Resumo
Este artigo objetiva analisar a inserção do tema Saúde da População Negra na formação dos profissionais de saúde nos cursos de Saúde Coletiva, Enfermagem e Medicina de uma universidade pública brasileira. A pesquisa é resultado de uma dissertação de mestrado de natureza qualitativa do tipo pesquisa-intervenção, adotando como fundamentação teórica a epistemologia feminista negra e a perspectiva negra da decolonialidade. Foram realizadas oficinas, entre os anos de 2019 e 2020, com membros dos Núcleos Docentes Estruturantes de Saúde Coletiva, Enfermagem e Medicina. A despeito das diretrizes do marco legal sobre o ensino das relações étnico-raciais, constatou-se a incipiência sobre o tema Saúde da População Negra na formação dos cursos analisados, a ausência de docentes negros nesses espaços e a presença de uma branquitude docente guardiã de privilégios. Os resultados e a discussão apresentados possibilitaram depreender que é por meio dos movimentos e pensamentos emancipatórios nos campos político, cultural, pedagógico e epistemológico que se faz possível tensionar rupturas nas relações de poder e nas estruturas do Estado.
Palavras-chave:
saúde da população negra; ações afirmativas; ensino superior; currículo; formação profissional em saúde
Abstract
This paper aims to analyze the implementation of black people health in the undergraduate courses of Public Health, Nursing, and Medicine at a public Brazilian university. The theoretical foundation consists of a qualitative intervention-research study, based on Black Feminist Epistemology and Black Perspective of Decoloniality. Two workshops were held with the members of the Structural Teaching Nuclei of those courses in 2019 and 2020. Despite the guidelines of the legal framework on the teaching of ethnic-racial relations, it was possible to observe the incipience of training, the absence of black professors in these spaces and the presence of a faculty’s whiteness that perpetuates privileges. From the results and discussion presented, it appears that it is through emancipatory movements and thoughts in the political, cultural, pedagogical and epistemological fields that it is possible to intend ruptures in power relations and in the structures of the State.
Keywords:
black population health; affirmative action; higher education; curriculum; professional training in health
Resumen
Este artículo tiene como objetivo analizar la inserción del tema Salud de la Población Negra en la formación de los profesionales de salud en los cursos de Salud Colectiva, Enfermería y Medicina de una universidad pública brasileña. La investigación es el resultado de una disertación de maestría de naturaleza cualitativa del tipo investigación-intervención, adoptando como fundamentación teórica la epistemología feminista negra y la perspectiva negra de la decolonialidad. Los talleres se realizaron entre 2019 y 2020, con integrantes de los Núcleos Docentes Estructurantes de Salud Colectiva, Enfermería y Medicina. A pesar de los lineamientos del marco legal sobre la enseñanza de las relaciones étnico-raciales, se dió cuenta de la falta de conocimiento sobre el tema de la Salud de la Población Negra en la formación de los cursos analizados, la ausencia de profesores negros en estos espacios y la presencia de un blanqueamiento docente guardián de privilegios. Los resultados y la discusión presentados permitieron inferir que es a través de movimientos y pensamientos emancipatorios en los campos político, cultural, pedagógico y epistemológico que es posible tensionar rupturas en las relaciones de poder y en las estructuras del Estado.
Palabras clave:
salud de la población negra; acciones afirmativas; enseñanza superior; currículo; formación profesional en salud
Introdução
Este artigo objetiva analisar a inserção do tema Saúde da População Negra na formação dos profissionais de saúde nos cursos de graduação em Saúde Coletiva, Enfermagem e Medicina de uma universidade pública brasileira da região Centro-Oeste. O estudo adotou a epistemologia feminista negra (Collins, 2018COLLINS, Patrícia H. Epistemologia feminista negra. In: BERNARDINO-COSTA, Joaze; MALDONADO-TORRES, Nelson; GROSFOGUEL, Ramón (org.). Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico . Belo Horizonte: Autêntica , 2018. p.139-170. (Coleção Cultura Negra e Identidade).) e a perspectiva negra da decolonialidade (Gomes, 2018GOMES, Nilma L. O movimento negro e a intelectualidade negra descolonizando os currículos. In: BERNARDINO-COSTA, Joaze; MALDONADO-TORRES, Nelson; GROSFOGUEL, Ramón (org.). Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico . Belo Horizonte: Autêntica , 2018. p. 223-246. (Coleção Cultura Negra e Identidade).) como fundamentação teórica para a sua realização. Essa decisão advém de uma pesquisadora e primeira autora negra implicada e de uma pesquisadora ativista da promoção da equidade, que assumem, juntas, uma postura ético-política em defesa da equidade racial.
A epistemologia feminista negra e o feminismo negro (Collins, 2018COLLINS, Patrícia H. Epistemologia feminista negra. In: BERNARDINO-COSTA, Joaze; MALDONADO-TORRES, Nelson; GROSFOGUEL, Ramón (org.). Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico . Belo Horizonte: Autêntica , 2018. p.139-170. (Coleção Cultura Negra e Identidade).) - corrente daquela - contestam os processos eurocêntricos de validação do conhecimento e das relações de poder. Entre as características da epistemologia feminista negra, destacam-se: experiência vivida como critério de significação; uso do diálogo resgatando as tradições orais africanas; e ética do cuidado e da responsabilidade social - que devem ser politizadas e estar articuladas a um projeto de justiça social, orientando o pensamento e a prática feminista negra (Collins, 2018COLLINS, Patrícia H. Epistemologia feminista negra. In: BERNARDINO-COSTA, Joaze; MALDONADO-TORRES, Nelson; GROSFOGUEL, Ramón (org.). Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico . Belo Horizonte: Autêntica , 2018. p.139-170. (Coleção Cultura Negra e Identidade).).
Collins (2018COLLINS, Patrícia H. Epistemologia feminista negra. In: BERNARDINO-COSTA, Joaze; MALDONADO-TORRES, Nelson; GROSFOGUEL, Ramón (org.). Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico . Belo Horizonte: Autêntica , 2018. p.139-170. (Coleção Cultura Negra e Identidade).) põe em evidência as mulheres negras como agentes do conhecimento, contextualizando o cenário de ingresso delas no ensino superior e para a constituição de uma comunidade de acadêmicas negras e de expansão do escopo do feminismo negro acadêmico. Portanto, traz para o debate o pensamento feminista negro como outro caminho para se contrapor às verdades que são ditas como universais, colocando a subjetividade das mulheres negras no centro de suas análises: “a relevância da epistemologia feminista negra pode residir em sua capacidade de enriquecer nossa compreensão de como os grupos subordinados criam o conhecimento que fomenta tanto seu empoderamento quanto a justiça social” (Collins, 2018COLLINS, Patrícia H. Epistemologia feminista negra. In: BERNARDINO-COSTA, Joaze; MALDONADO-TORRES, Nelson; GROSFOGUEL, Ramón (org.). Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico . Belo Horizonte: Autêntica , 2018. p.139-170. (Coleção Cultura Negra e Identidade)., p. 165).
Destacando “processos de resistência e luta pela reexistência das populações afrodiaspóricas” e indígenas (Bernardino-Costa, Maldonado-Torres e Grosfoguel, 2018BERNARDINO-COSTA, Joaze; MALDONADO-TORRES, Nelson; GROSFOGUEL, Ramón. Introdução. In: BERNARDINO-COSTA, Joaze; MALDONADO-TORRES, Nelson; GROSFOGUEL, Ramón (org.). Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico. Belo Horizonte: Autêntica, 2018. p. 9-26. (Coleção Cultura Negra e Identidade)., p. 9), os autores compreendem a decolonialidade como projeto acadêmico-político e coletivo, que elucida “historicamente a colonialidade do poder, do ser e do saber e vem nos ajudando a pensar em estratégias para transformar a realidade” (Bernardino-Costa, Maldonado-Torres e Grosfoguel, 2018BERNARDINO-COSTA, Joaze; MALDONADO-TORRES, Nelson; GROSFOGUEL, Ramón. Introdução. In: BERNARDINO-COSTA, Joaze; MALDONADO-TORRES, Nelson; GROSFOGUEL, Ramón (org.). Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico. Belo Horizonte: Autêntica, 2018. p. 9-26. (Coleção Cultura Negra e Identidade)., p. 10). Alguns aspectos de análise da perspectiva da decolonialidade têm contribuído para a discussão: a raça, como uma dimensão que é estruturante no sistema-mundo moderno e colonial; o racismo, que organiza as relações de dominação; e a crítica ao eurocentrismo, ao cientificismo e ao universalismo abstrato. A densidade e complexidade do significado epistêmico a respeito da decolonialidade não serão esgotadas neste artigo, mas possibilitarão aproximações sobre o entendimento de descolonização e da decolonialidade, como apresenta Maldonado-Torres (2018) MALDONADO-TORRES, Nelson. Analítica da colonialidade e da decolonialidade: algumas dimensões básicas. In: BERNARDINO-COSTA, Joaze; MALDONADO-TORRES, Nelson; GROSFOGUEL, Ramón (org.). Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico . Belo Horizonte: Autêntica , 2018. p. 27-54. (Coleção Cultura Negra e Identidade).:
a descolonização refere-se a momentos históricos em que os sujeitos coloniais se insurgiram contra os ex-impérios e reivindicaram independência, a decolonialidade refere-se à luta contra a lógica da colonialidade e seus efeitos materiais, epistêmicos e simbólicos (Maldonado-Torres, 2018 MALDONADO-TORRES, Nelson. Analítica da colonialidade e da decolonialidade: algumas dimensões básicas. In: BERNARDINO-COSTA, Joaze; MALDONADO-TORRES, Nelson; GROSFOGUEL, Ramón (org.). Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico . Belo Horizonte: Autêntica , 2018. p. 27-54. (Coleção Cultura Negra e Identidade)., p. 36).
Para explicar o que vem a ser o entendimento a respeito da decolonialidade, Gomes (2018GOMES, Nilma L. O movimento negro e a intelectualidade negra descolonizando os currículos. In: BERNARDINO-COSTA, Joaze; MALDONADO-TORRES, Nelson; GROSFOGUEL, Ramón (org.). Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico . Belo Horizonte: Autêntica , 2018. p. 223-246. (Coleção Cultura Negra e Identidade).) aponta, primeiramente, a colonialidade como “o resultado de uma imposição do poder e da dominação colonial que consegue atingir as estruturas subjetivas de um povo, penetrando na sua concepção de sujeito e se estendendo para a sociedade” (Gomes, 2018GOMES, Nilma L. O movimento negro e a intelectualidade negra descolonizando os currículos. In: BERNARDINO-COSTA, Joaze; MALDONADO-TORRES, Nelson; GROSFOGUEL, Ramón (org.). Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico . Belo Horizonte: Autêntica , 2018. p. 223-246. (Coleção Cultura Negra e Identidade)., p. 227).
