro: ABEPSS, 1996. Disponível em: Disponível em: http://www.cressrs.org.br/docs/Lei_de_Diretrizes_Curriculares.pdf . Acesso em: 31 out. 2014.
http://www.cressrs.org.br/docs/Lei_de_Di...
), entre os quais destacamos: rigoroso trato teórico, histórico e metodológico da realidade social; a adoção de uma perspectiva crítica de análise da vida social; e a articulação entre as dimensões investigativa e interventiva durante todo o processo da formação. Assim, o profissional egresso desse curso deverá atuar e intervir como assistente social nos mais diversos espaços ocupacionais, contribuindo com o desenvolvimento socioeconômico do Tocantins e região.

Destacamos que as concepções de ética e de formação profissional que fundamentam o PPC do curso resultam de um legado histórico do processo de “renovação do Serviço Social”, a partir da hegemonia da perspectiva de “intenção de ruptura” de matriz teórica marxista, que teve como marco histórico o III Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais (CBAS, 1979). Também chamado de Congresso da Virada, esse evento expressou a ruptura política da profissão com o histórico conservadorismo profissional (Netto, 2011NETTO, J. P. Ditadura e Serviço Social: uma análise do Serviço Social no Brasil pós-64. 16. ed. São Paulo: Cortez, 2011.). Nesse sentido, o projeto de formação profissional das diretrizes curriculares da ABEPSS deve ser analisado como produto desse movimento histórico e como construção coletiva da categoria profissional.

As diretrizes da ABEPSS (1996ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENSINO E PESQUISA EM SERVIÇO SOCIAL. Diretrizes gerais para o curso de Serviço Social. Rio de Janeiro: ABEPSS, 1996. Disponível em: Disponível em: http://www.cressrs.org.br/docs/Lei_de_Diretrizes_Curriculares.pdf . Acesso em: 31 out. 2014.
http://www.cressrs.org.br/docs/Lei_de_Di...
, n. p.) estão estruturadas em pressupostos e nos princípios da formação profissional, entre os quais, destacamos:

  1. um rigoroso trato teórico, histórico e metodológico da realidade social e a inserção do Serviço Social nesse contexto;

  2. a adoção de uma teoria social crítica que capacite para uma apreensão da totalidade social contemplando, ao mesmo tempo, os aspectos da universalidade, particularidade e singularidade;

  3. as dimensões investigativa e interventiva, que devem perpassar o processo de formação e a articulação teoria-realidade;

  4. a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.

Destarte, Ortiz (2013ORTIZ, F. G. Notas sobre as Diretrizes Curriculares: avanços, impasses e desafios. In: GUERRA, Y.; LEITE, J. L.; ORTIZ, F. G. Temas contemporâneos: o Serviço Social em foco. São Paulo: Outras Expressões, 2013., p. 12-13) afirma que:

[...] as diretrizes curriculares aprovadas pela ABEPSS, em 1996, sustentam-se nos aportes da Teoria Social Crítica (essa apoiada no pensamento marxiano) e indicam que a formação profissional deve considerar o Serviço Social como uma totalidade e, neste sentido, determinado historicamente e atravessado por múltiplas determinações de natureza econômica, política, cultural e ideológica.

Nas diretrizes curriculares, encontramos os núcleos temáticos que estruturam o projeto de formação profissional do Serviço Social, que oferecem um conjunto de conhecimentos necessários à capacitação profissional dos assistentes sociais. São eles:

  1. Núcleo de fundamentos teórico-metodológicos da vida social;

  2. Núcleo de fundamentos da particularidade da formação sócio-histórica da sociedade brasileira;

  3. Núcleo de fundamentos do trabalho profissional.

Cabe destacar que esses núcleos não podem ser pensados de forma desconexa e fragmentada, mas devem ser encarados como complementares e articulados entre si, conforme nos diz Iamamoto (2011aIAMAMOTO, M. V. O Serviço Social na contemporaneidade: trabalho e formação profissional. 20. ed. São Paulo: Cortez, 2011a., p. 72, grifos da autora), a seguir:

O primeiro núcleo - fundamentos teórico-metodológicos da vida social - indica ser necessário ao assistente social o domínio de um conjunto de fundamentos teórico-metodológicos e ético-políticos para conhecer e decifrar o ser social, a vida em sociedade. O segundo núcleo - fundamentos da formação sócio-histórica da sociedade brasileira - remete à compreensão da sociedade brasileira resguardando as características históricas particulares que presidem a sua formação e desenvolvimento urbano e rural, em suas diversidades regionais e locais. O terceiro núcleo - fundamentos do trabalho profissional - compreende todos os elementos constitutivos do Serviço Social como especialização do trabalho: sua trajetória histórica, teórica, metodológica e técnica, os componentes éticos que envolvem o exercício profissional, a pesquisa, o planejamento e a administração em Serviço Social e o estágio supervisionado.

