DESAFIOS E POTENCIALIDADES DO EMPREENDEDORISMO DE NEGÓCIOS NA ENFERMAGEM: ANALOGIAS À ATIVIDADE EMPREENDEDORA BRASILEIRA

RESUMO

Objetivo:

refletir sobre potencialidades e desafios da atividade empreendedora em estágio inicial de enfermeiros face à analogias entre o perfil da enfermagem brasileira e de empreendedores de negócios no país.

Método:

reflexão teórica articulada em torno do conceito de fases de atividade empreendedora. Deste ponto de partida foram selecionadas variáveis comuns da pesquisa Perfil da Enfermagem e do Relatório do Global Entrepreneurship Monitor Brasil, sendo sexo, faixa etária, nível de escolaridade, renda familiar e ocupação. Levando em conta um paralelo entre as variáveis, ordenou-se a reflexão sobre os desafios e potencialidade de enfermeiros empreendedores nas fases de atividade empreendedora nascente e nova.

Resultados:

é possível que enfermeiros empreendedores nascentes e novos sejam predominantemente mulheres, especializadas, com possibilidade de renda compatível com postos tradicionais de trabalho. A especialização, a experiência profissional e a legislação profissional são potencialidades; enquanto que o sexo, um desafio.

Conclusão:

há tanto potencialidades quanto desafios. Para que empreendedores nascentes e novos surjam são relevantes, sobretudo, a educação empreendedora, promoção da igualdade de gênero, políticas de trabalho e renda.

DESCRITORES:
Enfermagem; Empreendedorismo; Perfil profissional; Economia; Economia da enfermagem

ABSTRACT

Objective:

to reflect on the potentialities and challenges of entrepreneurial activity in the early-stage stage of nurses, considering the analogies between the profile of Brazilian nursing and business entrepreneurs in the country.

Method:

this is a theoretical reflection articulated around the concept of phases of entrepreneurial activity. From this starting point, common variables from the Nursing Profile survey and the Global Entrepreneurship Monitor Brazil Report were selected, such as sex, age group, education level, family income and occupation. Taking into account a parallel between variables, reflection on the challenges and potential of entrepreneurial nurses in the nascent and new entrepreneurial activity phases was ordered.

Results:

it is possible that nascent and new entrepreneurial nurses are predominantly women, specialized with the possibility of income compatible with traditional jobs. Specialization, professional experience and professional legislation are strengths, while sex is a challenge.

Conclusion:

there are both potentialities and challenges. For nascent and new entrepreneurs to emerge, entrepreneurial education, promotion of gender equality, work and income policies are particularly relevant.

DESCRIPTORS:
Nursing; Entrepreneurship; Job description; Economics; Economics nursing

RESUMEN

Objetivo:

reflexionar sobre las potencialidades y desafíos de la actividad empresarial en la etapa inicial de los enfermeros frente a las analogías entre el perfil de la enfermería brasileña y los empresarios del país.

Método:

reflexión teórica articulada en torno al concepto de fases de la actividad emprendedora. A partir de ese punto de partida, fueron seleccionadas variables comunes de la Encuesta Perfil de Enfermería y del Informe Global Entrepreneurship Monitor Brasil, entre las que se encuentran género, grupo etario, nivel educativo, renta familiar y ocupación. Teniendo en cuenta un paralelismo entre las variables, se ordenó la reflexión sobre los desafíos y potencialidades de los enfermeros emprendedores en las fases de actividad emprendedora naciente y nueva.

Resultados:

es posible que las enfermeras nacientes y nuevas emprendedoras sean predominantemente mujeres, especializadas, con posibilidad de ingresos compatibles con los trabajos tradicionales. La especialización, la experiencia profesional y la legislación profesional son potencialidades, mientras que el género es un desafío.

Conclusión:

hay potencialidades y desafíos. Para el surgimiento de emprendedores emergentes y nuevos, la educación emprendedora, la promoción de la igualdad de género, las políticas de trabajo e ingresos son particularmente relevantes.

