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Proteção social contemporânea: cui prodest?

Contemporary social protection: cui prodest?

Resumos

Este texto trata da proteção social como processo complexo e contraditório, que não é apenas social, mas também político e econômico. Referencia-se na batalha de paradigmas travada em torno desse processo e em duas distintas tradições de economia política: a clássica ou liberal e a crítica ou marxista. Privilegiando a economia política crítica, desmitifica o uso liberal da proteção social como meio de legitimação e de ativação do mercado de trabalho assalariado, detectando a seguinte inconsistência nas hostes antiliberais: a de considerar o trabalho assalariado, espoliador e alienado, um direito social.

Proteção social; Capitalismo destrutivo; Ativação; Trabalho assalariado; Direitos


This article is about social protection as a complex and contradictory process that is not only social, but also political and economic. It refers to the paradigm battle that occurs in this process, as well as to two different traditions in political economics: the classic or liberal and the critical or Marxist. As the critical political economics is privileged, it demystifies the liberal use of social protection as a legitimate and activating means of the salaried labor market, by detecting the following inconsistency in the anti-liberal hosts: to consider the salaried work, that is spoiling and alienated, as a social right.

Social protection; Destructive capitalism; Activation; Salaried work; Rights


ARTIGOS

Proteção social contemporânea: cui prodest 1 . A quem beneficia? ?1 1 . A quem beneficia?

Contemporary social protection: cui prodest?

Potyara Amazoneida P. Pereira

Professora titular e emérita da Universidade de Brasília (UnB), Distrito Federal, Brasil. E-mail: potyamaz@gmail.com

RESUMO

Este texto trata da proteção social como processo complexo e contraditório, que não é apenas social, mas também político e econômico. Referencia-se na batalha de paradigmas travada em torno desse processo e em duas distintas tradições de economia política: a clássica ou liberal e a crítica ou marxista. Privilegiando a economia política crítica, desmitifica o uso liberal da proteção social como meio de legitimação e de ativação do mercado de trabalho assalariado, detectando a seguinte inconsistência nas hostes antiliberais: a de considerar o trabalho assalariado, espoliador e alienado, um direito social.

Palavras-chave: Proteção social. Capitalismo destrutivo. Ativação. Trabalho assalariado. Direitos.

ABSTRACT

This article is about social protection as a complex and contradictory process that is not only social, but also political and economic. It refers to the paradigm battle that occurs in this process, as well as to two different traditions in political economics: the classic or liberal and the critical or Marxist. As the critical political economics is privileged, it demystifies the liberal use of social protection as a legitimate and activating means of the salaried labor market, by detecting the following inconsistency in the anti-liberal hosts: to consider the salaried work, that is spoiling and alienated, as a social right.

Keywords: Social protection. Destructive capitalism. Activation. Salaried work. Rights.

Introdução

Falar de proteção social capitalista não é tarefa simples, a começar pelo fato de ela não ser apenas social, mas também política e econômica; isto é, a proteção social gerida pelo Estado burguês e regida por leis e pactos interclassistas, que procuram conciliar interesses antagônicos, sempre se defrontou com o seguinte impasse: atender necessidades sociais como questão de direito ou de justiça, contando com recursos econômicos escassos porque, de acordo com a lógica capitalista, a riqueza deve gerar mais riqueza e, portanto, ser investida em atividades economicamente rentáveis.

Isso explica por que a proteção social, a despeito de, em princípio, se contrapor à lógica da rentabilidade econômica privada, nunca esteve, na prática, livre de enredamentos nas relações de poder, nas quais exerce regulações favoráveis ao domínio do capital sobre o trabalho. Da mesma forma, a despeito de aparentemente não ser um mecanismo econômico, seu papel na produção e distribuição de bens e serviços públicos, necessários à satisfação das necessidades humanas, sempre esteve, prioritariamente, a serviço da satisfação das necessidades do capital - em especial quando as forças que deveriam se opor a essa serventia encontram-se debilitadas. Por isso, para apreendê-la em sua complexidade constitutiva e em meio à nebulosidade interpretativa que a cerca, é preciso analisá-la tendo como referência não apenas uma, mas duas grandes (e dissonantes) tradições de pensamento, indicadas a seguir.

De um lado, a tradição da economia política clássica, liberal,2 2 . A economia política clássica, ou liberal, privilegia o funcionamento do mercado. Seus mentores e adeptos acreditam que os bens necessários ao consumo refletem a quantidade de trabalho despendida para produzi-los. Contudo, os preços desses bens são determinados pelo mercado. Por isso o mercado deve ficar livre de regulações externas para que o mecanismo de preços, que é de sua alçada, assegure como uma "mão invisível" a livre compra, por parte de todos, dos bens desejados; mas, para tanto, o Estado não deve prover, a ninguém, esses bens. Ou melhor, os liberais reconhecem que existem "bens públicos" (saúde, educação). Contudo, consideram que estes só devem ser providos pelo Estado quando, por sua natureza, não forem mercantilizáveis. Portanto, ao Estado caberia apenas prevenir ou controlar o que chamam de "maus públicos", como: poluição, epidemias, desordem social, crimes. Para além disso, a intervenção do Estado ameaçará o equilíbrio da economia do qual o bem-estar social depende (Dean, 2006, p. 59). associada a Adam Smith (1776) e David Ricardo (1817), que fundamenta os ideários e as práticas sociais neoclássicas e neoliberais contemporâneas, triunfantes desde o final dos anos 1970. E de outro lado - como um contraponto indispensável - a tradição, associada a Marx (1887), da economia política crítica3 3 . A economia política crítica tem como premissa a crítica ao capitalismo. Seu principal argumento é de que o trabalho, que produz bens para o consumo humano, também produz valor excedente (mais-valia), que é separado da utilidade desses bens e apropriado pelo empregador sob a forma lucro. Isso impulsiona um processo sem remorsos de acumulação do capital, porque escamoteia a exploração do trabalhador. Mas, tal acumulação, a despeito de sustentar o sistema como um todo, não assegura o seu equilíbrio natural, anunciado pela economia política clássica, e é inerentemente tendente a crises (Dean, 2006). É devido a essa tendência que o capitalismo depende do Estado e de suas medidas protetivas (Gough, 1982), pois os investimentos em saúde e educação, por exemplo, produzem os seguintes efeitos: aumentam, contraditoriamente, a produtividade do trabalho; a provisão de benefícios e serviços reduz, conforme Dean (2006), o custo de vida dos trabalhadores e o salário a ser pago pelos empregadores; e as consequências socialmente benéficas da intervenção do Estado acabam por legitimar o sistema. às economias políticas clássica, neoclássica e neoliberal.

