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Assistência técnica em Serviço Social: caracterização jurídica e particularidades profissionais

Technical assistance in Social Work: legal characterization and professional particularities

Resumo:

Com base no Pensamento Complexo, este trabalho pretende apresentar aspectos da assistência técnica em Serviço Social, tendo por disparadores reflexivos a base normativa dessa atividade, seus dilemas e conformações atuais. Fundamentada na experiência profissional do autor, por meio deste estudo qualitativo básico, esperamos contribuir para a expansão e o estímulo à exploração de reflexões que favoreçam o qualificado trabalho profissional neste segmento.

Palavras-chave:
Assistência técnica; Assistente social; Serviço Social

Abstract:

Based on Complex Thinking, this work intends to present aspects of technical assistance in Social Work, having as reflexive triggers the normative basis of this activity, its dilemmas and current conformations. Based on the author’s professional experience, through this basic qualitative study, we hope to contribute to the expansion and stimulate the exploration of reflections that favor qualified professional work in this segment.

Keywords:
Technical assistance; Social worker; Social Work

Introdução

A assistência técnica, como processo de trabalho adjacente ao contexto das perícias judiciais, tem fundamento jurídico previsto no Código de Processo Civil (CPC) brasileiro, e dialoga com o princípio do direito ao contraditório e à ampla defesa às partes envolvidas em contendas judiciais.

Na particularidade do Serviço Social, a assistência técnica é constantemente aplicada em processos judiciais relativos a disputas de guarda, ao regime de convivência entre pais e filhos, assim como a processos de interdição de pessoas idosas ou com deficiência.

No processo de trabalho, a assistência técnica pressupõe procedimentos e exprime características sobre as quais a produção teórica em Serviço Social ainda não foi capaz de se aprofundar, razão que nos motiva a desenvolver este trabalho, de modo a contribuir para que reflexões em torno do tema sejam publicizadas. Igualmente, o tema exprime ambiguidades e dilemas, questão sobre a qual pretendemos cogitar.

Não há a ambição, por meio deste trabalho, em oferecer qualquer espécie de manual, “receita” ou diretriz ao desenvolvimento de atividades no âmbito da assistência técnica em Serviço Social. Trata-se, no entanto, de uma pretensa contribuição, de modo a introduzir a discussão em torno dessa atividade, haja vista nossa percepção da ampliação da inserção profissional, em cenário recente.

Para tanto, o fio condutor de nossas ponderações é o Pensamento Complexo, de Edgar Morin (2015MORIN, E. Introdução ao pensamento complexo. 5. ed. Tradução: Elaine Lisboa. Porto Alegre: Sulina, 2015., p. 102), que, ao descrever sua proposta epistemológica, anuncia:

[...] que a complexidade, para mim, é o desafio, não a resposta. Estou em busca de uma possibilidade de pensar através da complicação (ou seja, as infinitas inter-retroações), através das incertezas e através das contradições. Eu absolutamente não me reconheço, quando se diz que situo antinomia entre a simplicidade absoluta e a complexidade perfeita. Porque para mim, primeiramente, a ideia de complexidade comporta a imperfeição, já que ela comporta a incerteza e o reconhecimento do irredutível.

O presente trabalho expressa a partilha de nossa atuação na assistência técnica em Serviço Social, tendo por estratégia metodológica o Estudo Qualitativo Básico que, para Merriam e Tidsell (2016MERRIAM, S. B.; TIDSELL, E. J. Qualitative research: a guide to design and implementation. São Francisco: Jossey-Bass, 2016., p. 24, tradução livre),1 1 “Here the researcher is interested in understanding the meaning a phenomenon has for those involved. Meaning, however, ‘is not discovered but constructed. Meaning does not inhere in the object, merely waiting for someone to come upon it. Meanings are constructed by human beings as they engage with the world they are interpreting’ (Crotty, 1998, p. 42-43). Thus, qualitative researchers conducting a basic qualitative study would be interested in (1) how people interpret their experiences, (2) how they construct their worlds, and (3) what meaning they attribute to their experiences. The overall purpose is to understand how people make sense of their lives and their experiences.” preocupa-se em “compreender o significado de um fenômeno aos seus envolvidos”. Por isso, as discussões ora propostas serão mediatizadas pela expressão das percepções oriundas de nossa experiência e, igualmente, pela observação da realidade que ocupamos. Dialogaremos com outras produções teóricas, bem como com elementos jurídicos que colaborem para a ampliação das discussões, considerando o já referido desafio frente às parcas produções pregressas em torno do tema.

1. A assistência técnica em processos judiciais e as particularidades de sua realização em Serviço Social

Como manifestação concreta do princípio de direito ao contraditório e ampla defesa, a assistência técnica é afiançada pelo CPC (Lei n. 13.105/2015), que, ao abordar a questão da prova pericial, orienta, em seu artigo 465, § 1°, que “incumbe às partes, dentro de 15 (quinze) dias contados da intimação do despacho de nomeação do perito, indicar assistentes técnicos” (Brasil, 2015BRASIL. Código de Processo Civil. Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 17 mar. 2015.).

