JOGO DE TABULEIRO SOBRE PREVENÇÃO DA SÍFILIS PARA MULHERES EM PRIVAÇÃO DE LIBERDADE

RESUMO

Objetivo:

desenvolver e analisar evidências de validade de conteúdo e de aparência de um jogo de tabuleiro para prevenção da sífilis em mulheres privadas de liberdade.

Método:

estudo metodológico conduzido em três etapas: 1) Desenvolvimento do jogo de tabuleiro por meio de fundamentação teórico-bibliográfica e elaboração do jogo; 2) Validação de conteúdo por 22 juízes especialistas em saúde, 10 especialistas em educação e designer gráfico; 3) Avaliação de aparência pelo público-alvo com 10 mulheres privadas de liberdade. A coleta dos dados ocorreu entre março de 2021 e janeiro de 2022, e a análise psicométrica baseou-se na escala Likert para cálculo de Coeficiente de Validade de Conteúdo e Coeficiente de Correlação Intraclasse.

Resultados:

o jogo de tabuleiro desenvolvido foi denominado “Corrida contra a Sífilis”, composto por 50 casas e 34 cartas-perguntas. Na validação de conteúdo, os juízes da área da saúde apresentaram concordância em 13 itens; e os da área da educação e design gráfico tiveram concordância satisfatória em todos os itens. Após os ajustes, foi enviada a segunda versão do jogo de tabuleiro para os 22 juízes da área da saúde, dos quais sete retornaram, robustecendo a concordância dos juízes, que foi satisfatória em todos os itens. Na avaliação de aparência com o público-alvo, todos os itens obtiveram concordância de 100%.

Conclusão:

o jogo construído apresenta evidências de validade, sendo atrativo, dinâmico e lúdico, de modo que poderá favorecer a construção do conhecimento das mulheres em privação de liberdade sobre a prevenção e controle da sífilis.

DESCRITORES:
Sífilis; Mulheres; Prisão; Jogos experimentais; Educação em saúde; Tecnologias educacionais

ABSTRACT

Objective:

to develop and analyze evidence of content and appearance validity of a board game for the prevention of syphilis in women deprived of their liberty.

Method:

methodological study conducted in three stages: 1) Board game development by means of a theoretical-bibliographical foundation and game design; 2) Content validation by 22 health specialist judges, 10 education specialists and a graphic designer; 3) Appearance evaluation by the target audience of 10 women deprived of their liberty. Data was collected between March 2021 and January 2022, and the psychometric analysis was based on the Likert scale to calculate the Content Validity Coefficient and Intraclass Correlation Coefficient.

Results:

the board game developed was called “Race against Syphilis” and consisted of 50 squares and 34 question cards. When it came to content validation, the judges from the health sector agreed on 13 items, while those from the education and graphic design sectors agreed satisfactorily on all items. After the adjustments, the second version of the board game was sent to the 22 health judges, seven of whom responded, reinforcing the judges' agreement, which was satisfactory in all items. In the appearance assessment with the target audience, all items received 100% agreement.

Conclusion:

the game that has been developed shows evidence of validity, being attractive, dynamic and playful, so that it can help build the knowledge of women in prison about the prevention and syphilis control.

DESCRIPTORS:
Syphilis; Women; Prison; Experimental games; Education in health; Educational technologies

RESUMEN

Objetivo:

desarrollar y analizar pruebas de validez de contenido y apariencia de un juego de mesa para la prevención de la sífilis en mujeres privadas de libertad.

Método:

estudio metodológico realizado en tres etapas: 1) Desarrollo del juego de mesa mediante fundamentación teórica y bibliográfica y elaboración del juego; 2) Validación de contenido por 22 jueces especializados en salud, 10 especialistas en educación y un diseñador gráfico; 3) Evaluación de apariencia por el público objetivo con 10 mujeres privadas de libertad. Los datos fueron recolectados entre marzo de 2021 y enero de 2022, y el análisis psicométrico se basó en la escala de Likert para el cálculo del Coeficiente de Validez de Contenido y el Coeficiente de Correlación Intraclase.

