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Financiamento da política de assistência social: breve análise do desmonte dessa política no período de 2016 a 2023

Financing of social assistance policy: brief analysis of the dismantling of this policy from 2016 to 2023

Resumo:

O presente artigo traz breves reflexões sobre o financiamento da Política de Assistência Social no período entre 2016 e 2023, analisando como os perversos ajustes fiscais realizados a partir da década de 1990 e que se aprofundam, em 2016, têm impactado nas políticas sociais, em especial para a política de assistência. A criação do Novo Regime Fiscal, em 2023, que põe fim a PEC/95, reforçou a submissão desta Política aos ditames econômicos, não garantindo uma verdadeira ampliação do seu financiamento.

Palavras-chave:
Ajuste fiscal; Financiamento da Política de Assistência Social; Novo arcabouço fiscal.

Abstract:

This article brings brief reflections on the financing of the Social Assistance Policy in the period between 2016 and 2023, analyzing how the perverse fiscal adjustments carried out since the 90s and which deepened in 2016, have impacted on social policies, especially assistance policy. The creation of the New Fiscal Regime, in 2023, which puts an end to PEC/95, reinforced the submission of this Policy to economic dictates, not guaranteeing a true expansion of its financing.

Keywords:
Fiscal adjustment; Financing of Social Assistance Policy; New tax framework.

Introdução

Este artigo tem como objetivo central a análise do financiamento da Política de Assistência Social, no período compreendido entre 2016 e 2023, abarcando os dois últimos pleitos eleitorais e demonstrando como se deu a transferência de recursos federais aos entes municipais. Nossas análises são fruto de pesquisa de doutorado realizada no curso de Políticas Sociais, da Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF). A metodologia adotada incluiu revisão bibliográfica e análise documental, focando os impactos dos ajustes fiscais na Política de Assistência Social, em especial, o seu financiamento.

No decorrer deste artigo, traremos reflexões sobre o financiamento da Política de Assistência Social, com foco a partir da Proposta de Emenda Constitucional (PEC/95), que constituiu um marco extremamente regressivo para as políticas sociais, impossibilitando a implementação e a continuidade de diversos serviços e programas direcionados à população nos territórios. A PEC/ 95, através do Estado, foi um instrumento ativo na restrição da ampliação de recursos e qualquer avanço nesse contexto. Deu continuidade e aprofundou as medidas impostas pelos ajustes fiscais criados na década de 1990, que tinham como objetivo a contenção dos gastos sociais.

Mostraremos a partir de nossas análises que a Política de Assistência Social tem sido fortemente afetada pela redução dos recursos transferidos pelo governo federal. O cenário dos últimos anos, assolado pela pandemia, aumentou a desigualdade e a miserabilidade da população. Nesse contexto, de intensa deterioração das condições de vida da população, em que era necessário aumentar a oferta dos serviços socioassistenciais, essa ampliação foi impossibilitada pelas diversas medidas adotadas, como: a busca por superávits primários, a Desvinculação das Receitas da União (DRU), a PEC/95, a limitação dos gastos públicos, a austeridade fiscal, entre outras.

O que se observa é que a criação do Novo Arcabouço Fiscal (NAF), no final de 2023, não prevê a garantia de avanços e recomposição orçamentária necessária à Política de Assistência Social. A “recomposição” desa Política terá um limite legal e estará vinculada diretamente ao crescimento da economia, conforme explicitaremos no decorrer deste artigo. Somente a história poderá nos mostrar o impacto desse Novo (com características velhas) Arcabouço Fiscal para as políticas sociais. O tempo presente nos mostra os desafios que teremos no caminho, pelas forças políticas e pelas lutas sociais engendradas nesse processo.

Para discorrer as nossas análises, a organização deste artigo se faz em três momentos, que tiveram como base a abertura de diálogo com os seguintes autores: Evilasio Salvador, Elaine Behring, Mossicleia Silva, dentre outros. Em um primeiro momento, trataremos dos ajustes fiscais implementados na década de 1990, que fizeram parte de uma política que atribuía a crise vivenciada unicamente ao Estado e que justificava a necessidade dos ajustes para saída da crise. A política adotada teve o apoio dos organismos multilaterais, que precisavam que os países em desenvolvimento se adequassem à política econômica mundial.

Em um segundo momento, trataremos da PEC/95, conhecida como PEC da maldade, trazendo o impacto dessa proposta para as políticas sociais, em especial, para a Política de Assistência Social. A PEC/95 se colocou como um mecanismo perverso que atacou diretamente o financiamento dessa Política, derruindo seus serviços, programas e projetos ao longo dos últimos anos.

Por fim, apresentaremos algumas reflexões sobre o Novo Arcabouço Fiscal, medida que será implementada nos próximos anos e que o tempo nos mostrará o seu impacto para as políticas sociais. No entanto, a proposta já aponta que por mais que tenha revogado a PEC/95, a recomposição do orçamento da Política de Assistência Social ainda está muito longe de acontecer.