Sempre que necessário à melhor compreensão da lide, o juízo determinará a realização de perícias judiciais. Essas são realizadas de modo a oferecer ao julgador o conjunto de elementos que melhor o instrumentalizem à apurada compreensão dos fatos declarados pelas partes, oportunizando que a decisão apresentada responda da melhor forma às necessidades das partes. Assevera Fávero (2009FÁVERO, E. T. Instruções sociais de processos, sentenças e decisões. In: CFESS/ABEPSS (org.). Serviço Social: direitos sociais e competências profissionais. Brasília: CFESS/ABEPSS, 2009. p. 609-636., p. 611) que o “ato de julgar, de decidir, no âmbito jurisdicional, deve basear-se em fundamentação (dada pelas provas) que possibilite a aplicação da justiça”.

Na particularidade do Serviço Social, “as esferas judiciais que mais comumente recorrem aos conhecimentos acumulados pelo Serviço Social são a Infância e Juventude, a Família e a Criminal” (Fávero, 2009FÁVERO, E. T. Instruções sociais de processos, sentenças e decisões. In: CFESS/ABEPSS (org.). Serviço Social: direitos sociais e competências profissionais. Brasília: CFESS/ABEPSS, 2009. p. 609-636., p. 611), motivo pelo qual, igualmente, serão mais habitualmente requeridos assistentes técnicos atuantes nestas searas. Isso porque, conforme orienta o Conselho Federal de Serviço Social (CFESS), na Resolução n. 559/2009, artigo 2º:

O objeto da perícia deverá ser o mesmo para perito e assistente técnico, que deverão possuir a mesma habilitação profissional, na hipótese de se manifestarem sobre matéria de Serviço Social, atribuição privativa do profissional habilitado nos termos das disposições do artigo 5º da Lei 8.662/93 (CFESS, 2009CFESS. Resolução n. 559, de 16 de setembro de 2009. Dispõe sobre a atuação do assistente social, inclusive na qualidade de perito judicial ou assistente técnico, quando convocado a prestar depoimento como testemunha, pela autoridade competente. Brasília, 2009. Disponível em: Disponível em: http://www.cfess.org.br/arquivos/Resolucao_559-09.pdf . Acesso em: 23 maio 2024.
http://www.cfess.org.br/arquivos/Resoluc...
, p. 2, grifos nossos).

Asseveram Gois e Oliveira (2019GOIS, D. A.; OLIVEIRA, R. C. S. Serviço Social e justiça de família: demandas contemporâneas do exercício profissional. São Paulo: Cortez, 2019., p. 58) que, “embora seja evidente que o assistente técnico deva ser da mesma profissão que o perito judicial, já que emitirá seu parecer a respeito do trabalho pericial, nem sempre essa premissa era respeitada”, razão pela qual se fez necessária a publicação de resolução por parte do CFESS sobre o tema.

O assistente técnico (AT) é um profissional devidamente capacitado, contratado unilateralmente pelas partes envolvidas no processo (Pizzol, 2006PIZZOL, A. D. Estudo social ou perícia social? Um estudo teórico-prático na justiça catarinense. Florianópolis: Insular, 2006.), cuja atividade se realiza no assessoramento à parte contratante, apresentando quesitos (preliminares, complementares e de esclarecimento) a serem observados pelo perito judicial na condução do estudo técnico que realizará. Além disso, efetiva o acompanhamento dos procedimentos afetos à perícia, manifestando-se ao final do processo de avaliação pericial por meio de parecer técnico ao laudo apresentado pelo perito.

Segundo Gois e Oliveira (2019GOIS, D. A.; OLIVEIRA, R. C. S. Serviço Social e justiça de família: demandas contemporâneas do exercício profissional. São Paulo: Cortez, 2019., p. 56):

A atuação do assistente social como perito social e como assistente técnico está respaldada na Lei n. 8.662, de 7 de junho de 1993, que dispõe sobre a profissão de Assistente Social, em especial, no artigo 5°, que define as atribuições privativas do Assistente Social. Os dois profissionais respondem, igualmente, aos preceitos do Código de Ética do Assistente Social, de 13 de março de 1993. Também o CPC, Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015, trata dessa matéria no artigo 361, ao dispor sobre “Audiência de Instrução e Julgamento” e, nos artigos 464 a 480, ao dispor sobre “Prova Pericial”.

Muitas são as questões que circundam a atuação do assistente social como AT. Entre elas, destacamos as que nos parecem mais emblemáticas.

2. O problema da parcialidade

A existência de duas partes em controvérsia, e sendo o AT adstrito ao contexto sócio-histórico de seu contratante, a avaliação dos elementos socioculturais, políticos e econômicos (Fávero, 2009FÁVERO, E. T. Instruções sociais de processos, sentenças e decisões. In: CFESS/ABEPSS (org.). Serviço Social: direitos sociais e competências profissionais. Brasília: CFESS/ABEPSS, 2009. p. 609-636.) que constituem a avaliação em Serviço Social serão acessados de forma parcial. Isto é, o AT não acessará o conjunto de elementos da parte contrária, de modo a constituir as condições recursivas necessárias à análise dos fenômenos de forma ampliada.

Segundo Paula (2022PAULA, V. de. Abuso sexual intrafamiliar: particularidades da perícia social em Serviço Social nas varas da família e sucessões do Tribunal de Justiça de São Paulo. 2022. Tese (Doutorado em Serviço Social) - Programa de Estudos Pós-Graduados em Serviço Social, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2022., p. 65):

[...] o assistente técnico não somente é contratado pela parte, como, muitas vezes, atua em conjunto com escritórios de advocacia, o que pode potencializar o seu caráter de parcialidade, e fomentar entre os assistentes sociais e/ou psicólogos a mesma lógica do “ganha-perde” inerente à sociabilidade dos advogados [...].