Iamamoto (2014IAMAMOTO, M. V. A formação acadêmico-profissional no Serviço Social brasileiro. Serviço Social & Sociedade, São Paulo: Cortez, n. 120, p. 609-639, out./dez. 2014.) postula que a organização dos conteúdos da formação nesses três núcleos temáticos foi uma das inovações das diretrizes curriculares da ABEPSS. A autora sinaliza ainda a centralidade dada à categoria trabalho para a análise da profissão como trabalho profissional, que carrega o estatuto assalariado e os dilemas enfrentados para a legitimação do projeto profissional e a afirmação da relativa autonomia. As diretrizes curriculares compreendem os fundamentos do Serviço Social a partir de uma perspectiva de totalidade, com base em uma compreensão de profissão como produto sócio-histórico, inserido na realidade social.

Por esse motivo, mais do que falar da história do Serviço Social, é imprescindível situar essa profissão na História para compreender suas particularidades em cada período, bem como seu significado social e as necessidades sociais que demandaram sua intervenção profissional. Nesse sentido, consolidou-se a concepção da indissociabilidade entre as dimensões históricas, teóricas e metodológicas para entender os fundamentos do Serviço Social, ganhando destaque também as discussões sobre a questão social, ética, particularidades da formação econômico-social brasileira e as transformações contemporâneas do capital.

A dimensão política do Serviço Social, tanto no âmbito da formação quanto do exercício profissional, implica entendê-la como permeada por interesses de classe e visões de mundo, estando o projeto ético-político voltado para o compromisso com a perspectiva da classe trabalhadora. Para Iamamoto (2011bIAMAMOTO, M. V. Renovação e conservadorismo no Serviço Social: ensaios críticos. 11. ed. São Paulo: Cortez, 2011b.), o trabalho profissional do assistente social é polarizado por interesses de classe e por relações de poder presentes na sociedade capitalista. Portanto, a inserção profissional tem um caráter essencialmente político, como podemos ver em Iamamoto (2011bIAMAMOTO, M. V. Renovação e conservadorismo no Serviço Social: ensaios críticos. 11. ed. São Paulo: Cortez, 2011b., p. 122):

Esse caráter não deriva de uma intenção do Assistente Social, não deriva exclusivamente da atuação individual do profissional ou de seu “compromisso”. Ele se configura na medida em que a sua atuação é polarizada por estratégias de classes voltadas para o conjunto da sociedade, que se corporificam através do Estado, de outros organismos da sociedade civil, e se expressam nas políticas sociais públicas e privadas e nos organismos institucionais nos quais trabalhamos como Assistentes Sociais; trata-se de organismos de coerção e hegemonia que sofrem o rebatimento dos combates e da força das classes subalternas na luta coletiva pelo esforço de sobrevivência e para fazer valer seus interesses e necessidades sociais.

Tal concepção de formação profissional em Serviço Social comunga com os fundamentos do conceito de “pedagogia da alternância” que baliza, de forma teórico-metodológica, os cursos vinculados ao Pronera, voltados para formação dos trabalhadores camponeses.

Essa proposta é resultado da construção e da luta coletiva dos movimentos sociais campesinos, e tem como pressuposto a organização dos cursos em dois tempos educativos, articulados e indissociáveis: tempo-escola e tempo-comunidade (Dal Moro, 2013DAL MORO, M. Formação profissional em Serviço Social para assentados da reforma agrária: o regime da alternância em questão. In: JORNADA INTERNACIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS, 6., 2013, São Luís. Anais [...]. São Luís: UFMA, 2013.). A referida concepção pedagógica deriva de um amadurecimento dos debates da educação do campo feita pelos movimentos sociais, que compreendem uma concepção de educação como direito social, de democratização do acesso à educação pública, articulado às particularidades do campo como um espaço onde são constituídas as relações sociais, as identidades e as formas culturais.

A partir do entendimento dos fundamentos do projeto ético-político profissional - direção social e política - e dos princípios que orientam o projeto de formação profissional das diretrizes curriculares da ABEPSS, é necessário apresentar alguns desafios enfrentados pela formação em Serviço Social, dadas as transformações contemporâneas do capital e suas consequências para a educação superior na realidade brasileira. Cabe ressaltar que muitos dos desafios não são exclusivos do Serviço Social, mas considerando o perfil profissional defendido pela categoria da profissão, afirmado pelo conjunto das entidades representativas, esses desafios se amplificam quando comparados a outros perfis profissionais.

Como apontado anteriormente, vivenciamos as consequências da expansão de cursos de Serviço Social, da qual o estado do Tocantins não está isolado, pois apresenta a maioria da oferta de suas vagas em instituições de ensino privado e na modalidade de EaD.3 3 É fundamental lembrar que havia mais dois cursos de Serviço Social presenciais em instituições privadas na cidade de Palmas, mas que fecharam devido à reduzida entrada de alunos. Muitas dessas instituições são faculdades isoladas, sem a obrigatoriedade de implementação de pesquisa e de extensão, cuja ênfase se encontra na dimensão do ensino, além da fragilidade e/ou não participação do movimento estudantil.

