A DANÇA CIRCULAR NO QUOTIDIANO DA PESSOA IDOSA

RESUMO

Objetivo:

compreender o quotidiano da pessoa idosa que vivencia a Dança Circular.

Método:

pesquisa qualitativa, do tipo interpretativo, fundamentada na Sociologia Compreensiva e do Quotidiano. A coleta de dados ocorreu entre setembro de 2016 e março de 2017 por meio de entrevistas em profundidade e observação participante. Os participantes da pesquisa totalizaram 20 pessoas, sendo 17 idosas praticantes e três focalizadoras de Dança Circular nas rodas das Unidades Básicas de Saúde de um município do sul do Brasil. A análise dos dados contemplou momentos de análise preliminar, ordenação, ligações-chave, codificação e categorização.

Resultados:

foram evidenciadas duas categorias temáticas: O quotidiano da pessoa idosa; Vivenciando a Dança Circular no quotidiano. O quotidiano das pessoas idosas é envolvido por atividades domésticas, cuidados à família, trabalho voluntário, grupos de convivência e atividades físicas. Vivenciando a Dança Circular, os idosos expressaram que esta trouxe mudanças, tornando-os mais equilibrados, tranquilos, alegres, atentos, interativos, com alívio das dores e melhora das suas relações familiares e sociais.

Conclusão:

a Dança Circular no quotidiano da pessoa idosa traz modificações emocionais, físicas, sociais e, principalmente, familiares na sua maneira de viver o dia a dia, tornando-o mais positivo, amoroso e sensível, mais saudável, contribuindo para a promoção da saúde e uma vida com melhor qualidade.

DESCRITORES:
Saúde do idoso; Atenção primária à saúde; Dança; Atividades cotidianas; Promoção da saúde

ABSTRACT

Objective:

to understand the everyday life of the elderly person who practices circle dancing.

Method:

a interpretative qualitative research based on Comprehensive sociology and the daily life. Data collection occurred between September 2016 and March 2017 through in-depth interviews and participant observation. There was a total of 20 participants, with 17 of them practicing the dancing and three circle dance leaders in the Basic Health Units of a municipality in southern Brazil. Data analysis included preliminary analysis, ordering, key links, coding and categorization.

Results:

two thematic categories emerged: The daily life of the elderly person; Experiencing circle dancing in everyday life. The daily lives of the elderly are involved in domestic activities, family care, volunteer work, community groups and physical activities. The elderly expressed that circle dancing brought changes, made them more balanced, calm, cheerful, attentive, interactive, with pain relief and improved family and social relationships.

Conclusion:

circle dancing in the daily life of the elderly person causes emotional, physical, social and, mainly, family changes in their everyday way of living, making them more positive, loving and sensitive, healthier, it also contributes to health promotion and a better quality life.

DESCRIPTORS:
Elderly health; Primary health care; dance; Daily activities; Health promotion

RESUMÉN

Objetivo:

comprender la vida cotidiana del anciano que experimenta la Danza Circular.

Método:

investigación cualitativa, de tipo interpretativo, basada en la Sociología Integral y Cotidiana. La recolección de datos se llevó a cabo entre septiembre de 2016 y marzo de 2017 a través de entrevistas en profundidad y observación participante. Los participantes de la investigación totalizaron 20 personas, 17 de las cuales eran practicantes de edad avanzada y tres enfocadas en Danza Circular sobre ruedas de Unidades Básicas de Salud en un municipio del sur de Brasil. El análisis de datos incluyó momentos de análisis preliminar, ordenamiento, enlaces clave, codificación y categorización.

Resultados:

se destacaron dos categorías temáticas: la vida cotidiana del anciano; Experimentar la Danza Circular en la vida cotidiana. La vida cotidiana de las personas mayores está involucrada en las actividades domésticas, el cuidado familiar, el voluntariado, los grupos sociales y las actividades físicas. Experimentando la Danza Circular, los ancianos expresaron que les trajo cambios, haciéndolos más equilibrados, tranquilos, alegres, atentos, interactivos, con alivio del dolor y mejora de sus relaciones familiares y sociales.

Conclusión:

la Danza Circular en la vida diaria de las personas mayores trae cambios emocionales, físicos, sociales y, principalmente, familiares en la forma en que viven su vida diaria, haciéndolos más positivos, cariñosos y sensibles, más saludables, contribuyendo a la promoción de la salud y una mejor calidad de vida.

