RESUMO
Objetivo: Compreender as relações familiares vivenciadas no contexto de violência conjugal.
Método: Estudo qualitativo que utilizou a Teoria Fundamentada nos Dados vertente construtivista. Participaram 23 mulheres, das quais três eram filhas de mulheres em situação de violência conjugal. Os dados foram coletados no período de março a novembro de 2021, mediante entrevistas on-line nas redes sociais Facebook ® e WhatsApp ® . O processo analítico envolveu a comparação constante dos dados, além da codificação inicial e focalizada.
Resultados: O fenômeno central “Significando as relações familiares no contexto de violência conjugal” e os processos “Sofrimento vivenciado por mães e filhas(os) a partir da violência conjugal”; “Mobilizando-se para o rompimento da violência conjugal pelo sofrimento das(os) filhas(os)”; e “Mães e filhas percebendo às repercussões da violência conjugal experienciada na relação familiar” revelam o impacto da violência para além das mulheres, repercutindo também na vida dos filhos. A dor e o sofrimento experienciados, direta ou indiretamente, perduram ao longo do tempo, influenciando no modo com que significam suas relações familiares e sociais.
Conclusão: A violência conjugal foi um processo vivenciado por mães e filhos, sendo estes mobilizadores do desejo e ações de rompimento do agravo. Os significados atribuídos a esta vivência são construídos, compartilhados, elaborados e modificados ao longo do tempo, mas suas repercussões perduram com implicações à saúde e bem estar das vítimas: mães e filhos.
DESCRITORES: Violência contra a mulher; Teoria fundamentada; Relações Familiares; Cuidados de enfermagem; Saúde da mulher
ABSTRACT
Objective: to understand family relationships experienced in the context of marital violence.
Method: a qualitative study that used the Constructivist Grounded Theory. The participants were 23 women, three of which were daughters of women experiencing marital violence. The data were collected from March to November 2021 by means of online interviews on the Facebook® and WhatsApp® social networks. The analytical process involved constant data comparison, in addition to initial and focused coding.
Results: the central phenomenon, “Attributing meaning to family relationships in the context of marital violence”, and the “Distress experienced by mothers and daughters as a result of marital violence”, “Mobilizing to stop marital violence due to the daughters' distress” and “Mothers and daughters realizing the repercussions of marital violence experienced in the family relationship” processes reveal the impact of violence beyond women, also impacting the lives of their children. The pain and distress experienced, whether directly or indirectly, lasts over time, influencing the way in which family and social relationships are understood.
Conclusion: marital violence was a process experienced by mothers and children, which mobilized the desire and actions to stop the problem. The meanings attributed to this experience are constructed, shared, elaborated and modified over time, but its repercussions persist with implications for the health and well-being of the victims: mothers and children.
DESCRIPTORS: Violence against women; Grounded Theory; Family Relationships; Nursing care; Women's health
RESUMEN
Objetivo: comprender los vínculos familiares vivenciados en el contexto de violencia conyugal.
Método: estudio cualitativo en el que se utilizó la vertiente constructivista de la Teoría Fundamentada en Datos. Las participantes fueron 23 mujeres, dos de las cuales eran hijas de madres en situación de violencia conyugal. Los datos se recolectaron entre marzo y noviembre de 2021 por medio entrevistas en línea en las redes sociales Facebook ® y WhatsApp ® . El proceso analítico implicó una comparación constante de los datos, además de los procesos de codificación inicial y focalizada.
Resultados: el fenómeno central, “Atribuir significado a los vínculos familiares en el contexto de violencia conyugal”, y los procesos “Sufrimiento vivido por madres a hijas(os) a raíz de la violencia conyugal”, “Movilizarse para escapar de la violencia conyugal por el sufrimientos de las/los hijas(os)” y “Madres e hijas que perciben las repercusiones de la violencia conyugal sufrida en el vínculo familiar”, revelan el efecto de la violencia no solo en las mujeres, también con repercusiones en la vida de los hijos. El dolor y el sufrimiento vividos, ya sea directa o indirectamente, perduran en el tiempo, influenciando la forma en la atribuyen significados a sus vínculos familiares y sociales.
Conclusión: la violencia conyugal fue un proceso vivido por madres e hijos, en el que estos últimos fueron los agentes movilizadores del deseo y las acciones para solucionar el problema. Los significados atribuidos a esta experiencia se construyen, comparten, elaboran y modifican con el transcurso del tiempo; sin embargo, sus repercusiones perduran con implicancias para la salud y el bienestar de las víctimas: madres e hijos.
DESCRIPTORES: Violencia contra la mujer; Teoría Fundamentada; Vínculos familiares; Atención de Enfermería; Salud de la mujer
INTRODUÇÃO
A violência contra a mulher no âmbito da conjugalidade constitui um problema social e de saúde pública que segue com frequência elevada em todo o mundo e impõe desafios no que se refere ao seu enfrentamento1. Trata-se de um fenômeno marcado por raízes histórico-culturais, decorrente de crenças, tradições e valores de uma sociedade patriarcal, que fundamenta e influencia sua interpretação social2.