Alguns assistentes sociais podem sentir-se constrangidos com esta questão, uma vez que sua atuação profissional como AT poderia confundir-se com a de um advogado; isto é, daquele que atua na defesa intransigente de interesses e posicionamentos de seu contratante, diante da troca de acusações que frequentemente são (re)produzidas nesses processos.

Diante disso, parece-nos importante ao assistente técnico - Serviço Social (ATSS) que esclareça ao contratante o seu papel profissional, definindo contratos verbais ou materiais, já ao início do processo de assistência técnica. Tal conduta pode ser uma alternativa para atenuar o sentimento de inadequação profissional, tanto quanto para alinhar as expectativas de seus interlocutores. Para isso, deve ficar claro ao ATSS que sua atuação deve privilegiar, fundamentalmente, os interesses da parte hipossuficiente nestes processos, seja ela uma criança, um adolescente, uma pessoa idosa ou portadora de deficiência.

Lembremos que os eixos norteadores para o trabalho profissional dos assistentes sociais encontram-se expressos no Código de Ética Profissional do Assistente Social, devendo-se:

[...] destacar aqueles relacionados à defesa intransigente dos direitos humanos, à ampliação e consolidação da cidadania, ao posicionamento em favor da equidade e da justiça social e à não-discriminação por questões de inserção de classe social, gênero, etnia, nacionalidade, religião, opção sexual, idade e condição física (Mioto, 2001MIOTO, R. C. T. Perícia social: proposta de um percurso operativo. Serviço Social & Sociedade, São Paulo: Cortez, n. 67, p. 145-158, 2001., p. 149).

O esclarecimento à parte contratante, a respeito de que a assistência técnica em Serviço Social terá por objeto o melhor interesse da criança, do adolescente, da pessoa idosa ou com deficiência, e que seu objetivo profissional será explorar, evidenciar e, eventualmente, orientar as capacidades protetivas da parte contratante em relação ao sujeito hipossuficiente, parece-nos fundamentalmente importante, pois, assim como nos processos de perícia judicial em Serviço Social, o assistente técnico deve “ter clareza quanto ao papel do assistente social nessa atribuição específica, o que exige delinear diretrizes ético-políticas, teórico-metodológicas e técnico-operativas para sua realização” (Gois; Oliveira, 2019GOIS, D. A.; OLIVEIRA, R. C. S. Serviço Social e justiça de família: demandas contemporâneas do exercício profissional. São Paulo: Cortez, 2019., p. 50).

Esclarecidos os limites e as possibilidades da ação profissional, nossa experiência indica que patrono e cliente compreendem, com clareza, as contribuições da assistência técnica em Serviço Social, não subordinando o ATSS aos interesses da narrativa processual. Entretanto, estes esclarecimentos não porão fim à tensão que pode, eventualmente, emergir em situações críticas. Diante disso, caberá ao ATSS oportunamente se posicionar, de modo a resguardar sua autonomia profissional.

É preciso demonstrar, no tempo miúdo do trabalho cotidiano (Yazbek, 2001), nas situações singulares com que o assistente social se defronta no exercício profissional - situações essas carregadas tanto de dimensões universais quanto particulares - a viabilidade da direção social impressa ao projeto do Serviço Social brasileiro: seu potencial renovador da profissão na afirmação dos direitos sociais dos cidadãos e cidadãs, na atenção e no respeito às suas necessidades e interesses que, por inúmeras mediações, se transmutam em demandas sociais e profissionais. E, com isto, avançar na legitimação da profissão na sociedade, na apropriação e ampliação dos espaços ocupacionais, reforçando a identidade do assistente social (Iamamoto, 2011IAMAMOTO, M. V. Serviço Social em tempo de capital fetiche: capital financeiro, trabalho e questão social. São Paulo: Cortez, 2011., p. 233, grifos da autora).

Observa-se, igualmente, que nem sempre a parte contratante é dotada das competências parentais/familiares adequadas ao melhor interesse de crianças, adolescentes e pessoas idosas ou com deficiência. Nestes casos, uma alternativa possível em nosso entendimento é a possibilidade de assessoramento à parte contratante, de modo a contribuir para que revisite seus pressupostos e conduta em torno da qualidade do exercício de sua parentalidade/parentesco.

A nosso ver, tal processo pode ser realizado pela mediação de discussões e orientações sociais em torno dos parâmetros considerados mais pertinentes ao exercício da parentalidade/parentesco. Os diálogos, na qualidade de estratégias de mediação, devem ter como fundamento o acúmulo científico concernente a cada contexto factual, sempre orientado à garantia e à efetivação dos direitos socioassistenciais de crianças, adolescentes e pessoas idosas ou com deficiência.

3. A metodologia de trabalho empregada na assistência técnica em Serviço Social

Nossa experiência, além da observação do trabalho desenvolvido por outros ATSS, indica que a metodologia de condução deste processo de trabalho possui variações, a depender do profissional que a realiza. “O Serviço Social não porta um único padrão de racionalidade” (Guerra, 1999GUERRA, Y. A instrumentalidade do Serviço Social. São Paulo: Cortez, 1999., p. 33), motivo pelo qual a instrumentalidade do processo, tal como o trabalho exercido por assistentes sociais em quaisquer áreas, é amoldada aos objetivos profissionais que se pretende alcançar.