Pensando nesse debate estrutural que situa o lugar social da população negra, Gomes (2018GOMES, Nilma L. O movimento negro e a intelectualidade negra descolonizando os currículos. In: BERNARDINO-COSTA, Joaze; MALDONADO-TORRES, Nelson; GROSFOGUEL, Ramón (org.). Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico . Belo Horizonte: Autêntica , 2018. p. 223-246. (Coleção Cultura Negra e Identidade).) destaca o protagonismo do movimento negro e da intelectualidade negra na construção da “perspectiva negra decolonial brasileira, uma das responsáveis pelo processo de descolonização dos currículos e do conhecimento no Brasil” (Gomes, 2018GOMES, Nilma L. O movimento negro e a intelectualidade negra descolonizando os currículos. In: BERNARDINO-COSTA, Joaze; MALDONADO-TORRES, Nelson; GROSFOGUEL, Ramón (org.). Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico . Belo Horizonte: Autêntica , 2018. p. 223-246. (Coleção Cultura Negra e Identidade)., p. 223). Esse protagonismo foi fundamental para resgatar e reconhecer a história de pessoas negras que atuaram e contribuíram para as mais diversas áreas, mas que, por muitos anos, não foram consideradas intelectuais ou produtoras de conhecimento crítico sobre a questão racial e africana. Por isso, Gomes (2018)GOMES, Nilma L. O movimento negro e a intelectualidade negra descolonizando os currículos. In: BERNARDINO-COSTA, Joaze; MALDONADO-TORRES, Nelson; GROSFOGUEL, Ramón (org.). Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico . Belo Horizonte: Autêntica , 2018. p. 223-246. (Coleção Cultura Negra e Identidade). defende a descolonização dos currículos numa perspectiva negra e brasileira, pois ela
[...] é a que busca e coloca outras narrativas no campo do conhecimento e do currículo, que dá legitimidade aos saberes acadêmicos, políticos, identitários e estético-corpóreos negros. É aquela que dá relevância aos saberes e às práticas afro-brasileiros emaranhados em todos nós, inclusive nas pessoas brancas, nos vários grupos de imigrantes e seus descendentes e nos povos indígenas brasileiros. Essa perspectiva considera o Movimento Negro brasileiro como um produtor e sistematizador de saberes. É a que tem como característica especial o fato de os sujeitos que a produzem nunca se esquecerem do que o processo colonial fez com os seus ancestrais e do que a colonialidade ainda faz consigo (Gomes, 2018GOMES, Nilma L. O movimento negro e a intelectualidade negra descolonizando os currículos. In: BERNARDINO-COSTA, Joaze; MALDONADO-TORRES, Nelson; GROSFOGUEL, Ramón (org.). Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico . Belo Horizonte: Autêntica , 2018. p. 223-246. (Coleção Cultura Negra e Identidade)., p. 245).
A revisão de literatura do período de realização do presente estudo (Conceição, Riscado e Vilela, 2018 CONCEIÇÃO, Maria C.; RISCADO, Jorge L. S.; VILELA, Rosana Q. B. Relações étnico-raciais na perspectiva da saúde da população negra no curso de Medicina: análise curricular. Revista Brasileira de Ensino Superior, Passo Fundo, v. 4, n. 3, p. 34-56, jul./set. 2018. https://doi.org/10.18256/2447-3944.2018.v4i3.2606. Disponível em: https://seer.imed.edu.br/index.php/REBES/article/view/2606/2378 . Acesso em: 29 jul. 2022.
https://seer.imed.edu.br/index.php/REBES...
; Gouveia, Silva e Pessoa, 2019 GOUVEIA, Eneline A. H.; SILVA, Rodrigo O.; PESSOA, Bruno H. S. Competência cultural: uma resposta necessária para superar as barreiras de acesso à saúde para populações minorizadas. Revista Brasileira de Educação Médica, Brasília, DF, v. 43, n. 1, Supl. 1, p. 82-90, 2019. https://doi.org/10.1590/1981-5271v43suplemento1-20190066. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbem/a/N9VB6SJs3Yxfnyyv3kQcDbt/?lang=pt . Acesso em: 29 jul. 2022.
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; Santana et al., 2019SANTANA, Rebecca A. R. et al. A equidade racial e a educação das relações étnico-raciais nos cursos de Saúde. Interface: Comunicação, Saúde, Educação, Botucatu, v. 23, 2019. https://doi.org/10.1590/Interface.170039. Disponível em: https://www.scielo.br/j/icse/a/fcFjjTxbDtytgD9dXxdVcJK/abstract/?lang=pt . Acesso em: 29 jul. 2022.
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) evidenciou também a necessidade de se avançar na compreensão de como a dominação colonial e suas amarras persistem e podem ser percebidas em vários espaços, entre eles, as instituições de ensino (Gomes, 2018GOMES, Nilma L. O movimento negro e a intelectualidade negra descolonizando os currículos. In: BERNARDINO-COSTA, Joaze; MALDONADO-TORRES, Nelson; GROSFOGUEL, Ramón (org.). Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico . Belo Horizonte: Autêntica , 2018. p. 223-246. (Coleção Cultura Negra e Identidade).). Nelas, a colonialidade irá operar por meio de várias estratégias, e a construção do currículo é uma delas.
Almeida (2019ALMEIDA, Sílvio L. Racismo estrutural. São Paulo: Pólen, 2019. ), Werneck (2016 WERNECK, Jurema. Racismo institucional e saúde da população negra. Saúde e Sociedade , São Paulo, v. 25, n. 3, p. 535-549, 2016. https://doi.org/10.1590/S0104-129020162610. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/sausoc/v25n3/1984-0470-sausoc-25-03-00535.pdf . Acesso em: 29 jul. 2022.
http://www.scielo.br/pdf/sausoc/v25n3/19...
) e Jones (2002JONES, Camara P. Confronting institutionalized racism. Phylon, Atlanta, v. 50, n. 1/2, p. 7-22, 2002. https://doi.org/10.2307/4149999. Disponível em: https://www.jstor.org/stable/4149999 . Acesso em: 29 jul. 2022.
https://www.jstor.org/stable/4149999...
) sinalizam que o racismo institucional é intrínseco à estrutura da sociedade brasileira. Ele condiciona e organiza a ação do Estado, dificultando a implementação dos instrumentos legais de promoção da equidade racial nas instituições. Dessa forma, é necessário refletir sobre a construção das estruturas do conhecimento e como a sua validação tem sido feita, sobretudo pelas universidades.
Na Educação, alguns instrumentos legais precisam ser destacados, tais como: a lei n. 10.639/2003 (Brasil, 2003 BRASIL. Lei n. 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”, e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, 2003. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.639.htm . Acesso em: 29 jul. 2022.
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), que versa sobre a obrigatoriedade da temática da História e Cultura Afro-Brasileira nas escolas; a resolução n. 1, de 17 de junho de 2004 (Brasil, 2004bBRASIL. Resolução n. 1, de 17 de junho de 2004. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Brasília, DF: Ministério da Educação, 2004b. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/res012004.pdf . Acesso em: 29 jul. 2022.
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), que estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana (DCNERER); e a lei n. 11.645/2008 (Brasil, 2008BRASIL. Lei n. 11.645, de 10 de março de 2008. Altera a lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela lei n. 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. Brasília, DF: Presidência da República , 2008. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11645.htm . Acesso em: 29 jul. 2022.
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), que torna obrigatório o ensino da temática História e Cultura Indígena Brasileira.
Em 2009, em uma parceria do Ministério da Educação (MEC) e da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), foi criado o Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, “um documento pedagógico com o intuito de orientar e balizar os sistemas de ensino e as instituições correlatas na implementação das leis 10.639/2003 e 11.645/2008” (Brasil, 2009BRASIL. Plano nacional de implementação das diretrizes curriculares nacionais para educação das relações étnico-raciais e para o ensino de história e cultura afrobrasileira e africana. Brasília, DF: Ministério da Educação , 2009. Disponível em: http://etnicoracial.mec.gov.br/images/pdf/diretrizes_curric_educ_etnicoraciais.pdf . Acesso em: 29 jul. 2022.
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, p. 9). As DCNERER devem ser adotadas pelas instituições de ensino e, em especial, “por Instituições que desenvolvem programas de formação inicial e continuada de professores” (Brasil, 2004aBRASIL. Parecer n. 3/2004, de 10 de março de 2004. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Brasília, DF: Ministério da Educação; Conselho Nacional de Educação, 2004a. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/cnecp_003.pdf . Acesso em: 29 jul. 2022.
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, p. 31). Dessa forma, elas constituem-se de:
orientações, princípios e fundamentos para o planejamento, execução e avaliação da Educação, e têm por meta, promover a educação de cidadãos atuantes e conscientes no seio da sociedade multicultural e pluriétnica do Brasil, buscando relações étnico-sociais positivas, rumo à construção de nação democrática (Brasil, 2004aBRASIL. Parecer n. 3/2004, de 10 de março de 2004. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Brasília, DF: Ministério da Educação; Conselho Nacional de Educação, 2004a. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/cnecp_003.pdf . Acesso em: 29 jul. 2022.
http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/cne... , p. 31).
Em 2012, por sua vez, a lei n. 12.711 (Brasil, 2012BRASIL. Lei n. 12.711, de 29 de agosto de 2012. Dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República , 2012. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12711.htm . Acesso em: 29 jul. 2022.
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) cria a ação afirmativa que destina vagas em universidades públicas para pessoas negras, indígenas e com deficiência; ação que se amplia para os docentes, com a aprovação da lei n. 12.990 (Brasil, 2014BRASIL. Lei n. 12.990, de 9 de junho de 2014. Reserva aos negros 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União. Diário Oficial da União, Brasília, DF, seção 1, n. 109, p. 39, 10 jun. 2014.), que reserva 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para pessoas negras em âmbito federal.
Além das notórias contribuições do Movimento Negro na luta pela equidade na educação, referenciadas por Gomes (2018GOMES, Nilma L. O movimento negro e a intelectualidade negra descolonizando os currículos. In: BERNARDINO-COSTA, Joaze; MALDONADO-TORRES, Nelson; GROSFOGUEL, Ramón (org.). Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico . Belo Horizonte: Autêntica , 2018. p. 223-246. (Coleção Cultura Negra e Identidade).) e concretizadas nas leis supracitadas, destaca-se também o papel fundamental desse movimento para a consolidação de políticas de promoção da equidade racial na saúde.
