Resumos
Trata-se de uma pesquisa qualitativa, descritiva e exploratória, cujo objetivo foi analisar o conhecimento de enfermeiros de uma unidade de terapia intensiva acerca do delirium no paciente crítico. Os participantes da pesquisa foram catorze enfermeiros intensivistas de um hospital público. Os dados foram coletados mediante entrevista semiestruturada e analisados por meio da técnica do Discurso do Sujeito Coletivo. Da análise dos dados emergiram cinco discursos: sinais e sintomas; uso de sedativos; contenção física; ambiente; falta de preparo profissional. Verificou-se que os enfermeiros têm dúvidas sobre o delirium, seu manejo em terapia intensiva, utilização de escalas e intervenções de enfermagem. Aponta-se para a necessidade de educação sobre o tema e novos estudos sobre manejo do delirium para a enfermagem.
Terapia intensiva; Delirium; Transtornos cognitivos; Equipe de enfermagem; Cuidados de enfermagem
This is an exploratory, descriptive and qualitative study with the aim of analyzing the knowledge of nurses in an intensive care unit about delirium in critically ill patients. Study participants were fourteen ICU nurses from a public hospital. Data were collected through semi-structured interviews and analyzed using the Collective Subject Discourse technique. Five features were identified after data analysis: signs and symptoms, use of sedatives, physical restraint, environment and lack of professional preparation. It was found that nurses have doubts concerning delirium, its management in intensive care, the use of scales and nursing interventions. This study points to the need for education on the subject and further research on the management of delirium in nursing.
Intensive Care; Delirium; Cognition Disorders; Nursing Team; Nursing Care
Se trata de un estudio cualitativo exploratorio descriptivo cuyo objetivo era analizar el conocimiento del personal de enfermería en una unidad de cuidados intensivos sobre el delirio en pacientes en estado crítico. Los encuestados fueron catorce enfermeras, como un hospital público. Los datos fueron recolectados a través de entrevistas semi-estructuradas y analizados mediante la técnica del Discurso del Sujeto Colectivo. Análisis de los datos eran cinco discursos: signos y síntomas, el uso de sedantes, la restricción física, el medio ambiente, la falta de preparación profesional. Se encontró que las enfermeras tienen dudas sobre el delirio, su manejo en cuidados intensivos, el uso de escalas y las intervenciones de enfermería. Señala la necesidad de la educación en los estudios de asignaturas y otras en el tratamiento del delirio en la enfermería.
Cuidados intensivos; Transtornos de delírio; Transtornos del conocimiento; Grupo de enfermería; Atención de enfermería
INTRODUÇÃO
O delirium constitui uma alteração neuropsiquiátrica aguda ou subaguda, que afeta a consciência, e, geralmente, está acompanhado por algum grau de distúrbio do estado de despertar. Apresenta manifestações, tais como diminuição da atenção e alterações secundárias das funções cognitivas, entre elas percepção, memória, orientação e raciocínio, além de comprometimento do ciclo sono-vigília e transtornos emocionais (depressão, ansiedade, medo, irritabilidade, euforia, apatia).1 Essas manifestações têm início abrupto, apresentam flutuação em intensidade durante o dia e, também, de um dia para outro.2
Frequentemente, manifesta-se nos pacientes graves internados em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) devido a fatores de risco, tais como idade (geralmente em pacientes maiores de 65 anos), uso de ventilação mecânica, realização de procedimentos invasivos, interrupções dos ciclos de sono,3hipertensão arterial sistêmica, etilismo, distúrbios metabólicos, uremia, hipoxemia, anemia, acidose, além de comprometimento visual e auditivo, intervenções cirúrgicas e uso de drogas como a morfina.4 - 5
A relevância do delirium deve-se não somente a sua elevada prevalência, mas também as suas consequências.1 A incidência do delirium tem-se situado entre cinco e 92% dos pacientes, estando associada à alta mortalidade, ao aumento do tempo de internação em UTI e ao maior tempo de ventilação me cânica, além de déficit funcional e cognitivo a longo prazo.6