1. Os impactos dos ajustes fiscais nas políticas sociais

No Brasil, o projeto de desmonte dos direitos sociais e de avanços e compromissos sociais estabelecidos pela Constituição Federal (CF/1988) sempre esteve presente. A partir da década de 1990, diversos mecanismos foram utilizados, sob a lógica neoliberal, com o objetivo de derruir os serviços públicos e a responsabilidade do Estado na garantia, na viabilização e na ampliação deles como direitos para a população. Com o discurso voltado à “satanização” do Estado e atribuindo a ele toda a responsabilidade pela crise vivenciada no país, o então presidente, Fernando Henrique Cardoso (FHC), implementou uma verdadeira e perversa contrarreforma (Behring, 2003BEHRING, E. R. Brasil em contrarreforma: desestruturação do Estado e perda de direitos. São Paulo: Cortez, 2003.): priorizaram-se ações pontuais e compensatórias, sob a égide da privatização, focalização/seletividade e descentralização.

Os acordos impostos pelos organismos multilaterais internacionais, em especial, o Fundo Monetário Internacional (FMI), fizeram com que o país envidasse todos os esforços para a implantação de ajustes fiscais para que permanecesse no circuito global da perversa lógica capitalista. Em 1994, houve uma tentativa incansável, com amplo espaço na mídia, para explicar que os ajustes fiscais não iam atingir os mais pobres, e que era necessário realizá-los para a contenção dos gastos públicos e da crise (Behring, 2003BEHRING, E. R. Brasil em contrarreforma: desestruturação do Estado e perda de direitos. São Paulo: Cortez, 2003.).

Os ajustes fiscais que começaram a ser implementados nesse período tiveram como uma das medidas o cumprimento das metas de superávit primário e que até hoje se fazem presentes, impactando profundamente na proteção social da população brasileira, reduzindo os serviços e os programas acessíveis para os sujeitos que deles necessitam. A ideia de Proteção Social pressupõe compromisso dos entes federativos para assegurar a “garantia de seguranças básicas para sobrevivência e desenvolvimento social e humano, com base em dignidade, equidade e justiça social” (CNM, 2022aCONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS MUNICÍPIOS (CNM). Desproteção social: demanda reprimida do Programa Bolsa Família e Auxílio Brasil (PAB). Brasília, 2022a. Estudos técnicos.), o que não ocorreu. Com os ajustes fiscais, essa proteção se vê bastante comprometida.

Para o alcance dessas metas, a partir de acordos realizados com os organismos multilaterais internacionais, passou-se a retirar recursos que seriam aplicados nas políticas sociais e que eram considerados gastos discricionários, demonstrando, assim, aos credores, a capacidade de pagamento de suas dívidas. No entanto, essas medidas não impactaram nas responsabilidades do Estado com o pagamento de juros e amortizações da dívida pública, que não sofreram nenhuma alteração. Assim, o que se evidencia é que as medidas adotadas apenas promoveram cortes nas despesas primárias, sendo blindadas quaisquer mudanças e ação que repensem as despesas com os gastos financeiros.

A Desvinculação das Receitas da União (DRU), também implementada nesse momento, foi criada para um curto período, no entanto, perdura até hoje. Em um primeiro instante, foi denominada Fundo Social de Emergência (FSE/1994), logo depois se tornou Fundo de Estabilização Social (FES/1997) e, apenas em 2000, tornou-se DRU. Ela tem como objetivo retirar recursos do orçamento da seguridade social para compor o orçamento fiscal, direcionando, em especial, recursos para o pagamento de juros e amortizações da dívida pública. Em 2016, a PEC/31 estendeu a DRU até 2023, e aumentou seu percentual de 20% para 30%. Em dezembro de 2023, a PEC/132 estendeu o prazo da DRU até 2032. A Lei de Reponsabilidade Fiscal também compõe o pacote das medidas de ajuste fiscal permanente, protegendo a dívida em detrimento do gasto público primário.

Segundo Rodrigues e Davi (2020 apudSantana et al., 2022SANTANA, G. R. de et al. (Des)financiamento da assistência social no Brasil em tempos de agudização da pobreza. Temporalis, Brasília, ano 22, n. 43, p. 90-108, 2022.), as implicações perversas do aumento do percentual da DRU já foram vistas no primeiro ano de sua efetivação, que resultou na retirada de bilhões de reais, que poderiam ter sido investidos em serviços do orçamento da seguridade social. Esses recursos foram, em vez disso, direcionados para outras áreas, principalmente para o pagamento de juros e amortizações da dívida pública, intensificando, assim, a precariedade da seguridade social no país. Esses autores sinalizam que “em 2015, quando o percentual ainda era 20%, foram desvinculados do orçamento da seguridade social R$ 63.785 bilhões; já em 2016, com a vigência dos 30%, foram desvinculados R$ 99.209 bilhões” (Santana et al., 2022SANTANA, G. R. de et al. (Des)financiamento da assistência social no Brasil em tempos de agudização da pobreza. Temporalis, Brasília, ano 22, n. 43, p. 90-108, 2022.).

