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Injúria racial e racismo contra as mulheres em Belém, cidade da Amazônia, de 2017 a 2022

Racial injury and racism against women in Belém, Amazon city, from 2017 to 2022

Resumo:

O presente estudo objetivou analisar os casos de injúria racial e de racismo em Belém, cidade localizada na Amazônia brasileira, no período de 2017 a 2022. Empregou-se uma abordagem quantitativa, aplicada, utilizando métodos estatísticos descritivos. A Secretaria Adjunta de Inteligência e Análise Criminal foi a fonte de coleta de dados. O estudo analisou 738 registros de injúria racial e racismo em Belém, inferindo que houve um significativo avanço do racismo contra as mulheres negras, especialmente no ano de 2022.

Palavras-chave:
Racismo; Mulheres negras; Amazônia

Abstract:

The present study aimed to analyze cases of racial insult and racism in Belém, a city located in the Brazilian Amazon, between 2017 and 2022. A quantitative, applied approach was used, using descriptive statistical methods. The Deputy Secretariat of Intelligence and Criminal Analysis was the source of data collection. The study analyzed 738 records of racial insults and racism in Belém, inferring that there was a significant increase in racism against black women, especially in the year 2022.

Keywords:
Racism; Black women; Amazon

Introdução

Este artigo pretende compreender os casos registrados de injúria racial e de racismo em Belém, capital do estado do Pará, a partir dos dados coletados, sobre o período de 2017 a 2022, tendo como fonte principal os dados fornecidos pela Secretaria Adjunta de Inteligência e Análise Criminal (Siac), vinculada à Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa Social (Segup).

Além dos resultados dos dados coletados pelo presente artigo, utilizaram-se os dados publicados no artigo intitulado “Racismo e injúria racial: um estudo do perfil da vítima e procedimentos policiais” (Farias; Almeida, 2017FARIAS, A.; ALMEIDA, S. S. Discriminação racial: análise dos procedimentos policiais na região metropolitana de Belém, PA. 2017. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Pará, Belém, 2017. Disponível em: Disponível em: https://www.ppgsp.propesp.ufpa.br/ARQUIVOS/teses_e_dissertacoes/dissertacoes/2015/201510%20-%20FARIAS.pdf . Acesso em: 7 ago. 2024.
https://www.ppgsp.propesp.ufpa.br/ARQUIV...
), disponível no website do Programa de Pós-graduação em Segurança Pública (PPGSP), como medida para contribuir com o debate e a comparação da análise de dados deste estudo. Em sua pesquisa, Farias e Almeida (2017FARIAS, A.; ALMEIDA, S. S. Discriminação racial: análise dos procedimentos policiais na região metropolitana de Belém, PA. 2017. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Pará, Belém, 2017. Disponível em: Disponível em: https://www.ppgsp.propesp.ufpa.br/ARQUIVOS/teses_e_dissertacoes/dissertacoes/2015/201510%20-%20FARIAS.pdf . Acesso em: 7 ago. 2024.
https://www.ppgsp.propesp.ufpa.br/ARQUIV...
) caracterizaram o perfil sociodemográfico das vítimas de racismo e injúria racial, e como a mulher negra é alvo da maioria desses crimes, a partir dos dados da Siac, na região metropolitana de Belém, no período de 2011 a 2015. Neste estudo, serão confrontados os dados coletados sobre o período de 2017 a 2022.

As pesquisas científicas sobre as práticas de racismo evidenciam-se ainda necessárias, pois a discriminação racial, aliada à discriminação de gênero, se mantém, inclusive em outros níveis e apresentam-se, também, em novas formas de manifestação. Nesse sentido, este estudo está envolto da questão sobre como o racismo está configurado, quando se leva em conta a comparação entre o que é apresentado por Farias e Almeida (2017FARIAS, A.; ALMEIDA, S. S. Discriminação racial: análise dos procedimentos policiais na região metropolitana de Belém, PA. 2017. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Pará, Belém, 2017. Disponível em: Disponível em: https://www.ppgsp.propesp.ufpa.br/ARQUIVOS/teses_e_dissertacoes/dissertacoes/2015/201510%20-%20FARIAS.pdf . Acesso em: 7 ago. 2024.
https://www.ppgsp.propesp.ufpa.br/ARQUIV...
) e os dados coletados no período mais recente, de 2017 a 2022, em Belém.

1. Revisão de literatura

1.1. Preconceito de cor e racismo no Brasil: formação e reflexos

Para Almeida (2019ALMEIDA, S. L. de. Racismo estrutural. São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen, 2019. 264 p. (Coleção Feminismos plurais). Disponível em: Disponível em: https://blogs.uninassau.edu.br/sites/blogs.uninassau.edu.br/files/anexo/racismo_estrutural_feminismos_-_silvio_luiz_de_almeida.pdf . Acesso em: 7 ago. 2024.
https://blogs.uninassau.edu.br/sites/blo...
), o racismo é um fenômeno estrutural e sistêmico, que não se restringe apenas a comportamentos individuais, mas também se evidencia nas instituições, nas práticas sociais e na cultura de uma sociedade. De acordo com ele, o racismo é um conjunto de ações, discursos e representações que perpetuam e intensificam desigualdades entre grupos racialmente definidos.

