POTENCIALIDADES E DIFICULDADES DA MEDIAÇÃO TECNOLÓGICA NO TRABALHO DE ENFERMEIROS GESTORES EM HOSPITAIS

RESUMO

Objetivo

descrever potencialidades e dificuldades mencionadas por enfermeiros gestores no uso de tecnologias em hospitais.

Método

estudo qualitativo, descritivo-exploratório, realizado no período de um ano, 2019 a 2020, no Brasil e Portugal, em quatro hospitais. Os dados foram coletados através de entrevistas, seguindo roteiro semiestruturado, envolvendo 71 enfermeiros gestores. Para análise dos dados utilizou-se recursos do software ATLAS.ti, seguindo preceitos da análise de conteúdo temática e da teoria do processo de trabalho.

Resultados

enfermeiros gestores consideram que tecnologias contribuem para melhoria dos processos institucionais, registro de informações, gestão do tempo, armazenamento dos dados e segurança do paciente. Dentre as dificuldades destacaram problemas relacionados aos próprios instrumentos de trabalho, como: a falta de equipamentos/computadores, lentidão e falta de integração de sistemas; e relacionados à força de trabalho, como: gestão do tempo, adaptação cultural, falta de conhecimento e capacitação para utilizar a tecnologia.

Conclusão

tecnologias inovadoras contribuem para o trabalho de gestão, mas sua efetividade depende de capacitação, quantitativo adequado de profissionais, além de equipamentos e sistemas de informação eficientes e integrados.

DESCRITORES
Tecnologia da informação; Gestão em saúde; Administração hospitalar; Enfermagem; Tecnologia; Administração de serviços de saúde

ABSTRACT

Objective

to describe the potentialities and difficulties mentioned by nurse managers in the use of technologies in hospitals.

Method

qualitative, descriptive-exploratory study, conducted in the period of one year, 2019 to 2020, in Brazil and Portugal, in four hospitals. Data were collected through interviews, following a semi-structured script, involving 71 nurse managers. For data analysis, resources of the ATLAS.ti software were used, following the precepts of thematic content analysis and work process theory.

Results

nurse managers consider that technologies contribute to the improvement of institutional processes, information recording, time management, data storage and patient safety. Among the difficulties, problems related to the work instruments themselves are highlighted, such as lack of equipment/computers, slowness and lack of systems integration; and related to the workforce, such as time management, cultural adaptation, lack of knowledge and training to use technology.

Conclusion

innovative technologies contribute to management work, but their effectiveness depends on training, adequate number of professionals, in addition to efficient and integrated equipment and information systems.

DESCRIPTORS
Information technology; Health management; Hospital administration; Nursing; Technology; Administration of health services

RESUMEN

Objetivo

describir las potencialidades y dificultades mencionadas por los enfermeros gestores en el uso de las tecnologías en los hospitales.

Método

estudio cualitativo, descriptivo-exploratorio, realizado durante un año, 2019 a 2020, en Brasil y Portugal, en cuatro hospitales. Los datos fueron recolectados a través de entrevistas, siguiendo un guión semiestructurado, involucrando a 71 enfermeros gestores. Para el análisis de datos se utilizaron los recursos del software ATLAS.ti, siguiendo los preceptos del análisis de contenido temático y la teoría de proceso de trabajo.

Resultados

los gestores de enfermería consideran que las tecnologías contribuyen para la mejora de los procesos institucionales, el registro de informaciones, la gestión del tiempo, el almacenamiento de datos y la seguridad del paciente. Entre las dificultades, destacaron problemas relacionados con los propios instrumentos de trabajo, como: la falta de equipos/computadoras, lentitud y falta de integración de sistemas; y relacionados con la fuerza de trabajo, tales como: gestión del tiempo, adaptación cultural, desconocimiento y capacitación en el uso de la tecnología.

Conclusión

las tecnologías innovadoras contribuyen al trabajo de gestión, pero su eficacia depende de la formación, número adecuado de profesionales, además de equipos y sistemas de información eficientes e integrados.