DESCRIPTORES:
Salud de los ancianos; Primeros auxilios; Baile; Actividades diarias; Promoción de la salud

INTRODUÇÃO

A população brasileira vem vivenciando um envelhecer mais expressivo, mudando a imagem predominante de ser um país jovem. O contingente de idosos tem aumentado significativamente se comparado com outros grupos etários no total da população. De acordo com projeções do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2043, um quarto da população brasileira deverá ter mais de 60 anos dados, enquanto a proporção de pessoas até 14 anos será de apenas 16,3%1.

Deste modo, na prática cotidiana em saúde, torna-se primordial contemplar essas alterações significativas nos padrões demográficos e epidemiológicos que a população brasileira vem apresentando com a presença crescente de idosos em nossos serviços de saúde, considerando que essas mudanças influenciam e são influenciadas pelo modo de viver das pessoas, bem como pela maneira como as políticas públicas são organizadas.

Neste sentido, a Atenção Primária à Saúde (APS) precisa ser destacada enquanto porta de entrada preferencial dos usuários no Sistema Único de Saúde (SUS), pois aponta a necessidade de oferecer uma atenção que envolva as demandas de cuidado da população idosa, implicando capacitações específicas, bem como a integração de outras práticas que contemplem a integralidade do ser idoso no seu quotidiano2.

Estudo realizado no período de 2003 a 2012, envolvendo diferentes regiões do Brasil, teve como objetivo analisar o número, proporção e porcentagem da redução de internações por condições sensíveis à atenção primária de idosos. As conclusões evidenciaram que os avanços na APS influenciaram a redução de internações de pessoa idosas3.

Deste modo, a importância de investimentos na APS é ressaltada, destacando-se, especialmente, as estratégias de promoção da saúde que possam colaborar para a melhoria da qualidade dos anos vivenciados, possibilitando benefícios diretos às pessoas idosas, suas famílias e a sociedade, podendo ainda contribuir para reduzir os gastos públicos. Assim, torna-se essencial conhecer e reconhecer como os idosos vivenciam o seu quotidiano, como significam e ressignificam seu viver e conviver, considerando subjetividades individuais e coletivas que podem balizar um cuidado contemplando a promoção da saúde e uma vida digna.

A Política Nacional de Promoção da Saúde (PNaPS) orienta, entre os valores e princípios essenciais para sua concretização, o reconhecimento da subjetividade das pessoas e dos coletivos no processo de atenção e cuidado da saúde e da vida, além da solidariedade, felicidade, ética, respeito às diversidades, humanização, corresponsabilidade, justiça e inclusão social4, que reiteram e possibilitam a construção de um novo paradigma no contexto da saúde pública do país.

Neste cenário e perspectiva, situam-se as Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS), que vêm sendo inseridas gradativamente no nosso Sistema Único de Saúde (SUS), consolidando-se, principalmente, a partir da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPICs), instituída em 2006, por meio da Portaria nº 971/2006. Em caráter complementar a essa portaria, no ano de 2017, o Ministério da Saúde incluiu outras práticas à PNPICs no SUS por meio da Portaria nº 849/20175, estando dentre elas a Dança Circular.

A Dança Circular foi criada na Europa e tem sua origem na tradição da dança folclórica, carregando, em suas raízes, a ancestralidade da dança dos povos, em uma dimensão comunitária e gregária. Tendo como finalidade o dançar junto, a Dança Circular é realizada em círculo, trazendo um repertório de danças tradicionais de diversos países e culturas, incluindo coreografias contemporâneas.

Na Dança Circular, ao se dançar junto e em círculo, na maioria das vezes de mãos dadas, há a intenção de que todos façam o mesmo passo. A coreografia de cada dança é repassada ao grupo por um focalizador, pessoa com experiência em Danças Circulares que tem função de apoiar e orientar os participantes na vivência. Todavia, a coreografia experienciada não tem o objetivo de ser apresentada a uma plateia.

A Dança Circular não se ancora na técnica, mas na premissa de que, na roda, dançando é que se aprende a dançar. Isso possibilita um aprendizado e uma interconexão harmoniosa entre os integrantes que, ao iniciarem a internalização de seus movimentos, podem sentir uma liberação tanto do corpo quanto da mente, como também do coração e do espírito. Desta maneira, por meio da melodia, do ritmo, de movimentos delicados e profundos, os participantes da roda são incentivados a respeitar, aceitar e honrar as diversidades6. Assim, ao dançar em roda, compartilham-se não somente gestos e músicas, mas, especialmente, significados de diferentes culturas, com seus ritos, símbolos e imaginário.