Dentre os objetivos da assistência de enfermagem, minimizar a incidência de delirium, por meio da qualidade dos cuidados em UTI, pode representar melhora nos desfechos clínicos.7No entanto, esse distúrbio neurológico tem recebido pouca atenção dos profissionais que atuam em UTI, principalmente por não ser a razão primária da internação dos pacientes.3 Estima-se que o custo do tratamento do paciente com delirium aumenta em 39% durante a sua estada na UTI e, em 31%, durante a permanência hospitalar. O reconhecimento precoce do delirium possui relação direta com o grau de conhecimento da equipe de saúde e, portanto, a educação é etapa básica para uma intervenção eficaz.8
Prevenir o delirium através da identificação dos fatores de risco, observação de condições impostas pelo ambiente hospitalar e doença aguda, bem como uso criterioso de sedações dentre outros é de fundamental importância para a terapêutica ofertada ao paciente grave. O enfermeiro intensivista tem papel fundamental nesse processo por estar em contato constante com o paciente e poder observar, de forma mais apurada, quaisquer alterações de seu statusmental.3
Considerando-se o exposto, questionou-se: o que sabem os enfermeiros de uma UTI sobre identificação, causas e manejo do delirium? Assim, esta pesquisa tem como objetivo, analisar o conhecimento de enfermeiros de uma unidade de terapia intensiva sobre o delirium no paciente crítico.
MÉTODO
Trata-se de um estudo de abordagem qualitativa, do tipo exploratório-descritivo, realizado com enfermeiros em uma unidade de terapia intensiva de pacientes adultos com catorze leitos, situada em um hospital geral do Estado de Santa Catarina, que atende, exclusivamente, pacientes do Sistema Único de Saúde. Utilizou-se como critério de inclusão dos profissionais nesse estudo: estar em exercício profissional no período de coleta de dados e ter experiência no cuidado ao paciente crítico de, no mínimo, seis meses. Do total de 17 enfermeiros que atenderam aos critérios de seleção, 14 (catorze) aceitaram participar da pesquisa.
A coleta de dados deu-se entre os meses de outubro a dezembro de 2011, após aprovação do Projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Catarina, Parecer número 1007/10.
Os dados foram coletados por meio de entrevista semiestruturada, em ambiente privativo e silencioso, combinado entre o pesquisador e participantes. Estas foram gravadas e, posteriormente, transcritas e devolvidas aos sujeitos para validação. Para fins de identificação dos participantes conferiu-se a letra E (de Enfermeiro), seguida do número correspondente à sequência das entrevistas. Essas tiveram duração média de 30 minutos.
Para a análise dos dados, foram utilizadas as figuras metodológicas do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC):9 Expressões chaves (ECHs), segmentos que revelam a essência do conteúdo dos discursos individuais; Ideias Centrais (ICs) descrevem de maneira sintética o(s) sentido(s) das ECHs de cada discurso. O conjunto homogêneo de ECHs dá origem a uma IC que recebe o nome de Categoria. Ancoragem (AC) está presente quando é usada pelo enunciador do discurso uma afirmação genérica para enquadrar uma situação particular. O Discurso do Sujeito Coletivo (DSC) é constituído de ECHs das ICs, enquadradas na mesma categoria.
Do ponto de vista operacional, inicialmente, para extrair as ECHs de cada discurso analisado, foi realizada uma leitura cuidadosa do material e, em seguida, sublinhado o que era relevante, ou seja, a essência do pensamento de cada sujeito social, retratado no seu discurso tal como ela aparecia. A cada ECH identificada foi extraída a IC correspondente. O passo seguinte foi o agrupamento das ICs semelhantes e, para cada agrupamento, nomeou-se uma única IC que se chamou de Categoria. Para a construção do DSC reuniram-se as ECHs das ICs enquadradas em cada categoria. Assim, o DSC é um discurso-síntese, composto pela "colagem" das ECHs que têm a mesma IC, e é redigido na primeira pessoa do singular como se uma única pessoa estivesse falando.9
RESULTADOS
Da análise dos dados emergiram cinco DSCs: Sinais e sintomas; Uso de sedativos; Contenção física; Ambiente e Falta de preparo profissional.