A especificidade do racismo brasileiro remete à complexidade de fatores que moldaram a identidade racial no país. A miscigenação, a herança da escravidão, as influências culturais e as políticas públicas desempenharam papéis cruciais na formação das relações raciais únicas do Brasil. Essa diversidade de elementos contribui para a construção de um preconceito de cor multifacetado e intricado, apontando para uma aparente contradição; enquanto a crença na miscigenação está profundamente enraizada na consciência coletiva, o racismo persiste como uma realidade forte. Essa dicotomia sugere que, embora a sociedade brasileira valorize a diversidade, ainda enfrenta desafios significativos relacionados ao preconceito racial (Aguiar, 2008AGUIAR, M. M. Raça e desigualdade: as diversas interpretações sobre o papel da raça na construção da desigualdade social no Brasil. Tempo da Ciência, n. 15, p. 115-133, 2008. Disponível em: Disponível em: https://files.ufgd.edu.br/arquivos/arquivos/78/NEAB/AGUIAR-%20Marcio.%20Raca%20e%20desigualdade.pdf . Acesso em: 7 ago. 2024.
https://files.ufgd.edu.br/arquivos/arqui...
).

De acordo com Guimarães (2004GUIMARÃES, A. S. A. Preconceito de cor e racismo no Brasil. Revista de Antropologia, v. 47, n. 1, p. 9-43, 2004. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0034-77012004000100001. Acesso em: 7 ago. 2024.
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
), a formação do preconceito racial pode ser compreendida como uma resposta às mudanças sociais iminentes. A abolição da escravatura representou não apenas a liberdade formal, mas também a ameaça à ordem social estabelecida. Diante desse cenário, surge o racismo como uma doutrina científica que justificava a manutenção de hierarquias sociais e a preservação de privilégios de determinados grupos. O conceito de igualdade política e formal despertou temores nas elites dominantes, que viram no racismo uma ferramenta para preservar a estrutura social existente.

A resistência às soluções que demarcam identidades pode ser interpretada como uma hesitação em confrontar as questões raciais de maneira mais direta. A população pode perceber tais abordagens como ameaças à ideia de harmonia racial, alimentada pela narrativa de uma sociedade miscigenada e inclusiva. Isso destaca a complexidade da abordagem do racismo no Brasil, onde a percepção cultural da miscigenação pode coexistir com manifestações evidentes de discriminação racial (Aguiar, 2008AGUIAR, M. M. Raça e desigualdade: as diversas interpretações sobre o papel da raça na construção da desigualdade social no Brasil. Tempo da Ciência, n. 15, p. 115-133, 2008. Disponível em: Disponível em: https://files.ufgd.edu.br/arquivos/arquivos/78/NEAB/AGUIAR-%20Marcio.%20Raca%20e%20desigualdade.pdf . Acesso em: 7 ago. 2024.
https://files.ufgd.edu.br/arquivos/arqui...
).

1.2. Interseção entre o racismo e o gênero feminino: desafios e perspectivas

Para Santos e Almeida (2005SANTOS, M. F. S.; ALMEIDA, L. M. Diálogos com a teoria da representação social. Alagoas: Editora UFPE, 2005. Disponível em: Disponível em: https://books.google.com.br/books?id=uBROp9313z8C&printsec=frontcover&hl=pt-BR&source=gbs_vpt_reviews#v=onepage&q&f=false . Acesso em: 7 ago. 2024.
https://books.google.com.br/books?id=uBR...
), a análise da interseção entre gênero e escravidão revela a complexidade e a profundidade das opressões enfrentadas pelas mulheres negras escravizadas. Essa dupla marginalização, baseada tanto na raça quanto no gênero, exemplifica uma colonialidade de gênero que perpetua hierarquias dicotômicas e binárias. Nesse sistema, os homens brancos ocupam a posição de poder supremo, exercendo controle político e social, enquanto as mulheres brancas são representadas como figuras dóceis e frágeis, idealizadas como esposas submissas dos homens brancos.

A exclusão das mulheres negras das narrativas sobre raça e gênero revela distorções significativas na compreensão histórica e cultural da colonialidade. A escravidão não apenas desumanizava os indivíduos com base na cor da pele, mas também estabelecia um regime de gênero em que a opressão das mulheres negras era particularmente brutal e multifacetada. Elas sofriam tanto com o racismo quanto com o sexismo, uma interseccionalidade que muitas vezes é negligenciada nos estudos sobre escravidão (Gonzalez, 2018GONZALEZ, L. Primavera para as rosas negras: Lélia Gonzalez em primeira pessoa. São Paulo: Diáspora Africana, 2018.).

Para compreender plenamente a colonialidade de gênero e suas implicações, é necessário adotar uma abordagem interseccional que reconheça as múltiplas camadas de opressão. Isso implica reconhecer as vozes e as experiências das mulheres negras escravizadas, destacando suas resistências e agências dentro de um sistema projetado para desumanizá-las. Por meio dessa análise inclusiva e abrangente, é possível construir uma compreensão mais justa e precisa das dinâmicas de poder e opressão na história da escravidão e sua persistência nas estruturas sociais contemporâneas (Santos; Almeida, 2005SANTOS, M. F. S.; ALMEIDA, L. M. Diálogos com a teoria da representação social. Alagoas: Editora UFPE, 2005. Disponível em: Disponível em: https://books.google.com.br/books?id=uBROp9313z8C&printsec=frontcover&hl=pt-BR&source=gbs_vpt_reviews#v=onepage&q&f=false . Acesso em: 7 ago. 2024.
https://books.google.com.br/books?id=uBR...
). Na região metropolitana de Belém, o entendimento desse quadro requer uma análise cuidadosa das práticas policiais, das políticas de segurança implementadas e da eficácia dessas políticas na promoção de uma distribuição justa e igualitária da segurança pública, em especial às mulheres negras.

