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Significados culturais atribuídos por gestantes à vivência da hipertensão arterial na gravidez1 1 Artigo integrante da Tese - Gestantes hipertensas: significados culturais, formas de atenção à saúde e relações com a biomedicina, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem (PEN) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em 2012. A pesquisa recebeu contribuição financeira do Instituto Nacional de Pesquisa Brasil Plural/CNPq/FAPESC.

Resumos

Estudo etnográfico realizado em um hospital-escola (Paraná, Brasil), buscando compreender os significados culturais atribuídos por gestantes à vivência da hipertensão arterial na gravidez. Participaram 22 gestantes, por meio de observação participante e entrevistas, tanto no hospital, quanto nos domicílios, entre outubro/2010 e dezembro/2011. Analisou-se segundo os passos da Etnoenfermagem. Os resultados indicaram que os significados culturais atribuídos à hipertensão eram marcados pelo medo da morte do bebê e da própria morte. Elas interpretaram e atribuíram sentidos às suas experiências, tendo por base uma rede de símbolos e significados criada e recriada a partir da interlocução contínua com suas famílias, outros grupos sociais e com profissionais de saúde. A subjetividade dessas mulheres contribuiu à diversidade de percepções e significados. A experiência da doença e as referências socioculturais do contexto das gestantes colaboram para a compreensão dos significados culturais, possibilitando que os profissionais prestem assistência fundamentada nas suas necessidades específicas.

Cultura; Hipertensão induzida pela Gravidez; Risco


Ethnographic study conducted at a teaching hospital (Paraná, Brazil) to understand the cultural meanings pregnant women attribute to the experience of hypertension in pregnancy. The participants were 22 pregnant women, using participant observation and interviews, at the hospital and at their respective homes, between October/2010 and December/2011. The analysis was based on the steps of Ethnonursing. The results showed that the cultural meanings attributed to the hypertension were marked by the fear of the baby's and their own death. They interpreted and gave sense to their experiences based on a net of symbols and meanings created and recreated based on the continuous interlocution with their families, with different social groups and with the health professionals. These women's subjectivity contributed to the diversity of perceptions and meanings. The experience of the illness and the sociocultural references of the pregnant women's context contributed to the comprehension of the cultural meanings, allowing the professionals to attend them based on their specific needs.

Culture; Hypertension, pregnancy-induced; Risk


Estudio etnográfico hecho en un hospital-escuela (Paraná, Brasil), que buscó comprender los significados culturales atribuidos por mujeres embarazadas a la vivencia de la hipertensión del embarazo. Participaron 22 mujeres embarazadas por medio de la observación participante y entrevistas, tanto en el hospital como en sus domicilios entre octubre/2010 y diciembre/2011. El análisis fue hecho según los pasos de la Etnoenfermería. Los resultados indicaron que los significados culturales atribuidos a la hipertensión eran marcados por el miedo da la muerte, ya sea de su propia muerte o la del bebé. Ellas interpretaron y atribuyeron sentido a sus experiencias, basadas en una red de símbolos y significados, creada e recreada desde la interlocución continua con sus familias, otros grupos sociales y con los profesionales de la salud. La subjetividad de esas mujeres contribuyó para la diversidad de percepciones y significados. La experiencia de la enfermedad y las referencias socioculturales de su contexto colaboran para comprender los significados culturales, permitiendo a los profesionales que las asistan basados en sus necesidades específicas.

Cultura; Hipertensión inducida en el embarazo; Riesgo


INTRODUÇÃO

A razão de Mortalidade Materna (MM) é considerada um indicador oficial de qualquer país, pois revela a qualidade da assistência de saúde oferecida à mulher durante o ciclo gravídico-puerperal, gerando grande impacto dentro do quadro de morbimortalidade das mulheres em idade fértil, ou seja, entre 15 e 49 anos.11. Ministério da Saúde (BR) [página na internet]. Brasília (DF): MS, 2012. Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim1 [acesso2012 Dez 18]. Disponível em: http://portalsaude.saude.gov.br/portalsaude/index.cfm?portal=pagina.visualizarTexto&codConteudo=6403&codModuloArea=783&chamada=boletim-1/2012-_-mortalidade-materna-no-%20%20brasil
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Em 2010 a razão de MM no Brasil foi de 68 óbitos por 100.000 nascidos vivos,11. Ministério da Saúde (BR) [página na internet]. Brasília (DF): MS, 2012. Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim1 [acesso2012 Dez 18]. Disponível em: http://portalsaude.saude.gov.br/portalsaude/index.cfm?portal=pagina.visualizarTexto&codConteudo=6403&codModuloArea=783&chamada=boletim-1/2012-_-mortalidade-materna-no-%20%20brasil
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índice considerado alto, uma vez que a Organização Mundial da Saúde preconiza como aceitável o máximo de 10 óbitos maternos por 100.000 nascidos vivos.22. World Health Organization. Trends in maternal mortality: estimates developed by WHO, UNICEF, UNFPA and The World Bank 1990 to 2008.Geneva (SW): World Health Organization; 2010. Dentre esses óbitos, os que ocorrem por transtornos hipertensivos, no Brasil, estão entre os mais frequentes, já que em 2010 foram responsáveis por 13,8 mortes por grupo de 100.000 nascidos vivos.33. Ministério da Saúde (BR) [página da internet]. DATASUS. Sistema de Informação sobre Mortalidade-SIM 2011 [acesso 2011 Out 7]. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br
http://tabnet.datasus.gov.br...