DSC 1 Sinais e sintomas
O paciente com delirium é aquele que está acordando e fica aéreo, você fala com ele e recebe de volta um olhar vago. Isso pode ser delirium no paciente crítico. Outras vezes, o paciente fica confuso e tem episódios de agitação. Então, dá-se dessas duas maneiras: apatia ou agitação. Também, ficamos atentos às alterações das funções neurológicas e motoras. O paciente tem atitudes pouco coerentes, fornece informações incoerentes (E1, E3, E7, E8).
DSC 2 Uso de sedativos
Os anticolinérgicos, opióides e benzodiazepínicos, quando utilizados em idosos, principalmente, devem ser muito bem observados, pois podem induzir ao 'delirium'. Eu penso que faltam critérios mais bem definidos no uso de sedativos. Há situações, que precisam de intervenção, que é necessário que o paciente fique mais sedado. Mas, algumas vezes o exagero da sedação também está presente, principalmente no período noturno. As drogas sedativas estão livres, se eu quiser fazer um bolus, aumentar a dose, não há supervisão, ninguém vai ver. O paciente agita-se um pouco, falta paciência, tolerância. Se ele não está com Ramsay de 5 ou 6, a equipe já pede para sedar, porque, dessa forma, o paciente não atrapalha e torna-se um paciente bom para se cuidar (E1, E2, E4, E5, E9, E10, E11).
DSC 3 Contenção mecânica
Penso que não há critérios, é muito uso, às vezes, chega parecer excessivo, deveria ter mais avaliação, questionamentos para afirmar que tal paciente precisa mesmo permanecer contido. Às vezes, é o enfermeiro que decide noutras é o técnico de enfermagem, entende? Parece que há padronização e todo paciente precisa estar contido. A ideia é conter no sentido de proteger o paciente, mas até que ponto está protegendo? Por vezes, o paciente está confuso e agitado, você solta e ele se acalma. Quando o paciente está acordando da sedação, e fica agitado, pode ser, também, por causa da contenção. Mas, só retiro, quando há um acordo com a equipe, porque há grande responsabilidade, se acontece algo, por exemplo, sempre é culpa da enfermagem. Às vezes, é melhor ele estar contido do que se extubar e perder a vida por causa disso. Sabemos que, na prática, doente contido incomoda menos, mas acredito que se deva evitar o máximo, porque, também pode ser uma situação que favoreça o delirium (E1, E3, E4, E7, E11, E14)
DSC 4 Ambiente
Temos muito barulho na UTI, situação que favorece o delirium. É um ambiente cheio de ruídos, alguns totalmente dispensáveis. As conversas em tom de voz alto, principalmente, no período noturno, as gargalhadas, enfim. O local sempre movimentado com circulação de pessoas em demasia. A música alta ou televisão ligada com som alto. No período noturno, principalmente, a UTI não é um ambiente propício para a pessoa repousar, há bastante ruído, luzes desnecessárias. Quanto mais fechado o ambiente, mais medo ele causa ao paciente, menos privacidade, isso favorece o delirium (E1, E4, E7, E8, E9, E13)
DSC 5 Falta de preparo profissional
Acredito que faltam orientações e estudos da nossa parte, precisamos buscar mais. Não vamos mais a fundo, para ver se tem a ver com a patologia ou se é relacionado com um ou outro medicamento ou com o ambiente. Precisamos conhecer estratégias de como conversar, como orientar. Penso que temos que ter alguns recursos, que não seja apenas a terapia medicamentosa ou a contenção mecânica para manejar com o paciente. O paciente necessita de cuidado personalizado, eu até tento conversar, tento acalmar, explicando que ele está numa UTI, que está entubado, que, agora, ele está assim, que precisa ficar restrito por causa do tratamento. Deve ser oferecida ao paciente reorientação frequente, evitando ansiedade desnecessária. Objetos conhecidos do paciente podem ajudar, estabelecendo vínculo com a realidade. Também, acredito que a presença do familiar é essencial para diminuir a desorientação (E2, E4, E6, E12).