O Sistema Único de Saúde (SUS) visa à redução de iniquidades por meio de políticas estratégicas, como a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN), que estabelece como marca o “reconhecimento do racismo, das desigualdades étnico-raciais e do racismo institucional como determinantes sociais das condições de saúde, com vistas à promoção da equidade em saúde” (Brasil, 2017BRASIL. Resolução n. 16, de 30 de março de 2017. Dispõe sobre o III Plano Operativo (2017-2019) da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN) no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União , Brasília, DF, seção 1, n. 64, p. 81, 3 abr. 2017. , p. 31).
Nessa direção, é preciso “destacar que o racismo é um determinante social da saúde, pois expõe mulheres negras e homens negros a situações mais vulneráveis de adoecimento e de morte” (Goes, Ramos e Ferreira, 2020GOES, Emanuelle F.; RAMOS, Dandara O.; FERREIRA, Andrea J. F. Desigualdades raciais em saúde e a pandemia da Covid-19. Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v. 18, n. 3, e00278110, 2020. https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol00278. Disponível: Disponível: https://preprints.scielo.org/index.php/scielo/preprint/view/635/816 . Acesso em: 29 jul. 2022.
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, p. 2), implicando, entre outras coisas, um acesso desigual aos serviços de saúde. Conforme destaca Mittelbach e Albuquerque (2022MITTELBACH, Juliana; ALBUQUERQUE, Guilherme S. C. A pandemia de Covid-19 como justificativa para ações discriminatórias: viés racial na seletividade do direito a acompanhante ao parto. Trabalho, Educação e Saúde , Rio de Janeiro, v. 20, e00332163, 2022. https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol00332. Disponível em: https://www.scielo.br/j/tes/a/v6c6pPmxQmxzSKWVkk3Y38w/abstract/?lang=pt . Acesso em: 29 jul. 2022.
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), os processos formativos da PNSIPN são urgentes para o desenvolvimento de ações e estratégias para a formação e educação permanente de profissionais e implementação de ações afirmativas que possibilitem o alcance da equidade em saúde. Além da importância desses processos formativos, “coloca-se a questão quanto à pertinência de ampliar e aprofundar a discussão sobre o emprego de raça e conceitos associados nas pesquisas em saúde coletiva no Brasil” (Santos et al., 2022SANTOS, Ricardo V. et al. Cabem recomendações para usos de “raça” nas publicações em saúde? Um enfático “sim”, inclusive pelas implicações para as práticas antirracistas. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 38, n. 3, e00021922, 2022. https://doi.org/10.1590/0102-311X00021922. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csp/a/CsQpZyZ586bm9DXpWpr94qR/?format=pdf⟨=pt . Acesso em: 29 jul. 2022.
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, p. 3).
A análise documental das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) e dos projetos político-pedagógicos (PPP) dos cursos de graduação em Enfermagem, Medicina e Saúde Coletiva constatou que a equidade está inserida de forma conceitual nesses documentos orientadores (Santana et al., 2019SANTANA, Rebecca A. R. et al. A equidade racial e a educação das relações étnico-raciais nos cursos de Saúde. Interface: Comunicação, Saúde, Educação, Botucatu, v. 23, 2019. https://doi.org/10.1590/Interface.170039. Disponível em: https://www.scielo.br/j/icse/a/fcFjjTxbDtytgD9dXxdVcJK/abstract/?lang=pt . Acesso em: 29 jul. 2022.
https://www.scielo.br/j/icse/a/fcFjjTxbD...
; Conceição, Riscado e Vilela, 2018 CONCEIÇÃO, Maria C.; RISCADO, Jorge L. S.; VILELA, Rosana Q. B. Relações étnico-raciais na perspectiva da saúde da população negra no curso de Medicina: análise curricular. Revista Brasileira de Ensino Superior, Passo Fundo, v. 4, n. 3, p. 34-56, jul./set. 2018. https://doi.org/10.18256/2447-3944.2018.v4i3.2606. Disponível em: https://seer.imed.edu.br/index.php/REBES/article/view/2606/2378 . Acesso em: 29 jul. 2022.
https://seer.imed.edu.br/index.php/REBES...
). Dessa forma, a despeito de o marco legal das DCN explicitar a educação para as relações étnico-raciais para formação dos cursos, essas autoras e autores sinalizam que é necessário identificar sua materialização no cotidiano das instituições de ensino superior. Nessa direção, Batista (2013BATISTA, Cássia B. Movimentos de reorientação da formação em saúde e as iniciativas ministeriais para as universidades. Barbaroi, Santa Cruz do Sul, n. 38, p. 97-125, jan./jun. 2013. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-65782013000100007 . Acesso em: 29 jul. 2022.
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr...
) analisa como a política de saúde tem demandado “transformações conceituais, técnicas e ideológicas para alterar práticas e organização do trabalho em saúde, além da mudança cultural em relação ao modelo de assistência e sistema público brasileiro” (Batista, 2013BATISTA, Cássia B. Movimentos de reorientação da formação em saúde e as iniciativas ministeriais para as universidades. Barbaroi, Santa Cruz do Sul, n. 38, p. 97-125, jan./jun. 2013. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-65782013000100007 . Acesso em: 29 jul. 2022.
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr...
, p. 98), destacando o papel da educação como ferramenta capaz de modificar tais práticas.
Monteiro (2016MONTEIRO, Rosana B. Educação permanente em saúde e as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das relações étnico-raciais e para ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 25, n. 3, p. 524-534, 2016. https://doi.org/10.1590/S0104-1290201612600. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sausoc/a/xXgbYkGkxVqd9GvSnrMCqVh/?lang=pt . Acesso em: 27 jul. 2022.
https://www.scielo.br/j/sausoc/a/xXgbYkG...
), por sua vez, discorre sobre a implantação das DCNERER e assinala que poucas experiências na área da saúde têm sido identificadas para a formação de profissionais, como nos cursos de Enfermagem e Psicologia, que têm a habilitação para a licenciatura. Para garantir a efetividade do que está expresso na configuração do SUS e da PNSIPN, Monteiro (2016)MONTEIRO, Rosana B. Educação permanente em saúde e as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das relações étnico-raciais e para ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 25, n. 3, p. 524-534, 2016. https://doi.org/10.1590/S0104-1290201612600. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sausoc/a/xXgbYkGkxVqd9GvSnrMCqVh/?lang=pt . Acesso em: 27 jul. 2022.
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relembra a indispensabilidade da articulação com a educação permanente1
1
Para maiores informações sobre a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde, sugerimos ao/à leitor/a consultar a publicação Política Nacional de Educação Permanente em Saúde: o que se tem produzido para o seu fortalecimento?, do Ministério da Saúde (Brasil, 2018).
dos profissionais já inseridos no mundo do trabalho, pois:
A formação dos profissionais da saúde é estratégia fundamental para se garantir a atenção à saúde da população negra, em especial, das mulheres negras como parte mais vulnerável dessa população. Para que a Educação Permanente atenda aos desafios a que é chamada pela PNSIPN ela deve considerar o exposto nos documentos relacionados às DCNERER, sem o que não se pode atuar de maneira integral frente à complexidade das relações raciais presentes na sociedade brasileira (Monteiro, 2016MONTEIRO, Rosana B. Educação permanente em saúde e as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das relações étnico-raciais e para ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 25, n. 3, p. 524-534, 2016. https://doi.org/10.1590/S0104-1290201612600. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sausoc/a/xXgbYkGkxVqd9GvSnrMCqVh/?lang=pt . Acesso em: 27 jul. 2022.
https://www.scielo.br/j/sausoc/a/xXgbYkG... , p. 526).
Pensando nos movimentos de reorientação da formação em saúde que têm pautado uma transformação nas práticas de ensino e atuação profissional para o SUS (Santos e Batista, 2018SANTOS, Geovannia M.; BATISTA, Sylvia H. S. Docência, Pró-Saúde e PET-Saúde: narrativas de um fazer interprofissional. Interface: Comunicação, Saúde, Educação , Botucatu, v. 22, Supl. 2, p. 1589-1600, 2018. https://doi.org/10.1590/1807-57622017.0728. Disponível em: https://www.scielo.br/j/icse/a/HYmVJJLkhthDHkyp4NLnznz/?format=pdf⟨=pt . Acesso em: 29 jul. 2022.
https://www.scielo.br/j/icse/a/HYmVJJLkh...
; Batista, 2013BATISTA, Cássia B. Movimentos de reorientação da formação em saúde e as iniciativas ministeriais para as universidades. Barbaroi, Santa Cruz do Sul, n. 38, p. 97-125, jan./jun. 2013. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-65782013000100007 . Acesso em: 29 jul. 2022.
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr...
; Mourão et al., 2007MOURÃO, Lucia C. et al. Análise institucional e educação: reforma curricular nas universidades pública e privada. Educação & Sociedade, Campinas, v. 28, n. 98, p. 181-210, jan./abr. 2007. Disponível em: https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=87313707010 . Acesso em: 29 jul. 2022.
https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=8...
), constituem perguntas orientadoras deste artigo: Como a saúde da população negra está sendo inserida na formação dos cursos de graduação em saúde, de acordo com as diretrizes da PNSIPN? Quais são os desafios na prática docente para concretizar os dispositivos legais na realidade?
Abordagem metodológica
Realizou-se estudo de natureza qualitativa (O’Brien et al., 2014 O’BRIEN, Bridget. C. et al. Standards for reporting qualitative research: a synthesis of recommendations. Academic Medicine , v. 89, n. 9, p. 1245-1251, 2014. https://doi.org/10.1097/ACM.0000000000000388. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/24979285/ . Acesso em: 29 jul. 2022.
https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/24979285...
; Minayo e Sanches, 1993 MINAYO, Maria C. S.; SANCHES, Odécio . Quantitativo-Qualitativo: oposição ou complementaridade? Caderno de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 9, n. 3, p. 239-262, jul./set. 1993. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csp/a/Bgpmz7T7cNv8K9Hg4J9fJDb/?format=pdf⟨=pt . Acesso em: 29 jul. 2022.
https://www.scielo.br/j/csp/a/Bgpmz7T7cN...