A hipertensão, quando instalada na gestação, de acordo com o sistema oficial de saúde e em âmbito internacional, caracteriza a gestante como sendo "de risco". Essa condição a insere em uma situação de liminaridade física de dupla fragilidade, resultante do processo gestacional em si e da doença a ele sobreposta, levando-a à necessidade de assistência profissional especializada, visando garantir o controle dos níveis pressóricos e, por conseguinte, desfechos positivos para mãe e concepto.

Embora tal assistência seja imprescindível, do ponto de vista da evitabilidade da MM, conforme apontam as estatísticas oficiais, percebe-se que a subjetividade dessas mulheres, nem sempre é considerada pelos profissionais da área obstétrica. A tendência, neste sistema, é de adotar uma postura etnocêntrica, sem relativizar seus saberes especializados e, às vezes, desconsiderando, inclusive, os contextos locais de aprendizagem e autoatenção,44. Menéndez EL. Modelos de atención de los padecimientos: de exclusiones teóricas y articulaciones prácticas.Ciênc Saúde Coletiva. 2003; 8(1):185-206. para atender às suas próprias expectativas de enfrentamento da condição de saúde-doença. Esse reducionismo, além de desvalorizar a interação profissional-cliente, não permite uma visão ampliada sobre o processo saúde-doença-atenção,44. Menéndez EL. Modelos de atención de los padecimientos: de exclusiones teóricas y articulaciones prácticas.Ciênc Saúde Coletiva. 2003; 8(1):185-206.

5. Menéndez EL. Estilos de vida, risco e construção social. In: Menéndez EL. Sujeitos, saber e estrutura: uma introdução ao enfoque relacional no estudo da saúde coletiva. São Paulo (SP): Hucitec; 2009. p.71-138.

6. Duarte LFD. Indivíduo e pessoa na experiência da saúde e da doença. Ciênc Saúde Coletiva. 2003;8(1):173-83.

7. Taussing M. The nervous system. New York (US): Routledge; 1992.
- 88. Castiel LD. A medida do possível: saúde, risco e tecnobiociências. Rio de Janeiro (RJ): Fiocruz; 1999. uma vez que a própria noção de risco elaborada pelas mulheres pode ser diferente da conotação dada ao risco pela cultura biomédica.

No sistema oficial de saúde predominam definições de risco provenientes da epidemiologia que, de forma geral, desconsideram os processos socioculturais. Em consequência, os dados qualitativos, que são decisivos para compreender os comportamentos atinentes aos padecimentos investigados,77. Taussing M. The nervous system. New York (US): Routledge; 1992. são praticamente abandonados. Tal ótica tende a ocultar a complexidade e a dimensão social da doença, atribuindo ao risco o caráter quantitativo, científico e impessoal. Ao fazer isto, reduz a experiência social a aspectos biológicos, e o grupo, à soma de indivíduos.77. Taussing M. The nervous system. New York (US): Routledge; 1992.

Estudos têm ressaltado66. Duarte LFD. Indivíduo e pessoa na experiência da saúde e da doença. Ciênc Saúde Coletiva. 2003;8(1):173-83. - 77. Taussing M. The nervous system. New York (US): Routledge; 1992. que a lógica da biomedicina pressupõe a modificação do comportamento das gestantes hipertensas, impingindo certas atitudes que são justificadas pelo saber dito "científico". A performance dos profissionais geralmente desconsidera o contexto sociocultural das mulheres e ignora aspectos relativos às suas subjetividades,6 6. Duarte LFD. Indivíduo e pessoa na experiência da saúde e da doença. Ciênc Saúde Coletiva. 2003;8(1):173-83. incluindo aí, frequentemente, a ideia de que elas possam ter explicações diferentes para a ocorrência da hipertensão. Por outro lado, as interpretações das gestantes sobre a vivência da hipertensão arterial devem ser consideradas, pois podem trazer à tona as vulnerabilidades às doenças, às complicações e, inclusive, à morte.

Pelo exposto, é relevante aprofundar os significados que os diferentes grupos ou coletividades atribuem ao processo saúde-doença-atenção,55. Menéndez EL. Estilos de vida, risco e construção social. In: Menéndez EL. Sujeitos, saber e estrutura: uma introdução ao enfoque relacional no estudo da saúde coletiva. São Paulo (SP): Hucitec; 2009. p.71-138. os quais não podem ser dissociados do contexto cultural, uma vez que cultura constitui um conjunto de símbolos e significados que são partilhados e fazem sentido dentro de um sistema social.9 9. Geertz C. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro (RJ): LTC; 2008. Diante do recorte traçado para a problemática, este estudo objetivou compreender os significados culturais atribuídos por gestantes à vivência da hipertensão arterial na gravidez.