Resultados:

el juego de mesa desarrollado se denominó "Carrera contra la sífilis" y constaba de 50 casillas y 34 tarjetas de preguntas. En la validación de contenido, los jueces de salud coincidieron en 13 ítems y los jueces de educación y diseño gráfico coincidieron satisfactoriamente en todos los ítems. Después de los ajustes, la segunda versión del juego de mesa fue enviada a los 22 jueces de salud, siete de los cuales regresaron, reforzando el acuerdo de los jueces, que fue satisfactorio en todos los ítems. En la evaluación de la apariencia con el público objetivo, todos los ítems obtuvieron 100% de acuerdo.

Conclusión:

el juego desarrollado presenta evidencias de validez, y resulta atractivo, dinámico y lúdico, por lo que podría favorecer la construcción de conocimiento de las mujeres privadas de libertad sobre la prevención y el control de la sífilis.

DESCRIPTORES:
Sífilis; Mujeres; Prisión; Juegos experimentales; Educación en salud; Tecnologias educativas

INTRODUÇÃO

A sífilis permanece como um problema de saúde pública, apesar das campanhas e programas para o controle da infecção no território brasileiro, mesmo sendo passível de prevenção, fácil diagnóstico e tratamento acessível no Sistema Único de Saúde (SUS). Quando não tratada precoce e adequadamente, pode acometer diversos órgãos, como sistema nervoso, sistema cardiovascular, ossos, fígado, tecido muscular, pele e olhos1.

A população feminina necessita de atenção especial, visto que, nas mulheres, ocorre um impacto direto sobre a saúde reprodutiva e fetal (quando durante a gestação), com a possibilidade de transmissão vertical. A sífilis congênita é um evento-sentinela e marcador da qualidade da assistência. Nesse sentido, percebe-se a gravidade das repercussões clínicas para o binômio mãe-filho, como abortamento espontâneo, parto prematuro, baixo peso ao nascer e cegueira2.

Os fatores de risco anteriores ao encarceramento somados às condições precárias do ambiente prisional, como superlotação, ambiente insalubre e infraestrutura inadequada, resultam em maior predisposição para o contágio de infecções sexualmente transmissíveis (IST), o que inclui a sífilis. Outros fenômenos são observados como determinantes sociais de saúde, sendo os mais preponderantes a escassez de atividades educacionais de prevenção e orientação nas prisões, a baixa qualidade da assistência prénatal e o pouco investimento na saúde dessa população1^,3.

As práticas de educação em saúde são instrumentos que o enfermeiro e outros profissionais podem utilizar para exercer o cuidado. Além disso, podem contribuir na construção da autonomia do sujeito ao permitir a conscientização sobre determinantes do seu processo saúde-doença por meio do conhecimento e letramento em saúde, para a adoção de novos hábitos e participação ativa nas condutas terapêuticas. Destaca-se com eficiência e eficácia o uso de jogos como abordagem lúdica em saúde4.

A teoria dos jogos é um campo de estudo da matemática e da economia que explora como as decisões tomadas por diferentes participantes afetam uns aos outros, com base em suas escolhas, interesses e objetivos. Ela é frequentemente usada para analisar situações que requerem estratégia (p.ex., jogos de tabuleiro), ajudando a entender como diferentes escolhas podem levar a resultados diferentes e como os jogadores podem maximizar seus ganhos ou minimizar suas perdas5^-6.

Na elaboração de estratégias para prevenção e controle de doenças, especialmente as transmissíveis, a teoria dos jogos pode ajudar a modelar o modo pelo qual as pessoas tomam decisões sobre comportamentos de risco, como vacinação, adoção de medidas preventivas e/ou adesão ao tratamento terapêutico. Isso pode orientar a criação de políticas públicas eficazes, identificar barreiras de acesso e medidas para melhorar a equidade na assistência à saúde5^,7.