Além disso, a maioria dos projetos pedagógicos dessas instituições não se orienta pelas diretrizes curriculares da ABEPSS. Consequentemente, de acordo com Pereira (2012PEREIRA, L. D. Expansão dos cursos de Serviço Social na modalidade de EAD no Brasil: análise da tendência à desqualificação profissional. In: PEREIRA, L. D.; ALMEIDA, N. L. T. de (org.). Serviço Social e educação. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012., p. 59), há um movimento de descaracterização do perfil profissional defendido pela categoria:

[...] ou seja, aquele perfil - um profissional competente em sua tríplice dimensão (ético-política, teórico-metodológica e técnico-interventiva); capaz de não somente compreender a realidade, mas com um arcabouço teórico-crítico questioná-la e delinear estratégias de ação profissional que afirmem os direitos sociais de cidadania em uma época de aprofundamento da barbárie social - torna-se radicalmente ameaçado, dadas as condições concretas de formação.

Ainda como desafios à expansão da formação profissional em Serviço Social, há a precarização das condições de trabalho docente, uma vez que ela está inserida em relações de trabalho frágeis, com elevadas cargas horárias em sala de aula e sem autonomia político-pedagógica. Igualmente, há uma mudança no perfil de estudantes de Serviço Social, com a presença do estudante-trabalhador que ingressou no ensino superior através das cotas sociais e raciais ou pelas bolsas do Programa Universidade para Todos (ProUni), demandando estratégias de permanência pelas políticas de assistência estudantil (Iamamoto, 2014IAMAMOTO, M. V. A formação acadêmico-profissional no Serviço Social brasileiro. Serviço Social & Sociedade, São Paulo: Cortez, n. 120, p. 609-639, out./dez. 2014.).

Consideramos este último desafio não menos importante que os demais, pelo entendimento de que essa inserção gera várias contradições ao ensino superior e à formação profissional em Serviço Social, sobretudo, quando analisamos a realidade do Tocantins, atravessada por profundas desigualdades no acesso a esse ensino público, especialmente no que diz respeito ao acesso e à permanência de povos indígenas e quilombolas.

É importante lembrar que uma grande parcela desses estudantes é advinda das classes populares. Eles somente conseguiram ingressar no ensino superior através da política de educação superior configurada nos últimos anos, movida pelo sentimento de ascensão social, mas enfrentando dificuldades de permanência pela inexistência ou insuficiência de políticas de assistência estudantil. Trata-se de estarem inseridos em uma política balizada pelo binômio expansão-precarização.

Há outros desafios, como: a produção de pesquisa como elemento transversal à formação profissional que está inserida em condições adversas, com a redução de investimentos e com cortes de custeio nas instituições públicas; há a falta de fomento de projetos e atividades de extensão que estimulem a articulação da universidade com as reais demandas da classe trabalhadora, como as que ocorrem com os movimentos sociais; e a ausência de vivência de organização política estudantil, principalmente na modalidade de EaD, pois entendemos que os espaços de organização estudantil contribuem também para a formação profissional em Serviço Social.

Lembramos que a concepção de “pedagogia da alternância”, que fundamenta os cursos vinculados ao Pronera, é distinta do conceito de formação de cursos da modalidade EaD. A primeira compreende a educação como direito social e está articulada às particularidades do campo. Já para os cursos de modalidade EaD, a educação é um serviço a ser mercantilizado e que se torna um mercado altamente lucrativo para os empresários da educação. Sobre a metodologia da alternância do Pronera, Dal Moro (2013DAL MORO, M. Formação profissional em Serviço Social para assentados da reforma agrária: o regime da alternância em questão. In: JORNADA INTERNACIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS, 6., 2013, São Luís. Anais [...]. São Luís: UFMA, 2013., p. 6) afirma:

Essa estratégia metodológica distingue-se radicalmente dos cursos a distância. No decorrer do tempo escola os estudantes frequentam o curso e cumprem uma carga horária integral das disciplinas e realizam outras atividades acadêmicas relacionadas à pesquisa e extensão, garantindo com isso a inserção acadêmica desses estudantes. O tempo comunidade considerado fundamental para o aprendizado torna-se um momento de complementação e aprofundamento dos conteúdos repassados no tempo escola.

Dal Moro (2013DAL MORO, M. Formação profissional em Serviço Social para assentados da reforma agrária: o regime da alternância em questão. In: JORNADA INTERNACIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS, 6., 2013, São Luís. Anais [...]. São Luís: UFMA, 2013.) afirma ainda que a concepção metodológica da “pedagogia da alternância” implica mudanças no conceito de formação profissional em Serviço Social, sobretudo voltada para os trabalhadores do campo. Assim, é necessário fomentar debates, pesquisas e experiências no interior da categoria profissional sobre a formação profissional em Serviço Social e as possibilidades de articulação com a educação do campo. Na perspectiva de contribuir com esse tema, apresentaremos a experiência e os desafios da implementação do curso do Serviço Social UFT/Pronera/Incra, a seguir.

