DESCREDENCIAMENTO DA CERTIFICAÇÃO PELA ACREDITAÇÃO HOSPITALAR: PERCEPÇÕES DE PROFISSINAIS¹

Resumos

Estudo descritivo-exploratório, qualitativo, que objetivou analisar as percepções de profissionais acerca do descredenciamento da certificação pela Acreditação hospitalar. Selecionou-se um hospital que perdeu o título de Acreditado com Excelência. Participaram 23 profissionais ligados à assistência ou à gestão hospitalar que, em maio de 2014, responderam a uma entrevista semiestruturada, gravada e norteada pela questão: "Fale-me sobre o descredenciamento da certificação deste hospital, pela Acreditação". Da transcrição e análise temática do conteúdo das entrevistas, foram apreendidas três categorias: descredenciamento da certificação pela Acreditação: causas referidas por trabalhadores; sentimentos negativos relacionados ao descredenciamento da certificação pela Acreditação e; descredenciamento da certificação: motivo insuficiente para o abandono de princípios da Acreditação. Concluiu-se que a perda da certificação pela Acreditação causou sentimento profundo de pesar nos trabalhadores. Apesar disso, por favorecer a qualidade da assistência, os participantes sinalizaram que os princípios essenciais da Acreditação e algumas ações implantadas permanecem no serviço.

Acreditação hospitalar; Gestão da qualidade; Avaliação da qualidade dos cuidados de saúde; Enfermagem

Descriptive, exploratory, qualitative study that aimed to analyze the perceptions of professional certification disqualification by the Hospital Accreditation. A hospital was selectedthat lost the title of Accredited with Excellence. Twenty-three professionals participated who were working in care or hospital management who, in May 2014, answered a semi-structured interview, recorded and guided by the question: "Tell me about the disqualification of the certification of this hospital by the Accreditation". Based on the transcription and thematic analysis of the interviews, three categories emerged: disqualification of certification by Accreditation: grounds mentioned by workers; negative feelings related to the certification of the discredit and Accreditation; Certification disqualification: insufficient reason for abandoning principles of Accreditation. It was concluded that the loss of certification by the Accreditation caused a deep sense of regret among workers. Nevertheless, to favor the quality of care, participants signaled that the essential principles of Accreditation and some implemented actions remain at the service.

Hospital accreditation; Quality management; Quality assurance, health care; Nursing

Estudio descriptivo-exploratorio, cualitativo, con objetivo analizar las percepciones de profesionales sobre la inhabilitación de la certificación por Acreditación Hospitalaria. Fue seleccionado un hospital que perdió el título de Acreditación con Excelencia. Con la asistencia de 23 profesionales que trabajan en cuidado o la gestión do hospital, en mayo de 2014, respondieron a una entrevista semi-estructurada, grabada, guiado por la pregunta: "Háblame del descredenciamiento de certificación de este hospital". La transcripción temática y análisis de contenido de entrevistas, se incautaron tres categorías: Inhabilitación de la Certificación por Acreditación: motivos mencionados por los trabajadores; sentimientos negativos relacionados con el descrédito de la certificación; descalificación de la certificación: razón insuficiente para abandonar los principios de Acreditación. Se concluyó que la pérdida de certificación de Acreditación causó profundo sentimiento de pesar entre los trabajadores. Sin embargo, por favorecer la calidad de atención, los participantes señalaron principios esenciales de Acreditación y algunas acciones implementadas que permanecen en el servicio.

Acreditación de hospitales; Gestión de calidad; Garantía de la calidad del atención de salud; Enfermería

INTRODUÇÃO

Na área da saúde, o fenômeno qualidade, advém da administração, que em meados século XX, teve grande impulso no Japão, no campo da indústria.^1-2 Anos mais tarde, por meio da gestão dos serviços, as instituições de saúde passaram a se preocupar cada vez mais com a prestação, manutenção e avaliação da qualidade da assistência.¹

A avaliação da qualidade na saúde evolui de acordo com as necessidades das organizações e, principalmente, dos seus usuários.² Nesse contexto, as instituições de saúde, por meio da Acreditação, a qual compreende um sistema de gestão da qualidade para avaliação sistemática, reservada e periódica, pautada em padrões de qualidade previamente definidos,^3-4 têm ganhado visibilidade no mundo todo.