DESCRIPTORES:
Enfermería; Emprendimiento; Perfil laboral; Economía; Economía de la enfermería

INTRODUÇÃO

No conceito do Global Entrepreneurship Forum (GEM), consórcio que monitora e produz relatórios anuais sobre empreendedorismo de negócios no mundo, o empreendedorismo é qualquer tentativa de criação de um novo negócio, seja uma atividade autônoma e individual, uma nova empresa ou a expansão de um empreendimento existente1. No mundo, há diferenças substanciais das atividades empreendedoras entre os países, demonstradas em termos da proporção de adultos iniciando novos negócios; enquanto na República Dominicana, em 2021, mais de duas em cada cinco pessoas com 18 a 64 anos estavam iniciando um novo negócio, na Polônia verificou-se a proporção de uma em cada 502.

No Brasil, nesse mesmo ano, a taxa de empreendedorismo inicial (TEA) era de 21,0%, o que representou a mais alta taxa entre todas as economias participantes da pesquisa mundial com populações acima de 50 milhões de pessoas. Referente à taxa de empreendedorismo estabelecida, houve um aumento, em 2021, para 10,0%, e isso significou a segunda mais alta entre os países com mais de 50 milhões de habitantes. Esses dados evidenciaram números substanciais de brasileiros participando de atividades empreendedoras no país, tanto no estágio inicial quanto no estabelecido, e nas diversas áreas2.

Na área saúde, houve também avanços em relação ao empreendedorismo de negócios; e dentre as categorias profissionais destacam-se os enfermeiros, cujas atividades empreendedoras na Enfermagem estão distribuídas em cenários distintos no terceiro setor: serviços de home care, dailycare, cuidado com idosos, cuidados com feridas complexas, treinamentos em saúde, serviços de consultoria, assessorias, atividades organizacionais, ensino e pesquisa. Vale mencionar a atuação empreendedora de enfermeiros em atividades de cuidado de enfermagem, com observação da atuação em papéis não tradicionais, como estética, podologia e tratamentos alternativos, o que reforça o rol de oportunidades profissionais que essa categoria pode vislumbrar no mercado de trabalho3.

Desde a década de 50, os(as) enfermeiros(as) são reconhecidos como profissionais liberais por meio de parecer ministerial4. De acordo com parecer do Conselho Federal de Enfermagem5, o profissional liberal possui nível universitário ou técnico, independência e livre exercício profissional, respondendo, conforme o caso, civilmente, pelos erros e falhas técnicas que vier a cometer. Assim, o enfermeiro é um profissional liberal, inscrito na Confederação Nacional de Profissões Liberais, e tem o livre exercício assegurado pela Constituição Federal e pela Lei nº 7.498, de 25 de junho de 1986.

Apesar do respaldo e da categoria ter ampliado a atuação em diversas áreas, e se especializado, com 80,1% dos enfermeiros possuindo pós-graduação6, demandando o reconhecimento de inúmeras especialidades, estudos indicaram a necessidade de ações que ampliem o exercício liberal da profissão por meio do empreendedorismo de negócios, que pode vir a beneficiar o acesso à saúde da população e concretizar as metas de desenvolvimento sustentável7^-8.

Dados da Pesquisa Perfil da Enfermagem demonstraram que somente 1,9% do total de enfermeiros empreende em um negócio, sendo 1,3% como autônomo, 0,3% em consultório particular e 0,3% em empresa de assistência de enfermagem6. Contudo, observa-se de forma empírica, por meio das mídias sociais, tendência de crescimento do empreendedorismo inicial na Enfermagem, por meio da assistência domiciliar e dos consultórios, o que pode representar mudança nos últimos anos, possivelmente motivada pela normatização da atuação por meio de Resoluções do COFEN como a nº 516/2018, nº 581/2018 e nº 568/2018.

Partindo da premissa de que o empreendedorismo de negócios é crescente para os próximos anos, é válido que se reflita sobre a questão. Todavia, carecemos de dados sobre o perfil dos empreendedores, dos negócios e da atividade empreendedora dos enfermeiros. Assim, este artigo buscou refletir sobre potencialidades e desafios da atividade empreendedora em estágio inicial de enfermeiros face às analogias entre o perfil da enfermagem brasileira e de empreendedores de negócios no país.

Para construir a reflexão, tomou-se por base o conceito de atividade empreendedora, investigada dentro do modelo conceitual do GEM por fases, pelo tipo e pelo impacto. Utilizou-se, na reflexão em tela, a ideia de fases, que são quatro: nascente, novo, estabelecido e descontinuidade.