Portanto, não basta analisar a proteção social pelo ângulo da economia política para ter garantida uma visão holística da dinâmica dos processos econômicos e políticos que subjazem a essa proteção. É preciso qualificar a economia política que melhor fornece essa garantia e propicia uma visão global e complexa das medidas protetivas do Estado capitalista como algo que articula, contraditoriamente, estrutura e sujeitos históricos e extrapola a mera provisão social.

Tal entendimento explica, neste texto, a recorrência simultânea a essas duas tradições de pensamento, até porque ambas continuam em pauta - e eu diria: revigoradas, principalmente a primeira - e estão na base da velha batalha de paradigmas que transforma o campo aparentemente simples, neutro e pragmático da proteção social em uma arena de conflitos de interesses de classes e, portanto, de projetos societários e de éticas de política social antagônicos.

Entretanto, só isso não justificaria a recorrência simultânea às duas tradições mencionadas. Para além da necessidade intelectual e política de conhecê-las e confrontá-las, com vista a separar, com conhecimento de causa, o joio do trigo, existe outro propósito a ser levado em conta: o de não confundi-las e misturá-las; ou melhor, o de evitar incorrer no equívoco bastante comum, também neste campo de estudo, de fazer leituras de conteúdos e categorias marxianos filtradas pela lente da economia política clássica4 4 . Segundo Carcanholo (2012), essa postura está muito presente nas interpretações correntes sobre a teoria do valor trabalho no Brasil. Na última década, em que pese o interesse por Marx nos debates acadêmicos e em universidades brasileiras, a teoria do valor marxiana vem sendo desfigurada por leituras apoiadas no pensamento ricardiano (de David Ricardo), o qual não consegue interpretar satisfatoriamente categorias centrais dessa teoria, como, por exemplo, o trabalho. Em Ricardo, diz Carcanholo (p. 21), o trabalho "aparece como um 'simples' fator de produção". - o que redundaria não em simples ecletismo, mas em deformações analíticas sérias da realidade concreta da proteção social capitalista.

Relação entre proteção social e trabalho: um dilema secular nas sociedades divididas em classes

Tendo em mente as considerações introdutórias apresentadas, neste tópico será tratado, criticamente, o secular dilema presente na relação entre proteção social e trabalho, tido este como a força motriz da acumulação e concentração de riqueza, o que, nos limites do sistema capitalista, comporta: lutas por direitos sociais e avaliação sobre a pertinência da associação desses direitos com esse tipo de trabalho.

Essa demarcação analítica faz-se necessária porque a relação dilemática entre proteção social e trabalho é inescapável em sociedades divididas em classes, mormente na capitalista em curso, cuja principal característica é a de submeter todas as atividades sociais ao reino da mercadoria e de sobrepor as necessidades (de lucro) do capital às mais elementares necessidades humanas. E também pelo fato de a sociedade capitalista de hoje constituir um locus onde se multiplicam e se sedimentam contradições e crises no rastro de um processo tal de valorização do capital que, como diz Chesnais (1997), "há muito já deu o que tinha de dar de positivo" (p. 8). Ou, nas palavras mais contundentes de Mészáros (2002): a sociedade capitalista de hoje não mais consegue mascarar com reformas o rastro de destrutividade deixado pelo capital em sua busca incessante por valorização, o que impõe à humanidade tarefas revolucionárias. Daí por que as opções postas atualmente, segundo Mézáros, não serem mais "socialismo ou barbárie", mas sim "socialismo ou destruição da humanidade".

Nesse cenário trágico, o termo proteção social não remete automática e exclusivamente à segurança social dos trabalhadores, e dos pobres em geral, garantida como direito contra o despotismo do poder estrutural do capital, que nada tem de social, de público, de civilizatório e muito menos de benemerente ou assistencial.

E quando se fala de poder estrutural do capital, conforme Gough (2003), não se está fazendo referência apenas ao poder de influência e de pressão dos agentes capitalistas - "instituições comerciais, financeiras, organizações patronais, associações industriais e outras, [que] exercem, de fato, papel crucial no processo político"5 5 . No original: "instituciones comerciales, financieras, organizaciones de empleadores, asociaciones industriales, y otros [que] juegan, de hecho, un rol crucial en el proceso político". (Idem, p. 111) -, mas também se está falando da capacidade de autovalorização ascendente do capital, como relação, que a tudo subjuga (Gough, 2003), de forma naturalizada, e agora livre de amarras institucionais e de contrapontos ideológicos fortes desde a autodissolução da União Soviética.