Tanto em âmbito nacional como internacional, a Acreditação apresenta benefícios importantes à promoção da qualidade e da segurança do atendimento em saúde. Ao exemplo disso menciona-se o incremento na cultura organizacional em favor da qualidade; comunicação efetiva; fortalecimento da equipe multidisciplinar; padronização de técnicas e; melhorias na prescrição e na administração de medicamentos.^5-7

No Brasil, a participação das instituições de saúde no processo de Acreditação é ainda voluntária e não se caracteriza como responsabilidade do Estado.⁸ Desse modo, as instituições interessadas podem requerer a Acreditação nacional e/ou internacional por meio de organizações não estatais, com ou sem fins lucrativos.⁸ A saber, o principal órgão mantenedor da Acreditação brasileira é a Organização Nacional de Acreditação (ONA), criada em 1999.^2-3,8

Sob influência internacional, a ONA mantém a lógica e o método da Acreditação baseados na racionalização do trabalho; avaliação contínua seguida de planejamento em prol da melhoria; redução de custos e; educação permanente de toda a organização.^3,9 Diante disso, a avaliação pela Acreditação nacional pode ou não gerar uma certificação da qualidade que, neste caso, é estabelecida em três níveis (Acreditado, Acreditado Pleno e Acreditado com Excelência), por meio de critérios crescentes de exigência a serem cumpridos pelo serviço de saúde avaliado.³

Os níveis referidos da certificação de Acreditação mediada pela ONA devem ser continuamente revalidados a fim de que o processo alcance seu objetivo essencial,³ que é a melhoria contínua.^5,9 A certificação de cada nível tem validade prevista para um, dois e três anos e estes períodos são estabelecidos em consonância com a ordem crescente dos próprios estratos da certificação mencionados.^3,5 Destarte, os motivos para não revalidação do selo de qualidade são diversos, comumente relacionados à persistência de não conformidades expressamente descritas no Manual Brasileiro de Acreditação para Organizações de Saúde.³

Apesar de os benefícios advindos da Acreditação, e também, pelo fato de pesquisas relacionadas ao tema ter aumentado no universo nacional e internacional das publicações científicas, ao menos em algumas bases de dados importantes, não se encontram publicações que tenham como objeto o descredenciamento da certificação pela Acreditação. Isso foi constatado em buscas realizadas no mês de setembro de 2014 nas bases de dados online da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS); Scientific Electronic Library Online (SciELO); Literatura Latino-Americana em Ciências da Saúde (LILACS); National Library of Medicine (Pubmed); Base de Dados em Enfermagem (BDENF) referentes ao período de 2004 a 2014, utilizando-se apenas o descritor controlado "Acreditação hospitalar" e seu correspondente na língua inglesa.

Com base na assertiva anterior e no fato de que a Acreditação apresenta benefícios importantes à qualidade na área da saúde, reforça a necessidade de estudos que abordem o problema de pesquisa apresentado porque, o conhecimento de eventos relacionados ao descredenciamento da certificação pela Acreditação hospitalar, tais como suas causas e consequências, pode auxiliar os gestores de instituições de saúde na manutenção do processo e, também, elucidar dúvidas ainda não exploradas por aqueles que almejam a certificação.

Diante do exposto, o presente estudo se alicerça na seguinte questão: Como os profissionais percebem o descredenciamento da certificação do hospital onde atuam? E, para responder a essa questão, o objetivo desta investigação consiste em analisar as percepções de profissionais acerca do descredenciamento da certificação pela Acreditação hospitalar.

METODOLOGIA

Estudo descritivo-exploratório, de abordagem qualitativa, realizado em um hospital geral, situado no sul do Brasil. O local de estudo foi selecionado por meio dos seguintes critérios: ser hospital geral, situado no Estado do Paraná; e que teve a certificação de Acreditação (independente de seu nível) cancelada há menos tempo, segundo a página eletrônica relativa às certificações canceladas da ONA. Em consulta realizada à luz destes critérios, em novembro de 2013, selecionou-se uma instituição filantrópica que possui capacidade operacional de 142 leitos e; neste mesmo ano, perdeu a certificação de hospital Acreditado com Excelência.