O enfrentamento do problema do racismo exige uma abordagem multifacetada, incorporando interseções que incidam diretamente sobre as diversas formas de violência, em especial contra as mulheres, num dos aspectos mais perversos da injustiça racial. Para além disso, é crucial promover uma redistribuição equitativa entre negros e brancos. Nesse contexto, a atuação do policial como representante do Estado nas ruas assume um papel fundamental (Junior; Lima, 2011JUNIOR, A. O.; LIMA, V. C. A. Segurança pública e racismo institucional. Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), 2021. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/5931/1/BAPI_n04_p21-26_RD_Seguranca-publica-racismo_Diest_2013-out.pdf . Acesso em: 7 ago. 2024.
https://repositorio.ipea.gov.br/bitstrea...
).

1.3. Investigação do sistema classificatório do IBGE: métodos de identificação sobre a diversidade étnico-racial

No contexto brasileiro, a discussão sobre a classificação étnico-racial assume uma relevância especial, dada a diversidade étnica e cultural do país. Osorio (2003OSORIO, R. G. O sistema classificatório de “cor ou raça” do IBGE. Edição do Texto 996 para discussão. Brasília: Ipea, 2003. Disponível em: Disponível em: https://www.ibge.gov.br/confest_e_confege/pesquisa_trabalhos/arquivosPDF/M255_02.pdf . Acesso em: 7 ago. 2024.
https://www.ibge.gov.br/confest_e_confeg...
) discute a natureza dos métodos de identificação étnico-racial, estabelecendo quais são os procedimentos definidos para enquadrar indivíduos em grupos delineados por categorias de uma classificação, sejam estas evidentes ou subjacentes. Ele destaca que esses métodos desempenham um papel crucial em estruturas classificatórias, como as adotadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Essa diversidade de métodos de identificação étnico-racial é destacada em três grupos, sendo particularmente relevantes para a compreensão das classificações étnico-raciais. O primeiro, a autoatribuição de pertença, concede ao indivíduo o poder de escolher o grupo ao qual pertence. O segundo, a heteroatribuição de pertença, delega à outra pessoa a definição do grupo ao qual o sujeito pertence. Por fim, o terceiro método envolve a identificação de grandes grupos populacionais com base em técnicas biológicas, como a análise do DNA. Importante ressaltar que não há garantia de congruência entre as classificações obtidas por meio desses métodos.

A autoatribuição de pertença reflete a subjetividade do indivíduo, permitindo que ele se identifique de acordo com sua própria percepção e experiência. Esse método reconhece a autonomia do sujeito na construção de sua identidade étnico-racial, considerando a complexidade das interações sociais e culturais que moldam essa autopercepção. Contrastando com a autoatribuição, a heteroatribuição de pertença destaca a influência externa na classificação étnico-racial. Nesse caso, outra pessoa, muitas vezes se baseando em critérios visíveis, define o grupo ao qual o sujeito é atribuído. Esse método revela as dinâmicas sociais e as expectativas culturais que podem influenciar a percepção étnico-racial de um indivíduo (Osorio, 2003OSORIO, R. G. O sistema classificatório de “cor ou raça” do IBGE. Edição do Texto 996 para discussão. Brasília: Ipea, 2003. Disponível em: Disponível em: https://www.ibge.gov.br/confest_e_confege/pesquisa_trabalhos/arquivosPDF/M255_02.pdf . Acesso em: 7 ago. 2024.
https://www.ibge.gov.br/confest_e_confeg...
).

O terceiro método, que incorpora técnicas biológicas, introduz uma dimensão científica na identificação étnico-racial. A análise do DNA, por exemplo, busca identificar a ancestralidade de uma pessoa, revelando informações sobre os grandes grupos populacionais dos quais seus ascendentes provêm. Contudo, Osorio (2003OSORIO, R. G. O sistema classificatório de “cor ou raça” do IBGE. Edição do Texto 996 para discussão. Brasília: Ipea, 2003. Disponível em: Disponível em: https://www.ibge.gov.br/confest_e_confege/pesquisa_trabalhos/arquivosPDF/M255_02.pdf . Acesso em: 7 ago. 2024.
https://www.ibge.gov.br/confest_e_confeg...
) destaca que a aplicação desses métodos não assegura congruência entre as classificações obtidas, ressaltando a complexidade e a multifatorialidade da identidade racial.

2. Materiais e Métodos

2.1. Natureza da pesquisa

Trata-se de uma pesquisa aplicada (Gil, 2023GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2023.), utilizando a abordagem quantitativa, e caráter exploratório e descritivo. Tendo se utilizado inicialmente de pesquisa bibliográfica sobre o debate histórico/teórico quanto ao racismo, usou-se o paradigma determinado por Creswell (2007CRESWELL, J. W. Projeto de pesquisa: método qualitativo, quantitativo e misto. 2. ed. Tradução: Luciana de Oliveira da Rocha. Porto Alegre: Artmed, 2007.), pelo qual se verificou a observância do material já publicado, em especial os livros e os artigos de periódicos, inclusive pesquisas da rede mundial de computadores.