Sob esse poder estrutural, a proteção social pensada como um tipo de provisão de bem-estar coletivo tem sofrido as seguintes injunções, para não dizer desmoralizações, principalmente quando se destina aos mais pobres: é tratada, pejorativamente, como tutela ou paternalismo estatal, o que desqualifica o seu status de política pública e estigmatiza tanto os que com ela trabalham quanto os que a ela fazem jus. Contudo, contraditoriamente, apesar de menosprezada, ela não é descartada pelo sistema que a engendra, mas colocada a serviço da satisfação das insaciáveis necessidades do capital, em detrimento da satisfação das necessidades sociais, que vem sendo ostensivamente rebaixadas em nível bestial de sobrevivência animal.

Este é um expediente tecnocrático corrente, arbitrado por organismos internacionais, e adotado inclusive no Brasil para diminuir artificialmente a pobreza e a desigualdade e, por consequência, o montante de demandantes credenciados ao acesso às políticas sociais, agora focalizadas. E com isso pode ser liberada, estatisticamente, da condição de indigência, uma camada populacional que, não obstante pobre, passa a ser identificada como classe média.

O irônico desse arranjo é que ele é avalizado por parcelas consideráveis da sociedade, as quais imbuídas dos princípios e valores antissociais da economia política clássica dominante, absorvem e repetem os mantras liberais que legitimam e fortalecem o poder estrutural do capital, tais como:

• o indivíduo deve ser incentivado a autossatisfazer as suas necessidades;

• é da natureza humana o ímpeto para maximizar o prazer por meio da competição e do consumo constante;

• não há instituição mais eficiente, eficaz e democrática de provisão do bem-estar humano do que o mercado.

E todos esses mantras têm como fundamento a concepção liberal de que não há melhor fonte de bem-estar humano do que o trabalho, já que é por meio deste que se criam os meios dignos de autossustentação. Portanto, havendo trabalho, como um conceito unívoco, não há necessidade de proteção social pública. Este é um ponto que merece maior explicitação e que será retomado mais adiante neste texto. Por enquanto, vale continuar mostrando como a relação dilemática entre proteção social e trabalho é antiga e não dá sinais de esgotamento.

A renitência da relação dilemática entre proteção e trabalho: prevalência da ética capitalista do trabalho sobre o direito

Efetivamente, na retórica que louva o labor como atividade dignificante, o mercado livre, o individualismo possessivo; o mérito como antítese do direito e a ética hedonista do prazer imediato e fugaz, o comprometimento do poder público, com a garantia dos direitos sociais, torna-se desacreditado. Não porque o capital independa do Estado para garantir o trabalho assalariado e a manutenção de um exército de reserva, que lhe são essenciais. Mas porque a linguagem e a cultura dos direitos sociais,6 6 . A diferença dos direitos sociais em relação aos direitos individuais, principalmente os civis, reside no fato de os primeiros serem presididos por princípios e critérios rejeitados pelos últimos. Assim, enquanto os direitos individuais orientam-se pelo princípio da liberdade negativa, tão cara aos liberais, porque nega a interferência do Estado em esferas individuais protegidas, como o mercado, os direitos sociais orientam-se pelo princípio da liberdade positiva e pela noção de igualdade que exige do Estado a devida intervenção. diferentemente dos direitos individuais, trazem para o âmbito da exploração do trabalho assalariado o questionamento de seus abusos.

Não foi à toa que a conquista dos direitos sociais constituiu uma bandeira de luta de movimentos sindicais e socialistas desde o século XIX, como forma de frear, ainda que reformisticamente, o poder despótico do capital.7 7 . Essa conquista foi vista por Marx como a vitória do seguinte princípio: de que é possível os trabalhadores confrontarem, no próprio seio do capitalismo, o despotismo do capital (Mishra, 1982). Mas também não foi à toa que, em contraposição a essa luta, o chamado Estado social, que se iniciou no final do século XIX e se estabeleceu no segundo pós-guerra - e que mal ou bem assegurava direitos sociais -, tenha sido o tempo todo contestado pelos neoliberais e alvejado com alcunhas depreciativas como: Nanny State (Estado babá) ou Santa Claus (Papai Noel); ou então Estado ambulância ou Salva-vidas, como foi chamado, nas primeiras décadas do século XX, o Estado inglês, pressionado pelos movimentos democráticos de massa a criar postos de trabalho e seguro-desemprego. Isso sem falar de outros epítetos originalmente depreciativos ou restritivos, que até hoje fazem parte da literatura da política social, como: Estado benfeitor, Estado providência, Estado previdência (restringido ao seguro) e Estado assistencial (como sinônimo de paternalismo).

Esta depreciação orquestrada da proteção social devida pelo Estado (que só a retórica intransigente da direita sabe fazer),8 8 . A esse respeito, ver Hirschman (1992), que disserta sobre os discursos, argumentos e retóricas conservadores, os quais, convincentemente, procuram "desalojar e derrubar as políticas e movimentos de ideias 'progressistas'" (p. 15), particularmente relacionadas ao Estado social e aos direitos de cidadania. sempre foi tão eficiente que os governantes preferiam ser vistos como remediadores de males sociais produzidos pelo capitalismo do que protetores das vítimas desses males. Para citar um exemplo dessa postura, o "grande estadista" Winston Churchill, quando ainda era ministro do Comércio na Grã-Bretanha, explicitou, em 1908, o seguinte pensamento a respeito da proteção social que ele deveria providenciar: "não tem sido a nossa intenção levar o trabalhador à terra firme, mas sim colocá-lo em um salva-vidas" (Timms, 2000, p. 29). Nessa retórica já se observa, sub-repticiamente, o emprego preferencial da palavra relief (alívio da pobreza) nos programas de proteção social, palavra atualmente muito usada nos Estados Unidos e também no Brasil. Hoje, os governantes brasileiros se sentem muito à vontade em falar de alívio da pobreza e em registrar nos documentos oficiais essa intenção como meta de suas políticas de combate à indigência.