Como critério para a participação do profissional, denominado Gestor da Qualidade, estabeleceu-se que o mesmo deveria, necessariamente, ter participado da implantação e da manutenção do processo de Acreditação. Já os demais profissionais integrantes da pesquisa poderiam relacionar-se a qualquer atividade e/ou setor hospitalar, desde que tivessem participado, pelo menos, da última auditoria da qualidade realizada pela instituição acreditadora. Respeitando esse critério, a escolha dos participantes deu-se pela indicação do Gestor da Qualidade, pois se partiu da premissa de que o mesmo tinha conhecimento daqueles que participaram mais ativamente do processo de certificação. Além disso, buscou-se, em conjunto com o profissional referido, inserir profissionais com diferentes formações e/ou cargos .

A coleta de dados, que aconteceu em maio de 2014, foi pré-agendada por meio de contato pessoal do próprio pesquisador com os participantes, e, as entrevistas foram realizadas na instituição onde trabalham em ambiente privativo. Previamente à coleta de dados, o pesquisador ratificou o objetivo do estudo ao participante, fornecendo o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TLCE), que foi assinado em duas vias de igual valor por cada sujeito e também pelo responsável por proceder à investigação. Destas, uma via foi entregue ao participante e a outra ficou de posse do pesquisador.

Após o esclarecimento de possíveis dúvidas e da assinatura do TCLE, foi aplicado um formulário contendo questões referentes à caracterização demográfica e laboral dos participantes e, em seguida, realizaram-se as entrevistas que foram gravadas e norteadas pela questão: Fale-me sobre o descredenciamento da certificação deste hospital, pela Acreditação.

A quantidade de entrevistas foi estabelecida mediante o alcance do objetivo do estudo, representado pela repetição sucessiva do conteúdo fornecido pelos participantes. Posteriormente, todo o material foi transcrito na íntegra e, a seguir, procedeu-se o tratamento e a análise dos dados, por meio da técnica Análise de Conteúdo, na modalidade temática, que compreende respectivamente, as etapas de pré-análise; exploração do material e; tratamento dos dados.¹⁰

Na etapa de pré-análise, realizou-se a leitura flutuante de cada entrevista, destacando-se os pontos de interesse; seguido da exploração, que consistiu na leitura minuciosa e exaustiva de todo o material e a codificação das mensagens existentes no corpus.¹⁰ Com a seleção das falas significativas, foram apreendidos os núcleos de sentido, dos quais originaram grupos de temas (categorias), que possibilitaram as inferências e interpretações.¹⁰

Conforme estabelece o referencial metodológico deste estudo,¹⁰ a categorização dos dados foi realizada de acordo com o critério semântico do conteúdo do material coletado, ou seja, pela aglutinação das falas que representam um tema ou assunto em comum.

Na apresentação dos resultados, os excertos/trechos/verbatins dos relatos foram editados no sentido de corrigir possíveis erros gramaticais sem, no entanto, alterar o conteúdo dos mesmos. Além disso, em algumas partes, foram acrescidos alguns termos/palavras entre colchetes para melhor compreensão do conteúdo do depoimento pelo leitor.

Para evitar a identificação de cada participante, no final de cada excerto foi acrescida a notação "E" que significa "Entrevista", seguida de um número arábico que indica a sequência cronológica em que se deu a coleta de dados.

Todos os preceitos éticos e legais, estabelecidos na resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde foram cumpridos e o projeto desta pesquisa se encontra registrado sob o n. de CAAE: 28867014.7.0000.0104 e parecer n. 691.924 no Comitê Permanente de Ética em Pesquisas Envolvendo Seres Humanos (Copep) da Universidade Estadual de Maringá (UEM).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Foram entrevistados 23 profissionais. Dentre estes, 15 atuavam em serviços de assistência ao paciente (sete enfermeiros; dois auxiliares de enfermagem; dois farmacêuticos; um médico; um assistente social; um psicólogo e um nutricionista). Os demais (8) exerciam cargos vinculados a serviços administrativos (um gestor da qualidade; dois analistas de custos; dois técnicos administrativos; um advogado; um contador e um analista comercial).

Com relação aos dados pessoais, a idade dos participantes variou entre 32 e 55 anos; com tempo máximo de atuação no hospital de 30 anos e mínimo de dois anos. A maioria (20) era do sexo feminino e casada (12).

Da análise do conteúdo das entrevistas, foram apreendidas três categorias: Descredenciamento da certificação pela Acreditação: causas referidas por trabalhadores; Sentimentos negativos relacionados ao descredenciamento da certificação pela Acreditação e; Descredenciamento da certificação: motivo insuficiente para o abandono de princípios da Acreditação.