Com o intuito de criar mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, em 2006 a Lei 11.340 intitulada “Maria da Penha”, passou a integrar a Legislação Brasileira. Em seu Art. 7º esta Lei tipifica a violência contra a mulher como toda e qualquer ação que cause dano ou sofrimento físico, sexual, psicológico, moral ou patrimonial, podendo até mesmo levar a morte. Tal agravo, contudo, não atinge somente as mulheres acometidas, mas as pessoas que vivem ao seu redor, especialmente seus filhos3. Destarte, crianças, famílias, comunidades e sociedades são impactadas negativamente pela violência, que impõe pesados encargos de saúde, econômicos e sociais4,5.
Isso porque conviver cotidianamente em um ambiente familiar violento traz repercussões para a saúde e desenvolvimento das mulheres6. Dentre os danos para a saúde física, podemos mencionar fraturas, queimaduras e sequelas permanentes, como também complicações neurológicas, anoxia cerebral e morte7. Com relação às implicações psicoemocionais, estudos revelam distúrbios psicológicos evidenciados por meio do comportamento depressivo e suicida, com alta prevalência de estresse pós-traumático e depressão7,8.
Considerando a complexidade que envolve a violência conjugal, com sérias implicações para a sociedade, são essenciais ações com fins na identificação, prevenção e enfrentamento da violência9. Para tal, é mister o aprofundamento teórico no que tange ao fenômeno. Nesse sentido, a violência contra a mulher no cenário da conjugalidade pode ser compreendida a partir do Referencial Teórico do Interacionismo Simbólico (IS), o qual parte da premissa de que o comportamento humano emerge da maneira como as pessoas interpretam e significam suas vivências10.
Partindo do pressuposto que o processo de experienciar a violência conjugal é permeado por significados complexos, construídos pelas relações sociais estabelecidas, delineou-se a seguinte questão de pesquisa: Qual o significado das relações familiares vivenciadas no contexto de violência conjugal? Teoricamente, entende-se que depoimentos não reconstroem a realidade da violência vivida. Porém, exprimem o que tem significado ao indivíduo, assim como suas interpretações e posicionamento acerca do fenômeno1. Nesta perspectiva, o objetivo do estudo consistiu em compreender as relações familiares vivenciadas no contexto de violência conjugal.
MÉTODO
Trata-se de um estudo qualitativo, fundamentado no Interacionismo Simbólico (IS) e metodologicamente na Teoria Fundamentada nos Dados (TFD), vertente Construtivista11. A Teoria Fundamentada nos Dados possibilita aos pesquisadores iniciar a investigação com a mente aberta, atentos para ouvir as respostas dadas pelos depoentes iniciais, escolhidos de forma intencional, além de explorar as riquezas e diversidades dos significados e experiências destes para o alcance do objetivo delineado11.
Para melhor apresentação deste relatório, foram utilizados critérios estabelecidos pela ferramenta de apoio Consolidated criteria for reporting qualitative research - COREQ. Os dados foram coletados no período de março a novembro de 2021, com mulheres que relataram história de violência conjugal, residentes em diferentes regiões do Brasil, que integravam grupos de apoio a mulheres em situação de violência doméstica hospedados na rede social Facebook ® , os quais são utilizados para o compartilhamento de histórias/experiências e para prestar e receber apoio. Para efeito desse estudo, a pesquisadora principal se inscreveu em seis destes grupos e solicitou autorização por parte das organizadoras para postar uma mensagem, na qual se apresentava como enfermeira e pesquisadora, informava sobre o estudo em questão e convidava as interessadas a entrarem em contato via Messenger ®.
Àquelas que manifestaram interesse em participar, foi explicitado os critérios de inclusão para o estudo: ter 18 anos ou mais, ter vivenciado violência conjugal e ter acesso à internet, independentemente da região de moradia. Não foram incluídas mulheres que dividiam moradia com o ex-companheiro, visto que devido ao período de pandemia, este poderia estar presente no domicílio. Durante a coleta de dados, nenhuma das participantes relatou situação de violência conjugal com o parceiro atual.
Compuseram a amostragem teórica desse estudo, 23 participantes distribuídas em quatro grupos amostrais, dispostos conforme o Quadro 1.
O primeiro grupo, objetivando explorar de maneira ampla as experiências e percepções das mulheres acerca da violência conjugal vivenciada, foi constituído intencionalmente por mulheres que vivenciaram o fenômeno, totalizando sete entrevistas. No decorrer da coleta e análise comparativa constante dos dados, foi possível compreender a relação entre enfrentamento da violência conjugal e ter filhos com o autor da agressão. Ancorado no método da Teoria Fundamentada nos Dados, esse contexto levou a construção da hipótese de que a intencionalidade da mulher em romper com o ciclo de violência poderia ser modulada pela presença ou não de filhos do agressor.