2. Serviço Social pelo Pronera: a experiência da Universidade do Tocantins

No curso de Serviço Social da Universidade Federal do Tocantins, foi criado um Projeto de Extensão4 4 No ano em que essa ação foi realizada, o Projeto de Extensão foi intitulado “Assessoria para as Organizações Sociais: uma contribuição para o fortalecimento da participação da sociedade nas transformações societárias”. Todavia, seu título e sua configuração foram se adaptando aos objetivos. Atualmente, o projeto que preserva o mesmo objeto de ação, de contribuir com o fortalecimento dos movimentos sociais, se transformou no “Programa SER & LUTAS: Serviço Social, educação popular e lutas de classe no campo e na cidade”. que tinha como objetivo realizar apoio aos movimentos sociais, no qual, em todos os semestres letivos, eram realizados seminários no campus universitário de Miracema, em conjunto com a disciplina “Movimentos Sociais e Serviço Social”, com o intuito de apresentar para a universidade os movimentos sociais, a fim de discutirem suas lutas, pautas, seus projetos políticos e suas formas de organização. Portanto, trata-se de um momento muito especial de interlocução entre os movimentos sociais e a universidade.

Na ocasião de realização do seminário no ano de 2015, contamos com a participação dos movimentos sociais do campo e da cidade, com a presença do Movimento Nacional de Luta por Moradia (MNLM) e do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Foi nessa ocasião que recebemos a solicitação do MST para a criação do curso de Serviço Social para trabalhadores rurais pelo Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera).

A partir desse momento, iniciamos uma aguerrida e longa militância para materializarmos o atendimento ao pleito do MST. Para tanto, participamos da Jornada Internacional de Políticas Públicas (Joinpp, em 2015), em que procuramos professores da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) com experiência na educação do campo em busca de apoio. Na época, fomos encaminhados para participar da mesa coordenada sobre o curso de Serviço Social/Pronera da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Universidade Estadual do Ceará (Uece), tendo em vista que essas duas universidades já tinham turmas em andamento. Na ocasião, recebemos toda a assessoria necessária para a criação do curso.

Ainda na Joinpp de 2015, participamos de uma reunião da ABEPSS, quando discutimos sobre a importância de fortalecer a educação do campo, especialmente em relação à necessidade de ofertarmos mais cursos de graduação em Serviço Social pelo Pronera, na perspectiva de fomentar uma formação profissional mais próxima dos movimentos sociais. Na sequência, continuamos em pleno processo de articulação com o MST, com o Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB), com o Incra e com a UFT. Essa foi uma árdua tarefa entre articulação política e pedagógica da construção da proposta de criação do curso.

Em 2015, o MST montou um acampamento5 5 Esse acampamento teve diversas reivindicações, como a oferta de educação do campo e a regularização de territórios para os trabalhadores camponeses. em frente ao Incra do Tocantins para reivindicar o curso de Serviço Social no estado. Acompanhados por uma mística6 6 No processo de luta e organização do MST, é parte da prática cotidiana do movimento realizar as místicas, que são atividades de cunho político, lúdico e cultural, para demonstrar suas pautas de lutas. Os Sem Terrinhas são filhos dos militantes do movimento que reproduzem lindamente a luta política de seus pais. Esse foi o momento mais emocionante da entrega do projeto. produzida pelos Sem Terrinhas, entregamos a proposta do curso ao órgão e recebemos o comprometimento da equipe técnica do Incra em dar apoio aos trâmites para a criação do curso, que foi aprovado no final do mesmo ano.

Entre 2015 e 2019, período de tramitação da criação do curso, foram registradas algumas dificuldades. Em 2016, ocorreu um movimento de grande conservadorismo, chamado institucionalmente de impeachment, que foi um marco na inflexão no campo dos direitos e políticas sociais vinculadas às demandas sociais e populares. No entanto, os movimentos sociais ligados às pautas da classe trabalhadora o classificaram como golpe, pois esse movimento foi responsável pela retirada da presidenta Dilma Rousseff de seu cargo, eleita democraticamente pelo voto direto, e a consequência disso foi a subida ao poder de seu vice-presidente, Michel Temer, que já iniciou seu governo aprovando a Emenda Constitucional n. 95/2016, estabelecendo um teto de gastos públicos nas políticas sociais por 20 anos. Nesse processo, teve início a mais dura política de ajuste fiscal que impactou diretamente os investimentos das políticas sociais, dentre elas, as políticas de educação do campo.