2.2. Lócus

O lócus definido compreende o município de Belém, capital do estado do Pará, cidade da Amazônia Legal (Mapa 1). Segundo dados do Censo 2022 (IBGE, 2022INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Censo 2022. Rio de Janeiro: IBGE, 2022. Disponível em: Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/trabalho/22827-censo-demografico-2022.html . Acesso em: 7 ago. 2024.
https://www.ibge.gov.br/estatisticas/soc...
), Belém possui 1.303.389 habitantes.

Mapa 1.
Localização do município de Belém, capital do estado do Pará, ano de 2020

2.3. Fontes de dados e procedimento de coleta

Foi expedida solicitação formal, via ofício, encaminhado à Secretaria Adjunta de Inteligência e Análise Criminal (Siac), neste caso a fonte de dados desta pesquisa, vinculada à Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa Social, que gentilmente cedeu a base de dados, em xls, formada pelo cruzamento de informações dos boletins de ocorrência policial (BOP), no período de 2017 a 2022, registrados pelas unidades da Polícia Civil do estado do Pará, que atuam dentro do território abrangido pelo lócus. Foram identificados 738 registros, compondo assim a população objeto deste estudo.

A população-alvo da pesquisa é composta por vítimas dos crimes de racismo e injúria racial, o racismo tipificado pela Lei Federal n. 7.716, de 5 de janeiro de 1989 (Brasil, 1989BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei n. 7.716, de 5 de janeiro de 1989. Define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor. Brasília, 1989.). A injúria racial foi inserida no referido texto legal a partir da entrada em vigor da Lei Federal n. 14.532, de 11 de janeiro de 2023 (Brasil, 2023BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei n.14.532, de 11 de janeiro de 2023. Altera a Lei n. 7.716, de 5 de janeiro de 1989 (Lei do Crime Racial), e o Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), para tipificar como crime de racismo a injúria racial, prever pena de suspensão de direito em caso de racismo praticado no contexto de atividade esportiva ou artística e prever pena para o racismo religioso e recreativo e para o praticado por funcionário público. Brasília, 2023.), dentro do lócus definido. Considerando a possibilidade de haver registros com classificação divergente aos fatos narrados em BOP no levantamento de crimes de racismo e injúria racial, também foram incluídos na pesquisa os dados sobre o registro de injúrias motivadas por discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.

2.4. Análise de dados

Para a análise dos dados, utilizou-se o método conhecido como estatística descritiva, por meio de organização e apresentação de tabelas e gráficos, assim como do cálculo de medidas resumo (Bussab; Morettin, 2024BUSSAB, Winton de O.; MORETTIN, Pedro A. Estatística Básica. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2024.). E, de posse desses dados já organizados/trabalhados, passa-se a usar essas informações para comparações e análises com a literatura referente ao tema da pesquisa, podendo-se, assim, realizar as discussões, gerando conhecimento sobre o tema.

3. Resultados e discussão

É importante destacar que o total de casos de injúria racial e racismo registrados nas unidades policiais, somente no município de Belém, no período de 2017 a 2022, foi de 738 registros, que é cerca de 46,43% maior em relação à quantidade dos registros identificados por Farias e Almeida (2017FARIAS, A.; ALMEIDA, S. S. Discriminação racial: análise dos procedimentos policiais na região metropolitana de Belém, PA. 2017. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Pará, Belém, 2017. Disponível em: Disponível em: https://www.ppgsp.propesp.ufpa.br/ARQUIVOS/teses_e_dissertacoes/dissertacoes/2015/201510%20-%20FARIAS.pdf . Acesso em: 7 ago. 2024.
https://www.ppgsp.propesp.ufpa.br/ARQUIV...
) para o período de 2011 a 2015, em Belém, que era de 504 casos registrados. O Gráfico 1 ilustra os quantitativos para cada período.

Gráfico 1.
Quantidade de registro de injúria racial e racismo, no município de Belém, no período de 2011 a 2015, estudo de Farias e Almeida (2017FARIAS, A.; ALMEIDA, S. S. Discriminação racial: análise dos procedimentos policiais na região metropolitana de Belém, PA. 2017. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Pará, Belém, 2017. Disponível em: Disponível em: https://www.ppgsp.propesp.ufpa.br/ARQUIVOS/teses_e_dissertacoes/dissertacoes/2015/201510%20-%20FARIAS.pdf . Acesso em: 7 ago. 2024.
https://www.ppgsp.propesp.ufpa.br/ARQUIV...
), comparado ao período de 2017 a 2022

Como se pode ver na Tabela 1, os dados do período de 2017 a 2022, em Belém, apresentam registros com distinção quanto ao tipo penal, separando-os em: (1) injúria motivada por discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional; (2) injúria racial; e (3) racismo. Essa classificação dos registros seguiu a classificação dos dados fornecidos a partir dos sistemas da Siac, que considera as informações constantes nos boletins de ocorrência policial por tipo penal. Feito o destaque, a análise seguirá com a distinção de três perfis, sendo por tipo penal de injúria por preconceito etc. (reduziu-se o termo para facilitar a compreensão da análise); de injúria racial e de racismo.

Tabela 1.
Quantidade e percentual de registros de injúria por discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia ou procedência nacional, injúria racial e racismo, no município de Belém, de 2017 a 2022

Nota-se pela Tabela 1 que o tipo penal que teve a maioria dos registros no período do estudo foi a injúria por discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, com 77,78% dos registros. Não se observou, no estudo de Farias e Almeida (2017FARIAS, A.; ALMEIDA, S. S. Discriminação racial: análise dos procedimentos policiais na região metropolitana de Belém, PA. 2017. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Pará, Belém, 2017. Disponível em: Disponível em: https://www.ppgsp.propesp.ufpa.br/ARQUIVOS/teses_e_dissertacoes/dissertacoes/2015/201510%20-%20FARIAS.pdf . Acesso em: 7 ago. 2024.
https://www.ppgsp.propesp.ufpa.br/ARQUIV...
), esse destaque isoladamente.