Tecnologias Educativas (TE) proporcionam interação, aquisição de conhecimento, desenvolvimento de habilidades cognitivas e troca de experiências. Além disso, estimulam os participantes a refletir, ao possibilitar a relação do conteúdo com a realidade na qual estão inseridos, para que, assim, possam buscar a transformação dela. Ressalta-se que os jogos devem ser simples e motivadores, ter linguagem compreensível pelos indivíduos aos quais se destinam e ser utilizados para aprimorar o tema proposto7^-8.

Mulheres no ambiente de privação de liberdade apresentam desafios únicos para a promoção da saúde, como dificuldades de acesso à informação e serviços de saúde. Além disso, a negligência e precariedade da atenção à saúde das detentas culminam com poucas intervenções de promoção e educação em saúde. Haja vista que são escassos os estudos sobre métodos educativos para o empoderamento e autocuidado que superem as condições impostas pelo cárcere, a criação de um jogo de tabuleiro direcionado a essa população pode preencher tal lacuna8^-9.

É relevante fornecer uma ferramenta eficaz de prevenção da sífilis, capaz de contribuir com a educação em saúde e, assim, redução da transmissão da doença, promovendo a saúde das mulheres privadas de liberdade e possivelmente evitando a disseminação para a comunidade após a liberação. Isso dinamiza o processo de educação em saúde em ambiente prisional.

Sendo assim, este estudo teve como objetivo desenvolver e analisar evidências de validade de conteúdo e de aparência de um jogo de tabuleiro para prevenção da sífilis em mulheres privadas de liberdade.

MÉTODO

Trata-se de um estudo metodológico com foco no desenvolvimento, validação e avaliação de uma tecnologia educacional. Foi realizado entre março de 2021 e janeiro de 2022, em três etapas: desenvolvimento do jogo de tabuleiro; validação de conteúdo por juízes; e avaliação de aparência pelo públicoalvo.

Para a escolha da tecnologia educacional bem como de seu conteúdo e modo de desenvolvimento, foram utilizados os resultados de três revisões integrativas (RI). A primeira auxiliou na definição do jogo de tabuleiro enquanto tipo de tecnologia educacional a ser construída10; a segunda verificou as estratégias mais utilizadas para a prevenção e controle da sífilis na população privada de liberdade11; e a terceira sumarizou as lacunas do conhecimento da população-alvo sobre o tema.

Em posse desses dados, iniciou-se a elaboração do jogo de tabuleiro, a qual contou com um referencial metodológico adaptado12^-15 e etapas denominadas de concepção, pré-produção e protótipo. A etapa da concepção deu-se com o surgimento da ideia em desenvolver um jogo educacional para promover a prevenção da sífilis entre a população feminina em privação de liberdade.

Na pré-produção, elaborou-se a proposta de jogo, composta da identificação do high concept, tema, objetivo, público-alvo, gênero, mecânica e conflitos. O jogo continha um tabuleiro (80 cm × 50 cm), composto por 50 casas, das quais duas possuíam uma placa de STOP, que referia uma punição de ficar uma rodada sem jogar, e 20 casas apresentavam interrogações. As perguntas foram distribuídas em 30 cartas com tamanho de 11,5 cm × 9,5 cm.

O gameplay - demonstração daquilo que os participantes podem fazer ao iniciar o jogo e do quão divertido será a brincadeira - foi realizado remotamente, na plataforma do Google Meet. A amostragem foi por conveniência. Foram selecionados como participantes os docentes e discentes que estavam presentes durante um encontro do grupo de pesquisa “Saúde da mulher no contexto da saúde da mulher e da família”, da Universidade Federal de Pernambuco. O jogo de tabuleiro foi apresentado; e, em seguida, discutiu-se a coerência das regras, a adequação das dificuldades ao repertório do participante, a surpresa e previsibilidade que podem permitir ao participante ser incentivado a permanecer no jogo e a importância de informações claras sobre a temática para aquisição de conhecimentos.

Para elaboração do jogo, o estudo contou com a participação de um designer gráfico, que foi responsável pelas ilustrações, diagramação e vetorização.