Foi nesse contexto de avanço do movimento e do pensamento conservador impresso nas conjunturas internacional e nacional, no Brasil, especificamente mais evidente após o Golpe de 2016, no qual se encontravam as movimentações coletivas pela criação do curso de Serviço Social pelo Pronera, na UFT: tratava-se de um cenário adverso às pautas coletivas. No período de eleições presidenciais de 2018, a sociedade elegeu um governo da extrema-direita que defende o aprofundamento do neoliberalismo e o ultraconservadorismo como prática política, econômica e social, sintetizado no governo Bolsonaro.

Todavia, ainda com tantas “pedras no meio do caminho”, a partir de outubro de 2019, iniciamos efetivamente o curso de Serviço Social, com 37 acadêmicos matriculados, oriundos do Pará, do Maranhão e, de forma majoritária, do Tocantins. Os dados foram retirados do Relatório de Prestação de ContasBRASIL. Relatório técnico da execução física do ano de 2019. Palmas: Instituto Nacional de Colonização da Reforma Agrária (Incra) do Tocantins, 2019. 24 f. entregue ao Incra.

Os resultados dessa pesquisa revelaram que 50% dos ingressantes no curso de Serviço Social eram formados por mulheres e 50% por homens. Quanto à pertença étnico-racial, 93% se identificaram como negros, considerando pretos e pardos. Somente 4% se identificaram como brancos e 3% como amarelos. Esse dado evidencia como a questão étnico-racial ocupa lugar relevante no Tocantins e região. Quanto à faixa etária, 50% dos estudantes têm entre 18 e 24 anos, 33% têm acima de 31 anos, e 17% têm entre 25 a 31 anos. Trata-se de uma turma com presença significativa de jovens, e é com este perfil de estudantes que o curso de Serviço Social pelo Pronera na UFT iniciou no segundo semestre de 2019.

Esse período foi de muitos desafios para a garantia de que o curso iniciasse. Havia diversas incertezas, insuficiência orçamentária, trabalho burocratizado e exaustivo, pois a concretização desse projeto dependia de recursos orçamentários suficientes. Como exemplo disso, temos o caso da necessidade de abrirmos um edital para a contratação de duas cozinheiras. A montagem da cozinha, que tinha um orçamento reduzido, nos obrigou a realizar uma campanha de doação e empréstimo de utensílios, fogões e geladeiras.

Como o projeto necessita abrigar os estudantes durante o tempo em que estão estudando, foram alugadas três casas. Contudo, elas precisavam ser mobiliadas e, para tanto, foi realizada outra campanha para a compra dos móveis. Além disso, convidamos seis professores para ofertar as seis disciplinas do primeiro período, conforme o PPC de Serviço Social/Pronera (UFT, 2018UNIVERSIDADE FEDERAL DO TOCANTINS. Projeto Pedagógico do Curso (PPC) de Graduação em Serviço Social, turma especial única (Convênio MDA/Incra/Pronera-UFT). Campus de Miracema, Resolução n. 43, de 29 de agosto de 2018. Tocantins: UFT, 2018.). É importante destacar que esse PPC tem articulação direta com os princípios e os pressupostos da formação profissional expressos nas diretrizes curriculares da ABEPSS (1996ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENSINO E PESQUISA EM SERVIÇO SOCIAL. Diretrizes gerais para o curso de Serviço Social. Rio de Janeiro: ABEPSS, 1996. Disponível em: Disponível em: http://www.cressrs.org.br/docs/Lei_de_Diretrizes_Curriculares.pdf . Acesso em: 31 out. 2014.
http://www.cressrs.org.br/docs/Lei_de_Di...
). Em alguns aspectos, o PPC avançou em considerar algumas particularidades regionais e o perfil da turma.

A matriz curricular do curso de Serviço Social oferece as seguintes disciplinas: Formação Social, Econômica e Política da Amazônia; Gênero, Etnia e Classe Social; Tópicos em Educação, Habitação e Cultura; e Questão Agrária no Brasil (UFT, 2018UNIVERSIDADE FEDERAL DO TOCANTINS. Projeto Pedagógico do Curso (PPC) de Graduação em Serviço Social, turma especial única (Convênio MDA/Incra/Pronera-UFT). Campus de Miracema, Resolução n. 43, de 29 de agosto de 2018. Tocantins: UFT, 2018.). Além disso, a matriz curricular garante disciplinas que oportunizam debates sobre os fundamentos do Serviço Social, trabalho, ética, política social, estágio supervisionado, pesquisa, instrumentalidade e questão social, na direção defendida pelas entidades do Serviço Social brasileiro.