Outro exemplo da mesma espécie tem como protagonista quem menos se esperava: William Beveridge, o coordenador do sistema de Seguridade Social britânico que, nos anos 1940, diferentemente do sistema congênere alemão, inaugurado no século XIX pelo chanceler conservador Otto Von Bismarck, ampliou a cobertura da seguridade para quem não estava inserido no mercado de trabalho. Entretanto, ao se referir em público ao seu famoso Sistema de Seguridade Social, Beveridge fez a seguinte ressalva: de que não queria criar um Estado Santa Claus (Papai Noel), que desse a impressão de oferecer algo em troca de nada (Timms, 2000, p. 77).

Essa foi, a meu ver, a senha para a difusão da concepção, autoconsiderada progressista, que perdura até hoje: para que a proteção social mereça respeito público, não basta que esteja ancorada no direito, tal como previa o próprio Plano Beveridge; mas, acima de tudo, que não destoe da ética utilitarista e meritocrática capitalista, que exige: trabalho como sacrifício, cobrança de contrapartidas e regência da lógica da troca contratual, que tem nas condicionalidades (associadas à reprodução da força de trabalho) o seu salvo-conduto.

Em vista do exposto, é possível constatar que quanto mais a proteção social capitalista se desvincula do trabalho assalariado ou autorremunerado e do controle de situações identificadas como vagabundagem, mais essa proteção é malvista, esvaziada de dignidade e alvo de desqualificações. Em compensação, quanto mais essa proteção se vincula ao trabalho assalariado e se mercantiliza, mais é bem-vista e merecedora de credibilidade e prestígio social.

Tal fato explica por que o grande dilema da proteção social capitalista de ontem e de hoje, seja o de como lidar com o exército de reserva criado pelo próprio sistema para se reproduzir; ou de como fazer para evitar que os pobres aptos para o trabalho, mas sem trabalho, ao serem protegidos como sujeitos de direitos, fiquem "mal acostumados" e deixem de se guiar pela ética capitalista, de acordo com a qual só o trabalho enobrece o homem e o livra da miséria material e moral (Higgins, 1981).

A existência desse dilema é tão antiga que ela pode ser detectada inclusive nas formações sociais pré-capitalistas que na Europa, a partir do século XIV, instituíram as chamadas Leis dos Pobres para, em tese, regular a pobreza que se acentuava por ocasião da lenta passagem da ordem feudal para a capitalista. Porém, como é de conhecimento geral, a força motriz dessas leis - "grotescas e terroristas", no dizer de Marx (1984, p. 277) - era a preocupação com os pobres aptos para o trabalho, a ponto de a última dessas leis, de filiação liberal, criada em 1834, ter radicalizado essa preocupação.

São dessa Lei dos Pobres, de 1834, as seguintes medidas contrárias à proteção social pública, que foram resgatadas contemporaneamente, inclusive no Brasil:

a) A distinção conceitual entre pobreza e indigência, para focalizar a assistência pública nos mais pobres entre os pobres.

b) A ativação compulsória dos pobres capazes de trabalhar para atividades produtivas, remuneradas, geralmente providenciadas pelo próprio Estado.

c) A instituição dos testes de meios ou as famigeradas comprovações de pobreza para selecionar os merecedores da ajuda pública dos não merecedores.

d) A adoção de condicionalidades e do princípio da menor elegibilidade de acordo com o qual o valor monetário dos benefícios sociais terá de ser menor do que o pior salário.

Essas medidas de controle da pobreza, que estigmatizavam e puniam os pobres, foram, e continuam sendo, funcionais aos objetivos capitalistas de fortalecer a economia de mercado e o trabalho assalariado. Tanto isso é verdade que mesmo na "era de ouro"9 9 . Período compreendido entre os anos 1945 e 1975, também chamado pelos franceses de trinta anos gloriosos. "Nesse período, especialmente entre as décadas 1950 e 1970, o Estado dos países capitalistas centrais do Ocidente, excluindo o dos Estados Unidos, se comprometia a garantir o pleno emprego, a cobertura universal de serviços sociais (como saúde e educação) e o estabelecimento de um mínimo de proteção social a toda a população. Tudo isso era realizado, sob o signo da cidadania (como dever do Estado e direito do cidadão) e orientado por duas principais doutrinas de feição coletivista, articuladas entre si: uma, econômica, concebida pelo economista inglês John Maynard Keynes (denominada doutrina keynesiana), e outra social, liderada pelo estrategista político, também inglês, William Beveridge (criador do famoso sistema de seguridade social do segundo pós-guerra)" (Pereira-Pereira, 2010, p. 2). do Estado social, de filiação social-democrata, o atrelamento da proteção social ao trabalho tornou-se prioritária. Não foi por acaso que o primeiro programa nacional de segurança social assumiu a forma de compensação aos acidentes de trabalho (Pierson, 1991). A Alemanha instituiu esse programa em 1884, seguida da Grã-Bretanha, em 1897; da Dinamarca, França e Itália, em 1898; da Suécia e Holanda, em 1901; e dos Estados Unidos, em 1908 (Higgins, 1981).