DISCUSSÃO
O DSC1 retrata que os enfermeiros identificam o paciente com delirium por meio de manifestações, tais como agitação, fornecimento de informações não coerentes e apatia.
O delirium é um distúrbio de consciência e cognição, que tem como características a diminuição da atenção e alterações secundárias tais como percepção, memória, orientação e raciocínio. A perturbação desenvolve-se em um curto período de tempo e os fatores de risco têm sido reconhecidos em diversos estudos e incluem: idade avançada, disfunção cognitiva, disfunção sensorial (dificuldade visual e/ou auditiva), privação de sono, imobilidade, desidratação e uso de sedativos.10
Apesar de grande parte dos profissionais envolvidos no cuidado do doente crítico considerar o delirium como uma ocorrência comum e séria na UTI, pouco se faz para diagnosticá-lo de maneira precisa, a fim de que se oriente manejo adequado da situação clínica.11
Há poucos dados disponíveis sobre as práticas atuais dos enfermeiros sobre a avaliação do delirium, ou mesmo sobre capacitações e potenciais barreiras de conhecimentos que, porventura, esses apresentem em relação ao tema. A educação continuada e a constância das avaliações dependem de uma melhor compreensão das crenças dos enfermeiros em relação ao assunto,12 bem como, do desenvolvimento contínuo de pesquisas na área.
Estudo demonstrou que a sensibilidade para o reconhecimento do delirium em UTI é baixa sem o uso de ferramentas de screening para o seu diagnóstico.13 Vale ressaltar que o reconhecimento precoce do delirium está em direta proporção com o grau de familiaridade da equipe de saúde com as suas apresentações e, portanto, a educação é etapa básica para uma intervenção eficaz.8
Existem propostas de utilização de um algoritmo inicial para prevenção do delirium, que engloba a educação da equipe; a identificação dos fatores de fragilidade individual; a minimização de condições predisponentes, impostas pelo ambiente hospitalar e doença aguda; a intervenção, através de componentes não farmacológicos; e a monitorização da sedação e de ocorrência de delirium diariamente.8Ficou evidente, nas entrevistas, o desconhecimento sobre o uso de escalas e sobre a importância da avaliação feita pelo enfermeiro intensivista.
É possível ofertar oportunidades de educação que promovam o aprendizado sobre os desfechos negativos associados com o delirium e a importância da avaliação de rotina. O esclarecimento sobre as sequelas relacionadas ao delirium levará os enfermeiros a valorizar e compreender a importância da detecção precoce.14
De forma geral, no DSC2, percebeu-se que os profissionais têm dificuldade para lidar com o paciente que apresenta agitação e delirium. Foi comum em todos os discursos, a afirmação de que paciente mais sedado não demanda tantos cuidados e que é difícil lidar com agitação psicomotora e restrição física na UTI. Um dos fatores citados seria a falta de restrições adequadas, e, em relação à sedação, uma queixa comum foi a de que os pacientes, muitas vezes, não recebem sedação adequada no período noturno, o que inviabiliza o repouso, extremamente importante para a prevenção do delirium.
A sedação excessiva expõe o paciente à instabilidade hemodinâmica, ventilação mecânica prolongada, aumento da morbidade e da ocorrência de delirium. Os agentes sedativos e opióides, muito utilizados em UTI, representam um importante subgrupo de medicações conhecidas por ocasionar delirium.15 Em estudo16 realizado na Dinamarca, pacientes que receberam fentanil tiveram risco dez vezes maior de apresentar delirium e a utilização de lorazepan esteve associada ao maior risco para desencadeamento de delirium.