Com a disseminação das tecnologias informacionais, novas estratégias passaram a compor os processos de trabalho exercidos por assistentes sociais. Observa-se grande adesão, entre os profissionais que exercem a assistência técnica, ao uso de ferramentas tecnológicas informacionais e de comunicação para a realização de atendimentos socioindividuais (Rodrigues; Valente; Paulino, 2016RODRIGUES, M. L.; VALENTE, M. T.; PAULINO, S. E. (ed.). Serviço Social e sua reconstrução técnico-operativa. São Paulo: Educ, 2016.). Os atendimentos remotos, mediados por diferentes plataformas (gratuitas e pagas), ampliam a possibilidade de compatibilização de agendas, ao mesmo tempo que aumentam as chances de atuação profissional em territórios diferentes daqueles em que se localiza o profissional, permitindo a desterritorialização do trabalho profissional.

Tanto quanto ao perito, ao ATSS é requerida uma profunda e consistente compreensão dos fatores que constituem a sociabilidade da parte contratante e dos demais sujeitos envolvidos. São esses elementos que, aprofundados em análise, se constituirão como dados a serem problematizados no encontro entre as observações do perito social e do ATSS. Entre tais elementos, o território em que se inserem os sujeitos detém relevante importância:

[...] observa-se a compreensão clara do território como resultado e produto de sujeitos que, em suas ações sociais, o produzem. Palavras como “vida”, “trocas”, “vínculos cotidianos”, “contradições e conflitos” realçam a dimensão processual presente nos processos de produção do território, ao mesmo tempo que sinalizam, também, a necessária apreensão destas dinâmicas no plano da análise (Nascimento; Melazzo, 2013NASCIMENTO, P. F.; MELAZZO, E. S. Território: conceito estratégico na assistência social. Serviço Social em Revista, v. 16, n. 1, p. 66-88, 2013. DOI: 10.5433/1679-4842.2013v16n1p66.
https://doi.org/10.5433/1679-4842.2013v1...
, p. 69).

Entretanto, a depender do objeto da ação judicial e das características do processo, o ATSS deve avaliar as implicações técnicas do trabalho remoto à prestação do serviço que realizará. Em muitos casos, o relato expresso pelo contratante em atendimentos remotos não atende à necessidade técnica de compreensão das situações, por diferentes fatores. Nessa ocasião, outras condutas técnicas podem ser necessárias, tais como entrevistas em domicílio, contatos institucionais e/ou colaterais, observação participante das relações familiares etc. Isto é, condutas técnicas que demandam presencialidade e inserção territorial.

No âmbito das estratégias metodológicas para a realização da assistência técnica, percebemos que, enquanto alguns ATSS privilegiam o atendimento remoto, outros atendem apenas presencialmente. Esta decisão, a nosso ver, muitas vezes, deve-se a barreiras encontradas pelos profissionais ao utilizarem as novas tecnologias. Outros ATSS, no entanto, mesclam ambas as estratégias, de modo a oferecer maior comodidade e desfrutar dela para o desenvolvimento de suas atividades profissionais.

No caso de atendimentos presenciais, observa-se também uma multiplicidade de estratégias. Enquanto alguns reservam espaço específico para a realização dos atendimentos, outros profissionais optam por realizá-los no domicílio da parte contratante. Diante disso, entendemos pertinente que o ATSS avalie em que medida essa conduta é viável e segura, já que, ao abordar temas complexos e sensíveis em torno do processo, crianças e adolescentes, especialmente, podem acessar informações sobre as quais precisariam ser resguardadas.

Principalmente em processos envolvendo crianças e adolescentes, a abordagem de temas sensíveis deve ser cautelosa, já que estes sujeitos precisam ser protegidos dos detalhes em que são envolvidos na lide processual. Avaliamos que, mesmo em relação a pessoas idosas, deve-se observar a abordagem de temas sensíveis em sua presença, avaliando em que medida o reconhecimento de detalhes pode contribuir para fortalecer ou fragilizar as relações familiares.

Em muitos casos, o ATSS pode avaliar necessário prestar atendimento a crianças, adolescentes e pessoas idosas implicadas em processos judiciais como meio de aprofundar sua compreensão dos fatos. No entanto, entendemos que é importante sopesar a imprescindibilidade da abordagem aos sujeitos hipossuficientes envolvidos nas contendas judiciais, pois o próprio processo de avaliação pericial, per se, impõe desgaste e angústia, uma vez que estes participantes necessariamente serão abordados pelos peritos sociais em suas diligências.

Ao abordar tais sujeitos, expondo-os à necessidade de novos atendimentos socioindividuais e/ou coletivos, observações participantes etc., pode relacionar-se mais com a violação de direitos que com a garantia deles. A assistência técnica em processos de guarda e convivência pode tornar-se especialmente complexa, quando há, por exemplo, acusações de abuso contra crianças e/ou adolescentes. Nesse caso, avaliamos que atendimentos socioindividuais ou coletivos no âmbito da assistência técnica podem incorrer em revitimização.

Nesse sentido, é recomendável ao ATSS ponderar em que medida a abordagem a crianças, adolescentes e pessoas idosas é efetivamente necessária, ou se as mesmas informações pretendidas pelo profissional podem ser acessadas de forma colateral ou, ainda, pela mediação de elementos alternativos.