METODOLOGIA

Foi desenvolvido um estudo etnográfico,99. Geertz C. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro (RJ): LTC; 2008. - 1010. Leininger M, McFarland M. Culture care and diversity: a worldwide nursing theory. 2a ed. Boston (US): Jones and Bartlett Publishers; 2006. entre outubro de 2010 e dezembro de 2011, no ambulatório de Pré-natal de Alto Risco (PNAR) e na Enfermaria de Internação Clínica (EIC) de um hospital-escola do Estado do Paraná, que é referência para gestação de risco no Sul do Brasil, e no domicílio das gestantes que utilizavam estes serviços. O PNAR funciona de segunda a sexta-feira, das 7h às 16 horas, atendendo a gestantes classificadas como de risco e que são encaminhadas de unidades básicas de saúde do município e de toda a região metropolitana. A EIC localiza-se no segundo andar da maternidade, na Unidade de Alojamento Conjunto, e possui seis leitos, onde ficam internadas as gestantes que necessitam de supervisão clínica direta, em qualquer período gestacional.

As informantes-chave foram 22 gestantes, sendo considerados critérios de inclusão: possuir diagnóstico de transtorno hipertensivo específico da gestação e estar realizando pré-natal no ambulatório do PNAR, em qualquer idade gestacional, ou ainda, estar internada na EIC durante o decorrer da coleta de dados. Foi requerido também ter mais de 18 anos de idade. As informações foram coletadas utilizando-se como técnica principal a observação participante, conforme modelo denominado de observação-participação-reflexão,1010. Leininger M, McFarland M. Culture care and diversity: a worldwide nursing theory. 2a ed. Boston (US): Jones and Bartlett Publishers; 2006. e como técnica complementar, a entrevista semiestruturada.1010. Leininger M, McFarland M. Culture care and diversity: a worldwide nursing theory. 2a ed. Boston (US): Jones and Bartlett Publishers; 2006. - 1111. Shatzman L, Strauss AL. Field research: strategies for a natural sociology. New Jersey (US): Privitive-Hall, 1973.

Algumas gestantes foram observadas na EIC e outras no PNAR, após acordo com as gestantes e consentimentos dos profissionais e estudantes da área da saúde que ali atuavam. Na EIC, a pesquisadora acompanhou as gestantes internadas em períodos alternados do dia (manhã, tarde e noite), procurando atentar para o que faziam e falavam entre si, bem como a relação que estabeleciam com os profissionais da equipe de saúde, focalizando especialmente as interações com as equipes médica e de enfermagem. No PNAR, além de acompanhar as consultas médicas, a pesquisadora também observou as gestantes, enquanto aguardavam o atendimento, interagindo com elas na sala de espera. No domicílio foi observado o contexto das relações familiares e o modo como a gestante abordava sua condição de saúde com a família.

Entre as gestantes observadas, foram entrevistadas aquelas que aceitaram conversar individualmente sobre a vivência da hipertensão. Todas as entrevistas foram gravadas após expressa concordância e, posteriormente, transcritas. Foram realizadas com o objetivo de complementar ou aprofundar as informações relacionadas a temas relevantes para a pesquisa, tendo sido agendadas conforme conveniência das informantes, combinadas com antecedência. Sempre que possível, ocorreram nos domicílios, os quais se localizavam em bairros da periferia ou na região metropolitana do município-sede do hospital. Quando não foi possível ir ao domicílio, as conversas aconteceram na EIC, em horário pré-combinado e em local livre de interrupções ou de ruídos que pudessem interferir na conversa.

Foi usado diário de campo para registro e organização das informações, empregando-se notas de entrevista, compostas dos relatos em si, conforme apreendidos; notas de observação, que contemplavam a descrição detalhada de fatos e conversas; notas teóricas, cujo conteúdo englobava as interpretações feitas pelo pesquisador, por ocasião da coleta das informações; e notas metodológicas, que incluíam as observações referentes às estratégias utilizadas para a coleta das informações.1111. Shatzman L, Strauss AL. Field research: strategies for a natural sociology. New Jersey (US): Privitive-Hall, 1973.

O processo analítico, ancorado na Etnoenfermagem,1010. Leininger M, McFarland M. Culture care and diversity: a worldwide nursing theory. 2a ed. Boston (US): Jones and Bartlett Publishers; 2006. considerou: a) a identificação dos principais descritores (frases ou expressões comuns), quando se buscou indicadores de semelhanças e divergências entre os dados; b) a análise contextual e de padrões recorrentes, considerando-os como unidades mais densas de análise que pudessem contribuir para a elaboração de temas; c) a identificação de temas relevantes e de formulações teóricas.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do hospital escolhido como campo de pesquisa, sob n. 2355.249/2010-10. Foram respeitados os preceitos da Resolução n. 196/96 do Conselho Nacional de Saúde e os sujeitos do estudo assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Na seção Resultados e Discussão se utilizaram nomes fictícios para identificar as gestantes, seguidos pelo número de semanas de gravidez e local da coleta de dados.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

As 22 informantes possuíam entre 20 e 45 anos, com o número de gestações entre uma e seis. A idade gestacional oscilou entre 24 e 38 semanas. A escolaridade média foi ensino médio completo e a renda média familiar foi de três salários mínimos. A maioria possuía emprego fixo. Quanto à religião, sete se diziam evangélicas, e as demais, católicas. Em relação ao estado civil, 14 eram casadas, seis viviam em união estável, uma era divorciada e uma solteira.