Já a Tabela 2 demonstra a tipificação penal por sexo da vítima, na qual se percebe que as mulheres são a maioria das vítimas de injúria por discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia ou procedência nacional, injúria racial e racismo, com um total de 404 registros. Também se pode observar que os dados destacam o sexo feminino com o quantitativo de 304 vítimas do delito de injúria motivada por discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional; 81 são vítimas do crime de injúria racial; 19 vítimas dos crimes de racismo. Os dados da Tabela 2 reafirmam a necessidade, apontada por Santos e Almeida (2005SANTOS, M. F. S.; ALMEIDA, L. M. Diálogos com a teoria da representação social. Alagoas: Editora UFPE, 2005. Disponível em: Disponível em: https://books.google.com.br/books?id=uBROp9313z8C&printsec=frontcover&hl=pt-BR&source=gbs_vpt_reviews#v=onepage&q&f=false . Acesso em: 7 ago. 2024.
https://books.google.com.br/books?id=uBR...
), de se adotar uma abordagem interseccional, neste caso de gênero e raça, na elaboração de políticas de segurança pública.

Tabela 2.
Quantidade de registros de injúria por discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia ou procedência nacional, injúria racial e racismo, no município de Belém, de 2017 a 2022, por sexo da vítima

Analisando-se os dados do Gráfico 2, quanto ao sexo das vítimas de injúria por discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, constata-se quase uma igualdade. Porém, as mulheres ainda são a maioria das vítimas, com 52,95% dos casos registrados.

Gráfico 2.
Percentual de registros de injúria por discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, no município de Belém, de 2017 a 2022, por sexo da vítima

Quanto ao sexo das vítimas de injúria racial em Belém, os dados mostram, no Gráfico 3, que a maioria das vítimas eram do sexo feminino, com 60% dos registros.

Gráfico 3.
Percentual de registro de injúria racial, no município de Belém, de 2017 a 2022.

Em relação ao tipo penal do crime de racismo, as mulheres apresentam percentual ainda maior quando comparado aos delitos de injúria racial e injúria por preconceito etc., atingindo o percentual de 65,52% para o sexo feminino (Gráfico 4).

Ao se observar os delitos de racismo e injúria racial, descritos nos Gráficos 3 e 4, crimes esses repelidos pela Lei n. 14.532 (Brasil, 2023BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei n.14.532, de 11 de janeiro de 2023. Altera a Lei n. 7.716, de 5 de janeiro de 1989 (Lei do Crime Racial), e o Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), para tipificar como crime de racismo a injúria racial, prever pena de suspensão de direito em caso de racismo praticado no contexto de atividade esportiva ou artística e prever pena para o racismo religioso e recreativo e para o praticado por funcionário público. Brasília, 2023.), percebe-se que as mulheres são as maiores vítimas. São distorções históricas que confirmam a opressão ainda imposta às mulheres negras, como apontado por Gonzalez (2018GONZALEZ, L. Primavera para as rosas negras: Lélia Gonzalez em primeira pessoa. São Paulo: Diáspora Africana, 2018.).

Gráfico 4.
Percentual de registro de racismo, no município de Belém, de 2017 a 2022

Sobre o recorte da faixa etária das vítimas de injúria por discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, observa-se, no Gráfico 5, que a maioria atingida situa-se na faixa de idade de 37 a 42 anos (16,76%), seguida com percentuais próximos dos grupos de 31 a 36 anos (16,01%) e de 25 a 30 anos (15,46%).

Com relação ao crime de injúria racial, o Gráfico 6 evidencia que a maioria das vítimas possui idades com registros distribuídos entre os grupos de 37 a 42 anos (17,29%), de 31 a 36 anos (16,54%), de 19 a 24 anos (15,79%) e 25 a 30 anos (15,79%).

Gráfico 5.
Percentual de registro de injúria por discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, no município de Belém, de 2017 a 2022, por faixa etária da vítima

Gráfico 6.
Percentual de registro de injúria racial, no município de Belém, de 2017 a 2022, por faixa etária da vítima

No que diz respeito ao crime de racismo, o Gráfico 7 apresenta a maioria das vítimas com idades com registros de 43 a 48 anos (21,43%), seguidas do grupo com idade de 31 a 36 anos (17,86%).

Gráfico 7.
Percentual de registro de racismo, no município de Belém, de 2017 a 2022, por faixa etária da vítima

Quanto ao aspecto nível de escolaridade, o Gráfico 8 mostra que a maioria das vítimas de injúria por discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional declarou ter o ensino médio completo (38,82%), seguidas das vítimas com ensino fundamental incompleto (18,09%) e daquelas com ensino superior completo (17,48%).

Gráfico 8.
Percentual de registro de injúria por discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, no município de Belém, de 2017 a 2022, por nível de escolaridade das vítimas mulheres

Em relação ao tipo penal do crime de injúria racial, o Gráfico 9 destaca que a maioria das vítimas tinha o ensino médio completo (40,71%), seguidas das vítimas que tinham o ensino superior incompleto (22,12). A minoria possuía o ensino fundamental completo (4,42%).