Torna-se evidente que os recursos retirados do orçamento da seguridade social poderiam ser investidos na ampliação de serviços e programas, tanto no aumento dos repasses dos custos desses serviços como no aumento de equipamentos e programas para o atendimento à população mais carente. No entanto, o que foi visto é que as medidas adotadas, desde os anos 1990, foram extremamente deletérias às políticas sociais e se agravaram a partir de 2016, com a criação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC/95), que acabou por corroer ainda mais o sistema de proteção social brasileiro, conforme veremos a seguir.

2. A PEC da maldade: retrocessos no financiamento da Política de Assistência Social

A partir de 2016, com o golpe instaurado que retira a presidenta Dilma Rousseff da presidência da república, a agenda neoliberal adquiriu força e alargou seu potencial de destruição, direcionada por um contexto em que se abria um gravíssimo cenário com ascensão da extrema-direita, marcado por um ultraneoliberalismo, ultraneoconservadorismo e um ajuste fiscal que se tornou permanente (Behring, 2019 apudBehring; Souza, 2020BEHRING, E. R.; SOUZA, G. Ultraneoliberalismo e fundo público: análise do orçamento das políticas sociais e do ajuste fiscal em tempos de pandemia. In: SOUSA, A. A. S. de et al. (org.). Trabalho e os limites do capitalismo: novas facetas do neoliberalismo. Uberlândia: Navegando Publicações, 2020.), com impactos severos nas condições de vida da população e corroendo ainda mais o sistema de proteção social brasileiro.

Em 2016, sob essa lógica do ajuste permanente, temos a aprovação da Emenda Constitucional n. 95, que instituiu o Novo Regime Fiscal da União e congelou os gastos públicos primários por 20 anos (até 2036), estando incluídos neles os gastos com as políticas sociais, em especial a Política de Assistência Social. Ao definir um teto para os gastos discricionários, impediu o aumento de recursos para as políticas sociais. Esse cenário nos mostra a responsabilização dos gastos públicos pela crise do país, fazendo com que perversos ajustes fossem implementados com consequências desastrosas para as políticas sociais.

Behring (2018BEHRING, E. R. Neoliberalismo, ajuste fiscal permanente e contrarreformas no Brasil da redemocratização. In: XVI ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISADORAS EM SERVIÇO SOCIAL, 16., 2018, Vitória. Anais [...]. Vitória, 2018. v. 1, n. 1., p. 15) sinaliza que o discurso do então presidente Michel Temer para a implementação da PEC/95 foi de que era “necessário realizar sacrifícios para entregar um país saneado e que voltasse a crescer, responsabilizando os gastos públicos e a dívida”. Para a autora, esse discurso não era condizente com a realidade brasileira, já que medidas duras já tinham sido adotadas no governo anterior, da presidenta Dilma. Segundo Carvalho (2016 apudBehring, 2018BEHRING, E. R. Neoliberalismo, ajuste fiscal permanente e contrarreformas no Brasil da redemocratização. In: XVI ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISADORAS EM SERVIÇO SOCIAL, 16., 2018, Vitória. Anais [...]. Vitória, 2018. v. 1, n. 1.), a crise não decorreu do crescimento das despesas, mas da diminuição de receitas impactadas, em grande parte, pelas políticas de desoneração fiscal e de benefícios ao grande capital.

A PEC da maldade trouxe retrocessos inimagináveis para o Sistema Único de Assistência Social (Suas), retrocedendo direitos, o avanço e o alcance dos serviços socioassistenciais para a população, culminando em mecanismos de total (des)proteção. Em um estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), em 2016, esse órgão projetou que com a implementação da PEC, em 2036, a Política de Assistência Social irá perder 54% dos seus recursos (Paiva et al., 2016PAIVA, A. B et al. O novo regime fiscal e suas implicações para a política de assistência social no Brasil. Brasília: Ipea; 2016. Nota técnica n. 27. Disponível em: Disponível em: http://www.ipa.gov.br/portal/index.php?option=com&view=article&id=285898 . Acesso em: 30 out. 2023.
http://www.ipa.gov.br/portal/index.php?o...
).

De acordo com a Nota técnica n. 27 do IPEA (Paiva et al., 2016PAIVA, A. B et al. O novo regime fiscal e suas implicações para a política de assistência social no Brasil. Brasília: Ipea; 2016. Nota técnica n. 27. Disponível em: Disponível em: http://www.ipa.gov.br/portal/index.php?option=com&view=article&id=285898 . Acesso em: 30 out. 2023.
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), com a PEC/95, a Assistência Social poderá ter uma perda de recursos de 199 bilhões em 10 anos e de 868,5 bilhões em 20 anos para os programas de transferência de renda (Benefício da Prestação Continuada/BPC e Programa Bolsa Família/PBF). Nesse contexto, o BPC se tornaria insustentável a partir de 2026.