), com abordagem metodológica do tipo pesquisa-intervenção (Paulon et al., 2015PAULON, Simone M. et al. Pesquisa-intervenção participativa: uma aposta metodológica na articulação Saúde Mental-Atenção Básica. In: POLEJACK, Larissa et al. (org.). Psicologia e políticas públicas na saúde: experiências, reflexões, interfaces e desafios. Porto Alegre: Rede Unida, 2015. p. 139-153. (Série Atenção Básica e Educação na Saúde, v. 1). ). Para tal, utilizaram-se referenciais da epistemologia feminista negra e da perspectiva negra da decolonialidade (Collins, 2018COLLINS, Patrícia H. Epistemologia feminista negra. In: BERNARDINO-COSTA, Joaze; MALDONADO-TORRES, Nelson; GROSFOGUEL, Ramón (org.). Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico . Belo Horizonte: Autêntica , 2018. p.139-170. (Coleção Cultura Negra e Identidade).; Gomes, 2018GOMES, Nilma L. O movimento negro e a intelectualidade negra descolonizando os currículos. In: BERNARDINO-COSTA, Joaze; MALDONADO-TORRES, Nelson; GROSFOGUEL, Ramón (org.). Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico . Belo Horizonte: Autêntica , 2018. p. 223-246. (Coleção Cultura Negra e Identidade).), recusando práticas colonizadoras que moldam o nosso ser pesquisador/a.
O uso dessa abordagem envolveu discussões sobre as relações raciais no Brasil, considerando que estão pautadas na construção de um mito da democracia racial que mascara as dimensões do racismo e dificultam sua discussão na sociedade. Isso porque, como afirma Werneck (2016 WERNECK, Jurema. Racismo institucional e saúde da população negra. Saúde e Sociedade , São Paulo, v. 25, n. 3, p. 535-549, 2016. https://doi.org/10.1590/S0104-129020162610. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/sausoc/v25n3/1984-0470-sausoc-25-03-00535.pdf . Acesso em: 29 jul. 2022.
http://www.scielo.br/pdf/sausoc/v25n3/19...
, p. 541), o racismo “penetra os diferentes campos da vida social e produz seus resultados”.
A abordagem metodológica pode ser compreendida como do tipo pesquisa-intervenção, pois “entende-se que o processo de pesquisa, inevitavelmente, provoca transformações e mobiliza forças no campo investigado, incluindo-se nele o próprio pesquisador” (Paulon et al., 2015PAULON, Simone M. et al. Pesquisa-intervenção participativa: uma aposta metodológica na articulação Saúde Mental-Atenção Básica. In: POLEJACK, Larissa et al. (org.). Psicologia e políticas públicas na saúde: experiências, reflexões, interfaces e desafios. Porto Alegre: Rede Unida, 2015. p. 139-153. (Série Atenção Básica e Educação na Saúde, v. 1). , p. 143). Ela tem um caráter participativo e critica a forma de pesquisar na dita ‘modernidade’, pois se baseia em uma primazia da racionalidade, de uma lógica reducionista, de uma negação da complexidade da realidade e da sua fragmentação e da não interação de disciplinas. A pesquisa requer compromisso social e político com a realidade com a qual se está trabalhando, o que resulta na coprodução e na transformação tanto de quem está se propondo a conhecer a realidade quanto de quem é conhecida/o (Paulon e Romagnoli, 2010PAULON, Simone M.; ROMAGNOLI, Roberta C. Pesquisa-intervenção e cartografia: melindres e meandros metodológicos. Estudos e Pesquisas em Psicologia, Rio de Janeiro, ano 10, n. 1, p. 85-102, jan./abr. 2010. https://doi.org/10.12957/epp.2010.9019. Disponível em: http://www.revispsi.uerj.br/v10n1/artigos/pdf/v10n1a07.pdf . Acesso em: 29 jul. 2022.
http://www.revispsi.uerj.br/v10n1/artigo...
).
Assim, foram realizadas análises coletivas do tema estudado, tendo em vista “a construção de espaços de problematização coletiva junto às práticas de formação e potencializando a produção de um novo pensar/fazer educação” (Rocha e Aguiar, 2003 ROCHA, Marisa L.; AGUIAR, Kátia F. Pesquisa-intervenção e a produção de novas análises. Psicologia: Ciência e Profissão, v. 23, n. 4, p. 64-73, dez. 2003. https://doi.org/10.1590/S1414-98932003000400010. Disponível em: https://www.scielo.br/j/pcp/a/XdM8zW9X3HqHpS8ZwBVxpYN/?lang=pt . Acesso em: 29 jul. 2022.
https://www.scielo.br/j/pcp/a/XdM8zW9X3H...
, p. 64), com base no ato de pesquisar com o outro.
A primeira etapa do estudo constituiu-se de uma análise documental de conteúdo. Os dados foram oriundos da identificação de disciplinas que, de acordo com o projeto político-pedagógico (PPP) dos cursos de Enfermagem, Saúde Coletiva e Medicina da universidade pública analisada, incluíam explicitamente a saúde da população negra. Essas disciplinas foram apresentadas às/aos participantes na segunda etapa para subsidiar as oficinas realizadas.
A segunda etapa ocorreu mediante a realização de oficinas, cujo critério de inclusão das/dos participantes era que fossem membros do Núcleo Docente Estruturante (NDE), visto que elas/eles compõem “um grupo de docentes com atribuições acadêmicas de acompanhamento, atuante no processo de concepção, consolidação e contínua atualização do projeto pedagógico do curso” (Brasil, 2010 BRASIL. Resolução n. 1, de 17 de junho de 2010. Normatiza o Núcleo Docente Estruturante e dá outras providências. Brasília, DF: Ministério da Educação; Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior, 2010. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=6885-resolucao1-2010-conae&category_slug=outubro-2010-pdf&Itemid=30192 . Acesso em: 29 jul. 2022.
http://portal.mec.gov.br/index.php?optio...
, p. 1). O NDE pode incluir, ainda, discentes e técnicas/os administrativas/os e de assuntos educacionais das universidades.
As oficinas foram construídas de acordo com a proposta de Spink, Menegon e Medrado (2014SPINK, Mary J.; MENEGON, Vera M.; MEDRADO, Benedito. Oficinas como estratégia de pesquisa: articulações teórico-metodológicas e aplicações ético-políticas. Psicologia & Sociedade, Recife, v. 26, n. 1, p. 32-43, 2014. https://doi.org/10.1590/S0102-71822014000100005. Disponível em: https://www.scielo.br/j/psoc/a/wrfMHbjhHNppX7Lppk8DMNJ/?format=pdf⟨=pt . Acesso em: 29 jul. 2022.
https://www.scielo.br/j/psoc/a/wrfMHbjhH...
) e tiveram em seu planejamento inicial duas etapas: a primeira, para investigar como a saúde da população negra está sendo inserida na formação dos cursos; e a segunda, para fazer a devolutiva dos principais elementos do primeiro encontro, validar o material construído e delinear uma proposta de plano de ação para uma abordagem mais efetiva do tema na formação. A análise dos dados produzidos nas oficinas foi do tipo análise temática simples (Oliveira, 2008 OLIVEIRA, Denise C. Análise de conteúdo temático-categorial: uma proposta de sistematização. Revista Enfermagem UERJ, Rio de Janeiro, v. 16, n. 4. p. 569-576, out./dez. 2008. https://doi.org/lil-512081. Disponível em: http://files.bvs.br/upload/S/0104-3552/2008/v16n4/a569-576.pdf . Acesso em: 8 out. 2021.
http://files.bvs.br/upload/S/0104-3552/2...
), com foco nas seguintes categorias de análise: inserção da saúde da população negra nos cursos; fatores críticos para inserção da saúde da população negra; e ações afirmativas e branquitude docente nos cursos de graduação em saúde.
Na primeira oficina, participaram duas professoras do curso de Saúde Coletiva, três professoras e um professor do curso de Enfermagem e quatro professoras e um professor do curso de Medicina, totalizando dez docentes. Considerando que o NDE prevê a participação de estudantes e técnicas/os em assuntos educacionais, na oficina do curso de Medicina participaram um estudante e um técnico.
Na segunda oficina com o NDE do curso de Medicina, houve participação de cinco integrantes, dos quais uma professora e o representante discente também participaram da primeira oficina. Das/os 16 participantes - 11 mulheres e cinco homens -, nove se autodeclararam brancas/os; cinco pardas/os; um preto e um não declarou raça ou cor. As oficinas ocorreram entre os meses de setembro de 2019 e março de 2020.
Em decorrência da pandemia de Covid-19, a segunda oficina ocorreu apenas com o NDE do curso de Medicina.
Saúde da população negra nos cursos de saúde e fatores críticos para a sua inserção
A análise documental dos cursos estudados possibilitou sistematizar como a saúde da população negra aparece nas disciplinas identificadas segundo quantidade, tipo de créditos (obrigatórios ou optativos) e semestre predominante. No Quadro 1, pode-se observar que o tema aparece concentrado no início dos cursos e, considerando o total de créditos exigidos na formação, em uma porcentagem baixa das disciplinas.
Essa análise foi apresentada às/aos participantes das oficinas dos NDE, reconhecendo-se a lacuna e a incipiência da abordagem da saúde da população negra nos cursos estudados e realizando um diálogo sobre os fatores críticos que têm determinado essa situação.
Sobre os fatores que dificultam a inserção da saúde da população negra no ensino, no âmbito do curso de Saúde Coletiva, as participantes sinalizaram a falta de embasamento e de tempo disponível das/os professoras/es para a sua abordagem e que essa situação deixa a pauta solta nas disciplinas. As representantes do NDE de Saúde Coletiva apontaram, ainda, a falta de um diagnóstico das disciplinas que estão abordando o tema e que a baixa participação de professoras/es em espaços como o NDE dificulta a sensibilização da temática no curso. Essa observação decorreu em razão de apenas duas professoras terem atendido ao convite de participação na dinâmica proposta. Ressalta-se que a oficina foi agendada dentro de uma reunião ordinária, de realização periódica mensal, em um espaço já instituído, e mesmo assim não contou com a presença da maioria dos membros do NDE. Por fim, as docentes identificaram que o debate sobre classe social tem sido mais abordado nas discussões históricas da Saúde Coletiva.
Já no curso de Medicina, um dos fatores que dificultam a inserção da pauta da saúde da população negra é que, segundo as/os docentes, a sua abordagem tem foco mais assistencial que político, não incluindo a dimensão de equidade como direito, acesso e construção social. O curso dá ênfase a doenças prevalentes e determinantes genéticos e biológicos da população negra (Conceição, Riscado e Vilela, 2018 CONCEIÇÃO, Maria C.; RISCADO, Jorge L. S.; VILELA, Rosana Q. B. Relações étnico-raciais na perspectiva da saúde da população negra no curso de Medicina: análise curricular. Revista Brasileira de Ensino Superior, Passo Fundo, v. 4, n. 3, p. 34-56, jul./set. 2018. https://doi.org/10.18256/2447-3944.2018.v4i3.2606. Disponível em: https://seer.imed.edu.br/index.php/REBES/article/view/2606/2378 . Acesso em: 29 jul. 2022.
https://seer.imed.edu.br/index.php/REBES...