Desse modo, o segundo grupo amostral foi constituído intencionalmente por mulheres que tinham filhos com o autor da violência, selecionadas a partir da resposta ao novo convite postado na rede social, no qual a pesquisadora especificava o desejo em entrevistar mulheres que tinham filhos com o ex-companheiro. Os dados obtidos nesse grupo, composto por seis mulheres, apontaram que os filhos tinham papel importante na forma como a violência conjugal era vivenciada e enfrentada pelas mulheres, já que estes, em muitas situações, constituíam a principal motivação para abandonar o cenário de violência. Os dados levaram à necessidade de conhecer, na perspectiva dos filhos, como eles percebiam a situação de violência doméstica contra sua mãe.
Nesse sentido, o terceiro grupo amostral foi composto pelas filhas de três mulheres do segundo grupo amostral e a filha de uma vítima de feminicídio, a qual foi conhecida durante a composição do primeiro grupo amostral. Cabe destacar que houve três recusas por parte das mães, que preferiram não expor seus filhos à entrevista, sendo o grupo composto apenas por filhas do gênero feminino, todas com mais de 18 anos. Devido a vivência precoce e cotidiana de situações de violência conjugal, as filhas relataram sofrimento intenso, desde a infância, e como isso influencia nas suas vidas e relações familiares, interpessoais e sociais.
Os dados construídos apontaram a necessidade de compreender uma nova perspectiva da violência conjugal. Sendo assim, o último grupo amostral foi composto por sete mulheres que, além de vivenciarem a violência conjugal, relataram histórico de violência doméstica na infância. Para tanto, mais uma vez, foi postado convite específico nos grupos hospedados na rede social e incluídas, no estudo, as mulheres que responderam a este convite.
O contato telefônico da pesquisadora foi fornecido a todas as interessadas para agendamento da entrevista, em dia e horário de sua preferência. Uma vez agendada, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, foi encaminhado via WhatsApp ® , sendo a entrevista realizada somente após a anuência formal em participar do estudo.
As entrevistas tiveram duração média de 60 minutos e ocorreram por meio de chamada de vídeo áudio-gravadas, nas redes sociais Facebook ® e WhatsApp ® , considerando a preferência e a autorização das mulheres. A questão inicial que norteou as entrevistas foi: Como você significa suas relações familiares no contexto de violência conjugal vivenciada? Cabe ressaltar que todas as entrevistas foram desenvolvidas pela pesquisadora principal desse estudo, que é mulher, branca, enfermeira, doutoranda em enfermagem, experiente em coleta de dados qualitativos e sem qualquer vínculo pregresso com as participantes.
Memorandos e diagramas foram utilizados como estratégias de registro e análise, os quais se iniciaram com as primeiras análises e evoluíram durante todo o processo de pesquisa. Os memorandos foram constituídos dos registros sobre o processo de pesquisa e por meio de insights e hipóteses levantadas pela pesquisadora e os diagramas como mecanismos visuais alternativos à concretização de ideias, alcance, direção e conexões existentes entre as categorias11.
Os depoimentos foram transcritos na íntegra e codificados manualmente em duas etapas, conforme proposto pela vertente Construtivista da Teoria Fundamentada nos Dados. Codificação inicial, momento em que os dados foram fragmentados e analisados com o objetivo de conceitualizar ideias e/ou significados expressos pelos participantes, transformando-os em códigos; e Codificação focalizada, quando os códigos elaborados foram mais direcionados, seletivos e conceituais, a partir da definição pela pesquisadora de quais códigos iniciais possibilitavam melhor compreensão analítica para os dados. À medida que determinados conceitos emergiam com mais frequência e destaque, construíram-se subcategorias e categorias, as quais por sua vez revelaram o fenômeno central da pesquisa11.
O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê Permanente de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Estadual de Maringá. A obtenção da anuência das participantes se deu por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, disponibilizado via WhatsApp ® . Para preservar o anonimato das participantes, estas foram nominadas com a letra M (Mulher) e um número identificador, seguida da idade e grupo amostral a qual pertence (ex: M2, 55 anos, GA2).
RESULTADOS
As 23 entrevistadas tinham idades de 21 a 61 anos e três estavam em um novo relacionamento. Quanto à religião, 13 se declaram católicas, nove evangélicas e uma espírita. Com relação à escolaridade, seis tinham ensino fundamental, quatro ensinos superior completo e duas incompleto, nove estudaram até o ensino médio e duas delas aprenderam a ler e escrever. Do total de participantes, 16 exerciam atividade remunerada, mas somente três possuíam renda familiar superior a dois salários mínimos.
A análise dos dados permitiu a construção do fenômeno central intitulado “Significando as relações familiares no contexto de violência conjugal”, constituído por três processos interligados, a saber: Processo 1 - “Sofrimento vivenciado por mães e filhas(os) a partir da violência conjugal”, o qual mostra que o sofrimento das mulheres é potencializado quando seus filhos também experienciam o abuso praticado por seus cônjuges; Processo 2 -“Mobilizando-se para o rompimento da violência conjugal pelo sofrimento das(os) filhas(os)” demonstra a circularidade vivenciada entre as tentativas de abandonar o contexto violento e a percepção da falta de apoio para que este intento se concretize, decorrente sobretudo da experiência de dependência vivenciada em relação a diferentes contextos; e Processo 3 - “Mães e filhas percebendo às repercussões da violência conjugal experienciada na relação familiar” no qual a mulher e suas filhas se percebem, mesmo após o rompimento da violência, presos em uma espécie de “teia de aranha” visto que as situações experienciadas cotidiana e repetidamente, convertem-se em marcas profundas e permanentes em suas vidas. A Figura 1 traz a representação gráfica destas vivências e processos.