O que presenciamos nestes últimos anos foi um avanço do capital sobre o fundo público de forma desmedida, encontrando um terreno fértil em um país assolado pelo desemprego e arrefecido das lutas sociais. A disputa pelo fundo público tem um lugar central no Brasil, onde a sua apropriação se torna cada vez mais desigual e desumana, reforçando a concentração de renda no país.

Nessa disputa, o avanço do capital é identificado por diversos pesquisadores (Behring, 2018BEHRING, E. R. Neoliberalismo, ajuste fiscal permanente e contrarreformas no Brasil da redemocratização. In: XVI ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISADORAS EM SERVIÇO SOCIAL, 16., 2018, Vitória. Anais [...]. Vitória, 2018. v. 1, n. 1.; Salvador, 2020a; Boschetti; Teixeira, 2019; Silva, 2018 apudSilva, 2023SILVA, M. M. da. Assistência social no ajuste fiscal: pandemia e gestão da força de trabalho. Katálysis, Florianópolis, v. 26, n. 1, p. 139-148, jan./abr. 2023.), que demonstram que o pagamento da dívida pública tem ocupado aproximadamente 40% do orçamento da União, “estabelecendo um padrão extremamente conservador do ponto de vista da política fiscal e intensamente regressivo em termos de financiamento público” (Silva, 2023SILVA, M. M. da. Assistência social no ajuste fiscal: pandemia e gestão da força de trabalho. Katálysis, Florianópolis, v. 26, n. 1, p. 139-148, jan./abr. 2023., p. 3).

Salvador destaca (2020b, p. 3 apudSilva, 2023SILVA, M. M. da. Assistência social no ajuste fiscal: pandemia e gestão da força de trabalho. Katálysis, Florianópolis, v. 26, n. 1, p. 139-148, jan./abr. 2023.) que “no período de 2016 a 2019, as despesas com juros e encargos da dívida pública cresceram 8,5 vezes mais que o orçamento da seguridade social”. O pagamento de juros e encargos da dívida aumentou de R$ 242,61 bilhões, em 2016, para R$ 287,57 bilhões, em 2019, demonstrando um crescimento real de 22,57%.

Nesse cenário extremamente perverso para os mais vulneráveis, os serviços socioassistenciais (Política de Assistência Social) e a atenção primária (Política de Saúde) foram fortemente impactados. A saúde nos últimos anos não conseguiu sequer executar seus 15% obrigatórios, ficou em torno de 13%, e a assistência teve perdas inimagináveis.

Os estudos realizados pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM) nos mostram que, em 2016, o governo federal reduziu em mais de 364 milhões os recursos do cofinanciamento dos principais serviços do Suas, representando uma perda de mais de 16% de recursos para manutenção e continuidade desses serviços públicos. O estudo sinaliza, ainda, que o maior corte se concentra no âmbito da Proteção Social Básica, com uma queda de 13%, aproximadamente 190 milhões (CNM, 2017CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS MUNICÍPIOS (CNM). Redução no orçamento da assistência social compromete futuro do Suas. Brasília, 2017. Estudos técnicos.).

Em 2017, a perda orçamentária do Suas foi de 458 milhões. O maior corte continuou na Proteção Social Básica, de aproximadamente 15%, representando R$ 227 milhões, enquanto a perda na Proteção Social Especial de Média Complexidade foi de R$ 113 milhões; já na Alta Complexidade, foi de R$ 69 milhões (CNM, 2018CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS MUNICÍPIOS (CNM). Redução no orçamento da assistência social compromete futuro do Suas. Brasília, 2018. Estudos técnicos.).

Esse contexto é agravado no governo Bolsonaro, que durante a sua gestão intensifica o movimento de desfinanciamento do Suas e de atraso nos repasses. Em 2018, a aprovação da Lei Orçamentária Anual (LOA) demonstrou uma redução de 99% dos recursos da Política de Assistência Social, caindo de uma previsão de R$ 2 bilhões para R$ 2,4 milhões (Brasil, 2018BRASIL. Câmara dos Deputados. Lei Orçamentária Anual para 2018. Brasília, DF: Câmara dos Deputados, 2018. Disponível em: Disponível em: https://www2.camara.leg.br/orçamento-da-uniao/leisorcamentarias/loa/2017/tramitação/texto-final . Acesso: 24 set. 2023.
https://www2.camara.leg.br/orçamento-da-...
).

Uma das ações mais destruidoras do Suas, no governo Bolsonaro, foi a elaboração da Portaria n. 2.362, do Ministério da Cidadania, publicada em 2019, que praticamente inviabilizou a manutenção dos serviços em muitos municípios, principalmente os municípios de porte 1 (de até 20 mil habitantes), visto que eles têm uma capacidade orçamentária menor e profunda dependência do cofinanciamento federal.

Essa Portaria impossibilitou o pagamento de dívidas relativas a exercícios orçamentários anteriores (2017-2019), e tinha como objetivo promover a equalização dos repasses realizados pelo Fundo Nacional de Assistência Social (FNAS) a municípios, estados e distrito federal, priorizando o repasse de recursos limitados ao exercício financeiro vigente, conforme a disponibilidade financeira.