).
No curso de Enfermagem, um dos fatores identificados como dificultador é que o debate sobre as políticas para as ditas minorias não é transversalizado na formação e depende da iniciativa de professoras/es específicas/os - convergindo para as observações dos cursos de Saúde Coletiva e Medicina. Uma das docentes salientou que percebe que o sistema de saúde não funciona e que isso dificulta o acesso das pessoas aos serviços, mas que não considera que fatores como raça e cor estão associados às iniquidades de acesso.
Nas oficinas dos cursos de Medicina e de Saúde Coletiva, a vivência de docentes em espaços de movimentos sociais foi um dos fatores mencionados como importantes para trabalhar a saúde da população negra no ensino, o que contribui para o entendimento e a concepção ampliada dos determinantes sociais de saúde. Foi explicitada a necessidade de que professoras/es tenham contato com a temática durante o processo formativo para a docência. Ressaltou-se, ainda, a importância de atividades de ensino que envolvam as políticas de saúde, mas também que elas sejam associadas ao cenário real, para que possam ocorrer vivências e a identificação de como elas são operacionalizadas nos diferentes territórios.
Na oficina da Saúde Coletiva, foi mencionado que nem sempre a saúde da população negra é trabalhada considerando uma contextualização com o processo histórico da questão racial no Brasil, desconectando-se, assim, o tema da realidade, questão que aparece de forma semelhante no curso de Medicina. Essa observação chama a atenção para o distanciamento que a sociedade brasileira tem com o processo histórico da questão racial, tratado de maneira superficial e equivocada desde as primeiras séries do ensino fundamental até o ensino superior. A lógica da colonialidade foi introjetada de maneira tão eficiente que as instituições de ensino reproduzem o contexto de dominação existente, fazendo com que predomine um “sistema de ideias divorciado da realidade política e econômica” (Collins, 2018COLLINS, Patrícia H. Epistemologia feminista negra. In: BERNARDINO-COSTA, Joaze; MALDONADO-TORRES, Nelson; GROSFOGUEL, Ramón (org.). Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico . Belo Horizonte: Autêntica , 2018. p.139-170. (Coleção Cultura Negra e Identidade)., p. 164).
A decolonialidade como um projeto acadêmico-político pode ajudar a desvelar por que as abordagens com foco mais assistencial do que político predominam nos cursos de graduação em saúde analisados. Para Bernardino-Costa, Maldonado-Torres e Grosfoguel (2018)BERNARDINO-COSTA, Joaze; MALDONADO-TORRES, Nelson; GROSFOGUEL, Ramón. Introdução. In: BERNARDINO-COSTA, Joaze; MALDONADO-TORRES, Nelson; GROSFOGUEL, Ramón (org.). Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico. Belo Horizonte: Autêntica, 2018. p. 9-26. (Coleção Cultura Negra e Identidade)., esse projeto acadêmico-político considera a luta das populações africanas e das populações afrodiaspóricas, trazendo ao primeiro plano a luta política
das mulheres negras, dos quilombolas, dos diversos movimentos negros, do povo de santo, dos jovens da periferia, da estética e arte negra, bem como de uma enormidade de ativistas e intelectuais (Bernardino-Costa, Maldonado-Torres e Grosfoguel, 2018BERNARDINO-COSTA, Joaze; MALDONADO-TORRES, Nelson; GROSFOGUEL, Ramón. Introdução. In: BERNARDINO-COSTA, Joaze; MALDONADO-TORRES, Nelson; GROSFOGUEL, Ramón (org.). Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico. Belo Horizonte: Autêntica, 2018. p. 9-26. (Coleção Cultura Negra e Identidade)., p. 10).
O movimento negro como sujeito coletivo e político, cujo caráter possibilita “movimentos de produção de discursos, de interpretações antagônicas e de conflitos, de novos significados e ações, com foco na luta política contra o racismo” (Gomes, 2011GOMES, Nilma L. O movimento negro no Brasil: ausências, emergências e a produção dos saberes. Política & Sociedade, Florianópolis, v. 10, n. 18, 2011. https://doi.org/10.5007/2175-7984.2011v10n18p13. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/politica/article/view/2175-7984.2011v10n18p133 . Acesso em: 29 jul. 2022.
https://periodicos.ufsc.br/index.php/pol...
, p. 136), contribui para a “construção de uma nova interpretação da trajetória dos negros no Brasil” (Gomes, 2011GOMES, Nilma L. O movimento negro no Brasil: ausências, emergências e a produção dos saberes. Política & Sociedade, Florianópolis, v. 10, n. 18, 2011. https://doi.org/10.5007/2175-7984.2011v10n18p13. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/politica/article/view/2175-7984.2011v10n18p133 . Acesso em: 29 jul. 2022.
https://periodicos.ufsc.br/index.php/pol...
, p. 136). Trata-se, portanto, de colocar na pauta da política educacional “as práticas, os projetos e as políticas voltadas para a diversidade étnico-racial”, bem como medidas para a superação de desigualdades (Gomes, 2011GOMES, Nilma L. O movimento negro no Brasil: ausências, emergências e a produção dos saberes. Política & Sociedade, Florianópolis, v. 10, n. 18, 2011. https://doi.org/10.5007/2175-7984.2011v10n18p13. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/politica/article/view/2175-7984.2011v10n18p133 . Acesso em: 29 jul. 2022.
https://periodicos.ufsc.br/index.php/pol...
, p. 139).
Outra contribuição diz respeito aos saberes políticos e como as ações afirmativas têm tocado na cultura política e nas relações de poder. A inserção da saúde da população negra com foco político nos cursos de saúde requer tocar na cultura política dessas faculdades historicamente elitizadas, alocadas em uma estrutura organizacional universitária em que as relações de poder e dominação estão presentes. Com essa perspectiva, é importante desvelar as limitações da abordagem de competências culturais tão em voga em muitas instituições de ensino superior (Green et al., 2017 GREEN, Alexander R. et al. Measuring medical students’ preparedness and skills to provide cross-cultural care. Health Equity, v. 1, n. 1, p. 15-22, 2017. https://doi.org/10.1089/heq.2016.0011. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC6071879/pdf/heq.2016.0011.pdf . Acesso em: 29 jul. 2022.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
; Metzl e Petty, 2017METZL, Jonathan M.; PETTY, JuLeigh. Integrating and assessing structural competency in an innovative prehealth curriculum at Vanderbilt University. Academic Medicine, v. 92, n. 3, p. 354-359, mar. 2017. https://doi.org/10.1097/ACM.0000000000001477. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/28225732/ . Acesso em: 29 jul. 2022.
https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/28225732...
; Gouveia, Silva e Pessoa, 2019 GOUVEIA, Eneline A. H.; SILVA, Rodrigo O.; PESSOA, Bruno H. S. Competência cultural: uma resposta necessária para superar as barreiras de acesso à saúde para populações minorizadas. Revista Brasileira de Educação Médica, Brasília, DF, v. 43, n. 1, Supl. 1, p. 82-90, 2019. https://doi.org/10.1590/1981-5271v43suplemento1-20190066. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbem/a/N9VB6SJs3Yxfnyyv3kQcDbt/?lang=pt . Acesso em: 29 jul. 2022.
https://www.scielo.br/j/rbem/a/N9VB6SJs3...
). Essa abordagem foca na sensibilização de docentes e estudantes para as singularidades e diversidades de populações de maior vulnerabilidade decorrentes das condições étnico-raciais e não investe em enfrentar as iniquidades, inclusive de partilha de poderes. Para Gouveia, Silva e Pessoa (2019 GOUVEIA, Eneline A. H.; SILVA, Rodrigo O.; PESSOA, Bruno H. S. Competência cultural: uma resposta necessária para superar as barreiras de acesso à saúde para populações minorizadas. Revista Brasileira de Educação Médica, Brasília, DF, v. 43, n. 1, Supl. 1, p. 82-90, 2019. https://doi.org/10.1590/1981-5271v43suplemento1-20190066. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbem/a/N9VB6SJs3Yxfnyyv3kQcDbt/?lang=pt . Acesso em: 29 jul. 2022.
https://www.scielo.br/j/rbem/a/N9VB6SJs3...
, p. 87), o processo de aprendizagem é complexo e há “resistência dos profissionais de saúde para saírem de sua zona de conforto, no sentido de desenvolverem consciência do privilégio e desvantagem, racismo e preconceito presentes nas relações”.
As escolas, as universidades e a política devem pautar discussões e projetos visando medidas de superação das diferenças étnico-raciais que se transformaram em desigualdades nesses espaços (Gomes, 2011GOMES, Nilma L. O movimento negro no Brasil: ausências, emergências e a produção dos saberes. Política & Sociedade, Florianópolis, v. 10, n. 18, 2011. https://doi.org/10.5007/2175-7984.2011v10n18p13. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/politica/article/view/2175-7984.2011v10n18p133 . Acesso em: 29 jul. 2022.
https://periodicos.ufsc.br/index.php/pol...
). A PNSIPN também reconhece essas desigualdades e estabelece como fundamental que a equidade seja base de políticas específicas e que essas devem considerar o racismo institucional e o processo saúde-doença da população negra (Rinehart, 2013RINEHART, Denise. Política Nacional de Saúde Integral da População Negra: discursos da gestão municipal do SUS. 2013. 193 f. Dissertação (Mestrado em Ciências da Saúde) - Faculdade de Ciências da Saúde, Universidade de Brasília, Brasília, DF, 2013. Disponível em: https://repositorio.unb.br/handle/10482/14421 . Acesso em: 29 jul. 2022.
https://repositorio.unb.br/handle/10482/...
).
Nas oficinas, as/os participantes compartilharam que o formato tradicional dos programas de ensino-aprendizagem das disciplinas, a falta de tempo disponível ao estudo do tema e a pressão produtivista da universidade são alguns fatores que dificultam a abordagem da saúde da população negra na formação em saúde. O processo de organização das aulas também foi apontado, pois, segundo os relatos, há uma quantidade insuficiente de docentes responsáveis por muitas turmas, e como elas têm muitos alunos, não é possível a utilização de abordagens problematizadoras e um ensino de qualidade.
Para as/os participantes, esses aspectos sobre o processo do trabalho docente refletem-se na situação de implementação da temática da saúde da população negra no ensino dos cursos. O NDE do curso de Saúde Coletiva identificou que há uma descontextualização da forma como essa temática está inserida e que o seu estágio de implantação foi considerado incipiente. No NDE do curso de Medicina, percebe-se que o tema aparece sem foco específico para a população negra e que o seu estágio está iniciado, mas não completo. Para o NDE de Enfermagem, ela está inserida de forma implícita nas disciplinas que abordam as políticas de saúde.