A Sociologia Compreensiva e do Quotidiano sustenta a importância de compreender os fenômenos sociais considerando o imaginário e o quotidiano na pós-modernidade. Desfocando de aspectos tecnicistas e racionais da ciência moderna, esta corrente de pensamento sublinha o aqui e o agora, enfatizando o emocional, o afeto, a ordem da paixão, ou seja, aspectos que não podem ser mensurados e contemplados pela racionalidade tradicional. Deste modo, considerando a vida em sua inteireza, esta perspectiva teórica parte do vivido, com suas interações, crenças, imagens e imaginário, para sustentar que é preciso um procedimento intelectual em correspondência epistemológica com o conhecimento do quotidiano7.

O quotidiano, no seu entrelaçamento com a saúde, pode ser compreendido como a maneira de viver dos seres humanos no presente, expresso no dia a dia por meio de interações, valores, crenças, símbolos e imagens, que vão delineando seu processo de viver em um movimento de ser saudável e adoecer, pontuando seu ciclo vital. Esse percurso pelo ciclo vital tem um determinado compasso que define nossa maneira de viver, influenciada tanto pelo dever ser quanto pelas necessidades e anseios do dia a dia, que se designa como ritmo de vida e do viver. O quotidiano não se mostra apenas como cenário, mas, sobretudo, revela tanto as cenas do viver como do conviver8.

Dessa maneira, objetiva-se compreender o quotidiano da pessoa idosa que vivencia a Dança Circular. Entende-se que a Dança Circular traz possibilidades de construção de um cuidado efetivo, pois transita pelo afetivo de acordo com a realidade vivida, contribuindo para a promoção da saúde e o viver saudável das pessoas idosas.

MÉTODO

Trata-se de um estudo interpretativo, com abordagem qualitativa. A escolha pela pesquisa qualitativa se deu pelo fato de que essa modalidade incorpora a questão do significado e da intencionalidade como inerentes aos atos, às relações e às estruturas sociais, ao mesmo tempo em que se preocupa com a realidade que não pode ser quantificada, tendo a intenção de revelar as estruturas de significados, bem como as representações dos sujeitos acerca do objeto em estudo9.

Nesta pesquisa, adotou-se como referencial teórico-metodológico a Sociologia Compreensiva e do Quotidiano, trazendo algumas noções e os Pressupostos Teóricos da Sensibilidade (a crítica ao dualismo esquemático, a forma, a sensibilidade relativista, a pesquisa estilística, o pensamento libertário), haja vista a possibilidade que esse referencial proporciona para a compreensão da experiência humana, envolvendo significados, símbolos, imagens e imaginário, bem como a razão sensível.

O cenário da pesquisa integrou o espaço das rodas de Dança Circular que ocorrem em três Unidades Básicas de Saúde de um município no sul do Brasil. Participaram deste estudo 20 pessoas, sendo 17 pessoas idosas que praticavam Dança Circular regularmente, no mínimo uma vez na semana, há, pelo menos, três meses e três focalizadoras de Dança Circular, durante o período de coleta de dados entre os meses de setembro de 2016 e março de 2017. A inclusão das focalizadoras como participantes do estudo se deu ao longo do processo de coleta e análise de dados devido à percepção das pesquisadoras quanto às características pessoais de cada uma que poderiam influenciar tanto a condução quanto a própria característica da roda de dança. Assim, uma focalizadora de cada roda de dança, desenvolvida nas respectivas Unidades Básicas de Saúde, foi, intencionalmente, convidada a participar da pesquisa. Todos os idosos praticantes de Dança Circular, no cenário estudado, foram convidados e aceitaram fazer parte da pesquisa.

Para obtenção dos dados, utilizaram-se as técnicas de entrevista em profundidade e observação participante. As entrevistas foram guiadas por perguntas norteadoras, utilizando-se roteiros semiestruturados. O instrumento que guiou as entrevistas dos idosos abordou questões acerca do quotidiano dos participantes, o significado da Dança Circular e os aspectos relacionados à saúde dos mesmos. O roteiro que norteou as entrevistas com as focalizadoras contemplou perguntas relacionadas ao planejamento e desenvolvimento das RODAS DE DANÇAS, bem como o tempo e formação específica das focalizadoras para desenvolver a atividade. As entrevistas tiveram duração, em média, de 50 minutos cada. Foram realizadas em horário e local agendados de acordo com a preferência de cada participante. Assim, dez entrevistas ocorreram no espaço de realização da roda e dez entrevistas foram feitas no domicílio das pessoas. As entrevistas foram gravadas digitalmente e, posteriormente, transcritas.