O processo analítico resultou em dois temas que se articulam em torno do temor da morte. O primeiro, voltado para as consequências que a hipertensão pode causar na saúde da criança que está sendo gerada, e o segundo, voltado à iminência da própria morte. O conjunto destes temas revela os significados culturais que as gestantes atribuem à vivência da hipertensão arterial no decorrer da gravidez.

"Tenho medo porque pressão alta pode cozinhar o bebê"

A instalação ou o agravamento da hipertensão fazia com que as mulheres convivessem com os mais diversos sentimentos. Dentre eles, o mais frequentemente expressado relacionava-se ao receio de vir a perder o bebê, que foi verbalizado inúmeras vezes e em diferentes momentos do trabalho de campo.

O mais difícil de tudo eu acho que é o medo, controlar o medo, aquele medo de passar pelo quinto mês, pelo sétimo mês, nascer prematuro por causa da pressão alta, de acontecer alguma coisa, porque sempre eu fico: será que tá mexendo? (Priscila, 38 semanas, domicílio).

Para Priscila, o medo expressado estava relacionado com o fato de que uma amiga havia perdido o bebê no quinto mês, e sua cunhada no sétimo mês, ambas por problemas consequentes à hipertensão.

Priscila e outras gestantes se emocionavam e choravam com facilidade quando se referiam à criança que esperavam, revelando emoções negativas e, particularmente, o temor de que o mesmo não sobrevivesse até o término do nono mês. Resultados similares também foram encontrados em estudo1212. Cunha EFC, Carvalho MMSB, Santos CA, Ferreira EL, Barros MMS, Mendonça ACM. Aspectos socioemocionais de mães de bebês prematuros. Psicol Foco. 2009 Jul-Dez; 3(2):35-43. com gestantes portadoras de várias intercorrências gravídicas que caracterizavam risco obstétrico, e não apenas hipertensão, revelando que as mulheres, ao vivenciarem a gestação de risco, experienciavam sensações como receio, desespero, insegurança e culpa, e referiam o medo de a criança não resistir.

Me falaram, minha mãe e a vizinha, já no começo da gravidez. A vizinha também teve [hipertensão na gravidez]. Tinham falado que o nenê podia morrer na minha barriga, que pressão é perigoso; e gestante ainda! Você coloca minhoca na cabeça! Ah, fica pensando: meu Deus, se a pressão sobe, e o nenê!! [em tom de drama]. Imagine você não saber se tá bem ou não tá. Eu sossegava quando fazia ecografia e via que o nenê tava bem. Tem que se preocupar, né? A minha vizinha mesmo me perguntava: 'já fez a eco?' Se eu pudesse fazer uma ecografia todo dia eu fazia pra ver se o nenê tava bem (Maria, 38 semanas, EIC).

Apesar destes sentimentos complexos, quase todas as informantes explicitaram que um momento de alívio era quando se submetiam à ecografia, pois o contato visual com o feto desencadeava, para toda a família, reações bastante positivas, proporcionando sensação de presença concreta do bebê, sendo suficiente para trazer tranquilidade, durante um determinado período.1313. Rodrigues DRS, Franco EL, Kosac KF, Franco LLMM, Silveira MMM, Usevícious PMA. Relatos orais e reflexões sobre a experiência da gestação e construção do bebê imaginário. Indagatio Didactica. 2013; 5(esp):978-88.

O medo da morte do bebê também é influenciado pelas informações que circulam entre as mulheres, sendo que os conhecimentos sobre gestação e parto parecem ser compartilhados entre elas, inicialmente no meio familiar, mas também nos pequenos grupos sociais fora da família. As mulheres, ao ouvirem histórias e relatos de experiências vividas por outras, configuram seus próprios saberes, elaborando assim os significados culturais sobre a gravidez em si, e também sobre os riscos envolvidos na ocorrência de sinais que podem ameaçá-la, como é revelado pelo fato de o bebê poder "cozinhar" em função da hipertensão.

Lá no serviço da [cita o nome da amiga] teve uma que, por causa da pressão, diz que o nenê nasceu cozido, assim, tipo, soltou toda a pele e ele morreu (Sofia, 38 semanas, domicílio). A mãe de Sofia complementa: lá no hospital também falaram isso.

Em outra ocasião, outra gestante, com expressão circunspecta, narrou a história que a vizinha havia contado a ela sobre o bebê "cozinhar": [...] eu ouvi esse comentário. A vizinha que teve. Ela que diz que se a mãe tem muita pressão alta, a criança começa a cozinhar, dá tipo febre [grifo da pesquisadora], sei lá, e a criança começa a cozinhar dentro da mãe. Isso é gravíssimo, né? (Bianca, 27 semanas, domicílio).

Foi possível extrair outras falas sobre este tema, o que demonstra a importância dada ao assunto, havendo uma explicação elaborada por elas, que agrega o sintoma percebido durante a crise hipertensiva aos efeitos causados ao bebê. [...] o coração acelera e dá esse calorão. Talvez dê calorão no bebê também (Sofia, 38 semanas, domicílio); [...] é porque a bolsa, o líquido da bolsa, ele ferve (Priscila, 38 semanas, domicílio); [...] parecia que eu ia explodir (Ju, 35 semanas, domicílio).