DESCRIPTORES
Tecnología de la información; Manejo de la salud; Administración hospitalaria; Enfermería; Tecnología; Administración de servicios de salud

INTRODUÇÃO

O mundo atual é significativamente impactado pelo processo de inovação tecnológica, visível em todos os setores da economia. O campo da saúde é parte do macro cenário político-social, constituído e constituinte de totalidades históricas.1 Na saúde estão envolvidos aspectos culturais relativos à percepção acerca do sofrimento humano, aspectos institucionais da organização e gestão dos serviços e os relativos aos custos. Ressalta-se, ainda, a relevância da disponibilidade de conhecimentos acerca do processo saúde-doença, de sua determinação social, da promoção da saúde à produção de tecnologias de cuidado, para tratamento dos problemas vivenciados por indivíduos e populações. Constitui-se em um espaço de desafios e de demanda permanente por novos conhecimentos e tecnologias aplicáveis na solução de desafios e problemas práticos2^-4 que se apresentam neste vasto cenário. Trata-se de um campo de atividades complexas em que gestão do trabalho e institucional se interconectam.

A força de trabalho é altamente relevante para os resultados em saúde e enfermagem,5 mas a mediação tecnológica pode dificultar ou potencializar ações, dependendo de múltiplos fatores. No trabalho humano em geral, e na saúde, a força de trabalho utiliza múltiplos instrumentos com vistas à obtenção de produtos. Instrumentos incluem a estrutura institucional, maquinaria, materiais, ferramentas e tecnologias (materiais e não materiais).6

Essa mediação tecnológica tem gerado mudanças significativas no trabalho assistencial e gerencial em saúde e enfermagem.7^-8 No trabalho de gestão, novas tecnologias são incorporadas para redução de custos e/ou reprodução do capital e também tem contribuído para a qualidade e segurança dos cuidados.2^,9 Neste processo, as Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) tem se destacado.

As TIC são ferramentas, meios técnicos utilizados para obter/tratar informações, com vistas a produzir melhorias na prática assistencial, na comunicação e auxiliar o processo decisório. Envolvem um grande número de produtos, tecnologias e serviços, como os baseados em nuvem, tecnologia móvel e remota, dispositivos médicos, ferramentas de teleconsultas e monitoramento, tecnologias de assistente e sensor, registros eletrônicos de saúde, entre outros utilizados na área da saúde.10

Pesquisas sobre impactos das novas tecnologias na gestão hospitalar sinalizam para a importância das TIC na melhoria da qualidade dos processos institucionais e assistenciais, influenciando positivamente as boas práticas de gestão e a qualificação da assistência prestada aos usuários.7^,11 Estudo internacional12 sinaliza que os hospitais têm incorporado diferentes tecnologias, especialmente TIC, com objetivo de produzir melhores resultados assistenciais. Dentre os mais utilizados, destacam-se os softwares que contribuem para o desenvolvimento e registro do cuidado prestado, e contam com diferentes funcionalidades e distintos níveis de complexidades.

A introdução dessas tecnologias vem crescendo de maneira exponencial, no trabalho de gestão em hospitais, incluindo o realizado pelos enfermeiros. No entanto, sua aplicação de modo adequado requer capacitação e conhecimentos específicos.12

A incorporação e utilização de inovações tecnológicas no campo da saúde têm incentivado mudanças significativas no modo como os enfermeiros atuam em diferentes cenários, em especial, na gestão dos hospitais.13 Também tem sido mencionado o seu potencial para ampliar o escopo de atuação dos enfermeiros, além de estimular atitudes inovadoras no que diz respeito à produção de melhores resultados em saúde.14 E, ainda, que a utilização de tecnologias inovadoras fortalece a profissão e propicia inúmeros benefícios aos pacientes.15 Instituições internacionais, como as americanas, a Associação das Escolas de Enfermagem e o Instituto de Medicina da Academia Nacional de Ciências, têm incentivado o uso das TIC pelos profissionais no apoio à tomada de decisão. No entanto, o uso de tecnologias inovadoras requer capacitação para o manejo adequado, o que está reconhecido em estudos sobre seu uso na gestão em enfermagem, sinalizando para a importância do desenvolvimento de competências durante a formação profissional.16