A observação participante foi utilizada com caráter complementar às entrevistas, seguindo também um roteiro que contemplava elementos a serem observados, como o número de participantes, a interação entre eles e as reações verbais e não verbais após cada dança. Essas informações foram registradas, de modo detalhado, por meio de um diário de campo, envolvendo notas de interação, notas metodológicas, notas teóricas e notas reflexivas. Ao total, foram realizadas 10 sessões de observações, em dias alternados, nas três rodas, com duração média de 1 hora e 40 minutos cada.

O método de análise de dados envolveu os processos de análise preliminar, ordenação, ligações-chave, codificação e categorização, guiado pelo olhar da Sociologia Compreensiva e do Quotidiano.

Esta pesquisa se ancorou na Resolução n^o 466/12 do Conselho Nacional de Saúde, que dispõe sobre as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas que envolvem seres humanos, respeitando os referenciais da bioética, tais como autonomia, não maleficência, beneficência, justiça e equidade. Foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). A anuência dos participantes foi obtida por meio de assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, após leitura e explicação. Para garantir o anonimato dos sujeitos, seus nomes foram substituídos por palavras de inspiração das Cartas dos Anjos.

RESULTADOS

Conhecendo o perfil dos participantes

De um total de 20 participantes do estudo, 17 pessoas idosas e três focalizadoras de Dança Circular integraram a pesquisa.

Quanto às características das pessoas idosas, 16 participantes eram do sexo feminino, e apenas um participante era do sexo masculino. Estavam na faixa etária compreendida entre 64 e 82 anos, e a média de idade era de 70 anos. Quanto ao grau de escolaridade, nove pessoas idosas possuíam ensino fundamental incompleto; três, ensino fundamental completo; três, ensino médio completo; duas, ensino superior completo. Com relação ao estado civil, 13 participantes eram casadas e quatro, viúvas. Todos tinham filhos. O número de filhos variou entre dois e 14, sendo 4,6 a média de filhos. Considerando a ocupação, oito referiram que sempre foram donas de casa, oito estavam aposentadas e uma era artesã.

Ao que se refere às focalizadoras, três participantes integraram o estudo, uma de cada roda de dança. Todas eram do sexo feminino e tinham idades de 71, 57 e 29 anos. Quanto ao grau de escolaridade, duas possuíam ensino superior completo, e uma, ensino superior incompleto. Com relação à ocupação, uma referiu ser enfermeira e estar aposentada, outra exercia atividades como autônoma e a última era educadora física. Considerando o vínculo com a instituição em que as rodas de dança eram desenvolvidas, uma focalizadora era servidora pública, enquanto as outras duas eram voluntárias.

A Dança Circular no quotidiano da pessoa idosa

Após análise dos dados que emergiram dos questionamentos “Como é o seu dia a dia? E “Como está seu dia a dia após começar a dançar?”, surgiu o eixo temático “A Dança Circular no quotidiano da pessoa idosa”, derivando-se as seguintes categorias: O quotidiano da pessoa idosa; Vivenciando a dança circular no quotidiano.

O quotidiano da pessoa idosa

Essa categoria retrata o dia a dia das pessoas idosas que participaram do estudo, envolvendo o entendimento do quotidiano atual permeado por diferentes atividades. Os idosos não estavam ociosos, distribuíam seu tempo entre atividades domésticas, cuidados à família, trabalho voluntário, grupos de convivência e atividades físicas.

A realização das tarefas domésticas apareceu como uma atividade cotidiana para a qual a maioria das pessoas entrevistadas dedicava grande parte de seu tempo, conforme se depreende das falas.

Eu faço a lida da casa, faço tudo (Força).

Tenho muita atividade, todo o serviço da casa (Transformação).

Eu faço o que qualquer dona de casa faz, lavo a louça, faço comida, lavo roupa (Celebração).

Eu faço tudo em casa, minha casa é grande, faço a limpeza, tudo eu (Bondade).

Tenho um dia a dia ativo de dona de casa (Contentamento).

O auxílio aos filhos e netos também se fazia presente na vida das pessoas idosas. O idoso descreveu esse auxílio em atividades, como levar e buscar os netos na escola. As idosas, por sua vez, desempenhavam os cuidados diretos às crianças e as funções domésticas, conforme referido pelas participantes.

Estou fazendo pelos netos o que não fiz pelos filhos, levo e busco na escola, fico na função da família, me sinto muito bem em fazer isso pelos netos (Fé).