Esses resultados indicam a importância das DCNERER nos cursos de graduação, segundo Monteiro (2016MONTEIRO, Rosana B. Educação permanente em saúde e as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das relações étnico-raciais e para ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 25, n. 3, p. 524-534, 2016. https://doi.org/10.1590/S0104-1290201612600. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sausoc/a/xXgbYkGkxVqd9GvSnrMCqVh/?lang=pt . Acesso em: 27 jul. 2022.
https://www.scielo.br/j/sausoc/a/xXgbYkG...
):
As DCNERER afirmam que, prioritariamente, os cursos de formação de professores estão obrigados a incluir os conteúdos relacionados à história e à cultura afro-brasileira e africana, o que implica a atenção de alguns cursos da área da saúde, com destaque para o de Enfermagem, que se trata de uma licenciatura. Infelizmente, os cursos da área da saúde pouco ou nada têm feito no sentido de considerar o tema em questão como conteúdo pertinente à formação dos novos profissionais da saúde − curiosamente em um país com metade da população autodeclarada negra (Monteiro, 2016MONTEIRO, Rosana B. Educação permanente em saúde e as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das relações étnico-raciais e para ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 25, n. 3, p. 524-534, 2016. https://doi.org/10.1590/S0104-1290201612600. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sausoc/a/xXgbYkGkxVqd9GvSnrMCqVh/?lang=pt . Acesso em: 27 jul. 2022.
https://www.scielo.br/j/sausoc/a/xXgbYkG... , p. 525).
Gomes (2018GOMES, Nilma L. O movimento negro e a intelectualidade negra descolonizando os currículos. In: BERNARDINO-COSTA, Joaze; MALDONADO-TORRES, Nelson; GROSFOGUEL, Ramón (org.). Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico . Belo Horizonte: Autêntica , 2018. p. 223-246. (Coleção Cultura Negra e Identidade).) acrescenta que o currículo vai além da visão limitada de transmissão de conteúdo. Suas narrativas “contam histórias coloniais e ficam noções particulares de raça, classe, gênero, sexualidade e idade” (Gomes, 2018GOMES, Nilma L. O movimento negro e a intelectualidade negra descolonizando os currículos. In: BERNARDINO-COSTA, Joaze; MALDONADO-TORRES, Nelson; GROSFOGUEL, Ramón (org.). Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico . Belo Horizonte: Autêntica , 2018. p. 223-246. (Coleção Cultura Negra e Identidade)., p. 228), além de envolverem relações de poder, forjando subjetividades por meio das práticas coloniais. É por esse motivo que a autora reafirma a urgência em se descolonizar o currículo, principalmente com o desmonte que tem sido projetado por um governo que vê a educação como uma ameaça e tem tentado atacá-la de todas as formas.
Embora haja o currículo oficial nas instituições, que não tem direcionado a uma educação emancipadora, há um currículo vivo e dinâmico, presente nas histórias de vida e no que está ocultado. Por isso, a proposta apresentada por Gomes (2018GOMES, Nilma L. O movimento negro e a intelectualidade negra descolonizando os currículos. In: BERNARDINO-COSTA, Joaze; MALDONADO-TORRES, Nelson; GROSFOGUEL, Ramón (org.). Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico . Belo Horizonte: Autêntica , 2018. p. 223-246. (Coleção Cultura Negra e Identidade).) é a descolonização dos currículos numa perspectiva negra e brasileira.
Gomes (2018GOMES, Nilma L. O movimento negro e a intelectualidade negra descolonizando os currículos. In: BERNARDINO-COSTA, Joaze; MALDONADO-TORRES, Nelson; GROSFOGUEL, Ramón (org.). Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico . Belo Horizonte: Autêntica , 2018. p. 223-246. (Coleção Cultura Negra e Identidade).) também enfatiza o movimento que tem ocorrido em alguns espaços universitários de inserção de autoras/es negras/os nos programas de graduação e pós-graduação. Uma das autoras desse grupo é bell hooks, cuja contribuição a respeito da educação como prática de liberdade evidencia que, em resposta a esse movimento de mudança das instituições de ensino, há um acirramento das questões sociais, políticas e culturais que têm buscado deslegitimar os saberes tradicionais e frear iniciativas que visem à transformação dos espaços educacionais. A autora, porém, sensibiliza o/a leitor/a, acreditando que seja possível “ensinar de um jeito que transforma a consciência, criando um clima de livre expressão que é a essência de uma educação em artes liberais verdadeiramente libertadora” (Hooks, 2013 HOOKS, Bell. Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade. Tradução de Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: Martins Fontes, 2013., p. 63).
Uma das perguntas feitas às/aos docentes foi sobre como tem sido a resposta e aceitação das/os discentes quando a saúde da população negra é abordada nas aulas. No curso de Saúde Coletiva, as professoras compartilharam que o centro acadêmico tem realizado reuniões para debater a questão racial em consideração à demanda das/os alunas/os com críticas ao posicionamento institucional sobre o tema. Elas reconheceram que há uma militância estudantil que contribui para que a pauta seja promovida, gerando uma visibilidade dos processos sociais e das desigualdades existentes no curso.
No curso de Medicina, o discente representante do NDE compartilhou que grande parte das/os colegas reage bem à abordagem da saúde da população negra, em especial as/os alunas/os negras/os que vivenciam o racismo; porém, a abordagem precisa ser feita de forma mais efetiva no curso.
Uma professora do curso de Enfermagem relatou a manifestação de estudantes indígenas nas aulas, que mencionaram o desejo de voltar às comunidades de origem para dar retorno sobre as aprendizagens durante a formação universitária. Mesmo em disciplinas com turmas maiores, as/os professoras/es desse curso não perceberam destaque em dúvidas ou demandas direcionadas à população negra feitas pelas/os discentes.
Ações afirmativas e branquitude docente
As ações afirmativas emergiram na produção dos dados das oficinas, tanto no sentido do reconhecimento delas, como forma de reparação histórica e de direitos, quanto com base no debate sobre o mérito para acesso às universidades. Esse assunto gerou algumas divergências entre as/os participantes do NDE de Medicina. Por exemplo, uma das professoras expôs que entende as ações afirmativas do ponto de vista da relevância da inserção, porém afirmou que, do ponto de vista conceitual, não era favorável às cotas, reforçando que defendia a ideia de mérito. Em divergência, outra professora posicionou-se considerando as ações afirmativas como um direito. No curso de Enfermagem, destacou-se a importância do ingresso da população negra nas universidades e que a construção da identidade dessas/es alunas/os nos cursos também é relevante.
Foi perceptível nas oficinas a ausência de relatos sobre vivências de docentes negras/os. Apenas no curso de Medicina um professor autodeclarado preto compartilhou sua vivência no período de formação em Medicina em uma universidade federal e, atualmente, na docência. Ele contou que no período da sua formação as pessoas questionavam por que um negro cursava Medicina, além de ter relatado situações explicitamente racistas praticadas por docentes. Trazendo situações vivenciadas atualmente, relatou como a sua área de atuação ainda tem poucas/os médicas/os negras/os. Destacou, também, que tem percebido que na maioria das vezes são as/os estudantes negras/os que têm se posicionado sobre o curso de Medicina ser elitista. Por outro lado, acrescentou que o ingresso de alunas/os negras/os possibilitou que o espaço universitário enegrecesse, mas que ainda é preciso que o movimento também aconteça no campo docente.
Para aprofundar o entendimento sobre o processo de ações afirmativas, faz-se necessário perceber a estrutura de dominação existente no sistema educacional. Carvalho (2018 CARVALHO, José J. Encontro de saberes e cotas epistêmicas: um movimento de descolonização do mundo acadêmico brasileiro. In: BERNARDINO-COSTA, Joaze; MALDONADO-TORRES, Nelson; GROSFOGUEL, Ramón (org.). Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico . Belo Horizonte: Autêntica , 2018. p. 79-106. (Coleção Cultura Negra e Identidade).) discorre sobre como o papel das cotas étnico-raciais foi essencial para as universidades brasileiras e “suscitou o debate sobre o caráter excessivamente eurocêntrico das nossas universidades e da sua mentalidade colonizada de origem” (Carvalho, 2018 CARVALHO, José J. Encontro de saberes e cotas epistêmicas: um movimento de descolonização do mundo acadêmico brasileiro. In: BERNARDINO-COSTA, Joaze; MALDONADO-TORRES, Nelson; GROSFOGUEL, Ramón (org.). Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico . Belo Horizonte: Autêntica , 2018. p. 79-106. (Coleção Cultura Negra e Identidade)., p. 80). Há um reconhecimento de como as cotas étnico-raciais têm sido relevantes para o ingresso de estudantes negras/os e indígenas nas universidades, mas outro ponto que merece atenção é como estas são estruturadas e como têm reproduzido um pensamento arrogante e colonizador. Como afirma o autor, esse questionamento é intelectual e político:
[...] não seria de modo algum satisfatório implementar ações afirmativas para jovens negros e indígenas sem, paralelamente, mudar o currículo colonizado, racista e branqueado que vem se repetindo cronicamente em todas as nossas instituições de ensino superior (Carvalho, 2018 CARVALHO, José J. Encontro de saberes e cotas epistêmicas: um movimento de descolonização do mundo acadêmico brasileiro. In: BERNARDINO-COSTA, Joaze; MALDONADO-TORRES, Nelson; GROSFOGUEL, Ramón (org.). Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico . Belo Horizonte: Autêntica , 2018. p. 79-106. (Coleção Cultura Negra e Identidade)., p. 80).
Carvalho (2018 CARVALHO, José J. Encontro de saberes e cotas epistêmicas: um movimento de descolonização do mundo acadêmico brasileiro. In: BERNARDINO-COSTA, Joaze; MALDONADO-TORRES, Nelson; GROSFOGUEL, Ramón (org.). Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico . Belo Horizonte: Autêntica , 2018. p. 79-106. (Coleção Cultura Negra e Identidade).) também defende a centralidade da universidade e como ela tem papel fundamental na formação dos futuros profissionais das mais diversas áreas. Ressalta-se, ainda, a formação de profissionais da área da saúde. Não basta a entrada de estudantes negras/os e indígenas nas universidades se o saber eurocêntrico continuar a moldar o ensino. Por isso, o autor afirma que é necessário um movimento que venha também das/os docentes, do formato institucional, no convívio e “na sua conformação epistêmica geral (cursos, disciplinas, ementas, teorias, pedagogias etc.)” (Carvalho, 2018 CARVALHO, José J. Encontro de saberes e cotas epistêmicas: um movimento de descolonização do mundo acadêmico brasileiro. In: BERNARDINO-COSTA, Joaze; MALDONADO-TORRES, Nelson; GROSFOGUEL, Ramón (org.). Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico . Belo Horizonte: Autêntica , 2018. p. 79-106. (Coleção Cultura Negra e Identidade)., p. 81).