Para as gestantes, o calor percebido quando há elevação da pressão arterial aquece o corpo internamente, provocando a elevação da temperatura da água da bolsa, podendo culminar então com a representação de cocção do feto. Em razão deste entendimento, ao invés de desejarem preservar a gravidez, passam a querer que eles nasçam, ainda que prematuros, [...] pois têm mais condição de sobreviver fora do que dentro da barriga (Denise, 28 semanas, EIC). Trata-se, pois, de um significado de risco que é paradoxal à perspectiva profissional, cuja conduta é conservadora, sendo recomendado o prolongamento da gravidez, uma vez que o "risco" neonatal, na situação da hipertensão materna, é a possibilidade de ocorrência de hipóxia, prematuridade e retardo de crescimento intrauterino.1414. Chaim SRP, Oliveira SMJV, Kimura AF. Hipertensão arterial na gestação e condições neonatais ao nascimento. Acta Paul Enferm. 2008 Jan-Mar; 21(1);53-8. - 1515. Vettore MV, Dias M, Domingues RMSM, Vettore MV, Leal MC. Cuidados pré-natais e avaliação do manejo da hipertensão arterial em gestantes no SUS no município do Rio de Janeiro, Brasil. Cad Saúde Pública. 2011 Mai; 27(5);1021-34. Para melhorar as condições perinatais é necessário, invariavelmente, que a gestante permaneça hospitalizada.1616. Neto CN, Souza ASR, Amorim MMR. Tratamento da pré-eclâmpsia baseado em evidências. Rev Bras Ginecol Obstet. 2010 Set; 32(9):459-68. Em face desta percepção, observou-se que todas as gestantes internadas sentiam-se sob tensão, prolongando a expectativa em relação ao nascimento do bebê, demonstrando ansiedade e, muitas vezes, verbalizando que a espera era difícil e que preferiam que a gestação fosse interrompida o mais brevemente possível.

As mulheres elaboram explicações para dar sentido aos acontecimentos que ocorrem no seu corpo (taquicardia, dor de cabeça, tontura, dentre outros), com base em um conjunto de símbolos significativos, criados, compartilhados e transformados por elas, e articulando-os ao saber médico adquirido nas instituições oficiais (como por exemplo, a possibilidade do óbito ou síndromes fetais em decorrência da pressão arterial elevada da gestante), o que reafirma o caráter dinâmico da cultura.44. Menéndez EL. Modelos de atención de los padecimientos: de exclusiones teóricas y articulaciones prácticas.Ciênc Saúde Coletiva. 2003; 8(1):185-206. - 55. Menéndez EL. Estilos de vida, risco e construção social. In: Menéndez EL. Sujeitos, saber e estrutura: uma introdução ao enfoque relacional no estudo da saúde coletiva. São Paulo (SP): Hucitec; 2009. p.71-138. As transformações corporais vividas pelas gestantes podem afetar sua autoestima, a autoimagem e o relacionamento social, uma vez que o corpo é uma construção na qual são inscritas diferentes marcas, em diferentes contextos culturais, e são resultado de práticas interpretativas distintas.1717. Gualda DMR, Praça NS, Merighi MAB, Hoga LAK, Bergamasco RB, Salim NR, et al. O corpo e a saúde da mulher. Rev Esc Enferm USP [online]. 2009 Dez [acesso 2012 Fev 19]; 43(2):1320-5. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v43nspe2/a30v43s2.pdf
http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v43nspe2...

Tais percepções e significados, de certa forma, colocam em xeque a "virtude" da maternidade biológica, através da centralidade concedida à gravidez em seus próprios corpos, e da responsabilidade individual que lhes é imposta em suas missões de gestar e parir, situação que traz consigo a ameaça às que fracassam na função de gerar filhos(as) perfeitos(as) e saudáveis. Ressignificações como estas têm intensas implicações nas concepções e políticas em torno da maternidade, particularmente aquelas que valorizam os aspectos biológicos.1818. Odent M. Cientificação do amor. Florianópolis (SC): Saint Germain; 2002.

Ao perceberem que algo está errado na evolução da gestação, as mulheres sentem-se frustradas com a perda da gravidez idealizada1919. Souza JP, Cecatti JG, Parpinelli MA, Krupa F, Osis MJ. An emerging "maternal near miss syndrome" narratives of women who almost died during pregnancy and childbirth. Birth. 2009 Jun; 36(2):149-57. e sentem-se incapazes de cumprir o seu papel no processo reprodutivo:

[...] eu não queria que fosse assim. Fico triste. Queria ser igual todas as mulheres; [...] acabou que nunca vou ter a experiência de ser mãe igual tem que ser, igual todo mundo diz... (Joana, 31 semanas, EIC).

Assim, o modo como a gestante hipertensa vive a gravidez e a maternidade pode ser analisado sob dois aspectos. Por um lado, aquele pertinente às redes interacionais, que influencia o sentir e o agir da mulher nesse período e, por outro, os componentes intrínsecos da própria mulher, que têm relação com sua subjetividade. Nesse sentido, os profissionais de saúde devem olhar a gestação de risco de forma mais ampla e buscar compreender a grande variabilidade de significados construídos, segundo as experiências de vida de cada gestante e, nesta perspectiva, valorizar cada uma delas no seu contexto específico, dando luz às suas necessidades, valorizando seus saberes sobre o processo saúde-enfermidade-atenção55. Menéndez EL. Estilos de vida, risco e construção social. In: Menéndez EL. Sujeitos, saber e estrutura: uma introdução ao enfoque relacional no estudo da saúde coletiva. São Paulo (SP): Hucitec; 2009. p.71-138. e entendendo que tais saberes podem ser diferentes em contextos culturais distintos.