4. A relação entre peritos sociais e assistentes técnicos em Serviço Social

É importante que o relacionamento entre perito e assistente técnico seja urbano, cortês e respeitoso (Pizzol, 2006PIZZOL, A. D. Estudo social ou perícia social? Um estudo teórico-prático na justiça catarinense. Florianópolis: Insular, 2006.), já que ele acontece em benefício do melhor desfecho possível para as partes envolvidas. Sobre esse aspecto, o Código de Ética Profissional do Assistente Social indica parâmetros importantes a serem observados.

Por esse motivo, é importante que o trabalho desenvolvido entre peritos e ATSS seja pautado pelo espírito de mútua colaboração. Isso significa que informações e dados acessados por meio das condutas profissionais sejam compartilhados sempre que possível, tendo em vista que a atuação de ambos deve balizar-se pela busca compartilhada ao atendimento do melhor interesse da parte hipossuficiente. O compartilhamento de informações coletadas pode ser especialmente relevante, no sentido de resguardá-las, uma vez que a otimização no manejo das informações coletadas contribuirá para atenuar o estresse gerado pela experiência das contendas judiciais.

Tal compartilhamento não deve ser confundido com a participação de ATSS nas condutas técnicas empreendidas pelos peritos sociais. Como alertam Gois e Oliveira (2019GOIS, D. A.; OLIVEIRA, R. C. S. Serviço Social e justiça de família: demandas contemporâneas do exercício profissional. São Paulo: Cortez, 2019., p. 56-57), a partir de sua prática no judiciário paulista:

A explicitação da presença do assistente técnico em procedimentos técnicos do perito, conforme § 2º do art. 433, foi um dos pontos mais discutidos no Judiciário paulista e polêmico em relação às mudanças advindas do CPC (2015). A discordância profissional quanto à participação de advogados ou assistentes técnicos em procedimentos técnico-operativos - entrevistas realizadas no Fórum ou no domicílio com os sujeitos do processo judicial - para a realização do estudo social resulta de um embate pautado em questões éticas inerentes ao sigilo e à autonomia profissional.

Igualmente corriqueira é a atuação do ATSS com assistentes técnicos de outras áreas do conhecimento, como Psiquiatria e Psicologia. Conquanto essas relações sejam profícuas, tais parcerias precisam pautar-se pelo resguardo do conhecimento acumulado por cada profissão, observando-se as orientações éticas afetas ao exercício de cada profissional envolvido.

5. A atuação interdisciplinar nos processos de assistência técnica

Em processos periciais designados pelo juízo, ambas as partes dispõem do direito a nomearem (considerando os procedimentos e prazos judiciais) assistentes técnicos, sendo um assistente social e um psicólogo, no caso de avaliações psicossociais. Ora, se “o conhecimento não é insular, mas peninsular” (Morin, 2011MORIN, E. O método 3: conhecimento do conhecimento. Tradução: Juremir Machado da Silva. 5. ed. Porto Alegre: Sulina, 2011.), tal composição favorece a ação interdisciplinar, à medida que os profissionais que atuarão no assessoramento à parte contratante poderão associar intervenções e interpretações, tendo em perspectiva a dilatação de sua compreensão sobre a realidade, sempre circunscritos às suas competências profissionais para a ação e a documentação.

Nesse sentido, embora incomum, parece-nos possível a elaboração de pareceres técnicos conjuntos entre assistentes técnicos da área de Serviço Social e outras áreas (Psicologia, Psiquiatria etc.). Contudo, nesse caso, faz-se relevante observar os pressupostos expressos pela Resolução CFESS n. 557/2009, ao dispor “sobre a emissão de pareceres, laudos, opiniões técnicas conjuntos entre o assistente social e outros profissionais”.

No âmbito das relações com assistentes sociais e outros(as) profissionais, deve-se considerar que nem sempre os pressupostos ético-políticos são compartilhados entre as diferentes categorias profissionais. Aspecto que nos desperta a necessidade de observar que, como orienta o Código de Ética Profissional do Assistente Social, no artigo 10º, é dever do assistente social “ser solidário/a com outros/as profissionais, sem, todavia, eximir-se de denunciar atos que contrariem os postulados éticos contidos neste Código” (CFESS, 1993 p. 33, grifos nossos).

6. O parecer técnico em Serviço Social

O “produto” da assistência técnica em Serviço Social é um parecer técnico ao laudo pericial elaborado pelo perito social. Determina o CPC, no artigo 477, § 1º, que “as partes serão intimadas para, querendo, manifestar-se sobre o laudo do perito do juízo no prazo comum de 15 (quinze) dias, podendo o assistente técnico de cada uma das partes, em igual prazo, apresentar seu respectivo parecer” (Brasil, 2015BRASIL. Código de Processo Civil. Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 17 mar. 2015.).

Diferentemente de outras áreas profissionais, na particularidade do Serviço Social, não existem diretrizes preestabelecidas para a composição de parecer técnico elaborado no contexto da assistência técnica. Contudo, a publicação Produção de documentos e emissão de opinião técnica em Serviço Social, realizada pelo CFESS (2022)CFESS. Produção de documentos e emissão de opinião técnica em Serviço Social. Comissão de Orientação e Fiscalização (COFI/CFESS), Gestão “Melhor ir à luta com Raça e Classe em Defesa do Serviço Social”. Brasília: COFI/CFESS, 2022. Disponível em: Disponível em: https://www.cfess.org.br/arquivos/EbookCfess-DocOpiniaoTecnica2022-Final.pdf . Acesso em: 23 maio 2024.
https://www.cfess.org.br/arquivos/EbookC...
, ao apresentar propostas para instrumentalizar assistentes sociais na preparação de seus documentos técnicos, contribui para que ATSS depreendam os elementos constituintes de um parecer técnico.