Pesquisas8^,10^,17^-18 discorrem sobre o processo de incorporação das tecnologias e seus impactos no atendimento prestado aos usuários dos serviços de saúde. No entanto, ainda existem lacunas no que diz respeito à avaliação dessas tecnologias, potencialidades e dificuldades relacionadas à sua utilização no trabalho dos enfermeiros gestores. Cabe questionar a relação entre tecnologia e força de trabalho, na gestão em enfermagem realizada em hospitais, incluindo a identificação de benefícios e dificuldades no manejo, bem como as contribuições para o bom desempenho das atividades nos serviços. Se são adequadas aos processos de comunicação em hospitais, se influenciam positivamente no processo de trabalho, na gestão do tempo e para a gestão de pessoas e processos, assim como o uso e desuso em relação ao que a própria tecnologia se propõe.

Neste contexto, o estudo teve por objetivo descrever as potencialidades e dificuldades na utilização de tecnologias de gestão identificadas por enfermeiros gestores que atuam em instituições hospitalares do Brasil e de Portugal.

MÉTODO

Pesquisa de abordagem qualitativa, descritivo-exploratória, orientada pelo referencial teórico do processo de trabalho.6 Foi realizada com enfermeiros gestores de dois países, Brasil e Portugal, sendo que para a realização da pesquisa e apresentação dos resultados considerou-se o disposto no instrumento Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research (COREQ).

A coleta de dados se deu através de entrevistas, seguindo um roteiro semiestruturado. Envolveu 71 enfermeiros gestores, de dois hospitais no Brasil e dois em Portugal, incluindo um hospital acreditado e um hospital universitário em cada país.

Para a definição de países, instituições e enfermeiros gestores participantes da pesquisa, utilizou-se os critérios de intencionalidade e conveniência. Primeiro, considerou-se a inclusão de hospitais portugueses pela facilidade de acesso, oportunizada pela parceria entre pesquisadores dos dois países. Segundo, a inclusão de hospitais considerados de qualidade em ambos os países, escolhidos por serem mais sensíveis ao processo de inovação tecnológica. Para isso, utilizou-se dois critérios passíveis de pareamento nos dois países: hospitais universitários, por serem referência na educação superior de profissionais de saúde; e hospitais acreditados por seguirem padrões internacionais de qualidade, como acreditação pela Joint Commission. Terceiro, para a inclusão dos enfermeiros gestores considerou-se: atuar na gestão hospitalar (unidades assistenciais ou instâncias superiores da instituição). Foram excluídos os profissionais afastados do trabalho por qualquer motivo, durante o período de coleta dos dados.

A coleta de dados, nas quatro instituições, foi realizada pela pesquisadora principal entre março de 2019 a março de 2020. Os enfermeiros gestores foram entrevistados nos seus locais e horário de trabalho. Para acesso aos participantes foram realizadas visitas prévias às instituições com vistas a identificar o contingente de enfermeiros gestores, seguido de convite para participar da pesquisa por meio de contato direto. Foram incluídos todos os enfermeiros que desenvolviam trabalho de gestão, respeitando o desejo de participar da pesquisa, a disponibilidade e a escolha do local e horário mais conveniente.

Os participantes responderam à seguinte questão norteadora: para a realização do seu trabalho como enfermeiro gestor, que facilidades e dificuldades são encontradas na utilização de tecnologias inovadoras disponíveis na sua instituição? As respostas foram registradas pela pesquisadora principal em formulário específico para cada participante, na ocasião do encontro presencial. Todas as tecnologias mencionadas pelos participantes, como inovadoras, foram consideradas na análise, sem uma teorização sobre o processo de inovação tecnológica.