Esse contexto foi agravado ainda mais, a partir de 2020, em um cenário pandêmico, com consequências deletérias para a classe trabalhadora e para o aumento da miserabilidade no Brasil. Quando a pandemia chega ao Brasil, encontra um país com 12,6 milhões de desempregados(as). Voltamos a ocupar o Mapa da Fome da Organização das Nações Unidas (ONU), do qual já havíamos saído desde 2014.

O Relatório da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO et al., 2023FAO et al. The state of food security and nutrition in the world 2023: urbanization, agrifood systems transformation and healthy diets across the rural-urban continuum. Rome: FAO, 2023. DOI: 10.4060/cc3017en. Disponível em: Disponível em: https://www.fao.org/publications/sofi/2023 . Acesso em: 5 mar. 2024.
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) destaca que, entre os anos de 2020 a 2022, 21 milhões de pessoas viviam com alguma insegurança alimentar. Ainda nesse período, 70 milhões de pessoas enfrentavam uma insegurança alimentar grave, uma miséria absoluta. Segundo a FAO, Insegurança Alimentar Grave é a condição de pessoas que ficam um dia ou mais sem nenhum tipo de alimentação (FAO et al., 2023FAO et al. The state of food security and nutrition in the world 2023: urbanization, agrifood systems transformation and healthy diets across the rural-urban continuum. Rome: FAO, 2023. DOI: 10.4060/cc3017en. Disponível em: Disponível em: https://www.fao.org/publications/sofi/2023 . Acesso em: 5 mar. 2024.
https://www.fao.org/publications/sofi/20...
).

A esse cenário de retrocesso soma-se a Medida Provisória n. 870 de 2019BRASIL. Medida Provisória n. 870, de 1º de janeiro de 2019. Estabelece a organização básica dos órgãos da Presidência da República e dos Ministérios. Brasília, DF, 1o jan. 2019. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/mpv/mpv870.htm . Acesso em: 30 maio 2024.
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_a...
, sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro, que resultou na extinção do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), ou seja, o Brasil passou por um período de pandemia com graves consequências sociais, sem a instituição participativa que pensava e colaborava na coordenação federativa das políticas de segurança alimentar no país.

Reforçando os dados da ONU, os estudos do Ipea, de 2021, sinalizam que houve um aumento na desigualdade de renda no país. O Índice de Gini foi de 0,525, em 2015, para 0,543, em 2019 (Ipea, 2021INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA (IPEA). Políticas sociais: acompanhamento e análise. Assistência social. Brasília: Ipea, 2021. Nota técnica n. 28.).

Para a Confederação Nacional dos Municípios/CNM (2021CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS MUNICÍPIOS (CNM). O desfinanciamento do Sistema Único de Assistência Social (Suas) e o risco à sua sustentabilidade. Brasília, 2021. Estudos técnicos., p. 6), “o ano de 2020 foi o mais crítico e arriscado quando o assunto é proposta de orçamento para manutenção do SUAS”. Em 2018, teve-se uma redução de R$ 250 milhões; em 2019, foi de 44 milhões; em 2020, a queda representou R$ 605 milhões, saindo de R$ 2,505 bilhões para R$ 1,899 bilhão. Ou seja, de 2018 a 2020, houve aproximadamente R$ 900 milhões de perdas acumuladas num curto espaço de tempo.

Ainda nos estudos realizados pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM) nos anos de 2020 e 2021, foi demonstrado que mesmo o país vivenciando um período pandêmico, com o aumento da desigualdade social, do desemprego e piora das condições de vida da população, a assistência social perdeu recursos, tanto na aprovação do orçamento quanto na sua execução. A previsão orçamentária para o ano de 2021 foi de 550 milhões a menos que 2020 (isso representa mais que o orçamento da Proteção Social Especial, do Apoio à Gestão e do Programa Criança Feliz) (CNM, 2022bCONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS MUNICÍPIOS (CNM). Cenário orçamento: Sistema Único de Assistência Social (Suas). Brasília, 2022b. Estudos técnicos.).

Considerando as informações sobre execução, no ano de 2020, a previsão era de cerca de R$ 2,5 bilhões. No entanto, a execução foi de cerca de R$ 2,2 bilhões, representando 87% dos recursos disponibilizados. No ano de 2021, a previsão foi de pouco mais de R$ 2 bilhões, perda irreparável se pensarmos que o orçamento de 2021 foi muito menor que o do ano de 2020.

Segundo o Ipea (2021INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA (IPEA). Políticas sociais: acompanhamento e análise. Assistência social. Brasília: Ipea, 2021. Nota técnica n. 28.), no fim do ano de 2021, os repasses ordinários do governo federal para os serviços socioassistenciais totalizaram apenas R$ 1,36 bilhão, o menor repasse para os serviços socioassistenciais observados desde 2014.