[...] os laudos dos assistentes técnicos podem ser um importante instrumento para o aprofundamento do direito ao contraditório, contemplando tanto o direito de ação quanto de defesa, corolário do Estado Democrático de Direito e prerrogativa das pessoas que figuram nos processos em Varas da Família. Se, observados os princípios éticos da profissão, certamente, esses laudos podem se converter no enriquecimento da análise da realidade social dos sujeitos contemplando perspectivas diversas, complementando saberes e práticas (Paula, 2022PAULA, V. de. Abuso sexual intrafamiliar: particularidades da perícia social em Serviço Social nas varas da família e sucessões do Tribunal de Justiça de São Paulo. 2022. Tese (Doutorado em Serviço Social) - Programa de Estudos Pós-Graduados em Serviço Social, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2022., p. 65, grifos nossos).

Nossa observação empírica sugere que os pareceres técnicos em Serviço Social exprimem diferenças em sua expressão documental, a depender do profissional que os elabora. A título de exemplo, alguns profissionais estruturam o documento em blocos (segmentados por subtítulos), tais como: (a) aspectos relativos ao requerente; (b) aspectos relativos à parte contrária; (c) aspectos relativos à criança, ao adolescente, à pessoa idosa ou com deficiência envolvida; (d) discussão das informações relevantes ao processo, e outros.

Entendemos que a segmentação do documento possa contribuir para estruturá-lo de forma didática. Contudo, considerando o volume de informações muitas vezes registradas, assim como o montante dos processos judiciais que são consultados pelo julgador, essa segmentação pode induzir à realização de leituras áreas ou focadas apenas em trechos instrumentalmente importantes. Essa situação, a nosso ver, pode prejudicar a compreensão do conjunto de elementos que são problematizados, incorrendo em uma apreensão reduzida e prejudicada do que propõe o ATSS ao produzir o documento. Por isso, entendemos que um documento corrido, sem segmentação, possivelmente melhor contribua para uma apreensão mais ampliada pelo interlocutor das análises que são realizadas pelo ATSS.

A despeito das diferenças que observamos no contexto desses pareceres, são elementos comuns na maioria deles: (a) apresentação profissional; (b) apresentação das condutas profissionais realizadas no processo de assistência técnica; (c) apresentação do método científico; (d) descrição e análise/problematização das informações, manifestando concordância ou justificando discordância em relação ao parecer apresentado no laudo social.

São amplas e complexas as expressões da questão social que se manifestam no contexto das avaliações periciais, e que, igualmente, são objeto de desvelamento no processo de assistência técnica em Serviço Social. Dificilmente, o profissional disporá, a priori, (Kant, 1996KANT, I. Crítica da razão pura. Tradução: Valério Rohden e Udo Baldur Moosburger. São Paulo: Nova Cultural, 1996.) do conjunto de elementos necessários a uma profunda compreensão desses aspectos e, por isso, o suporte de uma qualificada base de conhecimentos faz-se imperiosa.

Na produção de pareceres técnicos, tanto quanto na elaboração de quesitos, ou mesmo na prestação das orientações sociais ao cliente, entendemos que o suporte de produções científicas relevantes seja fundamentalmente necessário. As produções científicas, publicadas em repositórios de instituições acadêmicas reconhecidas e/ou obras disponíveis em bases de dados nacionais e/ou internacionais, são importantes para qualificar as análises propostas pelos ATSS. Ao acionar um conjunto de conhecimentos sistematizados, o profissional torna-se capaz de qualificar cientificamente suas apreensões, evitando reproduzir interpretações oriundas de conhecimentos vulgares ou desprovidas de fundamento científico.

A inclusão de citações teóricas, dados e conceitos pode ser utilizada - acompanhados de indicação de autoria e de acesso à fonte -, quando servir de suporte ao melhor entendimento/explicação do que está sendo relatado no registro, em redação articulada ao conteúdo, no corpo do texto ou em rodapé. [Ex.: conceito adotado de famílias; família extensa; organização familiar em rede; multiparentalidade; vulnerabilidade; negligência, cuidados, necessidades, trabalho decente; moradia adequada; território; estudo, perícia, laudo em Serviço Social etc.] (CFESS, 2022CFESS. Produção de documentos e emissão de opinião técnica em Serviço Social. Comissão de Orientação e Fiscalização (COFI/CFESS), Gestão “Melhor ir à luta com Raça e Classe em Defesa do Serviço Social”. Brasília: COFI/CFESS, 2022. Disponível em: Disponível em: https://www.cfess.org.br/arquivos/EbookCfess-DocOpiniaoTecnica2022-Final.pdf . Acesso em: 23 maio 2024.
https://www.cfess.org.br/arquivos/EbookC...
, p. 168).

7. O corte de classe no acesso à Assistência Técnica em processos judiciais

Como se pressupõe, a prestação de serviços de ATSS não é uma atividade voluntária, muito embora, por escolha, o profissional possa assim exercê-la. A despeito das dificuldades que muitos profissionais enfrentam para a elaboração de suas propostas de honorários, faz-se importante ressaltar que nossa percepção empírica permite inferir que a absoluta maioria das partes envolvidas em processos e que recorrem a esse instituto não é oriunda de classes populares.