Para a análise dos dados, os registros dos formulários foram transcritos em um processador de texto (Microsoft Word) e inseridos individualmente no software ATLAS.ti 8.0,19 totalizando um conjunto de 71 documentos. Na sequência, os dados foram analisados seguindo os preceitos da Análise de Conteúdo Temática.20 No software, foram selecionados os trechos significativos (quotations) que destacam as potencialidades e dificuldades no uso das tecnologias pelos gestores, seguido da associação a códigos (codes). Em relação a cada code, verificou-se a magnitude, ou seja o número de vezes que foi atribuído nos discursos dos participantes, sendo que cada participante mencionava, livremente, uma ou mais facilidades, e/ou dificuldades, no manejo de tecnologias para a realização do seu trabalho.

Posteriormente, os códigos foram organizados em grupos temáticos, buscando relações e interpretando-as com base no referencial teórico do processo de trabalho aplicado à saúde.6^,21 Esse processo analítico deu origem a duas categorias: “potencialidades na utilização de tecnologias de gestão” na qual se destacaram o foco no processo e no resultado para os pacientes; e “dificuldades na utilização de tecnologias de gestão”, nesta categoria destacou-se um grupo temático relacionado à força de trabalho, em especial, no manejo da tecnologia, e outro relacionado aos próprios instrumentos de trabalho.

No Brasil, o projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (CEPSH) da UFSC, via Plataforma Brasil. Em Portugal, o projeto de pesquisa foi apreciado e aprovado pelos comitês de ética das duas instituições participantes. Todos os participantes, dos dois países, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). As falas dos participantes foram codificadas utilizando: E (enfermeiro), HU (hospital universitário), HA (hospital acreditado), PT (Portugal), BR (Brasil), seguido de um número de ordem, por exemplo, EHUBR1 e EHAPT2.

RESULTADOS

Os resultados estão apresentados em duas categorias analíticas, potencialidades e dificuldades na utilização de tecnologias por enfermeiros gestores nos quatro hospitais estudados.

Potencialidades na utilização de tecnologias de gestão

Nos dois países, os enfermeiros gestores consideram que a utilização das tecnologias de gestão amplia a possibilidade de melhoria dos processos de trabalho nos hospitais. Os achados, segundo a magnitude, ou seja, o número de vezes que os participantes mencionaram cada ideia/aspecto, apontam que as melhorias nos processos (n=16) se destacam dentre as potencialidades na utilização das tecnologias de gestão, seguida de facilidade no registro (n=15), gestão do tempo (n=12), respostas rápidas (n=12), armazenamento dos dados (n=9) e segurança do paciente (n=8).

Os enfermeiros gestores sinalizam melhorias nos processos de trabalho e facilidades no registro das informações dos pacientes a partir do uso das tecnologias. A organização dos registros e a otimização no processamento das informações se destacam, como indicam os discursos a seguir.

[...] Otimização/evitar retrabalho, facilitar o processo e o sistema inteligente, ter mais tempo para acompanhar a gestão (EHABR19).

[...] Eu acho que o que contribui é o fato de nós conseguirmos executar os circuitos muito mais rapidamente [...] facilita a transmissão dos pedidos e das comunicações (EHUPT3).

[...] Organização dos registros de maneira informatizada, maior facilidade de obtenção dos dados (EHAPT10).

[...] Facilita para que o registro fique gravado de forma automatizada. Facilita compartilhar todas as informações (EHUBR4).

A gestão do tempo e as respostas rápidas no trabalho de enfermagem também foram identificadas como potenciais para o uso da tecnologia, pela agilidade com que se processam as informações. Para os participantes, o uso de tecnologias melhora o tempo-resposta das atividades, concedendo maior assertividade ao processo de envio e recebimento de pedidos/solicitações, que por sua vez, favorece a continuidade do cuidado.

[...] De positivo é que é muito mais rápido, quando eu ia fazer os pedidos de armazém era tudo em papel e perdia-se esse imenso tempo, portanto agora é muito mais fácil chegar aqui e fazer os pedidos online. Ao fim deste tempo todo perde-se menos tempo ao fazer isso (EHUPT1).

[...] As pessoas quase que recebem de imediato o nosso pedido, a nossa mensagem, e isso é muito favorável (EHUPT3).

[...] Se eu quero fazer uma investigação de qualquer natureza do paciente que tenha acontecido aqui, é super fácil acessar o dado, ou se eu quero saber algum indicador de entrada de sala, saída, horário de antibiótico. Tudo isso a gente puxa pelo Cerner hoje (EHABR3).