Ao lado dessas iniciativas, o desemprego constituiu uma questão candente. Segundo Heclo (apud Higgins, 1981, p. 65; tradução nossa):

[embora] o desemprego não tenha sido a primeira área a ser atacada pela moderna política social, ela foi a mais estratégica. Durante quatro séculos a preocupação motriz por trás da maioria das mudanças na política e nas leis dos pobres tinha sido o problema dos pobres saudáveis. Sem dúvida, uma das principais razões para esta atenção em detrimento de todos os grupos necessitados era a preocupação do Estado com o alívio da pobreza como um instrumento de ordem social.10 10 . "Unemployment was not the first area of need to be attacked by modern social policy, but it was perhaps the most strategic. For four centuries the driving concern behind most changes in poor law policy had been the problem of the 'able-bodied poor'. Undoubtedly a key reason for this policy attention to the able-bodied over all other needy groups lay in the state's concern with poor relief as a tool of social order."

Fica claro, portanto, que apesar de a classe trabalhadora ser o grupo mais organizado e capaz de arrancar conquistas sociais, é sintomático que, em meio a tantas privações dessa classe, tenham sido privilegiados os ganhos que incidiam diretamente na sua produtividade laboral. Até mesmo a Seguridade Social beveridgiana, já citada, a despeito de sua abrangência e vinculação com o direito, tinha como espinha dorsal o seguro social contributivo, pago por quem trabalhava ou possuía renda, enquanto as ações sociais não contributivas eram inseridas nos chamados serviços afins - fato que voltou a vigorar com força nos dias correntes. Hoje no Brasil tudo o que não for contributivo é renegado pela maioria da opinião pública; é chamado de esmola. Até mesmo a previdência rural é rechaçada pelos neoliberais por não cobrar diretamente do trabalhador do campo contrapartida em dinheiro.11 11 . Ver, como exemplo, documento intitulado "Agenda perdida" (2002), elaborado por dezessete economistas de filiação liberal, com o objetivo de assessorar candidatos à presidência da República. Nesse documento a aposentadoria rural foi qualificada como "política compensatória, com base na transferência de renda, que alivia a pobreza" (p. 46).

Isso conduz à seguinte inferência: de que, no capitalismo, a proteção social sempre foi funcional ao processo de acumulação, embora contraditoriamente ela tenha constituído um meio de defesa dos trabalhadores contra a exploração exacerbada do capital. Pode-se até mesmo afirmar que o objetivo do bloco no poder que a cultiva e a regula não é propriamente o alívio da pobreza, embora a palavra relief esteja na moda; mas, de um lado, regular os conflitos gerados pelo desemprego e, de outro, manter e reforçar o trabalho assalariado de baixa remuneração, útil ao aumento do consumo, cada vez mais incentivado pela ampliação dos sistemas de créditos. E, com base nessa inferência, indaga-se: que ilações podem ser feitas a respeito da pertinência da associação da proteção social, atrelada ao trabalho, com o direito social.

Pode-se dizer que o trabalho é um direito a ser concretizado pela proteção social?

Como já anunciado, retoma-se neste tópico a reflexão que ficou em suspenso a respeito da afirmação liberal de que, havendo trabalho não haverá necessidade de proteção social pública. Contudo, o objeto da reflexão que aqui será desenvolvida não é propriamente essa afirmação, mas a contraposição endereçada a ela, por parte de uma particular corrente antiliberal bem intencionada, mas que concebe como a principal política de proteção social o trabalho. Portanto, para essa corrente, proteção social e trabalho não seriam excludentes, mas, ao contrário, conviventes, desde que mediada pelo direito social; e seria o envolvimento da proteção com o trabalho, ou com seus derivados (emprego, salário, renda, seguro), que a enobreceria e a livraria da ingrata ou infeliz identificação com ações de caráter assistencial.

Essa é uma visão que tem origem internacional, particularmente na Europa, e que, desde os anos 1980, vem indicando preocupações de estudiosos dessa temática com a chamada "crise" do Estado social dos fins dos anos 1970, a qual seria responsável pela retração da demanda por Seguro Social (Previdência Social no Brasil) em decorrência do aumento do desemprego.

Além disso, tais estudiosos, dentre eles Ditch e Oldfield (1999), perceberam que, subjacente ao desemprego e a outras mudanças socioeconômicas, demográficas, familiares, migratórias, étnicas, havia o aumento de programas de assistência social como uma forma de compensar perdas sociais advindas da falta de trabalho remunerado. "Há grande percepção de que os esquemas de assistência social cresceram em importância",12 12 . "There is a widespread perception that social assistance schemes are growing in importance". afirmaram os referidos autores (p. 65), ao mesmo tempo em que faziam referência a um estudo anterior, realizado, em 1996, por Eardley e outros, o qual demonstrava que, entre os anos 1980 e 1993, ocorreu um aumento estável da significância da assistência social, tanto em volume de gastos quanto em quantidade de atendimentos. Essa percepção deu ensejo a que Ditch e Oldfield realizassem um estudo comparado das tendências do crescimento da assistência social e da retração do seguro, em 24 países europeus - no período compreendido entre maio de 1993 e maio de 1996 -, mediante o qual identificaram sete modelos de assistência social. Tais modelos, segundo os autores, possuíam objetivos políticos e estruturas de distribuição de benefícios e serviços diferenciados, além de padrões distintos de inovação e adaptação às mudanças. Mas isso não constituiu dificuldade para eles identificarem e classificarem a assistência em sete modelos. O difícil, certamente, foi elaborar uma definição de assistência social que servisse de parâmetro para a associação dessa política ao velho alívio da pobreza e ao diagnóstico de que ela, assim definida, tendia a corroer as premissas básicas dos tradicionais sistemas de proteção social da Europa Ocidental (Hanesch, 1999). E mais, que diante desse estrago (causado pela assistência social) só haveria uma saída (hoje revisitada): diminuir os gastos com assistência, fazendo-a impulsionar os seus demandantes para o mercado de trabalho e para os sistemas de empregos a serem providos via inter-relação Estado e mercado, como vem acontecendo na Dinamarca com a política denominada flexicurity (flexissegurança).