Descredenciamento da certificação pela Acreditação: causas referidas por trabalhadores

Nesta categoria foi possível desvelar que o descredenciamento da certificação pela Acreditação hospitalar ocorreu porque a alta direção optou pelo desligamento do processo. De acordo com os entrevistados, a direção do hospital decidiu declinar da certificação de hospital Acreditado com Excelência, pelo acontecimento de um evento sentinela: aconteceu, o que nós chamamos na Acreditação, de evento sentinela [...]. E como eu disse, nós tínhamos processos que estavam em andamento, processos que a gente não tinha terminado. Somado a isso, a direção não se sentiu segura em dar continuidade e ele [o Diretor do hospital], resolveu não fazer a manutenção (E2); O descredenciamento foi devido a um evento sentinela que aconteceu aqui no hospital. [...] a gente já tinha algumas questões para serem revistas. Então, ele [o Diretor do hospital] optou por parar o processo (E4).

Sabidamente, um evento sentinela é considerado como indicador de qualidade nas instituições de saúde porque são caracterizados como acontecimentos graves, indesejados e, não raras vezes, evitáveis.¹¹ Com base nisso, a análise da ocorrência desses eventos tem se tornado comum no cenário da Acreditação nacional e internacional, pois esse processo pode subsidiar decisões em prol da prevenção de eventos, o que certamente alavancará os níveis de segurança e, consequentemente, da qualidade do atendimento.^11-12

Em que pese a decisão gerencial ao descredenciamento da certificação de Acreditação, causada pela ocorrência de um evento sentinela, tal atitude pode ter sido precipitada, pois a própria ONA estabelece formas de notificação e de gerenciamento de eventos sentinelas,³ que apesar de serem indesejáveis, ainda ocorrem com certa frequência nos serviços de saúde, até mesmo naqueles acreditados.¹³

No que tange aos efeitos da Acreditação, dois estudos brasileiros, realizados pela mesma equipe de pesquisadores sediados no interior do Estado de São Paulo, constataram que o hospital que possuía a certificação de Acreditação em nível pleno, apresentou dentre os 12 indicadores de qualidade a prevenção de eventos adversos, 11 com maiores índices de conformidade em relação àquele que não possuía nenhum tipo de certificação.^14-15 Diante do exposto, percebe-se que a ocorrência de eventos sentinela/adversos de fato é uma questão importante à manutenção da Acreditação, já que a prevenção dos mesmos parece ser considerada mais seriamente nos serviços que aderem o processo de certificação. Talvez por isso, a ocorrência do evento tenha sido encarada com tanta austeridade pela cúpula gestora da instituição investigada.

Corroborando com o enunciado anterior, um estudo recente de ampla abrangência, realizado em 73 hospitais de países da Europa, afirma que, apesar de nenhum tipo de avaliação da qualidade hospitalar, apresentar isoladamente impactos na qualidade clínica, os hospitais que foram certificados e credenciados obtiveram resultados mais favoráveis relacionados à segurança do paciente, como nos casos de gerenciamento de acidente vascular encefálico.¹³

Cumpre ponderar que os excertos apresentados indicam que além da ocorrência do evento sentinela, o hospital em estudo necessitava implantar e/ou monitorar alguns processos relacionados à Acreditação que, associados à ocorrência do evento adverso, divulgado na mídia, resultou na decisão gerencial de entregar a certificação.

A gente teve um evento adverso grave que saiu na mídia. Então, antes que a gente perdesse [a certificação], ele [o Diretor do hospital] achou melhor sair do processo de Acreditação (E16); Aconteceu um evento sentinela aqui no hospital. E isso caiu na mídia [...]. Somou isso para a nossa manutenção, pois a gente já tinha algumas fragilidades. Então, ele [o Diretor do hospital] entregou o certificado, entendeu? (E1); Nós tivemos um problema em um atendimento [...]. Infelizmente, foi para a mídia e a nossa superintendência achou por bem nem pedir a revalidação do nível três (E21).

Atualmente, frente à crescente globalização e rapidez da disseminação de informações, a mídia exerce influência importante na oferta dos serviços de saúde e na procura destes pela população.¹⁶ Deste modo, depreende-se que, aliado à necessidade de se alinhar os processos de trabalho, necessários à manutenção da certificação de hospital Acreditado com Excelência, o fato de o evento sentinela, que segundo o excerto da entrevista 16 foi grave, ter sido veiculado pela mídia, foi o principal fator à decisão gerencial de entregar a certificação de hospital Acreditado.