Sofrimento vivenciado por mães e filhas(os) a partir da violência conjugal
As mulheres entrevistadas relatam, para além das dores da vivência de violência conjugal, um cotidiano de abusos contra seus filhos praticados também por seus cônjuges. Além de me agredir, ele [agressor] ateou fogo na casa com nossa filha dentro. Me ameaçava, me batia na frente delas [filhas], tanto que minha filha de cinco anos me falava: “mãe, meu pai vai te matar hoje ou amanhã?” [choro e suspiro] (M1, 39 anos, GA2). Eles [filhos] sofriam comigo porque o pai batia muito neles. O mais velho quase morreu porque ele [agressor] acabou com essa parte [mostrando o lado esquerdo] do rosto do menino, quando o jogou no rio quando tinha sete ou oito anos. O mais velho levou uma chicotada e até hoje tem a marca nas pernas (M2, 55 anos, GA2).
O semblante e a voz embargada carregam lembranças dos episódios violentos praticados contra os filhos que demandaram intervenção para que não se convertessem em um desfecho trágico. Bens materiais se vão, mas eu ia perder minha filha [...] se eu não tivesse chegado a tempo! [respiração profunda e choro] (M1, 39 anos, GA2). Ele começou a bater muito nela: deu um soco no rosto e quando intervi ele me desferiu um tapa no peito (M3, 36 anos, GA4).
Testemunhar o sofrimento dos filhos na situação de violência, representa dor tão intensa, que preferem senti-la em seu lugar. Ela [filha] era só uma criança para ele fazer o que fez [violência física]. Para mim não tem perdão e nunca vai ter. Me doeu muito e eu preferia que tivesse sido em mim do que a ver daquele jeito (M4, 42 anos, GA4).
Importante pontuar que as filhas se envolviam no conflito conjugal com o intuito de defender as mães do abuso, evento marcado por dor, desesperanças e desejo de vingança. Por muitas vezes, minha filha interviu. Essas situações da faca, dos murros, ela presenciou muita coisa. Quando tinha 12 anos, ela pegou o telefone fixo quando ele estava me batendo e falou: pai, se você não largar minha mãe, vou ligar para polícia agora. Aí ele olhava para ela e era como se ele voltasse (M4, 42 anos, GA4). Ele estava tentando me matar por asfixia, minha filha que tirou ele de cima de mim e a pequena ficava do meu lado gritando. Ela fala até hoje: “se ele entrar aqui, eu não deixo fazer nada com você. Se vir para cima de você, tenho coragem de matá-lo”. Ela é só uma adolescente e tem que carregar isso para a vida toda. É muito injusto (M1, 39 anos, GA2). Meu filho ainda fala que vai matar ele quando tiver oportunidade. Diz que vai comprar uma arma para matá-lo (M5, 32 anos, GA1).
Mobilizando-se para o rompimento da violência conjugal pelo sofrimento das(os) filhas(os)
O estudo revela que o sofrimento das mulheres é intensificado quando lançam olhar aos filhos: atribuem a si mesmas a culpa pelo sofrimento e se sentem responsáveis pelas situações experienciadas por eles. Eu me culpava por ter me deixado levar, por ter exposto minha filha a isso. Se eu estivesse com ele até hoje, como seria a vida que eu estaria tendo e dando para minhas filhas? (M6, 43 anos, GA2). Pensei: se eu continuar com esse medo dele, ele vai machucar muito ela e ela não tem para onde ir, e aí vou viver culpada por aceitar um homem que é adulto e deixar a minha filha passar por tudo isso. Fico chateada porque a gente coloca os filhos em uma posição que eles não deviam viver (M3, 36 anos, GA4).
Aquelas que experienciaram a violência na infância, compreendendo como suas vidas foram e se encontram comprometidas, relatam que não gostariam que seus filhos vivências sem o mesmo processo. Me dói saber que o estrago [violência] que vivi na minha infância, fiz ele sentir a mesma coisa (M5, 32 anos, GA1). Eu já tinha passado por isso [violência] na minha vida e sabia que não ia ser uma coisa boa para ela (M4, 42 anos, GA4).
Ocorre também a preocupação com a reprodução de ações violentas no futuro, devido à constante exposição ao contexto. Eu pensava nos meus filhos vendo toda aquela situação [violência]. O que seria deles futuramente quando crescessem? Por eu ter um filho homem, ele poderia achar normal e mais tarde também ser violento (M7, 42 anos, GA2).