[...] Resposta rápida. Eu já tenho uma coisa muito mais rápida do que quando eu comecei aqui, eu tenho 20 anos aqui, 26 de cuidado intensivo e eu não tinha essas coisas que eu podia ter nas mãos rapidamente para eu poder melhorar a assistência. Resposta rápida para mim é melhor (EHABR5).

O armazenamento das informações e a facilidade de acesso aos dados foram apontados como essenciais para o bom funcionamento dos serviços e para uma gestão mais eficaz, por meio da utilização de indicadores ofertados pelos sistemas de gestão utilizados. A segurança da informação e a eficiência do registro também são destacados pelos enfermeiros gestores.

[...] Facilidade de acesso a dados, a números, gestão sem números não dá (EHABR26).

[...] Agilidade, dados mais rápidos, compilação de dados mais prática (EHUBR17).

[...] O registro efetuado não é apagado e não é perdido. Facilidade em tirar indicadores. A probabilidade de nos enganar é menor, se tiver procedimentos associados é melhor ainda. Temos planos de cuidados que através das informações armazenadas ali os enfermeiros fazem os diagnósticos de Enfermagem, associam intervenções para os diagnósticos e, portanto, é tudo mais facilitado. A partir que o paciente vai se alterando, melhorando, é bem mais fácil com o suporte eletrônico (EHUPT22).

O uso das tecnologias também se mostrou fundamental para planejar as ações de gestão e de cuidado voltadas à segurança do paciente, com ênfase no registro de informações pertinentes ao cuidado e à redução de agravos. Importante destacar que essa potencialidade foi sinalizada majoritariamente por enfermeiros gestores de hospitais acreditados.

[...] Todas as estratégias de qualidade e segurança são pautadas em registros eletrônicos (EHABR15).

[...] Redução de tempo e risco de erros nos registros, sistemas de alertas para ajudar os profissionais (EHAPT27).

Dificuldades na utilização de tecnologias de gestão

De modo geral, as dificuldades estavam relacionadas a dois elementos do processo de trabalho: aos próprios instrumentos e à força de trabalho. As dificuldades mencionadas pelos enfermeiros gestores, no uso das tecnologias em seu trabalho nos hospitais dos dois países, estão ilustradas nas Figuras 1 e 2.

Figura 1-
Dificuldades no uso de tecnologias por enfermeiros gestores, relativas à força de trabalho. Florianópolis, SC, Brasil, 2019-2020.

Figura 2-
Dificuldades no uso de tecnologias por enfermeiros gestores, relativas aos instrumentos de trabalho. Florianópolis, SC, Brasil, 2019-2020.

As Figuras 1 e ² sintetizam os achados relativos à categoria analítica “dificuldades na utilização de tecnologias de gestão”. Apresenta as evidências, quotations, que são trechos significativos destacados do discurso dos participantes, conforme hospital, país e participante. Os trechos significativos estão articulados aos codes (ideia síntese) e estes às categorias temáticas, força de trabalho e instrumentos de trabalho, construídas com base no referencial teórico do processo de trabalho aplicado à saúde.

Verificou-se o predomínio de dificuldades relacionadas ao manejo das tecnologias pela força de trabalho. As principais dificuldades estiveram relacionadas à gestão do tempo, à adaptação cultural para o uso da tecnologia e à falta de capacitação/treinamento dos profissionais para a sua utilização. Além da identificação de um dilema humanização versus mecanização.

No que diz respeito à gestão do tempo, destacaram-se: o tempo para as tecnologias inovadoras estarem disponíveis para o trabalho de gestão em enfermagem; o tempo requerido para transformar dado registrado em informação para a tomada de decisão; e o acúmulo das funções de gestão e de cuidado. Esta última está associada à necessidade de realização dos registros em diferentes tecnologias, o que implica gerir o tempo para realizar as atividades pertinentes às duas dimensões e o domínio de diferentes recursos, podendo gerar sobrecarga de trabalho.