Por fim, aconteceu a etapa do protótipo, resultado da pré-produção que permitiu a visualização da primeira versão do jogo de tabuleiro. O protótipo inicial foi analisado pelos juízes, e os ajustes se deram por consenso. Em seguida, o jogo de tabuleiro foi readequado ao objetivo, público-alvo e à mecânica, para então obter o protótipo final.

A validação de conteúdo foi realizada por juízes enfermeiros e médicos especialistas em saúde da mulher e saúde prisional. Os critérios de inclusão foram fundamentados no sistema de classificação de experts adaptado14, relacionados à formação acadêmica, atuação profissional e produção científica.

A seleção dos juízes foi por amostragem intencional mediante consulta ao currículo Lattes na plataforma do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), e foi usada a técnica a bola de neve. Foram enviados 75 convites por meio de correio eletrônico. Aos 22 que aceitaram participar da pesquisa, foi encaminhado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), o instrumento para validação de conteúdo e a primeira versão do jogo de tabuleiro; e o prazo era de 20 dias para responder o instrumento.

O instrumento para validação de conteúdo foi adaptado de instrumentos utilizados em estudos de validação15^-17. As perguntas foram distribuídas em blocos contendo itens como: objetivos, estrutura/apresentação e relevância. Já o instrumento para validação técnica foi adaptado de instrumentos sobre tecnologias educacionais15^,18, estruturado nos seguintes tópicos: objetivo, apresentação/organização e estilo visual.

Na validação de conteúdo técnico com profissionais da educação e design gráfico, observaram-se os aspectos pedagógicos e técnicos do jogo. Para a amostra desses juízes, cujo número recomendado é de 9 a 15 especialistas18, foram critérios de inclusão um conjunto de requisitos para definição de especialista19. A amostragem foi por conveniência e do tipo bola de neve. Por correio eletrônico, foram enviadas 88 cartas-convite: 10 aceitaram, aos quais foi encaminhado o instrumento para avaliação técnica, o TCLE e o jogo de tabuleiro.

O índice de concordância foi avaliado por meio de respostas contendo “sim” ou “não”; e o grau de relevância, por meio de respostas (escolha única) do tipo Likert: irrelevante, parcialmente relevante, realmente relevante e muito relevante. Em cada item do instrumento, havia espaços reservados aos juízes para colocarem sugestões20^-21.

A avaliação de aparência foi realizada com dez mulheres em privação de liberdade da Colônia Penal Feminina do Recife (CPFR). Foram incluídas aquelas em regime fechado ou semiaberto e excluídas as não autorizadas pela direção do presídio a sair da cela. A amostragem foi por conveniência, tendo sido selecionadas pela direção do CPFR. A coleta de dados foi realizada de forma individual, após assinatura do TCLE. As mulheres responderam o questionário de caracterização pessoal e, em seguida, o instrumento para a avaliação de aparência, o qual foi construído e adaptado de instrumentos utilizados em estudos de validação15^-17^,20. O instrumento foi organizado em blocos com perguntas relacionadas à aparência e compreensão do conteúdo do jogo de tabuleiro, além de campo para sugestões. A concordância foi analisada mediante respostas contendo “sim” ou “não”.

O banco de dados foi digitado no Microsoft Excel^® e transportado para o software Stata versão 16.0. As características sociodemográficas e de trajetória profissional dos juízes foram analisadas considerando o cálculo de frequências para as variáveis categóricas e de medidas de posição e de dispersão para as variáveis quantitativas.

Para a análise do índice de concordância entre os juízes, considerou-se o número de respostas concordantes pelo número total de juízes, para cada item e para o conjunto de itens. Aplicou-se teste binomial a cada item, tendo como hipótese nula o percentual mínimo de concordância de 85% e nível de significância de 5%; e como hipótese alternativa, a concordância inferior a 85%. Foram considerados adequados os resultados que evidenciaram valor de p superior a 0,05, isto é, que não permite rejeitar a hipótese nula21.

