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Saúde da mulher e da criança: olhares polissêmicos

EDITORIAL

Saúde da mulher e da criança: olhares polissêmicos

Preocupações com a saúde da mulher e da criança hoje ocupando lugares no epicentro dos saberes e fazeres em saúde nem sempre estiveram presentes nos cenários acadêmicos, assistenciais, nas políticas governamentais e na esteira das produções científicas desenvolvidas em diferentes arenas disciplinares. Tais preocupações vêm desdobrando-se, paulatinamente, em modos plurais de produzir conhecimentos e gerando impactos variados no que tange ao consumo de tais produções, de acordo com interesses e objetivos vigentes nos diversos momentos históricos e contextos sócio-culturais.

Este tema tem inspirado as mais diversas posições e argumentações, numa ainda permanente tensão entre o reiterado significado focalizado nas díades mulher/maternidade, criança/projeto de e as concepções decorrentes do olhar socialmente ubíquo em que ambos aparecem contextualizados e incluídos nas realidades dos cenários da saúde, onde a infância é valorizada e a saúde da mulher, emaranhada nas concepções dos estudos feministas, dos direitos reprodutivos e das relações de gênero. O objeto da saúde da mulher e da criança é trabalhado através de óticas distintas, atravessando diferentes campos disciplinares e aproximando saberes e práticas.

O presente número da Revista Texto & Contexto Enfermagem aborda, em diferentes seções, várias posições atuais sobre o tema, envolvendo produções nacionais e internacionais que focalizam o horizonte específico da enfermagem com a saúde da mulher e da criança, mas também olhares que se encontram em exercício interdisciplinar e multiprofissional, a exemplo das necessárias convergências com a antropologia, a odontologia, a psicologia e a filosofia. Entretanto, as intenções são as mesmas, vale dizer, têm como objetivo principal atender às necessidades das mulheres e crianças, em vários níveis assistenciais e em diferentes fases e áreas de especialidades, visando contribuir, em última instância, para a saúde e para o exercício pleno da cidadania.

Na síntese a seguir, pode-se observar que a maior parte das contribuições desta publicação, no que diz respeito à saúde da mulher, relaciona-se com a saúde reprodutiva e com questões que envolvem o processo do nascimento e parto, excetuando-se duas dentre elas que exploram outros temas também relevantes dentro desta temática, como aqueles que tratam de mulheres migrantes e de mulheres que necessitaram submeter-se à mastectomias. Quanto às contribuições para a saúde da criança, a maioria dos artigos focaliza a assistência aos recém-nascidos, em várias abordagens, excetuando-se pesquisas que envolvem os fatores de risco para carência nutricional em crianças e percepções dos profissionais que atuam em pediatria. A publicação também conta com uma importante reflexão teórica que engloba a atenção à saúde materno-infantil e os fatores ambientais.

A seção Pesquisa inicia com a análise do impacto da migração na saúde de mulheres brasileiras na Austrália, apontando as múltiplas dificuldades que as mesmas vivenciam, principalmente no que tange à falta de apoio social, além das barreiras políticas, culturais, econômicas e sociais que se interpõem quando tentam acessar os serviços de saúde daquele país; o artigo seguinte contempla uma pesquisa desenvolvida por autoras enfermeiras colombianas que investigam as práticas culturais de adolescentes no que se refere à vivência do período pós-parto (no sentido emic da "dieta"), onde revelam as contradições e incongruências existentes entre o sistema popular/familiar de cuidado à saúde e o sistema profissional. Os resultados apontam no sentido da necessidade de promoção de adequação cultural dessas práticas, sensibilizando os profissionais de saúde e, particularmente, as enfermeiras, para uma atuação que seja culturalmente sensível; a próxima pesquisa focaliza representações sociais de gestantes sobre a saúde bucal materno-infantil. Partindo da necessidade de repensar a assistência odontológica prestada à gestante, em interlocução com as outras profissões da saúde, as autoras discutem sobre a pertinência de se compreender tais representações, promovendo a instrumentalização da equipe de saúde no que se refere às práticas educativas no pré-natal; o estudo sobre opções contraceptivas entre mulheres com Aids descreve que a amostra considerada faz uso de métodos "adequados" e "inadequados", colocando-se como justificativas para esses últimos, o conceito que possuem sobre seus próprios corpos, a desconfiança que têm à respeito dos métodos disponíveis, bem como a dificuldade em negociar os métodos com os parceiros.

Ainda com relação à seção Pesquisa, os dois artigos seguintes discutem a atuação da enfermeira obstétrica na sala de parto e a percepção de mulheres gestantes sobre uma tecnologia criada por enfermeiro, denominada Cadeira Obstétrica para Estimulação Pélvica "Nasce Já". Em ambos artigos são apontadas recomendações e contribuições para os profissionais que atuam no processo pré-natal e parto; o texto sobre violência, poder e dominação aborda aspectos simbólicos da atuação dos profissionais de saúde que trabalham com mulheres que vivenciam gestação, parto e puerpério, trazendo à tona a "invisibilidade" de algumas práticas de violência vigentes em algumas realidades brasileiras; o artigo que trata da perspectiva existencial de mulheres mastectomizadas, sob a ótica da Teoria Socionômica, focaliza discussões em grupo sobre a vida antes da doença, a reação frente ao diagnóstico e a cirurgia e as mudanças depois do tratamento, cujos resultados indicam contribuição para os profissionais que atuam com esses sujeitos sociais; o texto seguinte contempla a visão e atuação das parteiras que atuavam em domicílio em meados do século passado, oferecendo dados que ajudam a refletir sobre o processo de medicalização do parto e nascimento; outra abordagem sobre mulheres portadoras do HIV é apontada no texto que sucede, desta vez focalizando os sentimentos expressados pela impossibilidade de não amamentar seus filhos.

Os últimos artigos da seção Pesquisa contemplam outros textos que contribuem para a discussão em pauta. O estudo transversal sobre os fatores de risco em crianças com deficiência de ferro utiliza o Modelo Campo da Saúde e traz contribuições para a agenda assistencial e educativa em saúde; a pesquisa sobre alojamento conjunto pediátrico identifica as percepções da equipe sobre a assistência no hospital, considerando a presença e a inserção da família; a pesquisa que focaliza as percepções maternas de neonatos sob fototerapia realiza uma leitura qualitativa sob a ótica de uma teoria de enfermagem de base fenomenológica; a investigação que toma lugar em uma Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) do sul do país, aborda igualmente as experiências e vivências das famílias que têm seus filhos recém-nascidos ali internados. De outro lado, o artigo que trata dos instrumentos mediadores das famílias no cuidado das crianças egressas de uma UTI neonatal, adota a perspectiva do cuidado, já no espaço domiciliar. A seção traz ainda um estudo histórico abordando o advento das incubadoras e o impacto destas na assistência de enfermagem aos neonatos prematuros.

A seção Reflexão inclui uma contribuição cujo objetivo é lançar um olhar mais aprofundado e fecundo sobre as implicações decorrentes da associação meio ambiente/saúde materno-infantil, particularmente no que diz respeito à participação da enfermeira neste empreendimento. A publicação também contém Notas Prévias e Resumos que apontam os assuntos atuais que estão sendo debatidos e pesquisados nos diversos espaços fomentadores de saberes e práticas relativos à saúde da mulher e da criança.

Drª Marisa Monticelli

- Editora -

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Mar 2011
  • Data do Fascículo
    Set 2004
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