A atividade nascente é aquela cujo empreendedor está envolvido na criação ou é proprietário de um negócio que ainda não rendeu nenhum tipo de remuneração por mais de três meses. A atividade nova refere-se àquela cujo empreendedor é proprietário e administrador de um negócio que já remunerou de alguma forma seus proprietários por período superior a três meses e inferior a 42 meses; e quando a remuneração é superior a esse período, define-se a atividade como estabelecida. Por fim, a descontinuidade é a fase de encerramento da atividade empreendedora após a abertura do negócio1.

Com base nessas fases, calculam-se três taxas: taxa de empreendedorismo total (TTE), taxa de empreendedorismo em estágio inicial (TEA), taxa de empreendedorismo estabelecido (TEE). A TTE considera-se como a razão entre a população adulta (18 a 64 anos) de um país e os indivíduos que estão envolvidos com uma atividade empreendedora. Dentro desse último grupo, calcula-se a TEA, que considera os empreendedores nascentes e novos, e a TEE, que considera o percentual de estabelecidos1.

Considerando a ideia de que para compreender o empreendedorismo é necessário conhecer o empreendedor, e diante da ausência de dados específicos sobre o empreendedorismo de negócios na Enfermagem, para ser possível refletir sobre potencialidades e desafios nas fases de atividade empreendedora, buscou-se estudo amplo que trouxesse dados que permitissem algum elemento de comparação aos dados apresentados no Relatório GEM Brasil. Assim, elegeu-se a pesquisa Perfil da Enfermagem e, dentro desta pesquisa, as variáveis sexo, faixa etária, nível de escolaridade, renda familiar e ocupação, que também são variáveis de interesse do GEM.

Os dados do relatório1 foram obtidos por meio de uma pesquisa com a população adulta brasileira, em conjunto com uma amostra de 2.000 pessoas entre as idades de 18 e 64 anos, no período de abril a julho de 2019.

Nessa pesquisa, o sexo foi categorizado em masculino e feminino; a faixa etária, ordenada em cinco faixas dentro da população adulta; nível de escolaridade, categorizado em fundamental incompleto, fundamental completo, médio completo e superior completo ou maior; faixa de renda, ordenada em cinco faixas, considerando o número de salário mínimos de um a mais de seis; ocupação paralela, categorizada em nenhuma outra, empregado, desempregado, aposentado, inválido, estudante e dona de casa1.

Na pesquisa Perfil da Enfermagem no Brasil6, o questionário aplicado foi enviado através dos Correios para o endereço informado pelo próprio profissional ao Conselho de seu estado. O questionário foi divido em sete blocos: identificação socioeconômica, formação profissional (enfermeiros), formação profissional (auxiliares e técnicos de enfermagem), acesso à informação técnico-científica, mercado de trabalho, satisfação no trabalho e relacionamento e participação sociopolítica. O número total de participantes da pesquisa foi de 35.914, sendo 16.145 enfermeiros e 19.771 auxiliares e técnicos de enfermagem.

As variáveis selecionadas foram organizadas em quadros, lado a lado, para que se pudesse observar analogias, conforme definição léxica, de qualidade, estado ou condição de análogo, semelhança de propriedades entre coisas e fatos8 e refletir sobre os desafios e perspectivas do enfermeiro empreendedor em estágio inicial e estabelecido. O resumo das variáveis eleitas é apresentado na seção seguinte para após, em torno do conceito de atividade empreendedora, refletir-se sobre os desafios e potencialidades da atuação empreendedora da Enfermagem no cenário nacional.

Empreendedorismo de negócios no Brasil e Perfil do Enfermeiro: paralelos

No que diz respeito à TTE, TEA e TEE, em 2019, a TTE foi de 38,7%, sendo 8,1% nascentes, 15,8% novos e 16,2% estabelecidos.

Quanto ao perfil dos empreendedores - conforme demonstrado no Quadro 1, observou-se semelhança no percentual de empreendedores em estágio inicial em ambos os sexos. Contudo, entre os estabelecidos, evidenciou-se que os homens apresentaram maior atividade no empreendedorismo nesse estágio (TEE: 18,4%), comparados às empreendedoras (TEE: 13,9%) (Quadro 1). Ou seja, quase três milhões de homens a mais do que mulheres desenvolveram atividades empreendedoras em fase estabelecida (GEM, 2020).