Gráfico 9.
Percentual de registro de injúria racial, no município de Belém, de 2017 a 2022, por nível de escolaridade das vítimas mulheres.

Diferentemente do perfil descrito por Farias e Almeida (2017FARIAS, A.; ALMEIDA, S. S. Discriminação racial: análise dos procedimentos policiais na região metropolitana de Belém, PA. 2017. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Pará, Belém, 2017. Disponível em: Disponível em: https://www.ppgsp.propesp.ufpa.br/ARQUIVOS/teses_e_dissertacoes/dissertacoes/2015/201510%20-%20FARIAS.pdf . Acesso em: 7 ago. 2024.
https://www.ppgsp.propesp.ufpa.br/ARQUIV...
), em que apenas 4,22% das vítimas informaram possuir o ensino superior completo para os crimes de racismo, nos dados apurados pelo presente artigo, período de 2017 a 2022 (Gráfico 10), cerca de 33,33% das vítimas informaram que concluíram o ensino superior, sendo superadas somente pelas vítimas que concluíram o ensino médio (46,67%).

Os dados da Tabela 3 mostram as dez ocupações das vítimas mulheres com maiores quantitativos, no período de 2017 a 2022. Nota-se que os estudantes foram a maioria das vítimas (66), nos três delitos objetos da pesquisa, com quase o dobro do total das vítimas com ocupação doméstica (34). Destacam-se as vítimas auxiliares em geral (31), comerciantes/empresários(as) (29), donas de casa (29), vendedores(as) (28), servidores(as)/funcionários(as) públicos(as) (25), professores(as) (19). Registra-se que as três ocupações com maior quantidade de BOP registrados estão relacionadas às vítimas com percepção de baixos salários.

Gráfico 10.
Percentual de registro de racismo, no município de Belém, de 2017 a 2022, por nível de escolaridade das vítimas mulheres

Tabela 3.
Quantidade de registros de injúria por discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, injúria racial e racismo, no município de Belém, de 2017 a 2022, por ocupação das vítimas mulheres (dez maiores quantidades)

No que concerne à unidade policial responsável pelo registro, independentemente do sexo da vítima, a Tabela 4 destaca a Delegacia de Combate aos Crimes Discriminatórios e Homofóbicos como a responsável pela grande maioria dos registros relativos aos três delitos pesquisados (217). Em segundo lugar de destaque, chama a atenção o grande número de registros desses delitos sob responsabilidade da Diretoria de Combate aos Crimes Cibernéticos (99), demonstrando que esses tipos de delitos também ocorrem, em grande quantidade, na rede mundial de computadores.

Tabela 4.
Quantidade de registros de injúria por discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, injúria racial e racismo, no município de Belém, de 2017 a 2022, por unidade policial (cinco maiores quantidades)

O Gráfico 11 mostra a tendência de crescimento nesta série de dados nos últimos três anos. Observa-se que o percentual de registros do crime de injúria racial apresenta crescimento desde o ano de 2020, com destaque para explosão de registros (grande crescimento percentual) do ano de 2021 (11,85%) para o ano de 2022 (81,48%).

Com relação à injúria racial, o Gráfico 12 confirma que o ano de 2022 registrou 110 casos, uma quantidade muito acima da média de 27 casos registrados no período todo de 2017 a 2022.

Gráfico 11.
Percentual de registro do crime de injúria racial, no município de Belém, de 2017 a 2022, por ano

Gráfico 12.
Quantidade de registro do crime de injúria racial, no município de Belém, de 2017 a 2022, por ano

No período do estudo, a ano de 2021 foi o de maior percentual de registro de casos de racismo (Gráfico 13). Nota-se que o mesmo fenômeno identificado no Gráfico 11, para o crime de injúria racial, ocorreu para o crime de racismo de forma inversa, ou seja, houve decréscimo (redução) no percentual de registros do ano de 2021 (75,86%) para o ano de 2022 (17,24%). Os Gráficos 11, 12 e 13 apontam que a opressão, segundo Santos e Almeida (2005SANTOS, M. F. S.; ALMEIDA, L. M. Diálogos com a teoria da representação social. Alagoas: Editora UFPE, 2005. Disponível em: Disponível em: https://books.google.com.br/books?id=uBROp9313z8C&printsec=frontcover&hl=pt-BR&source=gbs_vpt_reviews#v=onepage&q&f=false . Acesso em: 7 ago. 2024.
https://books.google.com.br/books?id=uBR...
), aumentou.

Gráfico 13.
Percentual de registro do crime de racismo, no município de Belém, de 2017 a 2022, por ano

Os Gráficos 14 e 15 representam o percentual de registro dos crimes de injúria racial e de racismo, respectivamente, em relação ao estado civil das vítimas mulheres. Nota-se que tanto no crime de injúria racial (Gráfico 14) quanto no crime de racismo (Gráfico 15), a maioria das vítimas são solteiras, com 64,39% e 51,85%, respectivamente.

Gráfico 14.
Percentual de registro do crime de injúria racial, no município de Belém, de 2017 a 2022, por estado civil das vítimas mulheres

Gráfico 15.
Percentual de registro do crime de racismo, no município de Belém, de 2017 a 2022, por estado civil das vítimas mulheres

Observe as Tabelas 5 e 6, que informam a quantidade e o percentual de registro dos crimes de injúria racial e de racismo, respectivamente, por bairro, de Belém, contemplando ambos os sexos das vítimas, no período de 2017 a 2022. O bairro Marco se destacou com 11,85% dos registros do crime de injúria racial e o bairro Guamá com 27,59% dos registros do crime de racismo.