Em estudos4 , 16 que avaliaram o desenvolvimento e a exacerbação do delirium, relacionados à utilização de medicamentos, observou-se que os benzodiazepínicos (midazolam, lorazepan, diazepam) podem causar agitação paradoxal, hostilidade, agressividade e confusão, e os narcóticos pioram a cognição e agravam tal distúrbio. O uso profilático do haloperidol, em pacientes com alto risco para delirium, pode reduzir complicações.15 Outras drogas comumente utilizadas em terapia intensiva, como propofol, meperidina, morfina e anticolinérgicos (como atropina e hioscina), também mostraram potencial para desenvolvimento do delirium. 4
O objetivo da sedação é proporcionar, dentre outros fatores, um paciente cooperativo, calmo, com sono apropriado, mantido sem dor e minimamente ansioso. A sedação em excesso deprime a função cardiorrespiratória, diminui a motilidade intestinal, aumenta o risco de pneumonia relacionada à ventilação mecânica, aumentando, também, o tempo de permanência em UTI.7
No DSC2, revelou-se, ainda, a preocupação e o entendimento quanto aos efeitos deletérios e o uso abusivo das sedações. São poucos os profissionais que relacionam o delirium com outras drogas utilizadas na UTI, lembrando que os anticolinérgicos e antidepressivos tricíclicos são, comumente, causadores de delirium.
No DSC3, observou-se que existe a preocupação pelo uso inadequado das restrições mecânicas e ao, mesmo tempo, o temor pela responsabilização da enfermagem caso algo ocorra ao paciente não devidamente restrito. O tema ainda é pouco abordado na literatura, o que dificulta o preparo do profissional para a tomada de decisões relacionadas à restrição no cotidiano da UTI.
A inexistência de normativas em relação ao uso de restrições no hospital onde foi realizado este estudo contribui, negativamente, para a tomada de decisões e amparo legal dos profissionais. Outro ponto abordado pelo grupo foi a dificuldade para a obtenção de restrições mais adequadas, com o propósito de facilitar a movimentação do paciente e diminuir seu desconforto.
O uso das restrições é um tema complexo, que vai além do cuidado de enfermagem, abrangendo questões físicas, psicológicas, legais e éticas. De acordo com o Royal College of Nursing não existe uma definição jurídica precisa para a restrição. No entanto, em termos gerais, significa a restrição ou o impedimento da liberdade.17 A Joint Comission on Accreditation of Health-Care Organizations define a restrição como qualquer método utilizado para restringir a liberdade de movimentos ou o acesso normal ao corpo.7 É importante ter uma definição clara de restrição, compartilhando seu significado, sensibilizando e enfatizando o uso de restrição na prática diária dos profissionais de saúde.
A literatura que aborda o uso das restrições físicas enfatiza um número expressivo de importantes questões que devem ser consideradas dentro dos ambientes de cuidados críticos. Os programas educacionais envolvendo essa área dão ênfase aos cuidados que devem ser prestados na agitação e delirium. Métodos para prevenir as causas devem ser considerados no cuidado global e manejo dos pacientes e inclui comunicação efetiva, estratégias de reorientação, redução de ruídos e conforto do paciente.17
Em estudo18 cujo objetivo foi compreender o cuidado em terapia intensiva sob a ótica do paciente, a contenção física no leito foi mencionada como uma percepção insatisfatória do tempo de internação, relacionada com sensações desagradáveis ou desfavoráveis. Foram citadas, também, como percepções negativas, solidão, saudade da família, receio acerca dos procedimentos e da dor, vergonha de expor o corpo, desorientação no tempo, dificuldade para comunicar-se, barulho, fato de presenciar o sofrimento dos outros pacientes e medo da morte.