Diante das vivências, as mulheres passam a pensar estratégias, possibilidades e meios para buscar romper com o cenário cotidiano de VD, por vezes, se dando conta das possíveis dificuldades. Eu pensava: preciso sair dessa relação, mas não sabia como. Eu era muito nova, não tinha formação acadêmica, emprego ou perspectiva de vida. Me sentia, infelizmente, presa financeiramente a ele e sempre pensava muito na minha filha (M4, 42 anos, GA4). Eu já não conseguia mais ver meu filho chorar e comecei a arquitetar minha fuga. Falei: tenho que fazer alguma coisa (M8, 44 anos, GA4). Quando a gente é só, qualquer lugar te serve, agora com duas filhas eu ficava imaginando para onde eu vou? O que eu vou fazer? (M1, 39 anos, GA2). Vou ser realista para você, ninguém quer te colocar dentro de casa com três filhos (M7, 42 anos, GA2).
O contexto vivenciado foi acompanhado pela falta de apoio familiar. Em alguns casos existia ainda o incentivo a permanecer no ciclo violento, levando a percepção de que a batalha seria muito mais difícil e solitária. Eu não tinha apoio: meu pai não me apoiava, as pessoas falavam que eu tinha que ficar com ele, que eu tinha que orar um pouco mais para ele mudar. Minha mãe falou: volte com ele, para ele te ajudar a criar seus filhos (M3, 36 anos, GA4. Parecia que eu e ela [mãe] estávamos em um mundo isolado, que dentro da nossa casa era uma situação, uma vida, e fora era diferente, todo mundo era feliz. Nos sentíamos sozinhas (M9, 23 anos, filha, GA3).
Imaginar que os filhos poderiam vivenciar situações de violência semelhantes às que vivenciaram em suas famílias de origem, além de conhecer as repercussões destas vivências, desencadeia nas mulheres a necessidade de buscar mudanças. É uma questão de família desestruturada. Eu não tive esse suporte familiar [pausa] e hoje jamais vou deixar minha filha de lado para entrar em um relacionamento buscando refúgio ou para me livrar dessa situação (M4, 42 anos, GA4). A história se repetiu [ciclo de violência vivenciado na infância e depois de adulta] com diferença que eu não larguei os meus filhos por causa dele [agressor] (M3, 36 anos, GA4).
Assim, o ponto de virada para o abandono do contexto de violência foi, sobretudo, ocasionado pelo desejo de proporcionar aos filhos o que não tiveram: um futuro com segurança, proteção e bem-estar. Desse modo, os filhos foram a sustentação necessária para a tomada de decisão, mesmo diante de todos os obstáculos para abandonar a relação familiar abusiva.
Ao rememorar o contexto vivido, as mulheres reconhecem que o desejo em proporcionar aos filhos uma história diferente da vivenciada por elas despertou a força para buscar evitar que eles permanecessem inseridos no contexto de violência. Os filhos foram, para elas, a mola propulsora para romper com o ciclo de violência. O que não tive coragem de fazer por mim, fiz pela minha filha, por medo dele [agressor] machucá-la, buliná-la. (M6, 43 anos, GA2). Meu filho me deu coragem para lutar. Foi ele que salvou a minha vida. Com ele tive coragem de retomar minha vida. (M8, 44 anos, GA4). Se não fosse ela [filha] insistir e mostrar isso para minha família, talvez eu ainda estaria naquela relação. Um dia ela me disse: mãe, não quero que você fique com meu pai porque ele não é um marido bom e você não está vivendo uma relação saudável. Foi ela que me ensinou isso! Eu não entendia, talvez pelo jeito que fui criada ou pela situação que eu vivi (violência na infância) (M4, 42 anos, GA4).
Mães e filhas percebendo às repercussões da violência conjugal experienciada na relação familiar
Ter convivido com a violência, independentemente do tempo transcorrido, trouxe implicações para a qualidade de vida: Vou te mostrar o tanto de remédio que tomo [suspiro]. Não foi fácil enfrentar a vida até hoje. Tentei suicídio várias vezes para sair do sofrimento (M2, 55 anos, GA2). Tenho crises de ansiedade muito profundas, de não conseguir respirar, de começar a chorar, ficar com o coração acelerado demais. Por isso, eu choro, não quero ficar sozinha, não consigo dormir. São reflexos. Tenho diagnóstico de depressão crônica, ansiedade generalizada e transtorno obsessivo compulsivo (TOC). Às vezes minha mão fere, de tanto que eu lavo (M4, 42 anos, GA4).
Os filhos que compartilham estas experiências junto às mães elaboram com elas os significados acerca do fenômeno e dele também carregam as marcas, frequentemente profundas, contundentes e com repercussões graves, principalmente de ordem emocional e comportamental. Eu buscava descontar em mim mesma! O primeiro suicídio que eu tentei foi com 11 anos. Comecei a automutilação, me queimava, tenho marcas de cortes na mão, me auto punia. Desenvolvi transtorno alimentar, anorexia nervosa. A mulher acaba aceitando aquela situação para que os filhos não passem fome, mas hoje, observando tudo, eu preferia ter passado fome porque não ia doer tanto (M10, 25 anos, filha, GA3). A violência não afetou só a mim, como também as minhas duas filhas. A mais velha já chegou a atear fogo no quarto dela. Já tive problema dela se cortar, por isso ela é cheia de marcas. Muitas vezes, ela fala que não aguenta mais essa vida (M1, 39 anos, GA2). Tudo que minha mãe passou eu passei junto com ela e por causa disso vejo que tenho uma barreira muito forte nos meus relacionamentos (M9, 23 anos, filha, GA3).