"Eu sei que é perigoso, tenho medo de morrer"

De forma geral, as gestantes não verbalizavam claramente o medo da morte, mas era perceptível que esse sentimento estava presente durante a gestação e, muitas vezes, só era expresso quando se insistia em direcionar a conversa, buscando explorar os seus receios.

Qualquer um tem medo, né? Porque tá numa situação bem difícil. É medo normal, como qualquer pessoa que tá nessa situação, de acontecer, né, sei lá [...] (Vera, 27 semanas, EIC).

Tô com medo que aconteça alguma coisa comigo (Sofia, 38 semanas, PNAR).

A análise de 14 estudos abordando hipertensão gestacional2020. Martins M, Monticelli M, Brüggemann OM, Costa R.A produção de conhecimento sobre hipertensão gestacional na pós-graduação stricto sensu da enfermagem brasileira. Rev Esc Enferm USP. 2012 Ago; 46(4):802-8. demonstrou que o medo da própria morte foi o sentimento mais comum referido pelas gestantes hipertensas. Este receio emergia relacionado a situações bem diversas, não tendo o mesmo significado para todas elas. Na maioria dos casos, o sentimento tinha origem no desconhecimento sobre a evolução da doença e na possibilidade de deixar outros filhos órfãos, o que corrobora o resultado encontrado no presente estudo, quando o medo de morrer apareceu ligado ao medo de não poder cuidar do filho que iria nascer, ou mesmo cuidar dos outros filhos.

[...] medo de perder ela, medo de acontecer alguma coisa comigo também [...] mais com ela do que comigo, né? Porque quando a gente é mãe, a gente se preocupa muito mais com o filho do que com a gente mesma, né? Sei lá, passa tanta coisa pela cabeça assim (Joaquina, 35 semanas, EIC).

O medo de morrer também tem sido identificado em outras pesquisas, como um sentimento presente na experiência vivida pelas gestantes, possuindo deferentes intensidades, particularmente para as gestantes classificadas como sendo "de risco", na linguagem obstétrica.19 19. Souza JP, Cecatti JG, Parpinelli MA, Krupa F, Osis MJ. An emerging "maternal near miss syndrome" narratives of women who almost died during pregnancy and childbirth. Birth. 2009 Jun; 36(2):149-57.

Ao observar e ouvir estas mulheres percebeu-se que o fato de temerem pela própria vida revela que vivenciam o risco de forma subjetiva, ou, sob uma perspectiva "construcionista fraca",21:45 os riscos são mediações culturais de perigo e ameaças reais, passando a existir a partir do momento que o ator social assim o percebe. Portanto, a enfermidade está necessariamente presa a uma experiência, e a experiência é, com certeza, uma dimensão da hipertensão gestacional. Ela se refere aos meios pelos quais os indivíduos e os grupos sociais respondem a um dado episódio de doença, desvelando aspectos tanto sociais como cognitivos, tanto subjetivos (individuais) como objetivos (coletivos).22 22. Alves PCA. Experiência da enfermidade: considerações teóricas. Cad Saúde Pública. 1993Jul-Set; 9(3):263-71.Sendo, pois, a doença como experiência, um processo subjetivo construído através de contextos socioculturais e vivenciado pelos atores,2323. Langdon EJ. A doença como experiência: a construção da doença e seu desafio para a prática médica. Antropol Prim Mão. 1996:1-23. ela deixa de ser um conjunto de sintomas físicos universais observados numa realidade empírica, para tornar-se um processo subjetivo no qual a experiência corporal é mediada pela cultura.

A hipertensão gestacional, neste caso, constitui-se num processo subjetivo que vai além do mundo sensível, uma interpretação e um julgamento sobre as impressões sensíveis produzidas pelo corpo, às quais se atribui um sentido, passando a ser considerado não um fato, mas uma significação.

Várias informantes detalharam suas experiências anteriores e algumas demonstraram que construíram um saber próprio, capaz de conferir significado às suas ações e pensamentos, e divulgando seus sentimentos de maneira singular:

[...] eu fiquei com medo de voltar, pelo que já tinha acontecido na outra gestação. A gente fica meio tensa por causa do que já aconteceu (Joaquina, 35 semanas, EIC).

[...] ah, tava com a vista embaralhada, dor de cabeça, na nuca. Deu medo mesmo porque eu já sabia que ia acontecer, porque foi igual da menina. Iam colocar sonda e sulfatar. Eu já sabia (Maria, 38 semanas, EIC).

As gestantes davam importância ao conhecimento adquirido por meio de suas vivências durante a gestação atual e procuravam relacioná-lo com o conhecimento obtido na gestação anterior. Isto mostra que interpretam a experiência da enfermidade a partir de diferentes meios, inclusive a partir dos saberes da biomedicina, mas sempre têm uma história particular, pois é constituída de e por experiências diversas.22 22. Alves PCA. Experiência da enfermidade: considerações teóricas. Cad Saúde Pública. 1993Jul-Set; 9(3):263-71.Os significados são construídos por estas gestantes a partir de conhecimento obtido no seu contexto cultural, com base em uma gama de saberes, obtidos na interação com familiares, com outras mulheres e também na relação com os profissionais de saúde.