Mello e Resende (2020MELLO, Luiz; RESENDE, Ubiratan P. Concursos públicos federais para docentes e ações afirmativas para candidatos negros. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 50, n. 175, p. 8-28, jan./mar. 2020. https://doi.org/10.1590/198053146788. Disponível em: https://www.scielo.br/j/cp/a/8rgdRZSDznLBJnZPq6sYbPL/?format=pdf⟨=pt . Acesso em: 29 jul. 2022.
https://www.scielo.br/j/cp/a/8rgdRZSDznL...
, p. 4) analisaram a aplicação da lei n. 12.990/2014 (Brasil, 2014 CONCEIÇÃO, Maria C.; RISCADO, Jorge L. S.; VILELA, Rosana Q. B. Relações étnico-raciais na perspectiva da saúde da população negra no curso de Medicina: análise curricular. Revista Brasileira de Ensino Superior, Passo Fundo, v. 4, n. 3, p. 34-56, jul./set. 2018. https://doi.org/10.18256/2447-3944.2018.v4i3.2606. Disponível em: https://seer.imed.edu.br/index.php/REBES/article/view/2606/2378 . Acesso em: 29 jul. 2022.
https://seer.imed.edu.br/index.php/REBES...
) para vagas de concursos públicos para candidatas/os negras/os nas carreiras docentes e constaram que “o percentual de 20% de reserva de vagas legalmente previsto para candidatas/os negras/os está longe de ser alcançado”. Além disso, chegaram à conclusão que
as instituições federais de ensino, incluídas UFs e IFs, estão longe de se beneficiarem plenamente das boas intenções da Lei n. 12.990 (Brasil, 2014BRASIL. Lei n. 12.990, de 9 de junho de 2014. Reserva aos negros 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União. Diário Oficial da União, Brasília, DF, seção 1, n. 109, p. 39, 10 jun. 2014.), no que diz respeito à diversificação do perfil de raça/cor de suas/seus docentes, haja vista o não cumprimento do percentual de reserva de 20% das vagas para candidatas/os negras/os nos respectivos concursos públicos. Além disso, o governo federal não tem monitorado e avaliado, como legalmente previsto, os impactos da lei em questão na composição do quadro de servidores/as públicos federais, haja vista a ausência completa de dados públicos acerca da forma como as reservas de vagas para candidatas/os negras/os tem sido realizada nos concursos em geral e nos relativos às carreiras docentes em particular (Mello e Resende, 2020MELLO, Luiz; RESENDE, Ubiratan P. Concursos públicos federais para docentes e ações afirmativas para candidatos negros. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 50, n. 175, p. 8-28, jan./mar. 2020. https://doi.org/10.1590/198053146788. Disponível em: https://www.scielo.br/j/cp/a/8rgdRZSDznLBJnZPq6sYbPL/?format=pdf⟨=pt . Acesso em: 29 jul. 2022.
https://www.scielo.br/j/cp/a/8rgdRZSDznL... , p. 16).
Os autores problematizam os achados do estudo com base em uma análise conjuntural de “um cenário de recrudescimento de discursos meritocráticos que colocam em xeque a legitimidade de ações afirmativas para pessoas negras” (Mello e Resende, 2020MELLO, Luiz; RESENDE, Ubiratan P. Concursos públicos federais para docentes e ações afirmativas para candidatos negros. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 50, n. 175, p. 8-28, jan./mar. 2020. https://doi.org/10.1590/198053146788. Disponível em: https://www.scielo.br/j/cp/a/8rgdRZSDznLBJnZPq6sYbPL/?format=pdf⟨=pt . Acesso em: 29 jul. 2022.
https://www.scielo.br/j/cp/a/8rgdRZSDznL...
, p. 1). Eles mostram, ainda, que a universidade permanece um espaço institucional racista de colonização epistêmica, também evidenciado por Carvalho (2018 CARVALHO, José J. Encontro de saberes e cotas epistêmicas: um movimento de descolonização do mundo acadêmico brasileiro. In: BERNARDINO-COSTA, Joaze; MALDONADO-TORRES, Nelson; GROSFOGUEL, Ramón (org.). Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico . Belo Horizonte: Autêntica , 2018. p. 79-106. (Coleção Cultura Negra e Identidade).).
A segunda oficina (NDE Medicina) possibilitou o surgimento de uma nova categoria de análise para o estudo: branquitude docente nos cursos de graduação em saúde. Essa categoria emergiu do diálogo das professoras que reproduziram discursos de que “todos são brasileiros”, “o que existe é raça humana” e que o problema que precisa ser realmente trabalhado é “a diferença existente pela classe social”, o que são dificultadores para o entendimento da questão racial na formação sócio-histórica brasileira. Apesar de ter emergido mais explicitamente na segunda oficina, essas falas também foram percebidas nas oficinas da fase 1.
Nas duas oficinas, as/os participantes sinalizaram que têm dificuldades de realizar o preenchimento do quesito raça e cor por receio de perguntar às/aos usuárias/os ou por acharem que essa pode ser uma atitude preconceituosa. Inclusive, algumas/alguns admitiram que não sabem como se autodeclarar. Uma docente manifestou não saber como se autodeclarar, apesar de no seu registro de nascimento constar a raça ou cor branca. As/os participantes relataram, ainda, situações em que professoras/es, alunas/os e profissionais dos serviços de saúde não perguntam como as/os usuários se autodeclaram, fazendo a heteroidentificação nas fichas de atendimento. O mais preocupante, ainda, foi a constatação de que vários docentes não identificam a importância desse quesito para gerar informações em saúde. Além disso, cabe destacar que as docentes participantes da segunda oficina se identificaram em muitos momentos, trazendo suas vivências como mulheres numa sociedade patriarcal e dando exemplos de estereótipos de gênero que são impostos às mulheres, mas não fizeram uma reflexão de que são mulheres brancas e dos privilégios existentes por essa condição racial.
Considerando as falas reproduzidas nas oficinas, destaca-se que é preciso discutir o racismo pelo viés da branquitude, já que, como afirma Bento (2002BENTO, Maria A. S. Branqueamento e branquitude no Brasil. In: CARONE, Iray; BENTO, Maria A. S. (org.). Psicologia social do racismo: estudos sobre branquitude e branqueamento no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 25-58. Disponível em: http://www.media.ceert.org.br/portal-3/pdf/publicacoes/branqueamento-e-branquitude-no-brasil.pdf . Acesso em: 29 jul. 2022.
http://www.media.ceert.org.br/portal-3/p...
, p. 3), “evitar focalizar o branco é evitar discutir as diferentes dimensões do privilégio”. Quando Carneiro (2005CARNEIRO, Aparecida S. A construção do outro como não-ser como fundamento do ser. 2005. 339 f. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005. Disponível em: https://negrasoulblog.files.wordpress.com/2016/04/a-construc3a7c3a3o-do-outro-como-nc3a3o-ser-como-fundamento-do-ser-sueli-carneiro-tese1.pdf . Acesso em: 29 jul. 2022.
https://negrasoulblog.files.wordpress.co...
) fala sobre a necessidade de enegrecer o feminismo, faz também a pergunta ‘de que mulheres estamos falando?’ e defende um enfrentamento a todas as formas de opressão. Ribeiro (2018RIBEIRO, Djamila. Quem tem medo do feminismo negro?. São Paulo: Companhia das Letras, 2018., p. 84) considera que, “numa sociedade de herança escravocrata, patriarcal e classista, cada vez mais se torna necessário o aporte teórico e prático que o feminismo negro traz para pensarmos um novo marco civilizatório” e que, portanto, a interseccionalidade possibilita “uma verdadeira prática, que não negue identidades em detrimento de outras” (Ribeiro, 2018RIBEIRO, Djamila. Quem tem medo do feminismo negro?. São Paulo: Companhia das Letras, 2018., p. 83). Portanto, por meio da interseccionalidade é possível qualificar o olhar a respeito dos sistemas de dominação que contribuem para a reprodução de iniquidades (Santiago e Faria, 2021SANTIAGO, Flavio; FARIA, Ana L. G. Feminismo negro e pensamento interseccional: contribuição para as pesquisas das culturas infantis. Educação & Sociedade , Campinas, v. 42, e239933, 2021. https://doi.org/10.1590/ES.239933. Disponível em: https://www.scielo.br/j/es/a/qzyyYKFLrmdBfC3mMpkQvKL/?format=pdf⟨=pt . Acesso em: 29 jul. 2022.
https://www.scielo.br/j/es/a/qzyyYKFLrmd...
; Heard et al., 2020 HEARD, Emma et al. Applying intersectionality theory in health promotion research and practice. Health Promotion International, Oxford, v. 35, n. 4, p. 866-876, ago. 2020. https://doi.org/10.1093/heapro/daz080. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/31390472/ . Acesso em: 29 jul. 2022.
https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/31390472...
; Crenshaw, 2002CRENSHAW, Kimberlé. Documento para o encontro de especialistas em aspectos da discriminação racial relativos ao gênero. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 10, n. 1, p. 171-188, jan./jun. 2002. https://doi.org/10.1590/S0104-026X2002000100011. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ref/a/mbTpP4SFXPnJZ397j8fSBQQ/?format=pdf⟨=pt . Acesso em: 29 jul. 2022.
https://www.scielo.br/j/ref/a/mbTpP4SFXP...
).
As contradições existentes ao longo das oficinas ressaltam a necessidade de estudos que procurem entender a “interferência da branquitude como uma guardiã silenciosa de privilégios” (Bento, 2002BENTO, Maria A. S. Branqueamento e branquitude no Brasil. In: CARONE, Iray; BENTO, Maria A. S. (org.). Psicologia social do racismo: estudos sobre branquitude e branqueamento no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 25-58. Disponível em: http://www.media.ceert.org.br/portal-3/pdf/publicacoes/branqueamento-e-branquitude-no-brasil.pdf . Acesso em: 29 jul. 2022.
http://www.media.ceert.org.br/portal-3/p...
, p. 15), bem como destacar o lugar de onde “os estudiosos falam, de onde partem para fazer suas análises que podem orientar concepções e práticas de diversificados atores sociais” (Bento, 2002BENTO, Maria A. S. Branqueamento e branquitude no Brasil. In: CARONE, Iray; BENTO, Maria A. S. (org.). Psicologia social do racismo: estudos sobre branquitude e branqueamento no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 25-58. Disponível em: http://www.media.ceert.org.br/portal-3/pdf/publicacoes/branqueamento-e-branquitude-no-brasil.pdf . Acesso em: 29 jul. 2022.
http://www.media.ceert.org.br/portal-3/p...