Cabe salientar que todos os depoimentos relacionam a decisão gerencial, referente à entrega da certificação, como um ato isolado da alta cúpula organizacional. Isso tem relevância, pois por se tratar de um hospital previamente certificado como Acreditado com Excelência que, segundo a ONA, atingiu parâmetros de excelência em gestão,³ era esperado que as decisões fossem pautadas nos princípios da gestão colegiada, que consiste na descentralização das decisões e aproximação dos integrantes da equipe que compõem o trabalho em saúde.¹⁷

Constatou-se, em suma, que o processo de descredenciamento de certificação pela Acreditação é percebido pelos profissionais como produto de uma decisão pontual da alta gerência hospitalar e isso fez com que estes sujeitos expressassem ressentimentos a respeito.

Sentimentos negativos relacionados ao descredenciamento da certificação pela Acreditação hospitalar

O descredenciamento da certificação de Acreditação resultou em sentimentos de perda, tristeza, angústia, desapontamento e frustração: olha, para mim, por exemplo [...], eu chorei muito no dia [do cancelamento da certificação]. Quando eu voltei tinha a impressão de ter encontrado outro hospital. Já não tinha a mesma motivação (E1); Eu achei frustrante! Frustrante, porque foram longos sete anos até chegar aí. Dá a sensação de que a gente perdeu (E5); Na minha visão como profissional, eu achei péssimo, porque existe um trabalho árduo nisso (E15).

Possivelmente, os sentimentos expressos nos depoimentos descritos, são legítimos e justificáveis porque, o sucesso da obtenção e manutenção da certificação pela Acreditação hospitalar demanda trabalho em equipe árduo; fortalecimento da multidisciplinaridade; superação de paradigmas e; incorporação da lógica de cuidado integral, para o alcance da qualidade almejada.⁵ Desta forma, diante do cancelamento da certificação, a qual certamente foi fruto de trabalho incessante de diversos atores inseridos na organização, é natural que estes expressem sentimentos de derrota e até de desmotivação pelo descredenciamento.

Consta na literatura que trabalhadores da saúde sentem-se partícipes pelo sucesso da implantação e manutenção da Acreditação, pois nesse processo existe sentimento de responsabilização mútua entre todos os sujeitos envolvidos e isso gera satisfação e alegria no ambiente de trabalho.⁵ Em contraste a essa afirmação, a perda da certificação resultou também, nos seguintes sentimentos: eu percebo [o cancelamento da certificação] como uma grande derrota profissional. Então, se nesses anos de trabalho eu puder apontar uma tristeza, a perda da certificação do hospital para mim, foi uma das maiores (E22); Olha, esse fato [o cancelamento da certificação] para quem trabalha aqui, de certa maneira, deixou um sentimento de perda. Então, abala às pessoas (E2); Perder totalmente a certificação de Acreditação, para a gente, foi bem triste (E16).

É notório que os depoimentos elencados nesta categoria temática possuem conteúdo carregado de pesar. Além disso, durante a coleta de dados, foi percebido que os profissionais, ao pontuarem o descredenciamento da certificação do hospital, verbalizavam o fato ocorrido com expressões de tristeza e desapontamento. Sendo assim, faz-se importante que a organização demande investimentos relacionados à motivação no trabalho, por meio da gestão voltada para as pessoas, com vistas à superação do evento que causou os sentimentos negativos e assim, facilitar à retomada aos níveis de motivação anteriormente presentes.¹

No sentido de manejar os sentimentos negativos relacionados ao cancelamento da certificação pela Acreditação, pode-se destacar o papel do enfermeiro porque, por meio da liderança situacional e da educação permanente da equipe de saúde, poderá alavancar os níveis de motivação no trabalho e também, contribuir para a tomada de decisão em prol de uma nova certificação, caso isso seja almejado pela organização.^9,18

Mesmo na ausência de literatura para comparação de resultados correlatos aos apresentados, os sentimentos expressos pelos profissionais entrevistados poderão ser vivenciados por outros trabalhadores em realidade semelhante (perda da certificação), já que a implantação e a manutenção do processo de Acreditação requerem trabalho árduo, dispensação de recursos diversos e sentimento de partilha às responsabilidades exigidas. Desta forma, faz-se imprescindível que as lideranças e a equipe da gestão da qualidade hospitalar estejam preparadas para manejar os possíveis conflitos e sentimentos negativos dos trabalhadores que vivenciam o rebaixamento ou a perda da certificação.