O curso de Serviço Social da UFT é realizado a partir da “pedagogia da alternância”, o que confere uma organização diferente das graduações regulares, uma vez que os acadêmicos7 7 Foi realizado um edital de vestibular específico para o curso de Serviço Social/Pronera, constando os critérios do Programa para o ingresso no curso. precisam se deslocar dos 11 territórios em que residem para morar em Miracema (TO), onde fica localizado seu campus. Em cada semestre, são ofertadas de cinco a seis disciplinas, do 1º ao 8º períodos. Os alunos ficam em torno de 45 dias estudando o conteúdo programático na universidade, o que representa 70% do tempo-universidade. Os outros 30% do tempo-comunidade são destinados à realização de atividades de campo, in loco, na comunidade de residência dos alunos, com o acompanhamento de seus tutores e com encontros periódicos para sanar as dúvidas referentes às questões pedagógicas. Esse é o período de Estágio, na prática.

Conforme o Relatório do Programa de 2023BRASIL. Relatório técnico da execução física do ano de 2023. Palmas: Instituto Nacional de Colonização da Reforma Agrária (Incra) do Tocantins., 2023. 20 f., foi realizada visita de acompanhamento político-pedagógico em cada um dos 11 territórios, onde foi possível conhecer de perto cada realidade desses estudantes. Nesse relatório, pôde-se verificar a riqueza de diversidade em relação ao campo e no que diz respeito a diferentes realidades em que vivem esses alunos. Nessas visitas, foi possível também fazer um acompanhamento nos campos de Estágio,8 8 A UFT fez convênios com todas as entidades dos 11 territórios, onde os alunos decidiram realizar o Estágio. Esse processo contou com o apoio dos próprios estudantes e dos professores. Quatro estudantes do Maranhão receberam apoio muito especial da Profa. Dra. Zaira Sabry Azar, da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), que organizou eventos com as assistentes sociais das instituições de ensino para ir pessoalmente apresentar o curso para esses profissionais de cada campo de Estágio. pois os estudantes realizam estágio em seus territórios.

No período em que os alunos estão na universidade, são realizadas reuniões semanais com um processo de organicidade que contribui com a melhoria do ambiente de estudo e convivência. Essas reuniões contam com a participação da coordenação geral e pedagógica, com o movimento social e representantes dos estudantes que compõem os Núcleos de Base (NBs), os quais estão subdivididos em comissões de saúde, de comunicação e de memória. Também foi organizada uma Comissão Político-Pedagógica (CPP), com o auxílio do MST, formada por professores, discentes e movimento social, para realizar o acompanhamento periódico do curso.

Então, para darmos início ao curso de Serviço Social, foi planejado o I Seminário de Abertura, que teve um tom político, com a presença de lideranças do MST à mesa e com a proposta de discutir as problemáticas do ensino superior brasileiro. No momento em que o convite e a programação chegaram ao Incra Nacional, fomos surpreendidos com um expediente do então Secretário Nacional de Educação dessa instituição, informando que não coadunava com atividades em que o MST se encontrasse presente. Nesse expediente, esse órgão solicitava a devolução do orçamento e o fim do curso, caso não houvesse a mudança do formato do seminário. Entretanto, a militância e a organização coletiva foram mais fortes e o curso vem se materializando desde então. Isso evidencia o perfil autoritário do governo que vigorou de 2019 até 2022.

Todavia, de acordo com Silva (2019SILVA, M. J. A. da. A cidade de Palmas a partir da teoria marxista sobre a renda da terra urbana. 2019. 204 f. (Tese de Doutorado) - Programa de Pós-graduação em Política Social, Universidade de Brasília, Brasília, 2019., p. 19), “frações da classe trabalhadora se organizam em movimentos sociais e se expressam através de lutas, provocando, em algumas situações, determinados ganhos sociais, que podem ser considerados como ‘momentos de furo’”. Nesse sentido, podemos considerar que, mesmo diante de uma conjuntura de avanço das forças conservadoras por meio da extrema-direita durante o governo Bolsonaro, o curso gestado pelos militantes do MST e sujeitos coletivos da UFT foi implantado e se encontra em funcionamento desde 2019, ainda que com vários desafios.

No período de 2019 a 2022, sob o comando do bolsonarismo, toda e qualquer luta de organizações políticas da classe trabalhadora tiveram grandes desafios, e qualquer vitória, ainda que pequena, precisava ser reconhecida. Para Silva (2019SILVA, M. J. A. da. A cidade de Palmas a partir da teoria marxista sobre a renda da terra urbana. 2019. 204 f. (Tese de Doutorado) - Programa de Pós-graduação em Política Social, Universidade de Brasília, Brasília, 2019., p. 167),

[...] [os] movimentos sociais são organizados por trabalhadores, inseridos em determinados contextos societários, considerando que essas manifestações ocorrem a partir das condições reais da sociedade. Nesse processo, é pertinente considerar as mediações em ocorrência na totalidade concreta da sociedade burguesa, [...]Vale considerar que é a consciência de classe trabalhadora que dá conta de produzir as lutas capazes de produzir resultados positivos no processo das contradições postas na sociabilidade capitalista, porém esse é um processo complexo que perpassa pela defesa da emancipação humana.