Voltando a definição de assistência, Ditch (1999, p. 59; tradução nossa), em outro artigo elaborado individualmente, assume que não há uma única, ou universalmente aceita, definição de assistência social.

O primeiro passo, [diz ele] na busca dessa definição seria distinguir os três métodos básicos pelos quais qualquer Estado pode alocar recursos para indivíduos e famílias. Estes são, em primeiro lugar, benefícios "universais", não relacionados a qualquer renda ou situação de emprego, mas alocados aos cidadãos que caem em uma categoria social específica. Em segundo lugar, há benefícios de seguro social, relacionados ao emprego e à prática contributiva. E, em terceiro lugar, há os benefícios relacionados à renda que exigem testes de meio e cuja elegibilidade para o acesso dos mesmos depende de uma avaliação atualizada de bens.13 13 . "A first step in pursuit of such a goal is to distinguish the three basic methods by which any state can allocate resources to individuals or households. These are, first, the universal or contingency benefits, not related to either income or employment status, but allocated to citizens falling within a specific social category. Second, there are social insurance benefits, which are related to employment status and contribution record. Third, there are the means-tested or income-related benefits, where eligibility is dependent on an assessment of current or recent and/or assets."

Na terceira categoria que, de fato, é a que expressa a concepção europeia de assistência social, o autor distingue três tipos: assistência geral, que provê benefícios em dinheiro para todos, ou quase todos, situados abaixo de um padrão mínimo de pobreza estabelecido (ex.: renda mínima); assistência categorial, que provê ajuda em dinheiro a grupos específicos (ex.: créditos familiares, auxílio-desemprego); e assistência vinculada, que provê aos necessitados o acesso a bens e serviços específicos, em dinheiro ou em espécie (ex.: merenda escolar).

Em suma, a assistência social, tal como vem sendo majoritariamente definida a partir do chamado Primeiro Mundo, constitui um "benefício de último recurso" (last resort) (Ditch, 1999) ou uma forma de garantir renda mínima dentro do sistema de proteção social mais amplo (Guibentif e Bouget, 1997, apud Ditch, 1999). E, evidentemente, com esse sentido, ela não pode e nem deve ser legitimada; pois, embora componha esse sistema, seu papel é contingente e, portanto, dependente da estrutura e do sucesso da economia, o que causa realmente espécie e repúdio o fato de ela vir ganhando expansão. Nisso, não há discordância de minha parte.

Todavia, transplantando mecanicamente essa tendência internacional para o Brasil, onde a concepção de assistência social - prevista na Constituição Federal vigente, promulgada em 1988, e na legislação regulamentadora dessa matéria constitucional - é de uma política pública, de seguridade social, garantidora de direitos sociais, vale questionar: o que vem ganhando importância? Será a política pública de assistência social ou o seu desmonte e regresso à concepção conservadora de um triste passado, hoje ressuscitado em um contexto internacional socialmente decadente? O mesmo questionamento vale para a saúde, a educação e todas as demais políticas sociais sucateadas, mas que não devem ser confundidas com o seu sucateamento.

Para a autora deste texto, tanto a assertiva antiliberal de que a principal política de proteção social é o trabalho quanto a afirmação de que a assistência social está se sobrepondo às demais políticas, merece qualificação cuidadosa, para não se incorrer no equívoco de falar de trabalho e de assistência de forma unívoca e nem cair na tentação de legitimar concepções liberais-conservadoras. Em vista disso, é preciso, de partida, responder as seguintes questões: se a grande preocupação da proteção social capitalista é com o trabalho, qual é o trabalho que desperta essa preocupação? Que trabalho se afigura como direito à proteção social pública? E qual é a ética do trabalho pela qual se rege essa proteção?

É óbvio que o trabalho de que falam os defensores da ideologia burguesa é o assalariado, inerentemente explorador, alienado, hostil à emancipação humana. E, portanto, um trabalho que representa uma distorção violenta do trabalho que, nos termos da economia política crítica, define a espécie humana; isto é, do trabalho entendido como uma necessidade humana vital, mediante o qual homens e mulheres interagem positivamente com o mundo que os cerca e com a natureza, não só para terem os seus carecimentos materialmente atendidos, mas também para desenvolver coletivamente a sua própria humanidade. Logo, o trabalho assalariado é incompatível com a linguagem dos direitos sociais, que, em tese, não se pauta pelo princípio da competição e da exploração. Pelo contrário, tais direitos, no capitalismo, deveriam proteger, inclusive mediante a política pública de assistência, os cidadãos trabalhadores das consequências adversas do trabalho assalariado, movendo para tanto meios e recursos não mercantilizados de prevenção e intervenção.