Para as mães, os reflexos da violência vivida se convertem na diversidade de sentimentos negativos, além de marcas e traumas que permanecem na dinâmica familiar que refletem uma infância marcada por relações abusivas. É um misto de sentimentos. Não tem como eu falar que estou bem porque sinto angústia, medo, desespero. Isso tudo não refletiu só em mim, mas nas minhas filhas também (M1, 39 anos, GA2). Meus filhos são revoltados, três deles tomam medicamentos controlados e não conseguem esquecer. Eles têm mágoas e rancor porque o pai tentou matá-los. O mais velho sempre me diz: “não vivi a vida que eu tinha que viver”. Então, a revolta é muito grande! (M2, 55 anos, GA2).
As filhas também compreendem que as repercussões da violência não se restringem às mulheres, atingindo toda a família, em especial as crianças que tendem a perpetuar o ciclo nas relações adultas. É uma situação que afeta a família como um todo, principalmente os filhos. Quando você já cresce em um ambiente que vivencia isso, desde a infância, acaba sendo bem complicado. Deixa marcas muito profundas, acaba levando para vida adulta, realmente bem difícil (M9, 23 anos, filha, GA3). A violência afeta todo mundo que te ama e estiver em sua volta. Você não sofre sozinho (M10, 25 anos, filha, GA3).
Assim, toda a trajetória experiencial acerca da violência é vivida, testemunhada e compartilhada entre a mulher e seus filhos. As mulheres encontram nos filhos a força necessária para o desejo e mobilização de ruptura com contexto de violência, de modo que os significados acerca desta vivência em família foram construídos, compartilhados, elaborados e modificados ao longo do tempo. Todavia, apesar do rompimento do ciclo, os reflexos da violência são sentidos e marcados em suas existências.
DISCUSSÃO
No processo de interação no ambiente familiar, a violência ultrapassou a barreira da conjugalidade de tal modo que, além de frequentemente serem expectadores, os filhos foram vítimas diretas dos abusos. Ameaça à vida, agressões físicas (socos; tapas) e danos ao patrimônio (atear fogo na casa) foram algumas das formas de violência relatadas.
Infere-se que a violência na conjugalidade se deve à reprodução de relações de poder que perpetuam a subalternidade da mulher em relação ao homem, embora a assimetria não ocorra somente entre marido e mulher, mas também entre pais e filhos em contexto de relações permeadas por abusos intrafamiliares. Corroborando, estudos apontam que em cenários de violência conjugal, as vítimas são, na sua maioria, mulheres, crianças e adolescentes12,13. Cabe destacar que esse padrão de comportamento agressivo é mais frequente se houver a percepção do outro como inferior ou fraco14. Nessa direção, estudo realizado na África Subsaariana apontou que a aceitação da violência física pelas mulheres é maior quando os homens são os provedores da casa15.
Ao mesmo tempo em que vivenciavam o processo de violência, somaram-se para as mães, o sofrimento, a frustração e a culpabilização em torno da violência sofrida pelos filhos. Aos filhos, por sua vez, além das marcas físicas, foram acrescidos sentimentos de medo que a mãe pudesse ser vítima de feminicídio, além do desejo de vingança/morte contra o agressor, suscitando, portanto, mais violência. De modo complementar, estudo realizado no nordeste brasileiro junto a 50 mulheres com história de violência conjugal, identificou que crianças que presenciam violência contra a mãe tendem a apresentar relação interpessoal conflituosa, sentimentos e ações inapropriadas, comportamentos violentos e vulnerabilidade para vivência do agravo na fase adulta16.
Nesse cenário, ao testemunhar a violência entre os pais, os filhos apreendem símbolos e significados inerentes à dinâmica familiar como um modo de estar e viver. A criação dos filhos moldada de acordo com os preceitos patriarcais contribui com a manutenção de relações intrafamiliares assimétricas. Na idade adulta, estes modelos podem ser reproduzidos a partir do modo como foram atribuídos os significados aos papéis sociais12 e assim os componentes familiares se mantêm igualmente pautados em relações desrespeitosas e violentas17. Nesse sentido, estudo realizado no estado de Queensland na Austrália investigou os autores de maus-tratos infantis em uma coorte de nascidos nos anos de 1983 e 1984, constatou que 45% deles haviam sido vítimas de violência doméstica na infância18.
No caso das mulheres em situação de violência doméstica e seus filhos, esse modelo de interação pode ser interpretado a partir do conceito de Self, definido pelo Interacionismo Simbólico como um processo social que ocorre no interior do indivíduo e envolve duas fases distintas: o “eu” e o “mim”. O primeiro representa a tendência imprevisível do indivíduo de reagir às atitudes dos outros10. É como se o “eu”, de forma impulsiva, direcionasse os comportamentos instintivos de proteção da mulher e seu filho no momento da violência. O “mim”, por sua vez, representa as atitudes organizadas e de caráter autoconsciente adotadas pelo indivíduo10. Reflete, portanto, a concepção em buscar segurança e romper com o cenário da violência.