Estudos da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip), em 2021, reforçam que mesmo com o agravamento da crise da covid nesse ano, seja do ponto de vista sanitário (mais infecções e aumento da mortalidade), seja do ponto de vista social (aumento da pobreza), ainda sim, isso não refletiu, por parte do governo federal, em uma alocação de recursos ampliado e proporcional ao agravamento da situação (Anfip, 2022ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS AUDITORES FISCAIS DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL (ANFIP). Análise da seguridade social: 2021. Brasília: Anfip, jun. 2022.).

Ao comparar a dotação orçamentária de 2021 e 2022, o estudo da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) destaca que 2022 teve uma previsão orçamentária, aproximadamente, 27% menor que 2021, um corte de mais de R$ 558 milhões. Esse corte equivale ao orçamento da proteção social especial junto ao Índice de Gestão Descentralizada (IGD/Suas). Esse estudo ainda sinaliza que isso equivale ao comprometimento do atendimento de aproximadamente 8.268 equipamentos da Proteção Social Especial, evidenciando-nos o impacto dessas ações na (des)proteção social da população brasileira (CNM, 2022).

A Proteção Social Básica, responsável por cerca de 8 mil equipamentos públicos, perdeu, em 2022, aproximadamente 1,5% do seu orçamento, representando R$ 10 milhões. Em contrapartida, observa-se a ampliação do orçamento em 0,6% (2,5 milhões) para o Programa Criança Feliz (CNM, 2022), com um caráter focalizado e fragmentado, intensificando o primeiro-damismo e a negação dos direitos, e desrespeitando a lógica do Sistema Único de Assistência Social.

Todo esse (des)financiamento da Política de Assistência tem impactos não só nos serviços ofertados à população, mas também nas condições de trabalho dos assistentes sociais, que se intensificam pela precarização e pela fragilização das relações de trabalho; por profissionais terceirizados, contratados por tempo limitado de trabalho, submetidos à lógica de intensificação do trabalho, com cada vez menos concurso público.

Muitos municípios ainda têm como referência as equipes mínimas nos seus equipamentos e não avançam na ampliação dessas equipes, proporcionando um trabalho precário e adoecedor para os que são superexplorados por seus empregadores. A equipe mínima e essa redução de trabalhadores no atendimento às necessidades sociais fazem parte de uma lógica neoliberal, que reestruturou as relações de trabalho, aumentando a pressão sobre os trabalhadores e fazendo com que a intensificação do seu trabalho fosse cada vez maior.

Os rebatimentos também se fazem presentes na falta dos meios de trabalho para a concretização do exercício profissional: falta de transporte para visitas; falta de espaços adequados e sigilosos para atendimento individualizado e coletivo; falta de telefone para contato com a rede e usuários; internet instável que impossibilita o trabalho; falta de equipamentos e materiais para atuar com as famílias e a implementação de alternativas e ações coletivas; falta de capacitação para os profissionais.

Ao analisarmos os efeitos da PEC/95 de 2016, a PEC da maldade, no (des)financiamento da Política de Assistência Social, ficou evidente o quanto os ajustes fiscais permanentes e a austeridade imposta fragilizaram o sistema de proteção social brasileiro. Essa conjuntura de desmonte e redução de recursos culminou em severas perdas para os serviços socioassistenciais, impactando diretamente a população mais vulnerável. Diante desse cenário, foi introduzido, em 2023, o Novo Arcabouço Fiscal (NAF), como uma promessa de reverter parte dos danos causados. No entanto, é preciso avaliar se essa nova medida realmente promove avanços ou se perpetua a lógica de austeridade fiscal da PEC/95. Discutiremos, na próxima seção, as principais mudanças introduzidas pelo NAF e suas possíveis implicações para o futuro das políticas sociais no Brasil.

3. Novo Arcabouço Fiscal: o que mudou?

Em resposta às perdas econômicas dos últimos anos e na tentativa de reverter os impactos negativos das políticas fiscais e orçamentárias recentes, o governo brasileiro introduziu, em 2023, o Projeto de Lei Complementar (PLP) 93, que institui o Novo Arcabouço Fiscal (NAF), substituindo o Teto de Gastos. A justificativa do atual governo, de modo semelhante à do ex-presidente Michel Temer com a PEC/95, era de que se fazia necessária a criação de “um regime sustentável para garantir a estabilidade macroeconômica do País e criar as condições adequadas ao crescimento socioeconômico” (CFESS, 2023CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL (CFESS). Nota conjunta de entidades do Serviço Social sobre o arcabouço fiscal. Brasília: CFESS, 2023. Disponível em: Disponível em: https://www.cfess.org.br/visualizar/noticia/cod/2005 . Acesso em: 30 maio 2023.
https://www.cfess.org.br/visualizar/noti...
, p. 1). No entanto, o que observamos é que esse Novo Regime Fiscal não demonstra grandes avanços para o financiamento das políticas sociais nem põe fim aos ajustes fiscais que vêm sendo implementados desde a década de 1990.