No tocante à faixa etária, verificou-se que a maioria dos enfermeiros tinha entre 26 e 40 anos (59,5%); ao passo que, entre os empreendedores iniciais e estabelecidos, o maior percentual era da faixa etária de 35 a 44 anos (26,7%) e 45 a 54 anos (23,8%), respectivamente. Destaca-se que 24,3% dos empreendedores em estágio inicial eram de adultos jovens (18 a 24 anos) (Quadro 1).

Esses dados de faixa etária podem ser elucidados ao se analisar a variável nível de escolaridade. Foi identificado que muitos empreendedores iniciais e estabelecidos apresentavam ensino fundamental incompleto (18,4% e 23,2%, respectivamente) e completo (23,3% e 20,2% %, respectivamente). Vale mencionar que o título de bacharel em enfermagem é de nível superior, e a maioria dos enfermeiros apresentava pós-graduação (80,1%), com predominância na modalidade especialização (Quadro 1).

Observou-se que empreendedores em estágio inicial informaram ganhos na faixa de um até três salários mínimos; o que foi compatível com a renda da maioria dos enfermeiros (71,2%), sendo 35,1% de 1.001 até 3.000 reais e 36,1% de 3.001 até 5.000 mil reais (Quadro 1).

Por fim, é possível constatar que a maioria dos empreendedores em estágio inicial apresentava outra ocupação laboral (52,1%); enquanto os estabelecidos, nenhuma outra (63,9%). Com relação aos enfermeiros brasileiros, embora 90,3% estivessem com a situação profissional ativa, foi identificado que 12,4% estavam desempregados e 9,3% atuavam em outras atividades fora da área de enfermagem (Quadro 1).

Quadro 1 -
Retrato dos empreendedores e enfermeiros brasileiros. Chapecó, SC, Brasil, 2022.

	Empreendedores1	Enfermeiros2
Sexo	Taxa de empreendedorismo em estágio inicial: Mulheres: 50% Homens: 50%	Mulheres: 86,2% Homens: 13,4% Não respondeu: 0,4%
	Taxa de empreendedorismo estabelecido: Mulheres: 43,5% Homens: 56,5%
Faixa etária	Taxa de empreendedorismo em estágio inicial: 18 - 24 anos: 24,3% 25 - 34 anos: 26,1% 35 - 44 anos: 26,7% 45 - 54 anos: 22,6% 55 - 64 anos: 12,4%	Até 25 anos: 7,1% 26 - 40 anos: 59,5% 41 - 55 anos: 26,8% Acima de 56: 6,1% Não respondeu: 0,5%
	Taxa de empreendedorismo estabelecido: 18 - 24 anos: 7,2% 25 - 34 anos: 12,7% 35 - 44 anos: 18,2% 45 - 54 anos: 23,8% 55 - 64 anos: 20,5%
Nível de escolaridade	Taxa de empreendedorismo em estágio inicial: Fundamental: incompleto: 18,4% Fundamental completo: 23,3% Médio completo: 24,4% Superior completo ou maior: 27,6%	Enfermeiros com Pós-Graduação: 80,1% Residência: 7.5% Especialização: 72,8% Mestrado acadêmico: 10,9% Mestrado profissional: 3,6% Doutorado: 4,7% Pós-Doutorado: 0,4%
	Taxa de empreendedorismo estabelecido: Fundamental: incompleto: 23,2% Fundamental completo: 20,2% Médio completo: 12% Superior completo ou maior: 12,1%
Renda individual mensal*†	Taxa de empreendedorismo em estágio inicial: Até 1 salário mínimo: 23,4% Mais de 1 até 2: 20,6% Mais de 2 até 3: 22% Mais de 3 até 6: 27,1% Mais de 6: 31,8%	Setor público: Até 1 salário mínimo: 0,6% Mais de 1 até 2: 14,9% Mais de 3 até 5: 36,5% Mais de 6: 35,3% Não responderam: 12,8%
	Taxa de empreendedorismo estabelecido: Até 1 salário mínimo: 13,5% Mais de 1 até 2: 13,4% Mais de 2 até 3: 17,2% Mais de 3 até 6: 18% Mais de 6: 24,6%	Setor privado: Até 1 salário mínimo: 1,2% Mais de 1 até 2: 24,1% Mais de 3 até 5: 36,1% Mais de 6: 19,7% Não responderam: 19%
Outra ocupação	Taxa de empreendedorismo em estágio inicial: Empregado: 20,7% Aposentado: 1,4% Desempregado (e procurando emprego): 15,5% Dona de casa em período integral: 9,5% Estudante: 5% Nenhuma outra ocupação: 47,9%	Situação profissional: Ativo: 90,3% Desempregado nos últimos 12 meses: 12,4% Dificuldade de encontrar emprego: 78,9%‡ Outras atividades fora da área de enfermagem: 9,3%
	Taxa de empreendedorismo estabelecido: Empregado: 6,2% Aposentado: 2,3% Desempregado (e procurando emprego): 8,8% Dona de casa em período integral: 13,1% Estudante: 5,7% Nenhuma outra ocupação: 63,9%