O cálculo do Coeficiente de Validade de Conteúdo (CVC) foi realizado com base nos critérios metodológicos15, no qual o CVC dos itens é obtido pelas médias fornecidas por juízes para cada um dos itens, sendo, posteriormente, divididas pelo ponto máximo da escala Likert utilizada, que, neste estudo, é 4. Para alcançar o CVC ajustado, subtraiu-se o índice para polarização dos especialistas (Pei). O ponto de corte adotado para determinar validade de conteúdo adequada foi ≥0,8521.

As características sociodemográficas das mulheres foram analisadas por meio do cálculo de frequências para as variáveis categóricas; e de medidas de posição e de dispersão para a variável idade, que é quantitativa. O índice de concordância levou em conta o número de respostas concordantes dividido pelo número total de mulheres, para cada item e para o conjunto de itens.

Foi solicitado o registro de direitos autorais do jogo de tabuleiro na Biblioteca Nacional, sob número de protocolo: 000984.0097559/2024.

RESULTADOS

Com os resultados das RI, buscou-se organizar o conteúdo teórico do jogo de tabuleiro em função da etiologia da doença, manifestações clínicas, formas de transmissão, diagnóstico, tratamento e medidas preventivas, visando suprir as lacunas do conhecimento sobre a sífilis. Para contemplar e integrar esses aspectos pesquisou-se documentos nacionais e internacionais.

Na fase de pré-produção, foi elaborada a proposta do jogo de tabuleiro de gênero educacional, do tipo trilha, intitulado “Corrida contra Sífilis” e destinado às mulheres em privação de liberdade, que considerou o objetivo do jogo, a aquisição de conhecimento para incentivo ao autocuidado.

A produção contou com um profissional designer gráfico, que foi responsável por criar a logomarca e todas as versões do jogo. Na primeira versão, o jogo continha um tabuleiro (80 cm × 50 cm) e 50 casas, das quais duas tinham uma placa de STOP, com uma punição de ficar uma rodada sem jogar. Além disso, 20 casas apresentavam interrogações, indicando a necessidade de responder uma pergunta sobre a sífilis.

As perguntas foram distribuídas em 30 cartas (de 11,5 cm × 9,5 cm). Eram do tipo “verdadeiro ou falso” e foram construídas no formato múltipla escolha. Abordavam o conceito da doença, as manifestações clínicas, transmissão, diagnóstico, prevenção, tratamento, sífilis gestacional e congênita, complicações e reinfecção (Figura 1).

Figura 1 -
Exemplos de cartas-pergunta do jogo de tabuleiro “Corrida contra Sífilis” - Recife, PE, Brasil.

Além disso, faz parte do jogo o manual “Instruções às Jogadoras”, no formato de folder, que aborda detalhadamente as regras, descreve o público-alvo, gênero do jogo, quantidade de participantes e os materiais.

Após o desenvolvimento da primeira versão, o jogo de tabuleiro foi submetido à validação de conteúdo por juízes da área da saúde, da educação e design gráfico. Participaram 22 juízes da área da saúde, sendo 81,82% (n=18) enfermeiros e 18,18% (n=4) médicos. A maioria era do sexo feminino, com 86,36% (n=19), logo 13,64% (n=3), do sexo masculino. Sobre as regiões onde esses juízes residiam, 31,81% eram do Nordeste; 27,27%, do Norte; 27,27%, do Centro-Oeste; 9,0%, do Sudeste; e apenas 4,54%, do Sul. Com relação à idade, a média obtida foi de 40,54 (DP±11,13), variando entre 26 e 64 anos. Já a média do tempo de formação foi 15,0 anos (DP±9,36), com variação entre 5 e 41 anos. A respeito do nível de formação, observou-se que 100% (n=22) dos juízes eram especialistas, dos quais 54,55% tinham mestrado; e 31,82%, doutorado. Sobre a docência, 90,91% tinham experiência como docente, 100% desenvolveram estudos na área de saúde da mulher e saúde prisional, e 50% possuíam experiência no desenvolvimento ou avaliação de tecnologias educacionais.