Em relação à adaptação cultural no uso da tecnologia identificou-se uma relação entre resistência ao uso da tecnologia, idade dos profissionais e sua habilidade e adaptação ao uso de novas ferramentas tecnológicas. A falta de capacitação/treinamento para o uso das tecnologias influenciou na usabilidade das mesmas. No dilema humanização versus mecanização, os enfermeiros gestores mencionaram o desafio de realizar os registros de forma adequada, utilizar todos os recursos disponibilizados pelas tecnologias e, concomitantemente, prestar assistência humanizada.

Quanto às dificuldades articuladas na categoria instrumentos de trabalho, identificaram-se problemas da própria tecnologia, especialmente, a sua funcionalidade e problemas relacionados aos equipamentos necessários à sua utilização plena. Os enfermeiros destacam as fragilidades estruturais que dificultam o uso da tecnologia, como o número insuficiente de computadores.

Destacou-se, ainda, a fragmentação dos sistemas utilizados demandando múltiplos registros com déficits de interoperabilidade. Para os participantes, a falta de integração entre diferentes sistemas de uma mesma instituição acarreta retrabalho e dificulta a captação de indicadores para planejar o cuidado.

DISCUSSÃO

Os resultados desta pesquisa realizada com enfermeiros gestores que atuam em quatro hospitais de ponta, dois no Brasil e dois em Portugal, mostraram que o seu trabalho é mediado por tecnologias e pelo processo de inovação. As tecnologias influenciam positivamente o seu trabalho, no entanto, problemas e dificuldades na sua utilização também são significativos.

Tecnologias são aqui entendidas como instrumentos de trabalho utilizados pelos enfermeiros gestores para transformar os múltiplos objetos de trabalho presentes nas diversas áreas da gestão em hospitais, com intuito de melhorar processos e obter resultados mais efetivos.

Dentre as potencialidades propiciadas pela tecnologia, destacaram-se: a facilitação dos registros; fluxos de trabalho mais articulados, inter-relacionando as múltiplas atividades desenvolvidas no âmbito da gestão; o armazenamento de informações e as facilidades de acesso aos dados; uso dos recursos tecnológicos para a gestão do tempo; e agilidade nas respostas e tomadas de decisão, impactando diretamente na segurança do paciente.

Outros estudos também registram aspectos positivos da inovação tecnológica na gestão em saúde e enfermagem, com destaque para as tecnologias digitais e as TIC.11^,13^-14^,22^-23 O uso de recursos tecnológicos também produzem, de modo articulado, melhorias na assistência e gestão em enfermagem, permitindo a realização de registros mais precisos, o que contribui para a implementação da Sistematização da Assistência de Enfermagem (SAE).7

O uso das tecnologias de gestão potencializa a organização das informações e melhora o fluxo dos dados, o que impacta positivamente todo o processo de trabalho. A segurança do paciente também é influenciada pelo uso de tecnologias de gestão, possibilitando que os riscos assistenciais sejam medidos com base em indicadores, os quais identificam ou dirigem a atenção para problemas específicos. E, para que os indicadores de segurança tenham efetividade, a utilização de tecnologias de gestão é fundamental, devido ao manejo de grande quantidade de dados.24^-25

Pesquisa em hospitais da Holanda23 aponta que sistemas de informações robustos produzem indicadores mais confiáveis. Investimentos na infraestrutura hospitalar devem priorizar sistemas para os registros eletrônicos de pacientes e a incorporação de tecnologias que ampliem as possibilidades de resolutividade das ações.13^,23^,26 No âmbito da evolução tecnológica na saúde, a enfermagem tem potencial para aperfeiçoar a gestão dos serviços e promover mudanças no contexto organizacional, visando melhorias assistenciais e gerenciais.

No entanto, a utilização de tecnologias inovadoras no contexto da gestão em enfermagem também está permeada por desafios. Os profissionais reconhecem o potencial das tecnologias, mas apontam dificuldades quanto a sua utilização. As principais dificuldades estão relacionadas aos aspectos dos próprios instrumentos e à força de trabalho, em especial no manejo da tecnologia.