• Fonte: 1Global Entrepreneurship Monitor. Empreendedorismo no Brasil: Relatório Executivo 2020 [Internet]. Curitiba, PR(BR): GEM; 2020 [acesso 2022 Out 12]. 30 p. Disponível em: https://ibqp.org.br/PDF%20GEM/Relatório%20Executivo%20Empreendedorismo%20no%20Brasil%202019.pdf
• 2 Conselho Federal de Enfermagem (BR). Relatório Final da Pesquisa - Perfil da Enfermagem no Brasil [Internet]. Rio de Janeiro, RJ(BR): Fundação Oswaldo Cruz; Conselho Federal de Enfermagem; 2017 [acesso 2022 Out 12]. 750 p. Disponível em: http://www.cofen.gov.br/perfilenfermagem/pdfs/relatoriofinal.pdf
• *O valor do salário mínimo utilizado na pesquisa do Global Entrepreneurship Forum em 2020 foi o estabelecido pelo governo federal de R$ 998,00; †O valor do salário mínimo utilizado na pesquisa Perfil da Enfermagem no Brasil foi o estabelecido pelo governo federal de R$ 680,00; ‡ Dentre os desempregados.

DISCUSSÃO

Possíveis potencialidades e desafios e do Empreendedorismo de negócios para enfermeiros

Uma vez que o GEM conceitua a atividade empreendedora como resultado da associação dos aspectos sociais e das habilidades individuais do empreendedor, culminando na geração de produtos e renda, as variáveis sexo, idade, renda individual mensal e escolaridade são aspectos a ser considerados ao se refletir sobre o empreendedorismo inicial na Enfermagem1.

Com base no paralelo entre os dados da pesquisa de perfil da enfermagem e os dados do GEM, considerando a variável sexo, parece mais provável que a atividade empreendedora em estágio inicial da Enfermagem será predominantemente feminina, diferentemente do cenário nacional, em que há distribuição semelhante entre ambos os sexos. Já, considerando a faixa etária, é possível que a atividade empreendedora ocorra um pouco mais tarde entre os enfermeiros visto que na faixa de 18 a 24 anos muitos ainda encontrar-se-ão na graduação.

Sobre a escolaridade, ao observar a tendência à especialização, há contraste com o perfil dos dados do GEM, em que o nível superior não representa a escolaridade da maioria dos empreendedores1. No que diz respeito à variável renda, ao estabelecer um paralelo, observa-se que empreender pode apresentar perspectiva de renda inicial semelhante ao trabalho em postos tradicionais da enfermagem em instituições de saúde.

Diante dos paralelos, considerado o cenário nacional em que a maioria dos empreendedores iniciais possui até o ensino médio completo, uma potencialidade da atividade empreendedora, tanto para começar a empreender quanto para se manter, é o fato de os enfermeiros possuírem ensino superior completo. A escolarização está bastante ligada à inovação de produtos e serviços e geração de maior renda9, fato que contribui para a estabilização e manutenção de um negócio no mercado, o que pode ser uma potencialidade para o negócio dos empreendedores em qualquer fase.

Há, nos últimos anos, um incremento na especialização da Enfermagem, inclusive, com investimento do COFEN por meio de convênios para a oferta de vagas em mestrados profissionais, cujo crescimento e incentivos demonstram preocupação em melhorar o cuidado, a gestão, a educação e a própria pesquisa nas várias dimensões do fazer da profissão, com evidências da maior aderência dos programas à realidade laboral10, apesar dos múltiplos desafios do mercado de trabalho11.