Não estou indo no grupo de idosos porque minha filha ganhou bebê e eu vou para casa dela cedo lavar roupa e ajudar na casa, só volto à noite (Simplicidade).

Meu dia a dia é em casa cuidando dos netos. Fico com duas netas todos os dias pela manhã. Ano passado, eu cuidava de outro netinho também, mas falei para minha filha que não dava mais, pois ele era ainda bebê e só queria colo. Fique com ele um ano e quatro meses, um período bem difícil. Mas parecia que eu queria cuidar de todos os netos, mas sabe, tu querer e o corpo não ajudar. Como ajudei um filho, eu queria ajudar os outros, mas não dava (Entrega).

Apesar de demonstrarem satisfação em desenvolver essas atividades, as sobrecargas vivenciadas também se tornavam evidentes, correndo o risco de as pessoas idosas descuidarem de sua saúde devido à prioridade de atender às demandas familiares.

Nos cuidados com a saúde, algumas pessoas idosas relataram conseguir manter, de forma regular, práticas de atividades físicas em seu quotidiano. Além da Dança Circular, praticavam ginástica, caminhadas, hidroginástica, entre outras, como se apreende nas falas que se seguem:

Meu dia a dia é bem agitado, porque eu faço exercício físico todos os dias (Inspiração).

Eu vou na ginástica, venho dançar (Diversão).

Eu também vou na academia para fazer alongamento e esteira (Transformação).

Primeiro, eu comecei a ir na hidro, depois, comecei a dança, na metade do ano, comecei na ginástica (Entrega).

A oferta de atividades físicas gratuitamente era imprescindível para a realização destas práticas no quotidiano. Apontaram a impossibilidade de custear aulas em academia, demonstrando sentimento de gratidão pela oportunidade de realizar a Dança Circular no SUS.

A gente vem aqui na dança e, queira ou não queira, tu estás fazendo algum exercício. Hoje, eu não tenho condições de manter uma academia (Fé).

Quando eu comecei a descobrir que tem tanta coisa que não precisa pagar, para mim, foi bom, né, pois tudo é caro (Inspiração).

Eu só agradeço muito de morar aqui e estar pertinho e poder usufruir desse espaço, que isso aí não é de graça, foi alguém que lutou para isso (Confiança).

As pessoas idosas se mostraram inseridas na comunidade, participando de grupos de convivência, realizando trabalhos voluntários e atividades relacionadas às práticas religiosas, mantendo o engajamento social. Demonstraram contentamento em realizar essas atividades e destacaram a importância da troca entre as pessoas e do estar junto, como pode ser observado nas expressões a seguir:

Sou coordenadora de um grupo de artesanato. A gente faz de tudo, é uma troca. Quem sabe alguma coisa ensina as outras. Quem quiser ir para conversar, se não quiser fazer nada, também pode ficar só conversando (Diversão).

Na terça-feira, eu trabalho na parte de fazer remédio na Pastoral da Saúde, quarta-feira, eu trabalho na ação social, quinta-feira, vou no grupo da terceira idade, na segunda-feira, eu danço lá com vocês (Beleza).

Eu participo de dois grupos de idosos. Também visito os doentes, gosto muito (Apoio).

Eu dou aula de crochê e tricô para o pessoal carente da comunidade. Não cobro nada, quem quiser ir, a aula está lá aberta para todo mundo (Perdão).

Vivenciando a Dança Circular no Quotidiano

A Dança Circular traz modificações no quotidiano da pessoa idosa de acordo com seus relatos. Expressaram mudanças em aspectos emocionais, físicos e sociais, incluindo melhora das relações familiares.

Ao abordar a prática da Dança Circular no quotidiano das pessoas idosas, surgiram aspectos relacionados à percepção sobre si mesmas e como se relacionavam com outras pessoas. As participantes se descreveram mais tranquilas, alegres, otimistas, atentas e com mais facilidade para conversar, conforme se lê nas falas.

Eu fiquei mais tranquila, estou mais calma, principalmente para conversar. Não sou mais aquela explosiva (Força).

Eu passei a interagir melhor com as outras pessoas (Contentamento).

Presto mais atenção, porque, às vezes, eu costumava esquecer as coisas (Simplicidade).

Eu mudei no otimismo, na alegria (Transformação).

As relações familiares se tornaram mais positivas ao participar de atividades de Dança Circular na comunidade. Referiram conseguir lidar melhor com as situações, tendo mais tranquilidade, paciência, alegria e posicionamento no dia a dia, envolvendo as interações com os filhos e companheiro, conforme as seguintes falas:

Melhorou a relação familiar, pois me sinto mais tranquila, principalmente com os filhos. Eu sei lidar mais com as situações, tenho mais paciência (Confiança).

