Este ensaio analisa os prós e contras decorrentes da tradução de demonstrações de sofrimento humano para uma linguagem padronizada de direitos humanos. Defendo que a experiência da Comissão de Verdade e Reconciliação da África do Sul evidencia de que maneira tal tradução torna o sofrimento humano, ao mesmo tempo, inteligível e ininteligível. De fato, a linguagem de direitos humanos se mostrou significativamente útil ao viabilizar o reconhecimento, outrora inexistente, de eventos pertencentes à história sul-africana, além de ter identificado as vítimas, garantindo-lhes dignidade e, eventualmente, reconhecido a responsabilidade de certos agentes. Não obstante, defendo que esta mesma linguagem desfigurou o depoimento das vítimas de tal maneira que as afastou de suas próprias experiências, além de, por vezes, tê-las traumatizado novamente, o que se revelou, freqüentemente, mais conveniente aos perpetradores do que às vítimas. Afirmo, ainda, que a promessa de reabilitação, sob a qual se reveste o discurso de direitos humanos apresentado pela Comissão, priorizou formas nacionais de reabilitação, em detrimento de reabilitações de caráter individual, bem como possibilitou que o governo da África do Sul substituísse mecanismos materiais de indenização por mecanismos incorpóreos e simbólicos.
Comissão de Verdade; África do Sul; Linguagem de direitos humanos; Trauma; Reabilitação; Indenização