Nesse sentido, se o ser humano tem direito ao trabalho, tal como está escrito nas Declarações dos Direitos Humanos, esse direito não deveria ter como fundamento a necessidade de lucro do capital; mas sim a vital necessidade humana de exercer um trabalho que não se confunda com labor precário, escravizador, e nem com a ética hedonista do consumo induzido pela propaganda, pelas facilidades creditícias, pelo incentivo ao endividamento e pela monetização da proteção social.

Eis por que o direito ao trabalho assalariado é um contrassenso na perspectiva da economia política crítica, pois esse tipo de trabalho se impõe ao trabalhador como uma atividade desprovida de qualquer opção que não seja a miséria ou a morte. Portanto, em vez de direito, ele se torna uma provação e penitência, que é preciso destruir.

É pela perspectiva da provação e da penitência que a renda e o dinheiro se tornaram o parâmetro de todas as definições no âmbito da proteção social capitalista: seja da distinção entre pobreza e miséria; das linhas de pobreza e miséria arbitradas tecnicamente; da seleção dos merecedores e não merecedores de benefícios e serviços sociais; dos objetivos das políticas sociais; seja de tudo o que conduz ao alcance de uma pretensa "boa vida", como a competição, a propriedade privada, a usura, o consumo conspícuo, o mérito associado ao poder aquisitivo, entre outros expedientes do gênero.

No capitalismo, o trabalho assalariado, para se reproduzir, não precisa ser elevado à condição de direito, pois a própria dinâmica do capital se encarrega de ativar esse trabalho entre outras formas de exploração humana, inclusive com a contribuição das políticas sociais, agora usadas na contramão da cidadania, como: a educação, que atualmente se degrada ao ficar restrita a adequar formação de recursos humanos às demandas do mercado de trabalho e a treinar desempregados para a sua reinserção neste mercado ou em atividades economicamente produtivas; a previdência, que está sendo restringida a mero seguro; a saúde que está se transformando em mercadoria a olhos vistos; e a assistência, que se degrada por sua dupla qualificação perversa: como relief (alívio da pobreza) e como agenciadora de força de trabalho pouco qualificada para o mercado de trabalho e de consumo de massa. E, nesse sentido, ela constitui um desserviço público e, portanto, não assiste.

A modo de conclusão

Esta é a ortodoxia do momento, imposta pela própria lógica destrutiva do capital, que transformou o campo da proteção social num grande e lucrativo mercado de compra e venda de serviços sociais crescentemente privatizados e de uma força de trabalho profissional submetida aos caprichos e azares de seus desígnios. No caso da assistência social, esta política precisou sofrer reciclagem na sua tradicional concepção liberal: se antes era considerada um colchão protetor de possíveis resvalos dos mais pobres para abaixo de uma linha de pobreza oficialmente arbitrada, hoje ela funciona como um trampolim, na concepção do Banco Mundial, cuja principal tarefa é ativar os pobres para fora de seu âmbito rumo a sua autossustentação. Este é o grande e "meritório" trabalho exigido dos profissionais que atuam nessa área: ser ativadores ou empoderadores não exatamente de pessoas (o que já seria estranho), mas da expansão do mercado. Isso porque, a proteção social nunca esteve, como agora, tão associada ao trabalho assalariado, à renda, ao mérito associado ao poder de consumo, ao consumo conspícuo, à lógica comercial e, por isso, nunca esteve tão distanciada da proteção social como um direito devido e desmercadorizado.

Diante desse quadro, seria mais apropriado dizer que a noção de proteção social, em seu conjunto, está se afastando da concepção de direito do trabalhador de ser protegido e assistido contra as consequências do trabalho assalariado, que gera desemprego e miséria, para se identificar com a obrigação de todos a se inserirem ou se pautarem pelos ditames desse tipo de trabalho.

De onde se conclui que se for o caso de eleger uma tendência representativa da proteção social contemporânea, deve-se dizer que ela está sofrendo um processo contínuo de laborização e monetização, que exige o desmonte da cidadania social e redunda numa regulação antissocial e perversa, que mais pune do que protege (ou assiste) o trabalhador, em benefício do capital.

Este é um imbróglio que suscita mais indagações do que respostas. Mas, fica aqui a convicção de que, para que esse imbróglio seja solvido no interesse dos que anseiam por um mundo baseado em princípios e valores substantivamente igualitários, tem-se que pensar em alternativas que revolucionem o atual estado de coisas, incluindo a ética hedonista de bem-estar e a forma de analisar a contemporânea realidade extremamente complexa.