A Resolução do Conselho Federal de Enfermagem número 427 de 2012, resolve que os profissionais da enfermagem somente podem empregar a contenção mecânica sob supervisão direta do enfermeiro e em conformidade com os protocolos estabelecidos pelas instituições de saúde, salvo casos de urgência ou emergência. Recomenda ainda que a contenção mecânica somente deve ser utilizada quando for o único meio possível para prevenção de danos aos pacientes ou aos demais, não devendo ser prolongada, tampouco utilizada com o propósito de disciplinar, punir ou coagir ou mesmo por conveniência da equipe.19
Outra justificativa utilizada pelos sujeitos foi a prevenção da extubação acidental como uma das razões para o uso de restrições. Uma solução para o problema seria a revisão das diretrizes da UTI para agilizar o desmame ou mesmo considerar a traqueostomia, no caso do tubo orotraqueal provocar agitação.20
Existem poucas pesquisas sobre as percepções dos pacientes e familiares sobre o uso de restrições, propondo que, em longo prazo, mais pesquisas sejam feitas a fim de verificar os efeitos psicológicos dessas restrições.21 O paciente criticamente doente sofre uma grande carga de estresse durante o tratamento em terapia intensiva.22 A gravidade da doença, dor, dispositivos terapêuticos, ansiedade, dentre outros, são estressores cumulativos para o paciente e podem causar deterioração da condição subjacente. Nessas condições, manter um nível ótimo de conforto para o paciente e sua segurança é elemento essencial do tratamento.17
No DSC4, foi consenso, entre os participantes, o desconforto e a preocupação em relação ao barulho na unidade. Um dos fatores seria a grande circulação de pessoas no setor, além dos trabalhadores da unidade, o que causa grande tumulto. Aliado a isso, a falta de sensibilização da equipe, como um todo, para a redução de ruídos, também, foi abordada. O fator estrutural é um grande empecilho para manter o ambiente silencioso, pois os leitos são muito próximos ao posto de enfermagem, onde os funcionários executam atividades, como o preparo de medicações.
Há estudos23 - 25 apontando que altos níveis de ruído em terapia intensiva ocasionam, dentre outros problemas, irritabilidade, contraturas musculares, aumento da frequência cardíaca e pressão arterial e piora na qualidade do sono, não apenas para os pacientes, mas também para a equipe de enfermagem.
Neste contexto, os cuidados de enfermagem podem amenizar alguns aspectos. Entre esses cuidados, pode-se citar uso da luz para manter ou restaurar o ciclo circadiano, que, embora simples, é frequentemente subutilizado.26 Outras medidas incluem: uso de próteses auditivas e óculos para que o paciente sinta-se mais seguro; oportuna remoção de sondas e restrições; mobilização precoce no leito e uso racional de restrições físicas e químicas. É importante pensar no bem-estar do paciente e promover dignidade durante os cuidados diários, tais como os banhos no leito, e respeitar a privacidade sempre que possível, além de oferecer comunicação efetiva e explicações sobre os procedimentos.27 A presença do familiar também pode auxiliar nesse processo por meio da ampliação dos horários de visita, o que seria de grande valia para fortalecer o sentimento de segurança dos pacientes.
A privação do sono influencia na recuperação, na capacidade de resistir a infecções, provoca problemas neurológicos e respiratórios, podendo prolongar a duração da ventilação e permanência na UTI. Dor, ruído e desconforto, os modos de ventilação e as drogas têm sido citados como causas da privação do sono em pacientes criticamente doentes.28
Conforme mostra o DSC5, o grupo mostrou-se pouco receptivo à utilização de escalas para o rastreamento do delirium, revelando que essa avaliação não seria função do enfermeiro e, sim, do médico intensivista. Observa-se nesse discurso, o que já foi anteriormente discutido no DSC1. Os enfermeiros desconhecem a importância da prevenção do delirium para o desfecho do paciente crítico. O subdiagnóstico da síndrome está intimamente ligado ao pouco conhecimento, aliado à sucessão de práticas equivocadas, tais como a inadequação do ambiente e o uso abusivo das sedações.