O meu marido veio dançar, isso é uma grande alegria, como ajudou em outros aspectos da nossa relação (Diversão).

Eu acho que eu fiquei mais solta, falante. Eu sempre levava as coisas mais para o lado de educada e não respondia os questionamentos dos filhos (Equilíbrio).

Meus filhos notaram a diferença em mim desde que entrei nessa dança. Não sou mais aquela mulher triste, chorona (Transformação).

As pessoas idosas nos trouxeram que a Dança Circular faz bem às emoções, à mente, ao espírito e ao corpo. Referiram que os benefícios físicos envolvem alívio de dores, a melhora do equilíbrio e a coordenação motora.

Eu percebo que, quando eu faço a dança, eu fico bem cansada, mas, no outro dia, estou bem mais aliviada das dores (Propósito).

Eu tinha muita dor nas juntas, depois que eu comecei a dança, eu melhorei (Bondade).

Eu acho que ajudou um pouco a coordenação motora, que não tinha muito, e equilíbrio. Eu era muito parado, fazendo sempre as mesmas coisas (Fé).

Durante a prática da Dança Circular, algumas sensações vividas no passado podem vir à tona, trazendo à memória lembranças do tempo da juventude, de experiências positivas experimentadas anteriormente que ressignificam o viver no presente.

Essa dança tem músicas que mexem com coisas do passado. Tem as músicas mais antigas. Eu acho que essas lembranças fazem bem; coisas que estão esquecidas. Têm músicas que lembram quando eu era mais jovem, um resgate positivo; me acrescentou neste sentido (Diversão).

O pouco contato com a dança que algumas pessoas idosas tiveram durante sua experiência de vida devido à falta de apoio e estímulo da família também se evidenciou nas seguintes expressões:

Eu percebo que eu tenho bastante problema de ritmo, não tenho ritmo. Mas também, quando eu era moça, os meus pais colocaram todos os filhos em colégio de freiras. A gente não desenvolveu essa parte de dança (Equilíbrio).

Eu nunca dancei na minha vida, porque o pai não deixava. Antigamente, não deixavam a gente dançar. Então, eu não sabia nada, nem aquele passo de lá para cá, nem valsa, nada. E, aqui, pelo menos a gente tenta, ou errando ou acertando. Eu achei que eu melhorei bastante (Espontaneidade).

Eu adoro dançar, mas casei com um homem que não gosta. Estou me realizando agora. Eu comecei a fazer a dança de salão, mas não pude, pois tinha que ter par. Então, com a Dança Circular, eu estou me realizando, estou me encontrando (Diversão).

Assim, a Dança Circular se torna uma oportunidade para realizar desejos adiados e estimular habilidades que não foram desenvolvidas na juventude.

DISCUSSÃO

O quotidiano do processo de envelhecimento é permeado por alterações no nível biológico, psicológico e social. A forma como cada pessoa se adapta a essas mudanças são fundamentais para uma melhor satisfação e um maior interesse pela continuação e sentido da vida10.

O estar saudável passa a ser entendido como a capacidade de o indivíduo responder às necessidades da vida cotidiana, a possibilidade física e psicológica para prosseguir na busca de novos objetivos e conquistas pessoais e familiares11.

O quotidiano contemporâneo é permeado por diversos fatores que refletem a maneira como a sociedade tem se organizado. Vive-se a sociedade da pressa, da rapidez, do imediatismo e da falta de tempo12.

Atualmente, pensar o processo saúde-doença-cuidado remete a diversas possibilidades, desde a corrente hegemônica, que o vê com o olhar principalmente biológico, até outras formas que buscam ampliar essa interpretação. Dentre esses avanços, a PNPIC resgata práticas de cuidado e promoção da saúde que legitimam e dão visibilidade às Danças Circulares no Brasil, seguindo um movimento presente em diversos países do mundo na contemporaneidade.

Neste pensar, a Dança Circular no contexto da saúde se alinha à sensibilidade relativista, mostrando que a forma traz consigo as comparações e é possível pela existência de um relativismo metodológico. A história se faz em ciclos. Há um retorno que, no entanto, integra a mudança, as novidades, os desenvolvimentos, que preferimos denominar de envolvimentos, na contramão da modernidade, com sua fragmentação. Ou seja, há um retorno com “algo mais”. A clássica instrumentalização já não basta. A sensibilidade relativista13 nada exclui do todo social, procede por vias de aproximação concêntricas, por sedimentações sucessivas, integrando maneiras que manifestam uma atitude de respeito ante às imperfeições e lacunas que, por um lado, são empiricamente observáveis, mas, por outro, são estruturalmente necessárias à existência como a vivenciamos.