Outro modo de expressar o perigo sentido em função da hipertensão na gestação foi mencionado por várias mulheres, com base nas informações médicas sobre as complicações que poderiam instalar-se:

[...] ele [o médico] falou da pré-eclampsia, que é muito perigoso, que pode perder ou a mãe ou o filho, ou os dois (Priscila, 38 semanas, domicílio).

[...] eles [os profissionais] dizem que é complicado ficar pondo filho no mundo assim, porque uma criança que a mãe tem pressão alta é problema pra mãe e pra criança (Bianca, 24 semanas, domicílio).

Os dados revelam, portanto, que as explicações dadas com base no modelo biomédico influenciam na construção dos significados, uma vez que as gestantes usaram com frequência adjetivos como grave, perigoso, de risco, comumente utilizados pelos profissionais, o que permite inferir que o risco percebido pelas gestantes hipertensas sofre influência de conceitos utilizados pelo sistema oficial de saúde. Ou seja, a palavra risco se tornou comum na linguagem popular e inúmeras pesquisas têm sido desenvolvidas sobre o termo, envolvendo "riscos" médicos, os quais estão relacionados aos cuidados e tratamentos de saúde.2424. Lupton D. Risk. London (UK): Routlege; 2004.

As gestantes demonstraram interesse pelo saber biomédico durante as visitas feitas pela equipe médica nas enfermarias, quando ficavam atentas, no mais profundo silêncio, prestando atenção a tudo o que era dito.

O médico falou que a pressão alta pode dar problema no rim, mesmo não estando grávida, né, se ela ficar muito alta e não normalizar, você pode ter complicação no rim, pode afetar outros órgãos. Cada informação que eu fico sabendo, é mais pra eu tentar me cuidar mais (Ângela, 24 semanas, EIC).

Os "riscos" são apresentados pelos profissionais utilizando a linguagem técnica da biomedicina, ou do sistema oficial de saúde, o qual também é um sistema cultural, e que fornece a essas gestantes informações que são utilizadas na interpretação de sua doença.25 25. Langdon EJ. Cultura e os processos de saúde e doença. In: Anais do IV Seminário sobre Cultura, Saúde e Doença, 2003, Out 13-16; Londrina, Brasil. Londrina (PR): Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento; 2003. Desta forma, o saber científico ou biomédico no qual predominam as explicações sob o ponto de vista fisiológico, influencia os significados elaborados a partir de experiências culturais vividas pelas gestantes. Contudo, a forma como as gestantes experienciam os riscos depende do seu conhecimento e da maneira como se sentem, o que demonstra, de forma clara, que a bagagem cultural das gestantes pode embasar a compreensão do risco gestacional vivenciado por elas e direcionar os encaminhamentos em cada situação específica. Portanto, a assistência oferecida pelos profissionais deve, necessariamente, contemplar aspectos socioculturais e se desenvolver de forma respeitosa e livre de preconceitos.2626. Siqueira KM, Barbosa MA, Brasil VV, Oliveira LMC, Andraus LMS. Crenças populares referentes à saúde: apropriação de saberes sócio-culturais.Texto Contexto Enferm [online]. 2006 Jan-Mar [acesso 2013 Mar 12]; 15(1):68-73. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/tce/v15n1/a08v15n1.pdf
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Em um contexto de pluralismo de saberes e formas de atenção disponíveis há apropriação e ressignificação de partes de outros modelos de atenção pelos sujeitos ou grupos sociais que articulam, misturam, justapõem, reconstituem e organizam parte dessas formas de atenção.5 5. Menéndez EL. Estilos de vida, risco e construção social. In: Menéndez EL. Sujeitos, saber e estrutura: uma introdução ao enfoque relacional no estudo da saúde coletiva. São Paulo (SP): Hucitec; 2009. p.71-138. Neste sentido, os sujeitos elaboram sua própria noção de risco com base na situação vivida, cujo significado é social e historicamente construído, e está relacionado ao valor social a ele conferido em cada contexto.2727. Douglas M. Risk and blame: essays in cultural theory. Londres (UK): Routledge; 1994. Um exemplo de reorganização e de justaposição entre distintas formas de atenção aparece no depoimento da gestante Júlia:

[...] depois que os médico mandaram, eu tomo dois comprimidos de seis em seis horas todo dia. Tomo com o chá mesmo. É dois comprimidos de 250 cada comprimido, daí fica 500, né; [...] eu fervo nove sementes de laranja quando ela tá muito alta e tomo, e quando não tá, eu largo dentro de um copo e vou tomando. Tomo chá com os comprimidos, principalmente depois que passei mal (Júlia, 38 semanas, EIC).

As informações obtidas junto aos profissionais de saúde configuram uma influência bastante significativa na construção dos significados culturais da hipertensão gestacional, porém as gestantes hipertensas encontram elementos para dar sentido às suas experiências também na internet e na televisão:

[...] fiquei apavorada, porque eu vi na televisão também naquela novela, já fica grávida, já fica com pressão alta e já morre, e pronto, assim. Eu me apavorei (Ju, 35 semanas, PNAR).