, p. 26).
Com base nisso e ancorada nos estudos da branquitude, Machado (2018MACHADO, Eliana S. Visibilidade não marcada da branquitude: discursos de mulheres brancas acadêmicas. Revista da Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as (ABPN), v. 10, p. 375-398, jan. 2018. Disponível em: https://abpnrevista.org.br/index.php/site/article/view/545 . Acesso em: 29 jul. 2022.
https://abpnrevista.org.br/index.php/sit...
) analisou discursos de professoras brancas acadêmicas de uma universidade federal. A autora entrevistou professoras para compreender as suas identidades em relação às próprias trajetórias profissionais e constatou nos discursos das entrevistadas “a postura hegemônica no meio acadêmico acerca da prevalência do preconceito de classe sobre o preconceito racial” (Machado, 2018MACHADO, Eliana S. Visibilidade não marcada da branquitude: discursos de mulheres brancas acadêmicas. Revista da Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as (ABPN), v. 10, p. 375-398, jan. 2018. Disponível em: https://abpnrevista.org.br/index.php/site/article/view/545 . Acesso em: 29 jul. 2022.
https://abpnrevista.org.br/index.php/sit...
, p. 391), além da negação de conflito racial justificado pela miscigenação, do não reconhecimento de ocupação de lugar de privilégios em relação à cor e da ocultação do racismo no plano discursivo.
Ribeiro (2018RIBEIRO, Djamila. Quem tem medo do feminismo negro?. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.) aponta que, historicamente, a população negra está fora das estruturas de poder - uma das formas nas quais o racismo institucional opera -, colocando em evidência que as contribuições de feministas negras têm ajudado no entendimento de como a linguagem dominante é uma forma de manutenção de poder. Um exemplo de como essa relação dos espaços de poder e do racismo institucional acontecem em diferentes setores foi explicitada por meio do informativo Desigualdades sociais por cor ou raça no Brasil (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2019INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Desigualdades sociais por cor ou raça no Brasil. Brasília, DF: IBGE, 2019. (Estudos e Pesquisas: Informação Demográfica e Socioeconômica, n. 41). Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php/biblioteca-catalogo?view=detalhes&id=2101681 . Acesso em: 27 jul. 2022.
https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php...
). As ponderações de Ribeiro (2018)RIBEIRO, Djamila. Quem tem medo do feminismo negro?. São Paulo: Companhia das Letras, 2018. também contribuem para o entendimento de falas sobre a exaltação da miscigenação racial que emergiram no decorrer da pesquisa. Durante as oficinas, considerando essas falas, foram projetados slides com imagens de jovens e crianças negras assassinadas/os nos últimos anos no Brasil, referenciando estudos que abordam o genocídio da população negra, para exemplificar que há um discurso de igualdade, mas que, na prática, as evidências têm mostrado o contrário (Ribeiro, 2018RIBEIRO, Djamila. Quem tem medo do feminismo negro?. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.).
Mas, como indagado nas oficinas, se todos somos da raça humana, como justificar, por exemplo, o genocídio da população negra? Primeiro, é preciso refletir sobre como a população negra foi, e ainda é, destituída de humanidade (Bento, 2002BENTO, Maria A. S. Branqueamento e branquitude no Brasil. In: CARONE, Iray; BENTO, Maria A. S. (org.). Psicologia social do racismo: estudos sobre branquitude e branqueamento no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 25-58. Disponível em: http://www.media.ceert.org.br/portal-3/pdf/publicacoes/branqueamento-e-branquitude-no-brasil.pdf . Acesso em: 29 jul. 2022.
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). Segundo, a idealização e a romantização do discurso da igualdade dificultam muito, inclusive, que a abordagem da saúde da população negra ocorra nos serviços de saúde, na formação de estudantes e na formação docente em saúde. Terceiro, a expansão europeia por meio da colonização de territórios utilizou a discussão de raça e do racismo como estratégia de dominação e “princípio organizador daqueles que têm legitimidade e podem formular um conhecimento científico legítimo e daqueles que não o podem” (Bernardino-Costa, Maldonado-Torres e Grosfoguel, 2018BERNARDINO-COSTA, Joaze; MALDONADO-TORRES, Nelson; GROSFOGUEL, Ramón. Introdução. In: BERNARDINO-COSTA, Joaze; MALDONADO-TORRES, Nelson; GROSFOGUEL, Ramón (org.). Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico. Belo Horizonte: Autêntica, 2018. p. 9-26. (Coleção Cultura Negra e Identidade)., p. 11).
Dessa forma, a sua inclusão social aconteceu por meio da desassociação “das marcas sociais e simbólicas da negritude [...], [pois] desracializar-se, recusar ou camuflar a identidade racial no plano dos discursos e das práticas são condições imperativas” (Carneiro, 2005CARNEIRO, Aparecida S. A construção do outro como não-ser como fundamento do ser. 2005. 339 f. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005. Disponível em: https://negrasoulblog.files.wordpress.com/2016/04/a-construc3a7c3a3o-do-outro-como-nc3a3o-ser-como-fundamento-do-ser-sueli-carneiro-tese1.pdf . Acesso em: 29 jul. 2022.
https://negrasoulblog.files.wordpress.co...
, p. 71). No contexto brasileiro, é preciso compreender, ainda, como o projeto de branqueamento estava atrelado a um projeto de nação. Conforme afirma Bento (2002BENTO, Maria A. S. Branqueamento e branquitude no Brasil. In: CARONE, Iray; BENTO, Maria A. S. (org.). Psicologia social do racismo: estudos sobre branquitude e branqueamento no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 25-58. Disponível em: http://www.media.ceert.org.br/portal-3/pdf/publicacoes/branqueamento-e-branquitude-no-brasil.pdf . Acesso em: 29 jul. 2022.
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, p. 20), ele “nasce do medo da elite branca do final do século XIX e início do século XX, cujo objetivo é extinguir progressivamente o segmento negro brasileiro”.
Os resultados que emergiram da realização das oficinas apontam que é necessária a reeducação das relações étnico-raciais atrelada a um trabalho conjunto de articulações entre processos educativos, com envolvimento de diversos setores e políticas públicas, que tenham como objetivo “reparações, reconhecimento e valorização da identidade, da cultura e da história dos negros brasileiros” (Brasil, 2004aBRASIL. Parecer n. 3/2004, de 10 de março de 2004. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Brasília, DF: Ministério da Educação; Conselho Nacional de Educação, 2004a. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/cnecp_003.pdf . Acesso em: 29 jul. 2022.
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, p. 13).
Considerações finais
A despeito dos avanços no arcabouço legal, a inserção do tema saúde da população negra na formação dos cursos de graduação em saúde pesquisados ainda é incipiente e, para as/os participantes, tem como principais dificultadores os processos do trabalho docente.
Para as/os docentes, as oficinas foram importantes para que pudessem visualizar a inserção da temática nos cursos com ênfase nos fatores que facilitam e dificultam esse processo. Destacam-se, por exemplo, o entendimento de como a padronização tradicional dos currículos dificulta transversalizar o tema na formação e como as oficinas promoveram a discussão em grupo das/os integrantes do NDE, que apontaram a necessidade de ouvir as/os estudantes para que suas vozes também sejam consideradas nessa análise. Indicam-se, assim, possibilidades de estudos futuros com essa intencionalidade.
As conquistas na saúde e na educação advêm das lutas e resistências do movimento negro, sobretudo a respeito da desconstrução do mito da democracia racial e enfrentamento ao racismo institucional. Com essa perspectiva, as iniciativas de inovação de mudança na formação e implantação das DCNERER requerem articulação e reconhecimento dos saberes dos diversos movimentos negros: feminismo negro, jovens da periferia, quilombolas, lideranças de religiosidade de matriz africana (Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde), entre outros.
Os resultados e discussão apresentados possibilitaram depreender que é por meio dos movimentos e pensamentos emancipatórios nos campos político, cultural, pedagógico e epistemológico que se faz possível tensionar rupturas nas relações de poder e nas estruturas do Estado. A abordagem da pesquisa-intervenção foi pertinente para produzir espaços de problematização coletiva e refletiu a postura ético-política de pesquisadoras implicadas, que se recusaram a assumir uma dita neutralidade científica, por meio de práticas decoloniais e do comprometimento com a transformação social.
Na pesquisa, foi possível perceber a recusa que ainda existe por parte da branquitude no reconhecimento do seu racismo, inclusive colocando-se fora desse processo, com tentativas de reafirmação de que apenas a discussão de classe social é suficiente para abarcar as opressões. As mudanças que têm ocorrido em algumas instituições de ensino superior precisam incluir as interseccionalidades na intencionalidade das políticas públicas como ferramenta para ação ou intervenção, sem hierarquização de opressões.
Permanece uma dificuldade de compreensão sobre o conceito e implementação de ações afirmativas, e o seu entendimento é, muitas vezes, limitado ao debate das cotas raciais na educação e ingresso de alunas/os negras/os nas universidades. Constitui um desafio, ainda, a garantia do direito do ingresso de docentes negras/os nas universidades. A colonialidade do saber dita não só como os currículos são construídos, mas também que tipo de saber é considerado relevante e de prestígio nesses espaços. A ‘modernidade’ definiu um padrão universal de conhecimento e de quem pode ser detentor desse saber; assim, as universidades aparecem como forma de reunir aqueles - em sua maioria homens brancos - que são aptos a adquirir e produzir esse conhecimento.
Por fim, algumas recomendações são feitas considerando as reflexões do estudo realizado: inserção da saúde da população negra como pauta política no ensino dos cursos de graduação em saúde; educação permanente sobre o tema para as/os docentes; fortalecimento das ações afirmativas para o ingresso de discentes e docentes negras/os nesses cursos; apoio dos NDEs pelas associações de ensino das categorias profissionais e pela Comissão de Recursos Humanos do Conselho Nacional de Saúde, considerando suas atribuições para a efetivação de mudanças curriculares; e, por fim, investimento em estudos que possibilitem a operacionalização das DCNERER não apenas nos cursos de licenciaturas, mas também naqueles de graduação em áreas da saúde.
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Financiamento
O presente trabalho foi realizado com apoio financeiro da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), mediante pagamento de bolsa de estudos de mestrado a uma das autoras.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
19 Set 2022 -
Data do Fascículo
2022
Histórico
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Recebido
05 Jun 2022 -
Aceito
15 Jul 2022