Essa citação demonstra que discutir lutas políticas dos movimentos sociais é algo complexo, pois devem estar situadas em um contexto de capitalismo, aprofundado pelo ultraconservadorismo da classe dominante, em tempos de reacionarismo e de retrocessos das pautas libertárias. Faz-se necessário reconhecer que existem diversas organizações coletivas, cujas pautas podem ser reacionárias, conservadoras ou revolucionárias, sendo estas últimas emancipatórias. Porém, o projeto ético-político do Serviço Social e seu projeto de formação profissional articulam-se às pautas e às necessidades da classe trabalhadora e a suas organizações e lutas sociais.

Após o Golpe de 2016 e, principalmente, com o governo Bolsonaro, a extrema-direita implementou um projeto assentado no ajuste fiscal e no retrocesso no campo dos direitos humanos e das políticas, impactando a classe trabalhadora do campo e da cidade. Foi nesse contexto que as reações e as lutas sociais estiveram presentes e, apesar dos percalços, consideramos que foi uma vitória a conquista da implantação do curso de Serviço Social/Pronera na UFT, ou seja, uma resistência coletiva em tempos difíceis.

Considerações finais

Para a implantação de um curso no ensino superior com o apoio do orçamento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), para a formação superior, é um desafio sem precedentes em tempos de redução de financiamento e ainda mais agressiva na área de políticas sociais. Portanto, consideramos de extrema relevância a largada inicial do curso de Serviço Social junto ao Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera) em 2019.

Eis o desafio atual de já haver acadêmicos matriculados e de que isso se trata de um direito adquirido. Teremos que enveredar esforços, no sentido de que todos possam finalizar o curso que forma profissionais do Serviço Social. Esse curso do Pronera, na UFT, tem um importante impacto no interior do Brasil, especialmente no estado do Tocantins, onde há a predominância de estudantes que apresentam peculiaridades diferentes das do restante do país. As cidades que possuem população de até 20 mil habitantes correspondem a 92,8% do total de municípios e abrigam 51% da população, no que se refere ao índice da população rural dos municípios com até 20 mil habitantes. A soma dessa população atinge a marca de 35,04% (PCC de Serviço Social - UFT, 2018UNIVERSIDADE FEDERAL DO TOCANTINS. Projeto Pedagógico do Curso (PPC) de Graduação em Serviço Social, turma especial única (Convênio MDA/Incra/Pronera-UFT). Campus de Miracema, Resolução n. 43, de 29 de agosto de 2018. Tocantins: UFT, 2018.).

Vale ainda destacar que essa experiência é resultado de uma luta coletiva entre a população que reivindica terra, alunos e professores de Serviço Social, em âmbito local e nacional, o que confere uma grande importância, inclusive por se tratar da primeira graduação pelo Pronera para a classe trabalhadora camponesa no estado do Tocantins. Essa experiência abre caminho para muitas outras em diversas áreas do conhecimento.

Importante mencionar a relevância de profissionais egressos desse curso, pois eles poderão contribuir com a criação de políticas públicas e sociais de seus municípios, bem como na assessoria e na consultoria a movimentos sociais, na perspectiva da garantia dos direitos e defesa dos direitos humanos.

Finalizamos destacando que a experiência desse curso de Serviço Social oportuniza aos jovens trabalhadores do campo acesso a uma perspectiva de formação profissional diferenciada e alinhada a diretrizes e perspectivas de formação profissional construídas pelas entidades do Serviço Social brasileiro, pautado nas defesas do Código de Ética de 1993 da profissão, que defende como princípios: “ampliação e consolidação da cidadania, considerada tarefa primordial de toda sociedade, com vistas à garantia dos direitos civis sociais e políticos das classes trabalhadoras” (Brasil, 2012BRASIL. Código de Ética do/a assistente social. Lei n. 8.662/93 de regulamentação da profissão. 10. ed. Brasília: Conselho Federal de Serviço Social, 2012., p. 23). Além disso, o curso se mostra como uma alternativa real e concreta contra a perspectiva mercantil da formação profissional, cuja própria existência é um ato de resistência e luta dos sujeitos, em defesa da educação pública, gratuita, laica, de qualidade e socialmente referenciada.