Participaram dez juízes da área da educação e design gráfico, dos quais 50% eram da área da educação e 50% da área de design gráfico. Do total, 70% eram do sexo feminino; e 30%, masculino. Quanto à idade, a média obtida foi 41,0 (±15,81) anos. Já sobre o tempo de formação, a média foi de 19,0 (±16,31) anos. Considerando o maior nível de formação, 30% eram especialistas; 20%, mestres; e 50%, doutores. A respeito da docência, 80% tinham experiência como docente, e 100% possuíam experiência com o desenvolvimento ou avaliação de tecnologias educacionais.

O índice de concordância dos juízes da área da saúde foi satisfatório na maioria dos itens, com exceção do item 8 “Apresenta uma linguagem coerente para a compreensão das mulheres em privação de liberdade”, que recebeu avaliação negativa de cinco juízes. Já os juízes da educação e design apresentaram índice de concordância satisfatório em todos os itens, com valores maiores ou iguais a 90% no tocante à adequação e pertinência do jogo de tabuleiro.

Tabela 1 -
Índice de Concordância e Coeficiente de Validação de Conteúdo apresentados pelos juízes da área da saúde quanto à relevância do jogo de tabuleiro “Corrida contra Sífilis” - Recife, Pernambuco, Brasil, 2022.

Item	Concordância n (%)	Valor de p ‡	CVC†
Objetivos
1. O jogo contempla o tema proposto.	22 (100%)	1,0	1,0
2. As informações/conteúdos são adequadas ao processo de ensino-aprendizagem.	22 (100%)	1,0	0,95
3. Esclarece possíveis dúvidas sobre o tema abordado.	22 (100%)	1,0	0,94
Estrutura/Apresentação
4. As informações apresentadas estão cientificamente corretas.	22 (100%)	1,0	0,94
5. Aborda a temática de maneira clara e objetiva.	21 (95,45%)	0,97	0,93
6. O conteúdo do jogo está adequado para mulheres em privação de liberdade.	20 (90,91%)	0,86	0,92
7. Há uma sequência lógica do conteúdo proposto.	20 (90,91%)	0,86	0,92
8. Apresenta uma linguagem coerente para a compreensão das mulheres em privação de liberdade.	17 (77,27%)	0,22	0,89
9. As regras do jogo estão bem descritas.	19 (86,36%)	0,66	0,95
10. As imagens são apropriadas.	22 (100%)	1,0	0,89
11. As ilustrações motivam para a compreensão do conteúdo.	21 (95,45%)	0,97	0,85
12. A quantidade de casas do tabuleiro está adequada para o conteúdo proposto.	22 (100%)	1,0	0,92
13. O tamanho dos títulos e dos tópicos está adequado.	21 (95,45%)	0,97	0,93
Relevância
14. Estimula a atenção das mulheres em privação de liberdade para a aprendizagem sobre a temática.	22 (100%)	1,0	0,93

• ^‡
  Teste binomial. † Descontado erro de polarização dos juízes, no valor de 0,000012.

Quanto à relevância por meio do Coeficiente de Validade de Conteúdo (CVC), os dados dos juízes da saúde foram maiores ou iguais a 0,85; e os dados dos juízes da educação e design gráfico foram maiores ou iguais a 0,92. Assim, garantiu-se a validade de conteúdo da tecnologia, conforme Tabelas 1 e 2.

Tabela 2 -
Índice de Concordância e Coeficiente de Validação de Conteúdo apresentados pelos juízes da área da educação e design gráfico quanto à relevância do jogo de tabuleiro “Corrida contra Sífilis” - Recife, Pernambuco, Brasil, 2022.

Item	Concordância n (%)	CVC†
Objetivo
1. O objetivo do jogo é evidente.	10 (100%)	1,0
Apresentação/Organização
2. O jogo apresenta impacto social.	10 (100%)	1,0
3. O conflito criado em torno da prevenção da sífilis está coerente com a realidade.	10 (100%)	0,95
4. O desenvolvimento das narrativas faz com que o interesse pelo jogo aumente.	10 (100%)	0,97
5. As informações estão bem estruturadas em termos de concordância e ortografia.	9 (90%)	1,0
6. As informações de apresentação e regras/instruções estão coerentes.	9 (90%)	0,92
Estilo visual
7. O tamanho dos títulos e dos tópicos está adequado.	10 (100%)	0,97
8. As ilustrações estão expressivas e suficientes.	9 (90%)	0,92
9. O tamanho do material (impresso) está apropriado. Tabuleiro: 80 cm × 50 cm e cartas: 11,5 cm × 9,5 cm	9 (90%)	0,97
10. O número de casas do tabuleiro está adequado.	10 (100%)	0,97
11. A composição visual é atrativa e harmônica.	9 (90%)	0,97
12. O tipo, tamanho e cor da fonte utilizados nos textos favorecem a leitura do conteúdo.	9 (90%)	0,97