Ainda que mais especializados, para que a escolarização seja um trunfo ao enfermeiro empreendedor, ele precisa tornar-se competente na prática baseada em evidências, para ser capaz de trazer resolutividade aos problemas a partir da aplicabilidade de processos clínicos com validação científica e centrados no paciente12, em sua atividade profissional empreendedora em todas as áreas de especialidade da Enfermagem. Bem como ser capaz de transladar o conhecimento em constante atualização para sua prática, que diz respeito à capacidade de interação, ao compartilhamento e ética no conhecimento para a criação de serviços e produtos voltados para a promoção da saúde13.

Já o sexo é um desafio em potencial no mercado de trabalho brasileiro e, em uma profissão feminina, um desafio a atividade empreendedora em estágio inicial, fato que desperta a atenção da Organização das Nações Unidas, que destaca, entre os objetivos de Desenvolvimento Sustentável, o empoderamento feminino como estratégia para garantir a igualdade de gênero1, e ainda favorecer o enriquecimento do país pela movimentação econômica. Empreendedoras percebem falta de reconhecimento de suas habilidades e tratamento diferenciado por ser mulheres14. Quando mães, há uma demanda por conciliação entre a vida privada e o trabalho, gerando uma carga mental que não é comum ao sexo masculino15.

De acordo com os dados da pesquisa Empreendedorismo Feminino do SEBRAE, mulheres desistiram até 40,0% mais de seguir seus negócios do que os homens. Eram, na maioria, chefes de domicílio e, quando empreenderam, a maioria recebia menos pelo mesmo trabalho. Atuavam mais como pessoa física, não formalizando seu negócio. Quando os formalizavam, eram negócios de porte menor, em que pagavam mais juros e obtinham menor acesso a linhas de crédito16. Assim, o cenário de desafios ao empreendedorismo feminino pode ser desencorajador ao estabelecimento da atividade empreendedora na Enfermagem, requerendo ações de estímulo e suporte.

Considerando o aspecto financeiro, ao observar a renda média do empreendedor inicial brasileiro, essa se assemelha à renda dos enfermeiros (as) em diferentes naturezas jurídicas. Como o nicho de negócio da enfermagem é distinto da média nacional em que empreendedores iniciantes empreendem em serviços de alimentação e bebidas, comércio varejista de artigos do vestuário e acessórios, cabeleireiros e outras atividades de tratamento de beleza, e confecção de peças do vestuário1, dificulta apontar nesta reflexão a renda e a ocupação como potencialidades ou desafios ao empreendedorismo inicial na Enfermagem.

Como visto acima, empreendedores iniciantes com formação até o ensino médio têm renda equivalente à de um enfermeiro (a) especializado (a). Assim sendo, a depender da motivação, empreender pode não parecer uma potencialidade, visto que a empregabilidade do enfermeiro, na maioria das regiões do Brasil, é alta6 e mulheres tendem a empreender mais por necessidade do que os homens17.

Dessa forma, para uma profissão que quer empreender não representa um acréscimo financeiro expressivo, e se encontram postos de trabalho com relativa facilidade, pode-se preferi-los a empreender. Isso pode conduzir ao menos a dois cenários: baixo empreendedorismo de negócios na enfermagem ou entrada tardia, quando o profissional se sentir suficientemente estabilizado e a motivação não for a necessidade e sim um propósito, como “fazer a diferença”, opção de escolha que tem aparecido cada vez mais nos relatórios do GEM1. Estudos sinalizam em revisão que os enfermeiros mudam do corporativo para a prática liberal para, por exemplo, melhorar suas condições de trabalho18.

Ainda sobre o aspecto financeiro, cabe destacar a questão da formalização, importante no contexto do empreendedorismo inicial, especialmente, para profissionais liberais, que podem atuar como pessoa física. Ainda que esta seja uma estratégia válida para iniciar, para a estabilização, a formalização do negócio se mostra mais benéfica do ponto de vista tributário e financeiro1^,16.

Tudo isto desafia a estar em constante aprimoramento, a fim de colaborar para uma enfermagem de práticas avançadas, capaz de contribuir com os problemas emergentes e reemergentes dos contextos em que se insere, ao mesmo tempo em que se torna necessário e competitivo no mercado. Há a faceta de desafio do conhecimento, pois o empreendedor enfermeiro(a) em estágio inicial deverá possuir conhecimentos sobre gestão de negócios que não são fomentados em sua formação19. A falta deste conhecimento pode ser um importante desafio, que inibe a escolha por empreender e, também, se não suprido, pode levar à descontinuação do negócio.