Conforme os dados da pesquisa, tanto na realização das tarefas domésticas quanto no cuidado aos netos, percebe-se a influência de questões de gênero, demonstrando que a carga maior de trabalho com a casa e a família recai sobre a mulher. A relação com os netos pode ser uma fonte de motivação para as pessoas idosas, mas também pode gerar cansaço e sobrecarga caso o idoso tenha que assumir o papel de cuidador do neto. Estudo que investigou se a existência de netos tem implicações na qualidade de vida dos idosos conclui que as relações sociais são importantes para o idoso usufruir de qualidade de vida. Assim, a presença de netos só fará diferença se eles forem o elo de ligação entre os avós, a família e a sociedade10.

No quotidiano da pessoa idosa, a solidariedade mecânica se reveza com a solidariedade orgânica. A solidariedade mecânica, aquela da ordem do dever ser, do instituído, mostra-se na realização das tarefas domésticas e no cuidado compulsório dos netos. Já a solidariedade orgânica, aquela da ordem do querer e ter prazer em estar junto, apresenta-se quando o cuidado com os netos remete aos momentos de lazer, quando participam de grupos de convivência, realizando trabalhos voluntários e atividades relacionadas às práticas religiosas, mantendo o engajamento social13.

Quanto à participação dos idosos em atividades físicas regulares, sabe-se que isto proporciona muitos benefícios a nível antropométrico, neuromuscular, metabólico, psicológico e social, contribuindo com o retardo de declínios funcionais, além de diminuir o aparecimento de doenças crônicas14.

Destarte, a Dança Circular é uma potência no quotidiano da pessoa idosa. A potência, enquanto força do querer viver, germina outra forma de pensar, de transfigurar o ritmo da vida, vivendo o presente, com suas limitações, mas se empenhando em buscar uma melhor qualidade no viver e no conviver15.

Apesar de todos esses benefícios, uma grande proporção de idosos leva uma vida sedentária. Os aspectos motivacionais da manutenção de idosos em programas de atividade física estão bastante relacionados ao processo de socialização entre as pessoas. Este processo, por sua vez, pode ser gerado e mantido por meio de práticas coletivas que envolvam a dança, a música, rituais religiosos, atividades lúdicas, esportivas, entre outras16.

As pessoas idosas que participaram do estudo se encontravam ativas e independentes, com capacidade para desempenhar as atividades cotidianas, incluindo atividades de engajamento social. A vida cotidiana é permeada por sucessivos instantes eternos, em que predomina o momento que se vive com o outro, o chamado presenteísmo, ou seja, viver aqui e agora da melhor maneira possível17.

Estudo que investigou a práxis do enfermeiro da Estratégia Saúde da Família e o cuidado do idoso identificou que, apesar da percepção das enfermeiras de que a maioria dos idosos para qual prestavam atendimento era saudável e independente, o cuidado de enfermagem era focado em doenças como hipertensão e diabetes. As autoras consideram a necessidade de a enfermagem se aproximar de práticas de promoção da saúde do idoso18.

Em outro estudo, as enfermeiras da Estratégia de Saúde da Família reconheceram que o cuidado ao idoso é focado nas condições crônicas, mas destacaram a vontade e a importância de incluir no atendimento aos idosos, ações de prevenção e promoção da saúde para aqueles que ainda mantenham a capacidade funcional preservada, visto que os idosos se apresentam, em sua maioria, em boas condições físicas de saúde. Porém, ressalta-se que, à medida que envelhecem, tornam-se mais propensos a se debilitarem e a necessitarem de ajuda para autocuidado, o que não exclui a possibilidade e importância da promoção da saúde19.

Diante disso, a Dança Circular pode ser vista como uma atividade de promoção da saúde da pessoa idosa, uma vez que produz muitos benefícios em seu quotidiano, sendo importante ser integrada no dia a dia de cuidado, especialmente nas práticas promotoras do ser saudável realizadas pela enfermagem. Conforme os relatos dos participantes, o quotidiano se tornou mais positivo, amoroso e sensível, remetendo à noção de aceitação da vida, que possibilita o reconhecimento de si mesmo, mais maleável, declarado, forçosamente contraditório, mas que encontra formas mais astuciosas de olhar a vida. Assim, a experiência de dançar em círculo pode provocar impactos de sentido, identificados na forma em que se dão o acolhimento, a tolerância ao erro, a compreensão solidária e o fluir da dança20.