Tabela 5.
Quantidade e percentual de registros do crime de injúria racial, no município de Belém, de 2017 a 2022, por bairro (dez maiores quantidades)
Tabela 6.
Quantidade e percentual de registros do crime de racismo, no município de Belém, de 2017 a 2022, por bairro (cinco maiores quantidades).

No Gráfico 16, as ocorrências registradas quanto ao crime de injúria racial, no período de 2017 a 2022, em Belém, apresentaram-se bem distribuídas, havendo uma pequena elevação nos registros de fins de semana, como sábado (15,56%) e domingo (15,56%). Quanto ao crime de racismo, o Gráfico 17 demonstra que os dias de sábado, domingo e quarta-feira apresentaram destaque no percentual de registro (17,24%) em relação às vítimas mulheres.

Gráfico 16.
Percentual de registro do crime de injúria racial, no município de Belém, de 2017 a 2022, por dia da semana

Gráfico 17.
Percentual de registro do crime de injúria racial, no município de Belém, de 2017 a 2022, por dia da semana

Nos Gráficos 18 e 19, estão representados os percentuais por turno diário para os crimes de injúria racial e racismo. Em ambos os tipos penais, a frequência apresentou-se muito baixa durante o turno da madrugada. No crime de injúria racial, a maioria dos casos ocorreu pela manhã (34,81%). No crime de racismo, a predominância ocorreu no turno da tarde (41,38%).

Gráfico 18.
Percentual de registro do crime de racismo, no município de Belém, de 2017 a 2022, por turno diário

Gráfico 19.
Percentual de registro do crime de racismo, no município de Belém, de 2017 a 2022, por turno diário

Observa-se, pela Tabela 7, em relação às vítimas mulheres, que a residência particular é o local da maioria dos registros de injúria racial (29,63%), seguida pela via pública (23,70%). O mesmo fato ocorre com os registros de racismo, cujo percentual de ocorrência nas residências das vítimas e nas vias públicas são iguais (31,58%).

Tabela 7.
Quantidade e percentual de registros do crime de injúria racial das vítimas mulheres, no município de Belém, de 2017 a 2022, por local da ocorrência
Tabela 8.
Quantidade e percentual de registros do crime de racismo das vítimas mulheres, no município de Belém, de 2017 a 2022, por local da ocorrência

Portanto, ao se investigar o local da ocorrência (fato) do crime de injúria racial e racismo, constata-se semelhança nos dois principais locais de ocorrência que, em ambos os crimes, são a residência particular e a via pública.

De maneira geral, a partir da análise de todos os dados até aqui, foi possível verificar algo em comum no que diz respeito à rasa quantidade de informação quanto à autodeclaração de cor/raça, pois o mesmo problema está presente desde os dados apresentados no estudo feito por Farias e Almeida (2017FARIAS, A.; ALMEIDA, S. S. Discriminação racial: análise dos procedimentos policiais na região metropolitana de Belém, PA. 2017. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Pará, Belém, 2017. Disponível em: Disponível em: https://www.ppgsp.propesp.ufpa.br/ARQUIVOS/teses_e_dissertacoes/dissertacoes/2015/201510%20-%20FARIAS.pdf . Acesso em: 7 ago. 2024.
https://www.ppgsp.propesp.ufpa.br/ARQUIV...
) até aqueles examinados na atual pesquisa. Farias e Almeida (2017FARIAS, A.; ALMEIDA, S. S. Discriminação racial: análise dos procedimentos policiais na região metropolitana de Belém, PA. 2017. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Pará, Belém, 2017. Disponível em: Disponível em: https://www.ppgsp.propesp.ufpa.br/ARQUIVOS/teses_e_dissertacoes/dissertacoes/2015/201510%20-%20FARIAS.pdf . Acesso em: 7 ago. 2024.
https://www.ppgsp.propesp.ufpa.br/ARQUIV...
) relataram que foram identificados apenas nove registros de vítimas que se autodeclararam pretas e pardas. Nos dados coletados pelos autores do presente estudo, somente em um caso, dos 738 boletins de ocorrência policial registrados no período de 2017 a 2022, consta a autodeclaração de cor/raça.

Dos casos no período analisado, as mulheres representam 60,90% das vítimas do crime de injúria racial e 65,92% das vítimas do crime de racismo. Essa diferença em relação às vítimas do sexo masculino sugere a existência da interseccionalidade de violências de gênero e de raça, com as mulheres negras sendo alvo de forma desproporcional. Isso pode ser atribuído a fatores como a interseccionalidade das opressões, em que a discriminação racial e a de gênero se combinam, resultando em maior vulnerabilidade para as mulheres.

Os autores chamam a atenção para a grande quantidade de registro do delito de injúria motivada por discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, totalizando 574 casos, diante de 135 casos para o tipo penal da injúria racial e apenas 29 casos do crime de racismo. Quando se confronta a classificação dos registros feitos pela Polícia Civil do Pará com a informação do elevado percentual de injúrias raciais no ano de 2021 (81,48% no Gráfico 11) e de racismo no ano de 2022 (75,86% no Gráfico 13), indaga-se se não está havendo uma discriminação no momento de classificação dos delitos. O crime de injúria racial teve aumento de registro em 687% somente no ano de 2022.