No que diz respeito às tecnologias, entendidas como instrumentos de trabalho em si, verificaram-se dificuldades relacionadas aos equipamentos, sua disponibilidade, funcionalidade, assim como a usability (usabilidade), utilidade e interoperabilidade/integração dos sistemas utilizados nos hospitais. No mesmo sentido, outro estudo destaca a importância da interoperabilidade de sistemas e influência de macropolíticas e estruturas regulatórias para sua efetividade.27

Os resultados desta pesquisa também identificaram problemas como déficits na funcionalidade da própria tecnologia e o número insuficiente ou desatualização de equipamentos como dificultadores no uso das tecnologias pelos enfermeiros gestores. A lentidão dos sistemas, assim como as paradas abruptas ou programadas, também atrapalham a dinâmica de trabalho e o processo de registro. As dificuldades relativas à falta de equipamentos e as divergências operacionais e de utilização dos recursos geram transtornos no trabalho diário e dificultam a sua realização.

No que diz respeito à utilização de tecnologias materiais, estudo realizado com profissionais de enfermagem em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) mostra a importância da funcionalidade dos equipamentos para a realização do trabalho.28 Outros estudos4^,27 que tratam da utilização de tecnologias inovadoras em saúde, em especial as digitais, também registram alguns desafios não mencionados na pesquisa realizada com os enfermeiros gestores. Dentre eles, que o respeito aos aspectos éticos e segurança das informações relativas à saúde dos pacientes tem forte relevância, e que há relação entre características da tecnologia em si e experiência dos usuários.

De modo geral, as principais dificuldades no uso das tecnologias relativas à força de trabalho envolvem a gestão do tempo, a adaptação cultural para o seu uso, déficits de capacitação e/ou treinamento e o dilema entre humanização/mecanização da assistência. Os mesmos estudos já mencionados,4^,27 que tratam dos desafios na saúde digital, também mostram a importância de considerar múltiplos aspectos inerentes à força de trabalho para a efetiva utilização das tecnologias.

Na gestão do tempo, a utilização das tecnologias se apresenta, ao mesmo tempo, como potencialidade e dificuldade. As tecnologias possibilitam o registro das informações com maior agilidade e a compilação de forma eficiente dos dados. Mas, também conferem complexidade no processo de uso e manejo da tecnologia, especialmente em relação à demora na implementação dos recursos tecnológicos nos serviços e à capacitação para domínio e utilização plena dos recursos disponibilizados pelas tecnologias. Ou seja, os profissionais precisam conhecer o recurso e suas funcionalidades para utilizá-lo de forma efetiva e eficaz.12

No que diz respeito à adaptação cultural, alguns profissionais apresentam resistência em relação ao uso de tecnologias inovadoras, especialmente pela facilidade com que realizam os registros em papel e o modo habitual que se relacionam com as normas/rotinas e diferentes formas de prestar o cuidado. A capacitação e a educação continuada dos profissionais para a utilização adequada das tecnologias incorporadas aos serviços deve ser prioridade para os gestores, de modo a prepará-los para a introdução de novas metodologias de trabalho. O processo de implementação de tecnologias é um desafio para os profissionais de enfermagem, pois na maior parte das vezes, há uma sobrecarga de trabalho relativa aos modos de fazer antigos e novos até a adaptação total ao novo método. Na mesma perspectiva, múltiplos aspectos da relação entre tecnologia e stakeholders (partes envolvidas/interessadas) também está documentado na literatura.12^,27

Em relação ao dilema humanizar o cuidado versus mecanizar as ações, o principal receio dos profissionais é que quanto mais tecnologias forem utilizadas para a realização do trabalho, mais mecanizados podem se tornar os cuidados. Há uma preocupação com a perda do foco nas necessidades dos usuários em detrimento da necessidade de dominar/ter competência para utilizar adequadamente os instrumentos/tecnologias. Pesquisa29 realizada no âmbito da Atenção Primária à Saúde identificou que, por vezes, os enfermeiros acumulam as funções de gestão e de cuidado, sendo necessário se apropriar de diferentes funcionalidades para realização de registros gerenciais e assistenciais em diferentes softwares. A realização de trabalhos tão complexos e que demandam habilidades e conhecimentos distintos, mesmo que relacionados, tem sido registrado como gerador de aumento das cargas de trabalho destes profissionais.29