No contexto do Interacionismo Simbólico, compreende-se que o agente transforma os significados sobre a situação em que se encontra e a partir daí, trabalha para formar ações10. Ao reconhecerem a violência e suas consequências para elas e seus filhos, além da manifestação da vivência de um sofrimento continuado, vivido muitas vezes no limite, surgiu a necessidade de romper com este cenário para que os filhos, no futuro, não vivenciassem situação semelhante. Assim, romper com a situação de violência conjugal representa para a mulher, segurança, proteção e bem-estar para seus filhos no futuro e a possibilidade de reescrever a sua própria história de violência na infância1,19.
A proteção dos filhos, com vistas a interromper as agressões trágicas, foi um dos principais motivadores para o enfrentamento da violência conjugal. De forma análoga, os filhos se posicionavam em defesa de suas mães, remetendo ao entendimento de proteção mútua. Assim, exerceram um papel importante, ao apoiar emocionalmente suas mães, consolando-as, aconselhando-as e encorajando-as a romper a situação de violência conjugal vivida e/ou abandonar o relacionamento amoroso não saudável a qual encontravam-se inseridas.
Nesse sentido, as vivências que emergiram das narrativas das mulheres favorecem a compreensão sobre os múltiplos aspectos envolvidos na violência conjugal. Diante do desejo em deixar o cenário violento, por exemplo, foi comum que se percebessem sem nenhum tipo de apoio. Estudo realizado com mulheres no interior do Paraná revelou que diante da necessidade em romper com o ciclo da violência, as mulheres se sentiram desamparadas, não reconhecendo instâncias ou recursos de apoio social, atribuindo apenas a si os esforços e as atitudes para abandonar esse cenário1.
Em alguns casos, houve até mesmo o incentivo para a permanência no contexto abusivo sob a justificativa de que isso garantiria a segurança financeira da mulher e seus filhos. Esses resultados corroboram com achados de estudos realizados com mulheres em situação de violência, os quais apontaram, dentre as dificuldades de romper com o ciclo de violência, a dependência econômica do parceiro, a falta do apoio familiar e/ou financeiro e a preocupação em manter uma estabilidade para os filhos20,21. Assim, refletir sobre esta estabilidade fundamenta a decisão da mulher em permanecer com o agressor e na situação de violência conjugal, requerendo ações concretas que apoiem as mulheres nessa decisão.
Sobre esse aspecto, destaca-se a necessidade de estratégias de enfrentamento à violência conjugal. Nesta pesquisa, a família de origem foi a principal fonte de busca para o enfrentamento das situações de violência. Contudo, a maioria não obteve o suporte esperado, apontando que, por vezes, as instituições sociais e saúde se apresentam como as únicas ferramentas de suporte a estas mulheres e seus filhos. No entanto, estudo de revisão destaca que a insuficiência de profissionais preparados aliado a ineficácia das medidas protetivas causam medo e insegurança na vítima, influenciando na tomada de ações para o enfrentamento. Os profissionais admitem compreender os desdobramentos negativos que o fenômeno da violência causa, mas não se encontram preparados para identificar mulheres em situação de violência e intervir em suas dificuldades9. Sobreposta a esta situação, a Lei de proteção às mulheres vítimas de violência assegura a proteção integral da vítima, mas o sistema não dispõe de recursos necessários para garantir atenção, cuidado e proteção19, fragilizando assim as estratégias de enfrentamento.
Sabidamente, romper o ciclo de violência conjugal não nega as repercussões causadas ao longo da vida para as pessoas envolvidas22. As cicatrizes emocionais do contexto vivenciado ainda reverberam nos depoimentos, por meio de imagens e palavras que ficaram marcadas em suas memórias através do tempo e, a partir dos quais elas reconhecem a dificuldade em administrar o que foi vivido. Suicídio, isolamento social, automutilação, transtornos alimentares e dificuldade de relacionar-se foram alguns dos problemas enfrentados pelas mulheres e seus filhos, mesmo após a separação do agressor. Houve a compreensão de que as “marcas” da violência são profundas e não se limitam ao episódio violento em si.
Os resultados deste estudo também reforçam que a problemática da violência conjugal permanecerá frequente enquanto não seja direcionada atenção para além da mulher que a vivencia, já que as consequências deste vivido se dissipam a todos os membros da família, principalmente os filhos. Sobre esse aspecto, estudos apontam que entre os principais prejuízos para os filhos, como consequências associadas à violência doméstica na infância, destacam-se: depressão, ansiedade isolamento social, exaustão, mau desempenho escolar, problemas de atenção e pensamento, comportamentos agressivos, repetição de padrões violentos, delinquência e abuso de substâncias químicas23,24,25. Para além das consequências físicas e psicoemocionais a violência afeta os filhos, sobretudo crianças, nos seus vínculos com os pais, cuja função materna protetora está fragilizada e a função paterna descumprida26.