Essa questão é relevante, uma vez que tal condição invoca uma reflexão importante em torno do acesso à justiça no Estado burguês. A assistência técnica explicita a desigualdade no acesso à justiça, uma vez que disporá da oportunidade de servir-se dela a parte que tiver condições financeiras mais favoráveis.

Processos judiciais são financeiramente dispendiosos e, muitas vezes, inacessíveis às classes subalternas. “No caso de assistência jurídica gratuita [a assistência técnica é prestada] por assistentes sociais que fazem parte do quadro da Defensoria Pública” (Gois; Oliveira, 2019GOIS, D. A.; OLIVEIRA, R. C. S. Serviço Social e justiça de família: demandas contemporâneas do exercício profissional. São Paulo: Cortez, 2019., p. 59). O acesso possibilitado pelas defensorias públicas, no entanto, é atravessado por diferentes desafios, entre os quais destacamos a dificuldade do acesso, o acúmulo de atividades realizadas pelos profissionais que lá atuam, além das inadequadas condições de trabalho favorecidas aos referidos servidores.

Comenta Paula (2022PAULA, V. de. Abuso sexual intrafamiliar: particularidades da perícia social em Serviço Social nas varas da família e sucessões do Tribunal de Justiça de São Paulo. 2022. Tese (Doutorado em Serviço Social) - Programa de Estudos Pós-Graduados em Serviço Social, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2022., p. 65) que:

[...] os serviços dos assistentes técnicos são destinados à classe social que pode regiamente pagar por eles, ressalta-se o valor considerável e que se torna inacessível para a classe trabalhadora. Ainda que os serviços de assistente técnico possam ser oferecidos pelos profissionais do Serviço Social e Psicologia da Defensoria Pública, ao que parece, esta atuação é incipiente [...].

Outro ponto que consideramos relevante, concernente ao corte de classe, é a percepção de que em processos judiciais que envolvem partes financeiramente privilegiadas, a dimensão socioeconômica acaba não figurando como aspecto prioritário no contexto de análise de peritos sociais e ATSS. Em tais casos, os profissionais são desafiados a explorar outros elementos afetos à sociabilidade do ramo parental contratante, ampliando e aprofundando o conjunto de dados que compõem o estudo social, tais como: fatores socioculturais, sociorrelacionais, socioeducacionais, de lazer, estilos parentais, fatores de risco e de proteção, entre tantos outros que se manifestam na particularidade de cada processo.

8. Assistência Técnica em Serviço Social e precarização do trabalho

Os desafios para inserção produtiva de assistentes sociais reproduzem os obstáculos infligidos ao conjunto da classe trabalhadora. Inserções precárias, informalidade, baixos salários e o desemprego assolam a categoria de assistentes sociais de forma análoga às demais. Pesquisa publicada por Yacoud e Ribeiro (2007YACOUD, L. B. D.; RIBEIRO, L. C. Emprego, desemprego e precariedade do trabalho do assistente social. Revista Em Pauta: teoria social e realidade contemporânea, n. 20, p. 141-152, 2007., p. 144-145), tendo por recorte geográfico a cidade mineira de Juiz de Fora, revela que: “a informalidade e/ou precariedade do trabalho entre os assistentes sociais também se manifesta por meio do trabalho autônomo - ainda pouco habitual em nossa categoria -, envolto na requintada denominação de ‘Assessoria, Consultoria e Prestação de Serviços’”.

Em busca de melhores condições de vida e sobrevivência, muitos assistentes sociais cedem às promessas de rápida inserção e alta rentabilidade, por meio de atividades autônomas promovidas, em grande parte, por cursos de aperfeiçoamento e curta duração, processo que, no campo sociojurídico, instituiu verdadeiro “mercado das perícias” (Paula, 2022PAULA, V. de. Abuso sexual intrafamiliar: particularidades da perícia social em Serviço Social nas varas da família e sucessões do Tribunal de Justiça de São Paulo. 2022. Tese (Doutorado em Serviço Social) - Programa de Estudos Pós-Graduados em Serviço Social, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2022.). Essa situação se desdobra, invariavelmente, ao contexto da assistência técnica em Serviço Social.

Para além da intensificação dos processos de precarização do trabalho, acelerando a desregulamentação e o rebaixamento geral dos salários, este contingente acaba por se disponibilizar a oferecer serviços sem que, para tanto, exprimam as competências necessárias. Faz-se imperioso recordar que a atuação no campo sociojurídico pressupõe “capacidade científica, técnica e amadurecimento profissional” (Paula, 2022PAULA, V. de. Abuso sexual intrafamiliar: particularidades da perícia social em Serviço Social nas varas da família e sucessões do Tribunal de Justiça de São Paulo. 2022. Tese (Doutorado em Serviço Social) - Programa de Estudos Pós-Graduados em Serviço Social, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2022., p. 60, grifos nossos).

Muitas podem ser as implicações, em razão de condutas profissionais antiéticas. Em sistematização e análise de registros da opinião técnica emitida por assistente social em relatórios, laudos e pareceres, objeto de denúncias éticas presentes em recursos disciplinares julgados pelo CFESS, foram identificadas diversas denúncias afetas ao campo sociojurídico, que envolvem: (a) convocação e tentativa de aproximação de criança com o pai, com quem não tinha convívio; (b) emissão de declaração e encaminhamento, desfavorável ao convívio da criança com o pai, sem registro de estudo social ou do atendimento; e (c) procedimentos técnicos que excederam as atribuições da/o assistente social na avaliação da regulamentação de visitas entre pais e filhos (CFESS, 2020CFESS. Sistematização e análise de registros da opinião técnica emitida pela/o assistente social em relatórios, laudos e pareceres, objeto de denúncias éticas presentes em recursos disciplinares julgados pelo Conselho Federal de Serviço Social (CFESS), Gestão “É de batalhas que se vive a vida”. Brasília: COFI/CFESS, 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.cfess.org.br/arquivos/registros-opiniao-tecnica.pdf . Acesso em: 11 jul. 2024.
https://www.cfess.org.br/arquivos/regist...
).