Tais desafios, embora complexos, poderiam ser superados em um esforço conjunto da categoria, pois dão visibilidade à necessidade de estímulo, formação e suporte, visto que o despertar para o empreendedorismo de enfermagem decorre tanto do estímulo da identificação de necessidades a serem exploradas no contexto dos serviços de saúde quanto do suporte que recebe20.

No que tange a ocupação, é possível que a enfermagem empreendedora em estágio inicial venha a seguir as tendências observadas entre os empreendedores brasileiros que desenvolvem essa atividade em paralelo com outra ocupação, o que poderá representar tanto um desafio para a consolidação e sucesso do negócio na enfermagem visto que diminuirão as horas dedicadas ao negócio quanto uma potencialidade que permitirá o desenvolvimento do empreendedorismo de negócios na presença de segurança financeira.

CONCLUSÃO

Ao estabelecer um paralelo entre as variáveis da pesquisa Perfil da Enfermagem e do relatório do Global Entrepreneurship Monitor Brasil, sinalizam-se potencialidades e desafios às atividades empreendedoras nascentes e novas da Enfermagem brasileira. Uma vez que o empreendedorismo tem sido estimulado globalmente e o GEM é um consórcio mundial, reflexão semelhante pode ser conduzida em diversos países, possibilitando diálogos e fortalecimento profissional adequado ao contexto de cada país.

Como elementos de destaque ao caso brasileiro, as potencialidades identificadas são também meios de superação dos desafios, destacando-se o grau de especialização e a normatização observada nos últimos anos, que dá cada vez mais respaldo e segurança ao profissional. De modo geral, a Enfermagem como profissão apresenta diferenciais ao empreendedorismo de negócios que podem favorecer a atividade empreendedora em estágio inicial e conduzi-la ao estágio de consolidação.

A confluência de atributos, ciência e técnica presentes na formação profissional do(a) enfermeiro(a) conduzirão a abertura de negócios administrados por profissionais do ensino superior com formação generalista, presente em todo o ciclo vital do indivíduo, sustentada por um escopo de competências assistenciais, gerenciais e de ensino em saúde, com formação de cuidado holístico baseado em teorias, orientados a compreender as necessidades de saúde do indivíduo, família e comunidade, cujos serviços de podem ser prestados em domicílio, clínicas, consultórios de enfermagem.

Apesar do amálgama técnico, científico e do suporte legislativo que amparam a enfermagem a empreender, existem barreiras que precisam ser transpostas pelos profissionais e pela categoria para o crescimento e consolidação da atividade empreendedora na enfermagem, entre elas, a mudança da mentalidade e o desconhecimento.

Sugerem-se a construção de pontes estratégicas entre órgãos de classe e de Estado que fomentem a implementação de políticas de flexibilização da carga horária na enfermagem, novas resoluções alinhadas à prática empreendedora, diretrizes que incentivem a educação empreendedora nos cursos de graduação, a elaboração de cursos de atualização complementar para a melhoria da gestão de negócios e uso de tecnologias, bem como um aconselhamento financeiro. Todas essas contribuições, articuladas às pesquisas científicas, permitirão o engajamento do enfermeiro no empreendedorismo de negócios e o fortalecimento da atividade empreendedora da enfermagem no Brasil e no mundo.

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• CONTRIBUIÇÃO DE AUTORIA

  Concepção do estudo: Menegaz JC. Coleta de dados: Menegaz JC, Amaral TMO. Análise e interpretação dos dados: Menegaz JC, Bolina AF, Amaral TMO, Pontes ES, Trindade LL. Discussão dos resultados: Menegaz JC, Pontes ES. Redação e/ou revisão crítica do conteúdo: Menegaz JC, Bolina AF, Trindade LL. Revisão e aprovação final da versão final: Menegaz JC, Bolina AF, Amaral TMO, Pontes ES, Trindade LL.

• APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA

  Não se aplica.

Editado por

EDITORES

Editores Associados Gisele Cristina Manfrini, Ana Izabel Jatobá de Souza. Editor-chefe: Elisiane Lorenzini.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  25 Set 2023
• Data do Fascículo
  2023

Histórico

• Recebido
  11 Nov 2022
• Aceito
  19 Jun 2023