Essas distorções nos registros levaram os autores a destacar o seguinte questionamento: uma certa quantidade dos casos de injúria motivada por discriminação não teria sido tipificada incorretamente, por preconceito, discriminação ou racismo?

A análise comparativa também permitiu identificar que as possíveis causas e fatores associados à ocorrência de injúria racial e racismo em Belém continuam, pois a quantidade de registros do período de 2017 a 2022 aumentou em 46,42%, quando comparada à quantidade de registros verificada por Farias e Almeida (2017FARIAS, A.; ALMEIDA, S. S. Discriminação racial: análise dos procedimentos policiais na região metropolitana de Belém, PA. 2017. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Pará, Belém, 2017. Disponível em: Disponível em: https://www.ppgsp.propesp.ufpa.br/ARQUIVOS/teses_e_dissertacoes/dissertacoes/2015/201510%20-%20FARIAS.pdf . Acesso em: 7 ago. 2024.
https://www.ppgsp.propesp.ufpa.br/ARQUIV...
). A perpetuação de estereótipos e preconceitos raciais na sociedade, a falta de educação e conscientização sobre o tema, e a ausência de políticas públicas efetivas de combate à discriminação racial podem estar entre as causas da perpetuação desses crimes raciais.

Diante desses resultados, é importante destacar a necessidade de ações mais efetivas e integradas para combater a injúria racial em Belém. Isso inclui a promoção de campanhas de conscientização e educação sobre a igualdade racial, o fortalecimento das políticas públicas de combate à discriminação, a criação de espaços de diálogo e participação da sociedade civil, além do estabelecimento de medidas mais efetivas para punir os autores de injúria racial.

Conclusão

Considerando a entrada em vigor da Lei Federal n. 14.532 (Brasil, 2023BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei n.14.532, de 11 de janeiro de 2023. Altera a Lei n. 7.716, de 5 de janeiro de 1989 (Lei do Crime Racial), e o Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), para tipificar como crime de racismo a injúria racial, prever pena de suspensão de direito em caso de racismo praticado no contexto de atividade esportiva ou artística e prever pena para o racismo religioso e recreativo e para o praticado por funcionário público. Brasília, 2023.), este estudo organizou sua análise de acordo com os tipos penais do racismo, da injúria racial e da injúria motivada por discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Assim, constatou-se que a maioria dos registros de boletins de ocorrência policial pelo crime de injúria racial e pelo crime de racismo ocorreu nos anos que antecederam uma das mais acirradas disputadas eleitorais para o cargo de presidente da República Federativa do Brasil, que ocorreu em 2022. Trata-se de um período histórico, em que os brasileiros conviveram com muitos ataques de ódio, preconceito e discriminação, além de acusações falsas, mentiras e uma explosão na quantidade de registros de fake news. São tendências que podem estar relacionadas a fatores sociais, econômicos ou políticos que demandam uma análise mais aprofundada. Esse questionamento fica registrado como recomendação para futuras pesquisas sobre o tema deste estudo.

Durante a presente pesquisa, verificou-se que ainda há muito a ser feito em relação às políticas públicas e às iniciativas sociais para combater a injúria racial e o racismo em Belém. Embora existam leis e programas governamentais que buscam garantir a igualdade racial e o combate à discriminação, como a recente entrada em vigor da Lei Federal n. 14.532 (Brasil, 2023BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei n.14.532, de 11 de janeiro de 2023. Altera a Lei n. 7.716, de 5 de janeiro de 1989 (Lei do Crime Racial), e o Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), para tipificar como crime de racismo a injúria racial, prever pena de suspensão de direito em caso de racismo praticado no contexto de atividade esportiva ou artística e prever pena para o racismo religioso e recreativo e para o praticado por funcionário público. Brasília, 2023.), o poder público municipal ainda está muito distante da efetividade de resultados. Ademais, o baixo engajamento e a participação da sociedade civil e das comunidades afetadas também podem estar comprometendo a efetividade das poucas iniciativas e políticas públicas.

Essas informações podem auxiliar na compreensão dos padrões e na identificação de áreas geográficas com maior incidência de injúria racial e de racismo, além de contribuir para a formulação de estratégias de prevenção e intervenção, inclusive da possibilidade levantada da ocorrência de racismo estrutural na identificação dos crimes de cor/raça.

A investigação descrita neste artigo demonstra a importância de mais pesquisas que investiguem o sofrimento de pessoas negras vítimas de racismo, principalmente na escola, onde os estudantes são a maioria das vítimas dos crimes raciais. Também investigar a maneira como essas pessoas incorporam o ideal de ego branco da cultura como forma de se adaptar e, ao mesmo tempo, negar a violência que sofrem. Igualmente, é necessária a investigação do fenômeno da violência doméstica em mulheres negras para a melhoria de medidas protetivas e políticas públicas voltadas para as vítimas.

Além dos resultados quantitativos, a pesquisa proporcionou uma oportunidade para a discussão mais ampla sobre os fatores sociais, culturais e políticos que contribuem para a injúria racial e o racismo em Belém, capital do estado do Pará, na região amazônica. A análise dos resultados permite refletir sobre as raízes do problema, as desigualdades estruturais, a representatividade e a conscientização racial na sociedade belenense. Essa discussão é essencial para o desenvolvimento de estratégias de prevenção e combate ao racismo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    11 Jul 2024
  • Aceito
    08 Ago 2024
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