Tal qual o mercado de perícias anunciado por Paula (2022PAULA, V. de. Abuso sexual intrafamiliar: particularidades da perícia social em Serviço Social nas varas da família e sucessões do Tribunal de Justiça de São Paulo. 2022. Tese (Doutorado em Serviço Social) - Programa de Estudos Pós-Graduados em Serviço Social, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2022.), é temeroso o estabelecimento de um “mercado de assistências técnicas em Serviço Social”, eventualmente constituído por assistentes sociais mobilizados pelo rápido beneficiamento financeiro, conduzindo atividades de forma acrítica e descompromissada com os princípios ético-políticos da profissão, anuindo com a pressão das narrativas processuais, subordinando-se a interesses particulares da parte contratante e atuando de forma desarticulada à defesa e à garantia de direitos de crianças, adolescentes, pessoas idosas e com deficiência.

Considerações finais

Muitos são os desafios que se impõem ao trabalho de assistentes sociais como assistentes técnicos em Serviço Social. Como previamente exposto, parece-nos importante o aprofundamento intelectual por parte dos profissionais, de modo que se realize a adequada conjunção das competências ético-política, teórico-metodológica e técnico-operativa, para que seja possível a realização do trabalho profissional na direção dos pressupostos éticos (em suas expressões ontológica e deontológica) historicamente constituídos em nosso campo profissional.

Compreendemos que, apreendidas e desenvolvidas essas competências, torne-se possível transpor as armadilhas do cotidiano, combatendo a cooptação da consciência crítica e evitando que o trabalho profissional se subordine às necessidades das narrativas judiciais. Entendemos que a possibilidade de superação dos desafios impostos resida no fortalecimento do projeto ético-político profissional, que somente se enrijece por meio do aprimoramento profissional contínuo e da articulação junto a grupos de estudos e coletivos profissionais na área sociojurídica.

Igualmente, é da compreensão aprofundada dos princípios profissionais que se instituem estratégias metodológicas adequadas e eticamente responsáveis para o desenvolvimento das atividades, não reforçando as violências inerentes às disputas judiciais. Nessa direção, a relação entre peritos sociais e assistentes técnicos em Serviço Social deve estar orientada ao melhor interesse dos sujeitos hipossuficientes envolvidos, compartilhando a perspectiva de garantia e consolidação dos direitos sociais.

Entretanto, muito há de ser constituído em torno da assistência técnica em Serviço Social. Do ponto de vista jurídico, avaliamos que o conjunto de leis que legitimam o trabalho dos assistentes técnicos encontra respaldo e adequada composição. Contudo, ao considerarmos as particularidades destas atividades no campo do Serviço Social, avaliamos ainda necessária a definição de diretrizes no âmbito de atuação do CFESS. Isso porque a única resolução (Resolução n. 559/2009), que trata colateralmente do tema, encontra-se suspensa por determinação judicial.

Também, como discutimos, a atuação interdisciplinar no contexto das avaliações psicossociais revela-se como relevante possibilidade de aprofundamento dos processos de trabalho, qualificando as análises e interpretações emergentes nos processos de assistência técnica em Serviço Social. Todavia, avaliamos importante que, na prática da assistência técnica, o assistente social vigie para não se olvidar das particularidades (limites e possibilidades) de suas contribuições profissionais.

A compreensão ampliada do contexto sócio-histórico, cultural, político e econômico - características do Serviço Social -, em que despontam as demandas de trabalho dos ATSS, faz-se fundamentalmente importante, uma vez que as contendas judiciais não se manifestam alheias à infraestrutura social. Não se pode negar a natureza interventiva da profissão, tanto quanto não devemos nos furtar em exercitar nossa capacidade intelectiva de compreensão ampliada da questão social, diante da expressão imediata dos conflitos judiciais.

Conforme destacado inicialmente, este trabalho priorizou a elaboração de reflexões sobre a assistência técnica em Serviço Social, em vez de propor soluções ou respostas concretas. Espera-se que, com a publicação e a disseminação deste estudo, seja possível incentivar a categoria profissional a debater sobre esse campo de atuação e, da mesma forma, fomentar o investimento intelectual na pesquisa científica relacionada a essa área.

Referências

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  • 1
    “Here the researcher is interested in understanding the meaning a phenomenon has for those involved. Meaning, however, ‘is not discovered but constructed. Meaning does not inhere in the object, merely waiting for someone to come upon it. Meanings are constructed by human beings as they engage with the world they are interpreting’ (Crotty, 1998, p. 42-43). Thus, qualitative researchers conducting a basic qualitative study would be interested in (1) how people interpret their experiences, (2) how they construct their worlds, and (3) what meaning they attribute to their experiences. The overall purpose is to understand how people make sense of their lives and their experiences.”

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    03 Jun 2024
  • Aceito
    08 Jul 2024
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