Referências

  • ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENSINO E PESQUISA EM SERVIÇO SOCIAL. Diretrizes gerais para o curso de Serviço Social Rio de Janeiro: ABEPSS, 1996. Disponível em: Disponível em: http://www.cressrs.org.br/docs/Lei_de_Diretrizes_Curriculares.pdf Acesso em: 31 out. 2014.
    » http://www.cressrs.org.br/docs/Lei_de_Diretrizes_Curriculares.pdf
  • BRASIL. Código de Ética do/a assistente social Lei n. 8.662/93 de regulamentação da profissão. 10. ed. Brasília: Conselho Federal de Serviço Social, 2012.
  • BRASIL. Relatório técnico da execução física do ano de 2019 Palmas: Instituto Nacional de Colonização da Reforma Agrária (Incra) do Tocantins, 2019. 24 f.
  • BRASIL. Relatório técnico da execução física do ano de 2023 Palmas: Instituto Nacional de Colonização da Reforma Agrária (Incra) do Tocantins., 2023. 20 f.
  • DAL MORO, M. Formação profissional em Serviço Social para assentados da reforma agrária: o regime da alternância em questão. In: JORNADA INTERNACIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS, 6., 2013, São Luís. Anais [...]. São Luís: UFMA, 2013.
  • IAMAMOTO, M. V. A formação acadêmico-profissional no Serviço Social brasileiro. Serviço Social & Sociedade, São Paulo: Cortez, n. 120, p. 609-639, out./dez. 2014.
  • IAMAMOTO, M. V. O Serviço Social na contemporaneidade: trabalho e formação profissional. 20. ed. São Paulo: Cortez, 2011a.
  • IAMAMOTO, M. V. Renovação e conservadorismo no Serviço Social: ensaios críticos. 11. ed. São Paulo: Cortez, 2011b.
  • NETTO, J. P. Ditadura e Serviço Social: uma análise do Serviço Social no Brasil pós-64. 16. ed. São Paulo: Cortez, 2011.
  • ORTIZ, F. G. Notas sobre as Diretrizes Curriculares: avanços, impasses e desafios. In: GUERRA, Y.; LEITE, J. L.; ORTIZ, F. G. Temas contemporâneos: o Serviço Social em foco. São Paulo: Outras Expressões, 2013.
  • PEREIRA, L. D. Expansão dos cursos de Serviço Social na modalidade de EAD no Brasil: análise da tendência à desqualificação profissional. In: PEREIRA, L. D.; ALMEIDA, N. L. T. de (org.). Serviço Social e educação Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012.
  • SILVA, M. J. A. da. A cidade de Palmas a partir da teoria marxista sobre a renda da terra urbana 2019. 204 f. (Tese de Doutorado) - Programa de Pós-graduação em Política Social, Universidade de Brasília, Brasília, 2019.
  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO TOCANTINS. Projeto Pedagógico do Curso (PPC) de Graduação em Serviço Social, turma especial única (Convênio MDA/Incra/Pronera-UFT) Campus de Miracema, Resolução n. 43, de 29 de agosto de 2018. Tocantins: UFT, 2018.
  • 1
    O Pronera é um programa da reforma agrária que financia a educação formal para os trabalhadores do campo, das águas e das florestas. O curso de graduação em Serviço Social da UFT ocorre em parceria com o Incra, com uma metodologia diferente e com orçamento específico, para possibilitar o ingresso desse público desde a alfabetização até a pós-graduação.
  • 2
    Esse ano foi o primeiro do governo Bolsonaro, de 1º de janeiro de 2019 a 31 de dezembro de 2022. Esse foi um período marcado por um grande retrocesso nas pautas progressistas, tendo em vista que se tratava de um governo extremamente conservador.
  • 3
    É fundamental lembrar que havia mais dois cursos de Serviço Social presenciais em instituições privadas na cidade de Palmas, mas que fecharam devido à reduzida entrada de alunos.
  • 4
    No ano em que essa ação foi realizada, o Projeto de Extensão foi intitulado “Assessoria para as Organizações Sociais: uma contribuição para o fortalecimento da participação da sociedade nas transformações societárias”. Todavia, seu título e sua configuração foram se adaptando aos objetivos. Atualmente, o projeto que preserva o mesmo objeto de ação, de contribuir com o fortalecimento dos movimentos sociais, se transformou no “Programa SER & LUTAS: Serviço Social, educação popular e lutas de classe no campo e na cidade”.
  • 5
    Esse acampamento teve diversas reivindicações, como a oferta de educação do campo e a regularização de territórios para os trabalhadores camponeses.
  • 6
    No processo de luta e organização do MST, é parte da prática cotidiana do movimento realizar as místicas, que são atividades de cunho político, lúdico e cultural, para demonstrar suas pautas de lutas. Os Sem Terrinhas são filhos dos militantes do movimento que reproduzem lindamente a luta política de seus pais. Esse foi o momento mais emocionante da entrega do projeto.
  • 7
    Foi realizado um edital de vestibular específico para o curso de Serviço Social/Pronera, constando os critérios do Programa para o ingresso no curso.
  • 8
    A UFT fez convênios com todas as entidades dos 11 territórios, onde os alunos decidiram realizar o Estágio. Esse processo contou com o apoio dos próprios estudantes e dos professores. Quatro estudantes do Maranhão receberam apoio muito especial da Profa. Dra. Zaira Sabry Azar, da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), que organizou eventos com as assistentes sociais das instituições de ensino para ir pessoalmente apresentar o curso para esses profissionais de cada campo de Estágio.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    26 Jun 2024
  • Aceito
    25 Jul 2024
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