A implementação do NAF não enfrenta os problemas estruturais do financiamento público para as políticas de cunho social. De acordo com as análises de Pimentel e Conceição (2023PIMENTEL, K.; CONCEIÇÃO, N. D. Sobre o novo arcabouço fiscal: uma breve avaliação. IPPUR - Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, Boletim n. 69, 27 abr. 2023. Disponível em: Disponível em: https://ippur.ufrj.br/sobre-o-novo-arcabouco-fiscal-uma-breve-avaliacao/ . Acesso em: 29 maio 2024.
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), do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (Ippur), o NAF “representou uma grande decepção para quem compreende que o Estado brasileiro pode - e tem o dever de - promover o crescimento econômico com inclusão social”. A proposta indica apenas um aumento marginal nos recursos destinados às políticas sociais, condicionado tanto ao cumprimento das metas de superávit primário quanto ao crescimento econômico, impondo, assim, limites rígidos à ampliação desses gastos.

Os limites impostos pelo NAF se aplicam exclusivamente aos gastos primários, enquanto os gastos financeiros, como juros e amortizações da dívida pública, permanecem sem restrições, o que perpetua a dinâmica da priorização dos interesses do mercado financeiro sobre as necessidades sociais, fagocitando o fundo público. Bastos (2023BASTOS, P. P. Z. Quatro tetos e um funeral: o novo arcabouço/regra fiscal e o projeto social-liberal do ministro Haddad. Campinas: Instituto de Economia, Universidade de Campinas, 2023. Nota 21 do Cecon. Disponível em: Disponível em: https://www3.eco.unicamp.br/images/arquivos/nota-cecon/nota-do-cecon-21-23395ab8.pdf . Acesso: 9 mar. 2024.
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), ao analisar o NAF, diz que o foco na recuperação da confiança do mercado financeiro coloca em risco programas sociais, podendo prejudicar áreas como saúde e educação, que têm previsão constitucional de aumento de gastos. Além disso, a limitação dos investimentos necessários para enfrentar as mudanças climáticas é uma preocupação a mais.

O NAF estabelece que os gastos primários devem variar entre 0,6% a 2,5% ao ano, limitados a 70% do crescimento real da arrecadação, vinculando diretamente o financiamento das políticas sociais ao desempenho econômico do país. Se voltarmos ao primeiro ano do governo Lula, em 2003, os gastos primários foram de 4% e, em 2009, chegaram a 10% acima da inflação, o que nos mostra claramente que o limite imposto pelo NAF impossibilitará uma real ampliação das políticas sociais e dos direitos sociais da população.

Além disso, o NAF prevê que, caso a meta de superávit primário não seja cumprida, os valores destinados poderão ser reduzidos para 50%, perpetuando a lógica neoliberal do antigo Teto de Gastos, e radicalizando a (des)responsabilização do Estado com as políticas sociais.

Dados do Siga Brasil (Brasil, 2024BRASIL. Senado Federal. Siga Brasil cidadão. Brasília, 2024. Disponível em: Disponível em: https://www9.senado.gov.br/QvAJAXZfc/opendoc.htm?document=senado%2Fsigabrasilpainelcidadao.qvw&host=QVS%40www9&anonymous=true&Sheet=shOrcamentoVisaoGeral . Acesso em: 30 maio 2024.
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) mostram que, até abril de 2024, os gastos do governo federal com Assistência Social totalizaram R$ 93,4 bilhões, um aumento de aproximadamente 10% em relação ao ano anterior, quando os gastos foram de R$ 84,7 bilhões. No entanto, esse aumento, de aproximadamente 10%, é insuficiente para compensar as perdas acumuladas nos últimos anos e fortalecer a capacidade protetiva das políticas sociais. O que poderia configurar como um grande avanço, ainda se mostra bastante limitado e restrito diante do cenário presente em nosso país.

Assim, sob o discurso ilusório do fim da PEC da maldade, mascara-se a continuidade de uma política de ajuste fiscal perversa que condiciona o financiamento das políticas sociais à austeridade do país. A continuidade dessa lógica de ajuste fiscal restringe a capacidade estatal de desempenhar seu papel como indutor de políticas que promovam bem-estar social. Assim, é de extrema importância o fortalecimento de mecanismos de participação e controle social que possam inserir, na agenda política, as necessidades sociais da população brasileira.

Considerações finais

Ao longo dos últimos anos, observamos que o (des)financiamento da assistência social no Brasil faz parte de uma estratégia político-ideológica que visa desmantelar o Sistema Único de Assistência Social (Suas) e sua capacidade de assegurar proteção social àqueles que mais necessitam. Esse desmonte não é uma consequência inevitável dos imperativos econômicos, mas uma escolha política e econômica deliberada (Behring, 2018BEHRING, E. R. Neoliberalismo, ajuste fiscal permanente e contrarreformas no Brasil da redemocratização. In: XVI ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISADORAS EM SERVIÇO SOCIAL, 16., 2018, Vitória. Anais [...]. Vitória, 2018. v. 1, n. 1.).