Considera-se que houve demasiada referência a sentimentos negativos pertinentes ao descredenciamento do hospital, tanto por profissionais ligados à gestão, como por aqueles provenientes de serviços assistenciais. Mas, apesar disso, os participantes expressaram que a essência do sistema de Acreditação não deixou de existir, pois mesmo com a perda da certificação, os seus princípios permaneceram ativos no cotidiano do hospital.

Descredenciamento da certificação: motivo insuficiente para o abandono dos princípios da Acreditação

A lógica e os métodos da Acreditação alicerçam-se na racionalização do trabalho; padronização de técnicas e; utilização de ferramentas gerenciais que normalmente não são utilizadas em outros contextos, acarretando mudanças no processo de trabalho.^3,6,9 Coadunando com a assertiva elencada, os profissionais entrevistados referiram que o cancelamento da certificação não impôs diretamente a perda de importantes princípios da Acreditação: [...] mas daí, pensando depois, a gente entregou o certificado, mas não entregou o processo, entendeu? (E1); Todos os processos que a gente realizava se mantiveram e se mantém [...]. Isso significa que, na realidade, você não faz só para ser Acreditado, mas que você entendeu o processo de Acreditação e viu o quanto isso é importante (E12); As pessoas continuam trabalhando como se o hospital ainda estivesse Acreditado. Não é o papel [a certificação] que vai fazer a diferença. (E14).

Considera-se que os excertos supracitados são deveras importantes porque, conforme foi mencionado, o processo de Acreditação pode ou não resultar em uma certificação de qualidade. Todavia, pelo fato de sua lógica ser pautada essencialmente na educação permanente da organização e não na forma burocratizada de fiscalização,^3,5 depreende-se que, apesar do sofrimento plausível causado nos profissionais advindo do cancelamento da certificação, a organização parece ter compreendido a essência do processo de Acreditação porque os relatos dos profissionais indicam que o cancelamento, por si só, não impôs a perda total do processo.

Pondera-se que, possivelmente a fala da entrevista 14, ao mencionar que o papel, ou seja, o certificado, não faz diferença, merece ser questionada porque, muitos hospitais se encontram inseridos no mundo competitivo e globalizado das organizações prestadoras de serviços e com isso, a Acreditação, pode ser um diferencial à inserção e à sobrevivência da instituição no mercado e certamente um fruto bem-vindo de trabalho árduo. Sendo assim, conforme consta na literatura,⁵ o título de hospital Acreditado denota que a instituição milita pela qualidade e isso, merece a devida celebração por todos os envolvidos no trabalho.

Outros entrevistados corroboram com o cerne desta categoria temática, afirmando que o descredenciamento não degenerou os ganhos resultantes da Acreditação. Apesar de ter perdido o certificado, nosso sinal é a qualidade. Tudo que a gente faz hoje em dia é visando à qualidade, usando as ferramentas [da qualidade] que a Acreditação nos ensinou (E21); A gente continua trabalhando como se estivesse Acreditado. Então, as ferramentas [da qualidade] são usadas desde que foram implantadas. Tudo continuou (E18); Até porque, eu acho que qualidade, o que se conquista e se desenvolve com ferramentas, não se perde. É um aprendizado! O fato de existir situações que fizeram com que a certificação não pudesse ser revalidada, não desmerece todo o esforço e todas as conquistas que o hospital teve. (E6).

Ainda que contrastantes, os resultados elencados nesta categoria temática não contradizem aqueles apresentados na categoria anterior porque os profissionais entrevistados expressaram sentimentos negativos em relação à perda da certificação proporcionada pela Acreditação e o que se aborda neste tema apresenta conteúdo mais profundo, já que a voz das mesmas pessoas indica que aquilo que se manteve em relação aos princípios da Acreditação, como a gestão e cultura da qualidade, superam a mera condição de hospital certificado.