Os significados abstraídos da vivência destas mulheres, que desde a infância presenciaram relações familiares pautadas na violência, contribuem para a assimetria entre os gêneros, reforçando a constância do fenômeno da violência conjugal. Estudo que objetivou analisar os significados atribuídos à dinâmica familiar por homens que reproduziram a violência doméstica, vivenciada na infância, observou que a dinâmica familiar deve ser delineada com base na divisão sexual dos papéis, sendo o homem considerado o provedor e autoridade máxima da casa e a mulher responsável pelo cuidado dos filhos. Nota-se ainda a simbologia de que a interação entre pai e filhos deve ser estabelecida de maneira rude e severa27.
Nesse sentido, romper com a violência sofrida propicia, para os filhos, a oportunidade de ressignificar o vivido, a fim de evitar a reprodução de situações de violência no futuro. Para a transformação desta realidade, torna-se oportuno chamar atenção dos gestores quanto a sua responsabilidade e incorporação das estratégias propostas pela Rede de Enfrentamento à violência9-28.
Assim, tornam-se de grande valia a implementação de ações que explorem a promoção da masculinidade positiva, particularmente entre os jovens, a fim de envolver precocemente os homens na equidade de gênero21. Crianças e adolescentes, especialmente aqueles com problemas emocionais ou comportamentais, também devem ser cuidadosamente avaliados quanto à exposição à violência no âmbito intrafamiliar a fim de estabelecer intervenções específicas com ou separadamente dos pais ou cuidadores15. Essas ações necessitam ser desenvolvidas à longo prazo, para que seja possível vislumbrar mudanças no contexto das gerações futuras, a fim de evitar a reprodução dos comportamentos abusivos29. Diante do exposto, torna-se indispensável o preparo dos profissionais de saúde para reconhecer situações de violência doméstica, acolher e atender as necessidades da mulher e sua família9-28.
Estudo de âmbito nacional realizado na Índia, mediante entrevista com 46.488 mulheres identificadas como vítimas de violência na Pesquisa Nacional de Família e Saúde realizada pelo Ministério da Saúde contatou que a violência por parceiro intimo no país está significativamente associada à idade dos homens, à diferença de idade entre marido e mulher, ao nível educacional dos homens, à religião, à casta, à região, ao número de filhas, à autonomia de tomada de decisão da esposa, à atitude justificativa, ao alcoolismo e ao abuso de substâncias entre os homens30. Estes resultados, assim como os encontrados no presente estudo e em tantos outros realizados em diferentes partes do mundo, ressaltam a necessidade de priorizar a educação dos homens como forma de prevenção da violência contra a mulher e proteção de sua família30.
Como limitações do estudo, destaca-se a dificuldade de acesso a este público, especialmente no período da coleta de dados em tempos de pandemia de COVID-19, e também a dificuldade de abordar um tema sensível. O estudo foi realizado com um recorte populacional com acesso às redes sociais, não sendo possível afirmar que resultados semelhantes possam ocorrer em grupos em diferentes níveis de acesso à internet.
CONCLUSÃO
O processo de vivenciar a violência conjugal conduziu a construção dos significados de sofrimento experienciado pelas mães e filhas, dificuldade em romper com o ciclo do abuso e repercussões para a saúde. Ao mesmo tempo que as mães tentavam intervir, seja em defesa dos filhos ou na busca de estratégias para abandonar o contexto de abuso e garantir sua segurança, estes também buscavam meios para defender as mães dos episódios de violência conjugal.
Os filhos, embora também vivenciassem situações de abusos, em muitos momentos foram a principal sustentação para as mães, ocupando um espaço de extrema responsabilidade. Diante desta experiência, enraizaram-se marcas profundas, envoltas por significados sobre a dinâmica familiar e que, graças ao rompimento do ciclo da violência pelas mulheres, podem ser modificadas ao longo do tempo e romper com a reprodução de símbolos voltados à reprodução da violência.
Isto posto, é notório que tanto a mulher como sua família devam receber cuidados de serviços de enfrentamento à violência. Para tanto, faz se necessário que a assistência à saúde, em especial a(o) enfermeira(o), não se restrinja aos achados clínicos, mas contemple a dimensão biopsicossocial da mulher e sua família.
AGRADECIMENTO
Agradecemos às mulheres entrevistadas, as quais possibilitaram a realização desta pesquisa.
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NOTAS
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ORIGEM DO ARTIGO
Manuscrito extraído da tese - Significados atribuídos às relações familiares por mulheres em situação de violência doméstica, apresentada no Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Estadual de Maringá, no ano de 2022.
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FINANCIAMENTO
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.
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APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA
Aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Maringá, parecer n. 4.426.287/2020, Certificado de Apresentação para Apreciação Ética: 36832720.5.0000.0104.
Editado por
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
18 Dez 2023 -
Data do Fascículo
2023
Histórico
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Recebido
19 Fev 2023 -
Aceito
02 Out 2023