A vivência da Dança Circular pode ser entendida como uma experiência que enfatiza o aqui e agora, a valorização do momento presente, do estar junto ancorado na razão sensível e na ética da estética, ou seja, na ênfase do sentir junto, em comunhão. Assim, mostra-se como uma religação a partir das emoções, do prazer compartilhado onde os afetos são causa e efeito da reunião, configurando uma ética do emocional7.

A Dança Circular, desta maneira, possibilita uma forma de agir que vai ao encontro das tribos urbanas, as quais salientam a necessidade de uma socialidade empática em que haja partilha de afetos e emoções. Assim, do mesmo modo que o tribalismo, a Dança Circular retoma, empiricamente, a importância da sensação de pertencimento a um lugar, a um grupo, como base fundamental de toda vida social21.

Neste sentido, a Dança Circular sublinha a potência societal que se torna vontade comum, em que as diferentes capacidades humanas são mobilizadas para garantia da manutenção do viver junto7.

A compreensão do quotidiano da pessoa idosa que vivencia a Dança Circular valida que é na experiência da vida quotidiana que há um saber fazer, saber viver e saber dizer dentro da coletividade. Deste modo, tudo que diz respeito ao quotidiano das pessoas idosas, suas experiências vividas, suas crenças, suas interações com outras pessoas e com o ambiente precisa ser levado em conta para a compreensão do ser idoso em sua totalidade8.

Vale ressaltar a relevância do uso da Sociologia Compreensiva na pesquisa em saúde e enfermagem, uma vez que este referencial teórico possibilitou uma visão mais abrangente acerca das relações e modo de viver das pessoas idosas, enfocando a razão sensível. O estudo do quotidiano e do imaginário perpassa o que pode ser mensurado, atribuindo importância e significado a aspectos impalpáveis e às intersubjetividades, enfatizando os sentimentos e o vivido.

Finalmente, considerando como limitação deste estudo o seu caráter local, recomenda-se que se ampliem as pesquisas sobre a Dança Circular, envolvendo o quotidiano, o imaginário e a sua integração a outras PICs como promotoras da saúde em outros cenários do SUS.

CONCLUSÃO

Os resultados deste estudo apontam a importância de se levar em conta a vida cotidiana das pessoas idosas para avançar nas práticas de cuidado à saúde que visem à promoção da saúde em seu quotidiano.

O quotidiano da pessoa idosa que vivencia a Dança Circular é permeado por um conjunto de atividades e relações que foram ressignificadas positivamente. A Dança Circular possibilita resgatar um ser mais saudável, ou seja, um ser que sente menos dores, se relaciona melhor com as outras pessoas, se sente mais tranquilo, paciente, solto, falante, participativo e otimista, sendo capaz de aprender coisas novas, resgatar boas lembranças do passado para viver um presente mais feliz.

A Dança Circular, enquanto PIC em saúde, é uma atividade promotora do ser saudável que contribui com o trabalho interdisciplinar dos profissionais da saúde, ampliando o seu olhar sobre o processo saúde - doença e o fortalecimento do SUS.

Enfim, a Dança Circular é um recurso que pode contribuir tanto na assistência quanto no ensino, na pesquisa, na extensão e na gestão, ampliando o conhecimento de uma área em ascensão na atualidade e que transforma o modelo hegemônico de atenção, transitando pelos potentes fios da razão sensível.

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NOTAS

• ORIGEM DO ARTIGO

  Extraído da tese - A dança circular no quotidiano da promoção da saúde da pessoa idosa, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, da Universidade Federal de Santa Catarina, em 2017.

• FINANCIAMENTO

  Secretaria de Educação do Governo do Estado de Santa Catarina: apoio financeiro por meio de concessão de Bolsa de Doutorado através do Programa de Bolsas UNIEDU/FUMDES

• APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA

  Aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Catarina, parecer n. 1.744.314. Certificado de Apresentação para Apreciação Ética nº 59028016.7.0000.0121.

Editado por

EDITORES

Editores Associados: Selma Regina de Andrade, Gisele Cristina Manfrini, Melissa Orlandi Honório Locks, Monica Motta Lino. Editor-chefe: Roberta Costa.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  03 Set 2021
• Data do Fascículo
  2021

Histórico

• Recebido
  05 Out 2020
• Aceito
  28 Abr 2021