Na análise das falas das entrevistas 21, 18 e 6, percebe-se que o aprendizado, neste caso, especificamente aquele possibilitado por meio das ferramentas específicas, utilizadas no contexto da Acreditação, foi um ganho permanente da organização, mesmo tendo a sua certificação cancelada. Isso é importante porque, a Acreditação desenvolve ciclos contínuos de aprendizado e melhorias que culminam no favorecimento da qualidade da assistência à saúde e isso significa muito mais do que a certificação em si.⁶

As ferramentas da qualidade são técnicas usadas para definir, medir, analisar e propor soluções para problemas que podem interferir no processo de trabalho e; no contexto da Acreditação, ressalta-se o uso do ciclo PDCA (Plan, Do, Check, Act); fluxogramas; folhas de verificação (checklist); brainstorming e outras, adaptadas à realidade e às necessidades da organização.² Diante disso, depreende-se que as falas citadas anteriormente possuem relevância, já que convergem à reflexão de que, mesmo tendo perdido a certificação de Acreditação, o hospital permanece utilizando as ferramentas da qualidade.

No cenário da avaliação da qualidade na área da saúde, cumpre mencionar a importância dos indicadores, por se constituírem valiosos instrumentos de gestão em prol da qualidade.^19-21 Além disso, a avaliação objetiva por meio de indicadores da estrutura, do processo e dos resultados, pode subsidiar tomada de decisões que favorecem o (re)planejamento no processo de melhoria contínua,²¹ atividade que é o alicerce da Acreditação.^3,5

No que tange à utilização de indicadores, há quem tenha apontado que esta prática não foi perdida com o descredenciamento da certificação: nunca se perdeu esse espírito da Acreditação [...] os indicadores continuam sendo monitorados (E7); [...] em termos de avaliação [o Escritório da Qualidade] pede muito o monitoramento dos indicadores. Isso a gente manteve (E11).

Os excertos anteriores coadunam com a lógica de que, ao alcançar o nível de hospital Acreditado com Excelência, este aderiu o preceito referente à apuração de indicadores pré-requisitados para tal título e mais do que isso, o manteve após o cancelamento da certificação.³ No contexto em estudo, esse dado é relevante porque a mensuração e a análise de indicadores é um dos principais critérios para o alcance da certificação de Acreditação com Excelência, pois a instituição que adquire esse selo deve comprovar que seus resultados, os quais são usualmente representados por indicadores, estão alinhados com o seu planejamento estratégico.^3,19

Os resultados desta categoria indicam que a Acreditação, por meio de sua lógica e métodos bem definidos, tem potencial para alterar profundamente o processo de trabalho de uma organização hospitalar. Isso foi constado por meio dos verbatins apresentados, nos quais os trabalhadores afirmam que mesmo com o cancelamento da certificação, o uso das ferramentas e a aspiração à qualidade se mantiveram ávidos na instituição.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com base nos resultados, foi possível analisar um fenômeno ainda não descrito na literatura, qual seja: as percepções de profissionais relacionadas ao descredenciamento da certificação pela Acreditação do hospital onde atuam.

Constatou-se que, no contexto estudado, o descredenciamento foi produto de uma decisão gerencial, atrelada à ocorrência de um evento sentinela, veiculado pela mídia. Tal decisão resultou em sentimentos negativos por parte dos gestores e profissionais que atuam diretamente com o usuário/paciente, mas apesar disso, as percepções dos mesmos indicam que a organização manteve os princípios e as ferramentas da Acreditação e da gestão da qualidade.

Concluiu-se que, na instituição investigada, a perda da certificação pela Acreditação causou sentimento profundo de pesar e até de desmotivação nos trabalhadores. Apesar disso, por favorecer a qualidade da assistência, os princípios essenciais deste sistema de gestão da qualidade e algumas ações implantadas permaneceram no serviço mesmo frente ao descredenciamento da certificação.

Dadas as limitações deste estudo, relacionadas à impossibilidade de inferência para outras realidades, sugere-se a realização de novas investigações, com objetivo de mensurar o impacto (financeiro, de satisfação de usuários/profissionais, indicadores de qualidade assistenciais e gerenciais, entre outros) do descredenciamento de instituições de saúde pela Acreditação hospitalar.

Apesar da limitação referida, considera-se que este estudo traz, pelo menos, uma contribuição importante especialmente no que se refere ao preparo dos gestores e trabalhadores para prevenção e/ou aceitação do descredenciamento da certificação de Acreditação, mediante a ocorrência de eventos adversos. Além disso, a internalização da lógica da Acreditação hospitalar como fator independente da certificação, sem dúvida, foi um grande achado.

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  Artigo produto da dissertação - Compreendendo a Acreditação Hospitalar na Perspectiva de Gestores e de Trabalhadores, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem (PSE) da Universidade Estadual de Maringá (UEM).

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  2016

Histórico

• Recebido
  17 Dez 2014
• Aceito
  11 Set 2015