[...] e eu li também na internet, eu pesquisei tudo. Tem como ver se vai ter pré-eclâmpsia pelo exame de sangue, e o exame da urina de 24 horas, e pelo inchaço em mãos, rosto e pés. Ele falou [referindo-se ao médico] que se eu tivesse inchando demais era pra ir no médico (Priscila, 35 semanas, domicílio).

Identifica-se a televisão e a internet como sendo meios para divulgação de informações importantes no campo da saúde, sendo que a internet tem o potencial de combinar as várias fontes de informação de saúde existentes, provenientes de experiências pessoais de leigos, e as fornecidas por profissionais.2828. Ybarra M, Suman M. Reasons, assessments and actions taken: sem and age differents in uses of internet health information. Health Educ Research [online]. 2008 [acesso2013 Out 31]; 23(3):512-21. Available from: http://her.oxfordjounarls.org/content/23/3/512.full.pdf+html
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Portanto, exprime os diferentes pontos de vista existentes sobre um determinado tema, oportunizando às gestantes o acesso a informações compatíveis com diferentes modelos culturais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os significados culturais atribuídos à hipertensão, pelas gestantes, são marcados pelo medo da morte do bebê e da própria morte. As mulheres nem sempre se referem ao termo risco, mas observa-se que todas vivenciam essa condição quando revelam os sentimentos vividos, e interpretam o "risco" como a possibilidade de algo trágico acontecer.

O medo da própria morte demonstra que as gestantes têm consciência que correm perigo, mesmo não se referindo a esse sentimento de forma direta, na maior parte das vezes. Sugerem que este sentimento tem como base a construção cultural do papel materno, que está calcado na capacidade de o corpo feminino gerar e parir indivíduos saudáveis, atribuindo às mulheres responsabilidade por suas vidas e as de seus filhos, além de colocar em "risco" o status que a mulher-mãe tem, no nosso meio social.

A probabilidade de a hipertensão poder causar a morte do bebê por "cozimento" e o desejo que o nascimento ocorra o mais brevemente possível indicam que, no contexto cultural das gestantes, existem explicações diferentes daquelas da biomedicina para o problema, as quais devem ser conhecidas pelos profissionais, para que possa haver simetria no diálogo. Além disso, esta percepção precisa ser levada a sério pela equipe de saúde, pois a dificuldade de aguardar o termo ou o amadurecimento do feto pode elevar ainda mais a ansiedade e, por consequência, os níveis pressóricos, além de impossibilitar uma vivência mais plena da maternidade.

De forma geral, este sistema de significados encontra apoio nas noções de gênero, corpo, reprodução e modo de exercer o papel social materno. Tais constatações apontam para a necessidade de que os profissionais criem espaços etnográficos com as gestantes e suas famílias, onde se possam discutir suas experiências, tendo o diálogo como estratégia de cuidado, e também, de aproximação entre o sistema cultural das gestantes e o da biomedicina.

No modelo instituído em nossa sociedade, o profissional é quem sabe, enquanto ao paciente é atribuída profunda falta de conhecimento. Alguns profissionais não têm conhecimento (ou desvalorizam) sobre as concepções e as práticas dos doentes e familiares, realçando a falta de diálogo e a desconsideração do conhecimento e da experiência dos sujeitos.

A subjetividade contribui para a diversidade de percepções e significados manifestados, tendo em vista que os aspectos individuais dessas mulheres são diferentes das percepções da obstetrícia. Assim, a experiência é uma das dimensões da doença que deve ser considerada, pois é nela que está contida a singularidade e o significado que vai servir de base para o início de uma relação frutífera, tanto para o profissional de saúde, quanto para o usuário do sistema. Desvelar estes significados pode fornecer subsídios aos serviços de saúde, de modo que os profissionais possam ir além do cuidado técnico, incluindo as referências socioculturais do contexto das gestantes hipertensas na assistência prestada. Assim, pode-se favorecer uma experiência mais saudável a elas, e contribuindo para uma mudança na realidade da MM.

Os resultados apresentados trazem à tona indicadores da importância de se realizar estudos que explorem tal fenômeno, considerando os contextos culturais das gestantes que vivenciam os transtornos hipertensivos. Contudo, algumas limitações devem ser mencionadas. Dentre elas, a escassa publicação sobre o tema, no Brasil e no exterior, o que de certo modo limitou a discussão dos dados etnográficos com a literatura, assim como a interpretação dos significados culturais.

Esse artigo colabora para destacar a lacuna de conhecimento existente sobre os significados culturais atribuídos por essas mulheres ao processo saúde-doença. Além disso, a compreensão dos significados culturais da hipertensão gestacional tem potencial para contribuir para uma maior aproximação entre profissionais e gestantes, e para permitir aos serviços o atendimento de expectativas e projetos dessas mulheres, considerando a complexidade da experiência e os inúmeros sentimentos que afloram ao viver a gravidez com hipertensão. Esta compreensão permitirá aos profissionais prestarem assistência mais específica a essas mulheres, e também mais humanizada, indo ao encontro das atuais políticas de saúde, além de propiciar a ampliação do conceito de "risco".

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2014

Histórico

  • Recebido
    04 Jun 2013
  • Aceito
    26 Set 2013
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