Recebido em 5/6/2013

Aprovado em 30/7/2013

  • CARCANHOLO, Reinaldo. Marx, Ricardo e Smith: sobre a teoria do valor trabalho. Vitória: Edufes, 2012.
  • CHESNAIS, François. O capitalismo de fim de século. In: COGGIOLA, Osvaldo (Org.). Globalização e socialismo. São Paulo: Xamã, 1997 (Col. Fora da Ordem.
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  • VV.AA. Agenda perdida: diagnósticos e propostas para a retomada do crescimento com justiça social. Rio de Janeiro, set. 2002.
  • 1
    . A quem beneficia?
  • 2
    . A economia política clássica, ou liberal, privilegia o funcionamento do mercado. Seus mentores e adeptos acreditam que os bens necessários ao consumo refletem a quantidade de trabalho despendida para produzi-los. Contudo, os preços desses bens são determinados pelo mercado. Por isso o mercado deve ficar livre de regulações externas para que o mecanismo de preços, que é de sua alçada, assegure como uma "mão invisível" a livre compra, por parte de todos, dos bens desejados; mas, para tanto, o Estado não deve prover, a ninguém, esses bens. Ou melhor, os liberais reconhecem que existem "bens públicos" (saúde, educação). Contudo, consideram que estes só devem ser providos pelo Estado quando, por sua natureza, não forem mercantilizáveis. Portanto, ao Estado caberia apenas prevenir ou controlar o que chamam de "maus públicos", como: poluição, epidemias, desordem social, crimes. Para além disso, a intervenção do Estado ameaçará o equilíbrio da economia do qual o bem-estar social depende (Dean, 2006, p. 59).
  • 3
    . A economia política crítica tem como premissa a crítica ao capitalismo. Seu principal argumento é de que o trabalho, que produz bens para o consumo humano, também produz valor excedente (mais-valia), que é separado da utilidade desses bens e apropriado pelo empregador sob a forma lucro. Isso impulsiona um processo sem remorsos de acumulação do capital, porque escamoteia a exploração do trabalhador. Mas, tal acumulação, a despeito de sustentar o sistema como um todo, não assegura o seu equilíbrio natural, anunciado pela economia política clássica, e é inerentemente tendente a crises (Dean, 2006). É devido a essa tendência que o capitalismo depende do Estado e de suas medidas protetivas (Gough, 1982), pois os investimentos em saúde e educação, por exemplo, produzem os seguintes efeitos: aumentam, contraditoriamente, a produtividade do trabalho; a provisão de benefícios e serviços reduz, conforme Dean (2006), o custo de vida dos trabalhadores e o salário a ser pago pelos empregadores; e as consequências socialmente benéficas da intervenção do Estado acabam por legitimar o sistema.
  • 4
    . Segundo Carcanholo (2012), essa postura está muito presente nas interpretações correntes sobre a teoria do valor trabalho no Brasil. Na última década, em que pese o interesse por Marx nos debates acadêmicos e em universidades brasileiras, a teoria do valor marxiana vem sendo desfigurada por leituras apoiadas no pensamento ricardiano (de David Ricardo), o qual não consegue interpretar satisfatoriamente categorias centrais dessa teoria, como, por exemplo, o trabalho. Em Ricardo, diz Carcanholo (p. 21), o trabalho "aparece como um 'simples' fator de produção".
  • 5
    . No original: "instituciones comerciales, financieras, organizaciones de empleadores, asociaciones industriales, y otros [que] juegan, de hecho, un rol crucial en el proceso político".
  • 6
    . A diferença dos direitos sociais em relação aos direitos individuais, principalmente os civis, reside no fato de os primeiros serem presididos por princípios e critérios rejeitados pelos últimos. Assim, enquanto os direitos individuais orientam-se pelo princípio da
    liberdade negativa, tão cara aos liberais, porque nega a interferência do Estado em esferas individuais protegidas, como o mercado, os direitos sociais orientam-se pelo princípio da
    liberdade positiva e pela noção
    de igualdade que exige do Estado a devida intervenção.
  • 7
    . Essa conquista foi vista por Marx como a vitória do seguinte princípio: de que é possível os trabalhadores confrontarem, no próprio seio do capitalismo, o despotismo do capital (Mishra, 1982).
  • 8
    . A esse respeito, ver Hirschman (1992), que disserta sobre os discursos, argumentos e retóricas conservadores, os quais, convincentemente, procuram "desalojar e derrubar as políticas e movimentos de ideias 'progressistas'" (p. 15), particularmente relacionadas ao Estado social e aos direitos de cidadania.
  • 9
    . Período compreendido entre os anos 1945 e 1975, também chamado pelos franceses de trinta anos gloriosos. "Nesse período, especialmente entre as décadas 1950 e 1970, o Estado dos países capitalistas centrais do Ocidente, excluindo o dos Estados Unidos, se comprometia a garantir o pleno emprego, a cobertura universal de serviços sociais (como saúde e educação) e o estabelecimento de um mínimo de proteção social a toda a população. Tudo isso era realizado, sob o signo da cidadania (como dever do Estado e direito do cidadão) e orientado por duas principais doutrinas de feição coletivista, articuladas entre si: uma,
    econômica, concebida pelo economista inglês John Maynard Keynes (denominada doutrina keynesiana), e outra
    social, liderada pelo estrategista político, também inglês, William Beveridge (criador do famoso sistema de seguridade social do segundo pós-guerra)" (Pereira-Pereira, 2010, p. 2).
  • 10
    . "Unemployment was not the first area of need to be attacked by modern social policy, but it was perhaps the most strategic. For four centuries the driving concern behind most changes in poor law policy had been the problem of the 'able-bodied poor'. Undoubtedly a key reason for this policy attention to the able-bodied over all other needy groups lay in the state's concern with poor relief as a tool of social order."
  • 11
    . Ver, como exemplo, documento intitulado "Agenda perdida" (2002), elaborado por dezessete economistas de filiação liberal, com o objetivo de assessorar candidatos à presidência da República. Nesse documento a aposentadoria rural foi qualificada como "política compensatória, com base na transferência de renda, que alivia a pobreza" (p. 46).
  • 12
    . "There is a widespread perception that social assistance schemes are growing in importance".
  • 13
    . "A first step in pursuit of such a goal is to distinguish the three basic methods by which any state can allocate resources to individuals or households. These are, first, the universal or contingency benefits, not related to either income or employment status, but allocated to citizens falling within a specific social category. Second, there are social insurance benefits, which are related to employment status and contribution record. Third, there are the means-tested or income-related benefits, where eligibility is dependent on an assessment of current or recent and/or assets."
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Dez 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 2013

    Histórico

    • Recebido
      05 Jun 2013
    • Aceito
      30 Jul 2013
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