• ^† Descontado erro de polarização dos juízes, no valor de 0,000012.

Os juízes sugeriram modificações, acréscimos de ilustrações e ajustes no jogo de tabuleiro. Pela necessidade de haver um mediador ao longo do jogo e também como uma das sugestões dos juízes, foi elaborado o manual “Instruções ao Mediador” (Figura 2). Nele são abordados cientificamente os conteúdos sobre sífilis, a fim de capacitar o mediador.

Figura 2 -
Manual “Instruções ao Mediador”, jogo de tabuleiro “Corrida contra Sífilis” - Recife, PE, Brasil.

Após ajustes, a segunda versão do jogo de tabuleiro (Figura 3) foi submetida à avaliação de aparência com o público-alvo. Participaram dessa etapa dez mulheres em privação de liberdade, das quais 60% (n = 6) se autodeclararam de cor parda, com estado civil solteira e de procedência da região metropolitana de Recife-PE. Apenas 10% (n = 1) referiram não serem do estado pernambucano. Quanto à idade, a média obtida foi de 31,7 (DP ±10,01) anos e mediana de 30 (IIQ 12) anos.

Figura 3 -
Segunda versão do jogo de tabuleiro “Corrida contra Sífilis” após ajustes sugeridos pelos juízes da validação de conteúdo - Recife, PE, Brasil.

A respeito da escolaridade, 60% (n=6) apresentaram ensino superior incompleto; 20% (n=2), ensino fundamental I completo; 10% (n=2), ensino médio completo; e 10%, ensino superior completo. Todos os itens avaliados pelo público-alvo foram julgados satisfatórios.

DISCUSSÃO

O desenvolvimento, validação e avaliação do jogo possibilitou que a versão final abordasse a temática de forma simples e clara. O levantamento bibliográfico sobre as medidas preventivas da sífilis permitiu aparato teórico para compor o conteúdo do jogo de tabuleiro, em consonância com o documento das Nações Unidas denominado “Regras de Bangkok”, o qual instituiu que as mulheres encarceradas devem receber educação e informação sobre como prevenir IST²².

O jogo é uma das ferramentas educacionais que podem ser utilizadas em ambiente prisional e figura-se como importante material didático para a construção coletiva do conhecimento dentro do cárcere. Os jogos educacionais respondem às necessidades lúdicas, intelectuais e afetivas, além de incentivar a socialização e contribuir com o processo de ensino-aprendizagem, pois é entendido como atividade divertida, instigante, interativa e ilustrativa²⁰.

A participação de especialistas na validação do conteúdo e aparência do jogo foi um passo fundamental para assegurar sua qualidade e eficácia. A diversidade de profissionais envolvidos, incluindo especialistas em saúde, educação e design gráfico, proporcionou uma avaliação abrangente do material, garantindo sua adequação às necessidades e características do público-alvo²⁰.

A avaliação por parte das mulheres em privação de liberdade revelou que o jogo é capaz de promover aprendizado sobre prevenção da sífilis de forma efetiva. Pesquisas indicam que isso se deve a uma abordagem lúdica e interativa: o jogo estimula a motivação dos participantes e facilita a compreensão e retenção do conteúdo. Promove mudanças comportamentais positivas em relação à saúde e aprendizado de conteúdos, sendo aplicado também no processo de ensino-aprendizado formativo^23-25.