A sobrecarga de trabalho dos enfermeiros e o modo como as tecnologias são implementadas pode ser prejudicial para pacientes e profissionais. Nesse sentido, é preciso promover ambientes de trabalho mais humanizados e estimular relações de confiança que promovam satisfação no trabalho, devendo haver um equilíbrio entre o uso das tecnologias e a manutenção do cuidado humanizado, para garantir resultados de excelência.26

O uso das TIC nos serviços de saúde traz benefícios ao trabalho de gestão, no entanto, há falta de capacitação adequada dos recursos humanos para a sua utilização, falta de investimento financeiro e falta de sistemas estruturados.8 Neste sentido, investir em capacitação e qualificação dos profissionais de enfermagem é crucial para garantir conhecimento e domínio das inovações tecnológicas em saúde.

Notadamente, o processo de incorporação e a utilização de inovações tecnológicas para melhorar os resultados em saúde é complexo e multifacetado, envolvendo questões técnicas e políticas.

Como limites do estudo destaca-se que, apesar dos achados dizerem respeito a hospitais de ponta, estudos em outros hospitais com a mesma qualificação podem identificar diferentes aspectos na mediação da tecnologia com o trabalho de gestão realizado por enfermeiros. Pode-se, ainda, encontrar relevâncias distintas, uma vez que os cenários histórico-sociais e institucionais interferem na forma como a tecnologia é disponibilizada e utilizada.

CONCLUSÃO

Os enfermeiros gestores consideram que as tecnologias contribuem para a melhoria do seu processo de trabalho, por facilitar os registros e, consequentemente, aperfeiçoar resultados que podem influenciar na qualidade e segurança dos pacientes. Compreender a utilização de tecnologias, e analisar o impacto das mesmas no processo de trabalho, permite identificar lacunas a serem exploradas pelos gestores dos serviços de saúde, em geral e pela enfermagem em particular, com vistas ao seu melhor uso.

As dificuldades dos enfermeiros gestores estão relacionadas, especialmente, a fatores estruturais e à capacitação para utilização de tecnologias com vistas à gestão eficiente para melhorias na qualidade dos resultados. Essas dificuldades podem ser minimizadas por meio de capacitação e articulação do ensino e pesquisa, com intuito de evidenciar lacunas existentes em relação à temática tecnologia, inovação tecnológica e trabalho de gestão em enfermagem.

Para além da utilização das tecnologias, a implementação de macropolíticas que viabilizem o processo de ensino aprendizagem, com inserção de recursos tecnológicos e que impactem a formação e o processo de trabalho dos futuros profissionais, constitui-se em um desafio e uma necessidade. A mudança de cultura, a obtenção de informação por meio de dados, permitirá o rompimento de barreiras nos serviços. Mesmo diante das dificuldades apresentadas, os enfermeiros consideram positiva a utilização de ferramentas que melhorem os resultados assistenciais e gerenciais.

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NOTAS

• ORIGEM DO ARTIGO

  Extraído da tese - Tecnologias de gestão no trabalho de enfermeiros: estudo Brasil - Portugal, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, da Universidade Federal de Santa Catarina, em 2020.

• APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA

  No Brasil, aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Catarina, parecer n. 3.037.275, CAAE: 91962218.9.1001.0121. e no Comitê de Ética em Pesquisa Hospital Israelita Albert Einstein, parecer n. 3.656.172, CAAE: 91962218.9.3001.0071. Em Portugal, pareceres de aprovação sob referências 83/19 e 14/2019.

Editado por

EDITORES

Editores Associados: Melissa Orlandi Honório Locks, Monica Motta Lino. Editor-chefe: Elisiane Lorenzini

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  09 Dez 2022
• Data do Fascículo
  2022

Histórico

• Recebido
  26 Jun 2022
• Aceito
  07 Out 2022