Pesquisa12 realizada com 331 enfermeiros de quatro UTIs, com o objetivo de identificar práticas e percepções sobre avaliação do delirium, mostrou que os hospitais do estudo já disponibilizavam instrumentos para rastreio de delirium, porém, menos da metade dos entrevistados os utilizava. O estudo observou que as barreiras reportadas para o não uso das ferramentas de avaliação eram a complexidade das ferramentas e inabilidade dos profissionais para completar avaliações em pacientes sedados. Iniciativas educacionais, focadas para a melhora da habilidade dos profissionais em avaliar delirium, são tão importantes quanto aquelas para avaliar dor e sedação.12 - 20
O método de avaliação denominado Confusion Assessment Method for the Intensive Care United (CAM-ICU) pode ser utilizado pelos enfermeiros para monitorização do delirium em pacientes sob ventilação mecânica, com mínimo treinamento.29 - 30 A utilização diária do CAM-ICU em cuidados críticos é uma alternativa viável e um programa de educação continuada torna-se útil para o sucesso da implementação, ao promover capacitação constante e troca de experiências com a ferramenta. Embora a equipe da UTI possa mostrar certa relutância na adoção de uma nova avaliação diária,31 o referido método constitui-se em um formulário de fácil aplicação. Nele, a avaliação do paciente dá-se em duas etapas, que associam a monitorização da sedação com o delirium: na primeira etapa avalia-se a sedação através da Escala de Sedação e Agitação de Richmond (The Richmond Agitation and Sedation Scale - RASS). Conforme o score obtido nessa escala, utiliza-se ou não uma segunda etapa de avaliação, que é a avaliação direta do delirium. Os pacientes que não progredirem para a segunda etapa da avaliação são aqueles completamente sedados, em que não é possível avaliar o delirium. 32
O delirium em UTI carece não apenas de ferramentas de rastreio validadas, mas também de sensibilização para sua detecção.13 Neste sentido, enfatiza-se a importância da educação continuada e o desenvolvimento de ferramentas para qualificar o atendimento aos pacientes de UTI. Intervenções educacionais podem aperfeiçoar as habilidades de enfermeiros da UTI para realizar uma avaliação de delirium de forma padronizada. O rastreio do delirium não pode constituir-se, isoladamente, em um processo de garantia de qualidade, portanto, uma abordagem padronizada deve ser incorporada na educação dos enfermeiros de cuidados intensivos. Finalmente, as iniciativas educacionais focadas em melhorar a capacidade dos médicos e dos enfermeiros para avaliar o delirium é tão importante como aquelas para avaliação de dor e sedação e devem ser parte de qualquer esforço para a melhoria da assistência ao paciente em cuidados críticos.12
CONCLUSÃO
Na análise dos discursos do sujeito coletivo que emergiram dessa pesquisa, percebeu-se uma lacuna de conhecimento por parte dos enfermeiros da unidade acerca do delirium. O delirium demanda não somente conhecimento científico para sua prevenção e controle, mas igualmente, mudanças estruturais e comportamentais por parte dos profissionais. Quadros de delirium representam uma urgência clínica e têm importante impacto na sobrevida do paciente de UTI, e, por isso, o conhecimento da equipe multiprofissional é de grande importância nesse processo.
Os profissionais demonstraram também, que percebem a necessidade de maior aperfeiçoamento, através de capacitações sobre o tema. Com uma conscientização de que delirium é um problema grave e preditor de mortalidade aumentada, entre outras complicações, é possível o desenvolvimento de ações efetivas para prevenção precoce.
Todos os profissionais que cuidam de pacientes em ambiente crítico devem ter ciência dos fatores de risco, tanto aqueles relacionados com o ambiente (modificáveis), como os relacionados às doenças crônicas. Modificar positivamente o ambiente de terapia intensiva para que ele se torne menos hostil, humanizando o cuidado, é tarefa que a enfermagem pode fomentar, aliada a um melhor manejo da sedação, conduta esta a ser discutida entre os profissionais habilitados para tal.
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Apr-Jun 2015
Histórico
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Recebido
03 Jul 2014 -
Aceito
14 Out 2014