Desde a década de 1990, a Política de Assistência Social tem sido alvo de inúmeros ataques, especialmente em seu aspecto mais sensível como política pública: o financiamento. A dependência da discricionariedade dos gestores públicos fragiliza uma grande parte dos recursos direcionados a essa Política, deixando milhões de brasileiros à margem da sociedade, sem acesso a serviços, programas e benefícios, ficando, assim, submetidos à “boa vontade” das escolhas e das prioridades dos responsáveis pela gestão pública.

A realidade brasileira sempre foi marcada pela desigualdade social e por forte concentração de renda, sem acesso a emprego digno, à educação e a políticas e serviços públicos essenciais. A população que mais necessita fica refém dos serviços ofertados pelo Suas nos territórios, precarizados e insuficientes.

A PEC da maldade, implementada a partir de 2016, trouxe retrocessos sem precedentes para as políticas sociais, comprometendo não apenas a ampliação, mas também, e principalmente, a manutenção da rede socioassistencial. Os municípios enfrentaram grandes dificuldades para assegurar a estrutura necessária ao atendimento da população, com o subfinanciamento dos recursos federais, vista a grande dependência dessas verbas descentralizadas. Assim, a PEC da maldade, ao congelar os gastos públicos primários por 20 anos, institucionalizou uma política de austeridade que corroeu a capacidade do Suas de prover serviços adequados.

O Novo Arcabouço Fiscal (NAF), introduzido em 2023, foi colocado como uma medida de rompimento com a PEC da maldade. No entanto, não trouxe uma verdadeira ampliação dos serviços, nem a recomposição dos recursos perdidos desde 2016. Essa medida tão esperada pela população brasileira nos últimos anos atrelou a ampliação dos recursos direcionados às políticas sociais ao crescimento econômico do país.

A dependência do crescimento econômico, ou seja, do capital para uma melhoria ou manutenção do Sistema, gera incertezas sobre as possibilidades de sucesso do Novo Arcabouço Fiscal em relação às políticas sociais, especialmente considerando as tendências de baixo crescimento econômico que o Brasil enfrenta. Mesmo que o país apresente um desempenho econômico excepcional, os recursos destinados a essas políticas estarão limitados a um aumento máximo de 2,5% ao ano, o que é insuficiente para fortalecer a capacidade protetiva do Suas.

A análise dos dados até abril de 2024 mostra que, apesar de um crescimento nominal nos gastos com Assistência Social, esses recursos adicionais não são suficientes para reverter as perdas acumuladas ao longo dos anos. Embora pudesse representar um avanço importante, o incremento permanece insuficiente e limitado, dada a elevada desigualdade social presente em nosso país. Essa situação evidencia a dificuldade na implementação de medidas que responsabilizem o Estado pela provisão de serviços públicos.

Nos próximos anos, colheremos os resultados dessas políticas, sejam eles positivos ou negativos. Todavia, todas as evidências sugerem que os resultados continuarão sendo desfavoráveis, e que o Novo Arcabouço Fiscal não promoverá uma robusta mudança em relação ao período anterior, dado que a lógica do ajuste fiscal permanente ainda prevalece.

O Brasil, ancorado na ideologia do ultraneoliberalismo, tem adotado políticas que minimizam o investimento em áreas sociais, enquanto maximiza os benefícios ao capital. Esse enfoque tem reforçado a desigualdade, e ampliado as necessidades sociais e a precarização da vida. Diante desse cenário, é necessário que as forças populares se mobilizem ativamente para desafiar essas políticas restritivas de bem-estar, e promovam uma agenda que priorize a justiça social e a equidade.

Referências

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  • 1
    A pesquisa de doutorado, iniciada em 2024, trata do financiamento das Políticas de Assistência Social, explorando, no âmbito das relações federativas, os impactos da descentralização nos entes subnacionais. Este artigo apresenta as reflexões da primeira etapa dessa pesquisa.
  • 2
    Ver Cislaghi (2020CISLAGHI, J. F. Do neoliberalismo de cooptação ao ultraneoliberalismo: respostas do capital à crise. Partes I, II e III, 2020. Disponível em: Disponível em: https://esquerdaonline.com.br/2020/06/08/do-neoliberalismo-de-cooptacao-ao-ultraneoliberalismo-respostas-docapital-a-crise/ . Acesso em: 20 dez. 2023.
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    ).
  • 3
    Ver conceito de fundo público em Behring (2021BEHRING, E. R. Fundo público, valor e política social. São Paulo: Cortez, 2021.).
  • 4
    Ver Behring e Boschetti (2021BEHRING, E. R.; BOSCHETTI, I. Assistência social na pandemia da covid-19: proteção para quem? Serviço Social & Sociedade, São Paulo: Cortez, n. 140, p. 66-83, jan./abr. 2021.).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    22 Abr 2024
  • Aceito
    03 Jun 2024
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