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O que é antigo também é novo - pesquisa participativa ativa

A Pesquisa Participativa Ativa (PPA) é uma poderosa metodologia que tem crescido em popularidade no hemisfério norte, principalmente nos últimos quinze anos. Ao sair de um paradigma crítico oferece um enfoque pertinente e apropriado para o estudo de populações marginalizadas e vulneráveis, além de ser uma estratégia para transformar desigualdades raciais, étnicas, socioeconômicas e de saúde. Atualmente, é considerada um dos métodos a serem utilizados na transferência do conhecimento. Está sendo também utilizada nas Pesquisas Participativas de Base Comunitária e nos projetos de pesquisa translacionais. Tendo suas raízes no Brasil e na Colômbia, a PPA é um método particularmente pertinente para os estudiosos dessas regiões geográficas, para desenvolver ainda mais teorias e métodos. O propósito deste editorial é precisamente ressaltar a pertinência da PPA (e de outras metodologias colaborativas e participativas) e argumentar por que esses métodos são, hoje em dia, especialmente relevantes e importantes para as enfermeiras do Brasil e em toda a América Latina.1Breda KL. Participatory action research. In: de Chesnay M, editor. Nursing research using participatory action research. New York: Springer; 2014. p. 1-11.

Os métodos de pesquisa participativa originaram-se no Brasil e na Colômbia, e vêm sendo utilizados na América Latina há várias décadas. A crítica ao modelo positivista da ciência e à ciência como elemento neutro, imparcial e puro, tem contribuído na geração de uma mudança dirigida aos métodos participativos no Sul desde a década de 1960. O clima econômico e político na América Latina naquele momento foi um elemento importante para o estímulo dos discursos sociais, nos níveis acadêmicos e intelectuais. Essa rica tradição e intercâmbio de conhecimentos eram uma parte vital do tecido cultural e social da sociedade latinamericana durante aquele período.

Kurt Lewin, nascido na Prússia, é considerado o "pai da pesquisa-ação" e, algumas vezes, é vinculado da mesma forma à PPA. Contudo, Lewin centrou-se na ação e na ciência da ação e pouco na participação dentro da ação. A PPA, com suas raízes críticas e emancipadoras, é, claramente, um produto da América Latina. Montero declara que "assim que a pesquisa-ação foi posta em prática na América Latina, tornou-se uma coisa bem diferente".2:131 De fato, transformou-se tanto em participante, quanto em pesquisa orientada à ação. A interpretação latinamericana da PPA (algumas vezes chamada de cadeia meridional de PPA) tem um caráter emancipatório bem definido, que pretende ser um veículo de liberação. Acoplada à teoria crítica e à liberação teológica, a PPA meridional oferece as noções da democratização e da conscientização.

Esta informação é de conhecimento comum no Brasil, na Colômbia e em outros países da América Latina. Na atualidade, a PPA, assim como o movimento que impulsou seu desenvolvimento pode até parecer antiquado e obsoleto para alguns. Porém, eu argumento aqui que a cadeia meridional da PPA não é obsoleta. Pelo contrário, oferece uma plataforma ideal para enfermeiras da América Latina, visando desenvolver e envolver-se no contexto atual (por exemplo, no neoliberalismo, a crescente lacuna entre os ricos e aos pobres, a globalização, a mercantilização, a migração e a violência estrutural).

Permita-me perguntar: "qual é a relevância da pesquisa participativa ativa hoje em dia e por que está tomando tanto destaque no Norte, e como está sendo interpretado?" Para compreender plenamente a PPA e outros métodos de pesquisa participativa é imprescindível contar com uma base crítica nas ciências sociais, econômicas e política críticas. Não é suficiente aprender o método isoladamente, fora do contexto. É mais do que um procedimento a ser seguido. É necessário exercer uma mudança de paradigma do modelo científico positivista para compreender os métodos participativos. Essa mudança somente poderia vir depois de compreender profundamente a teoria crítica, porque, de alguma forma, apresenta alguma familiaridade com a ciência social crítica.

No Norte (e particularmente nos EUA), o desenvolvimento de metodologias qualitativas na enfermagem não surgiu de um paradigma crítico ou emancipador. Os estudos qualitativos nos EUA, usualmente, não estão conectados à uma lente crítica. Além disso, as lentes críticas não são bem compreendidas pelas enfermeiras estadunidenses. Por outra parte, a partir de autores latinamericanos, sabemos que o desenvolvimento da pesquisa na enfermagem do Brasil e da Colômbia surgiu principalmente de "posturas teóricas e críticas das ciências sociais e de estudos e experiências da pesquisa-ação, e da PPA".3:478-9 O anterior deve-se aos trabalhos influentes de Paulo Freire/Brasil e de Orlando Fals-Borda/Colômbia e, também, aos amplos aportes de ciências sociais e filosofia crítica enraizados nos sistemas educativos desses lugares.

Hoje em dia, os estudiosos de enfermagem que provêm dessas tradições e compreendem a perspectiva crítica poderiam estar na vanguarda da transmissão do conhecimento. Os teóricos de enfermagem da América Latina e os metodólogos são idealmente preparados para liderar, em nível mundial, mediante a realização de estudos que utilizam métodos de pesquisa participativos. Além disso, podem desenvolver ainda mais métodos de criação de novas teorias de alcance médio e de prática baseada em evidência para profissionais da saúde de dentro e fora da América Latina.

A evolução da pesquisa qualitativa na enfermagem latinamericana foi impulsionada por quatro fatores principais: 1) a contribuição dos programas de pós-graduação de mestrado e doutorado; 2) o empoderamento das enfermeiras pesquisadoras; 3) a consolidação de grupos de pesquisa; e 4) o reconhecimento da enfermagem como ciência social.3:478

Qual é o papel potencial das enfermeiras no uso da PPA no aperfeiçoamento da pesquisa, teoria e prática da enfermagem? Quais são as possíveis formas em que as enfermeiras brasileiras poderiam utilizar os pontos fortes presentes na organização dos grupos de pesquisa para avançar nos métodos de pesquisa/participativa e de colaboração? A infraestrutura necessária para os projetos de pesquisa multicêntricos, a disponibilidade de fontes de financiamento público da pesquisa em enfermagem e a vitalidade da pesquisa em programas de doutorado em enfermagem no Brasil, assim como em outros países da América Latina, promovem a viabilidade do sucesso na pesquisa e a geração de teorias.

Alguns consideram a PPA como uma parte do passado da América Latina. Na verdade, é a PPA é uma parte do passado e também um caminho promissor para o futuro. O que é antigo também é novo - A pesquisa participativa ativa.

REFERENCES

  • 1
    Breda KL. Participatory action research. In: de Chesnay M, editor. Nursing research using participatory action research. New York: Springer; 2014. p. 1-11.
  • 2
    Montero M. Participation in participatory action research. Annu Rev Clin Psychol. 2000; 2:131-43.
  • 3
    Duque-Páramo M, Padilha M, Sanhueza-Alvarado O, Castillo A, Soriano F, López García K, et. at., Qualitative nursing research in Latin America: the cases of Brazil, Chile, Colombia, and Mexico. In: CT Beck, editor. Routledge International handbook of qualitative research. New York: Routledge; 2013. p.478-99.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2015
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