Outros estudos verificaram que o uso de jogos educacionais possibilita memorização de informações, favorecendo o aprendizado, maior envolvimento⁹, podendo ser empregado em várias fases do processo de ensino-aprendizagem²⁵. Ademais, ele pode ser utilizado como ferramenta para prevenção e controle de doenças específicas, como o HIV²⁶. Portanto, mudanças comportamentais, no tocante à saúde, podem ser obtidas por meio de uma condução interativa e dinâmica²⁷.

A gamificação tem se mostrado uma abordagem altamente aplicável e eficaz na promoção da saúde e educação em populações vulneráveis, além disso é essencial para que abordagens confusas e de difícil entendimento sejam readequadas e tornem-se apropriadas para a compreensão da população a que se destinam²⁸.

Jogos de tabuleiro provaram-se acessíveis e não requerem equipamentos eletrônicos sofisticados ou acesso à internet. Isso os torna adequados para comunidades com recursos limitados, incluindo populações vulneráveis que podem não ter acesso regular à tecnologia. São facilmente adaptados para refletir a cultura e os contextos específicos das populações-alvo, valorizando suas habilidades e experiências únicas, independentemente de seu nível de conhecimento prévio^24-25.

Esse acolhimento pode ser determinante para a autorresponsabilização e autonomia do indivíduo sobre o processo de cuidado em saúde, influenciando assim hábitos para uma melhor qualidade de vida²⁴. Os reveses e problemas apresentados nos jogos estimulam a reflexão e espelham a resolução de problemas da vida real, facilitando a internalização e retenção do conhecimento proposto²⁵.

Por fim, ressalta-se que o jogo de tabuleiro configura-se uma proposta pedagógica inovadora para construção do conhecimento sobre a prevenção da sífilis, apresentada de forma lúdica e interativa, podendo proporcionar às mulheres uma relação mais participativa, dinâmica e contextualizada.

Uma limitação do estudo foi a acessibilidade ao recurso educacional físico. Além disso, há o fato de ter sido realizado em uma só região do país e com mulheres de apenas uma unidade prisional feminina, de modo que outros resultados podem ser obtidos na replicação metodológica em outras regiões ou com mulheres de outras unidades prisionais.

CONCLUSÃO

O jogo de tabuleiro “Corrida contra sífilis” foi desenvolvido conforme referencial metodológico. Seu conteúdo foi validado por juízes especialistas; e a aparência, avaliada como adequada pelo público-alvo.

Com base nesses argumentos, o estudo proposto não apenas trata de uma questão de saúde relevante, mas também introduz uma abordagem inovadora e promissora para a prevenção da sífilis em um contexto desafiador. As evidências de validade buscadas no estudo sugerem a qualidade e eficiência da intervenção, de modo que representa um passo importante na promoção da saúde e bem-estar de mulheres privadas de liberdade.

Destaca-se que o jogo poderá ser empregado em diferentes contextos, além do ambiente prisional, a fim de tornar o processo de educação em saúde mais lúdico e participativo. Recomenda-se que seja realizada, em outro momento, a avaliação semântica com o público-alvo, assim como pesquisas experimentais na modalidade de ensaios clínicos para avaliar a eficácia do jogo de tabuleiro na prevenção da sífilis na população feminina privada de liberdade.

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NOTAS

• ORIGEM DO ARTIGO

  Extraído da dissertação - Jogo de Tabuleiro para Prevenção e Controle da Sífilis em Mulheres Privadas de Liberdade apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, da Universidade Federal de Pernambuco, em 2022.

• FINANCIAMENTO

  Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) - Programa de Demanda Social, sob o número do processo 88887.492362/2020-00.

• APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA

  Aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Pernambuco, parecer n. 4.692.377/2022, Certificado de Apresentação para Apreciação Ética 44935421.4.0000.5208.

Editado por

EDITORES

Editores Associados: Melissa Orlandi Honório Locks, Ana Izabel Jatobá de Souza. Editor-chefe: Elisiane Lorenzini.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  26 Jul 2024
• Data do Fascículo
  2024

Histórico

• Recebido
  28 Set 2023
• Aceito
  15 Abr 2024