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Democracia e educação escolar em tempos de pós-pandemia

Democracy and school education in post-pandemic times

La democracia y la educación escolar en tiempos de post-pandemia

Resumo

O objetivo desta nota é colocar em evidência alguns apontamentos para se pensar a educação escolar em tempo de pós-pandemia. As interfaces entre o processo formativo do sujeito e a educação escolar em tempo de pós-pandemia se encontram em um paradoxo: por um lado, a dificuldade na construção, pelo viés democrático, da proposta de ensino da unidade escolar como lugar para se fazer o espaço do comum, na partilha da cultura escolar; por outro lado, a exclusão que se encontra instituída no sistema educacional e que restringe o direito à educação.

Palavras-chave:
educação; escola; pandemia; ecologia

Abstract

The aim of this article is to highlight some notes to think about school education in post-pandemic times. The interfaces between the subject’s formative process and school education in post-pandemic times are in a paradox: on the one hand, the difficulty building, through democratic bias, the proposal of teaching the school unit as a place to make the space of the common, in sharing the school culture; on the other hand, the exclusion that is established in the educational system and that restricts the right to education.

Keywords:
education; school; pandemic; ecology

Resumen

El objetivo de esta nota es poner en evidencia algunos apuntes para pensar en la educación escolar en el tiempo post-pandemia. Las interfaces entre el proceso formativo del sujeto y la educación escolar en tiempo de post-pandemia se encuentran en una paradoja: por un lado, la dificultad de construir, por el sesgo democrático, la propuesta de enseñar la unidad escolar como lugar para hacer el espacio de lo común, compartir la cultura escolar; por otra parte, la exclusión que se ha establecido en el sistema educativo y que limita el derecho a la educación.

Palabras clave:
educación; escuela; pandemia; ecología

Introdução: a crise sanitária, ecológica e cultural

Pode-se constatar que as nossas vidas em sociedade ficaram completamente diferentes após março de 2020, pois durante a pandemia, em decorrência das variantes do SARS-CoV-2, o vírus causador da Covid-19, ocorreu uma subordinação direta do nosso cotidiano às dinâmicas dos protocolos de biossegurança. O grande problema é que o ‘novo normal’ da pandemia se manteve em longa duração e nem todos puderam se proteger plenamente do contágio, em virtude das necessidades de subsistência da vida.

A disseminação do vírus pelo mundo promoveu uma crise sanitária que, por um lado, trata-se de um problema de saúde pública. Entretanto, essa pandemia possui também uma relação direta com o modelo de desenvolvimento que se apresenta na questão da crise ecológica. Deveríamos pensar radicalmente a pandemia como uma manifestação do modo como vivemos no planeta, e que essa doença é o sintoma referente à forma de reação ao modo predatório com que lidamos com a natureza. Pouco se fala dessa situação de crise sanitária como manifestação da crise ecológica, que não é tão nova na história da humanidade, como algo que se repete como indicador do desequilíbrio do ecossistema (Guattari, 2009GUATTARI, Félix. As três ecologias. Tradução: Maria Cristina FBittencourt . Campinas: Papirus, 2009.).

Na perspectiva de prevenção aos processos de contaminação pelo vírus causador da Covid-19, a proposição de fechar as escolas brasileiras ampliou outra crise que seria no âmbito do processo formativo, pois ocorreu o distanciamento simbólico com a cultura escolar. Diante dos fatos produzidos na crise sanitária, ecológica e cultural, a referida análise se inspira em pensar esse acontecimento como a ampliação da perda de experiência de si mesmo na relação com o outro. Portanto, o ponto mais preocupante do referido acontecimento é que a pandemia construiu novas demarcações na redução do campo da experiência do sujeito.

Podemos pensar essa tríade da crise (sanitária, ecológica e cultural) como reflexo da hegemonia estabelecida na tradição cartesiana que opera na separação entre natureza e cultura. Digamos que essas separações entre o sujeito e o duplo de si mesmo e entre a natureza e a cultura são formas de produção alienante e que, unicamente, promovem o objeto de consumo sem a pertinência da condição reflexiva do sujeito. Isso produz uma condição irracional, uma vez que já chegamos às formas de esgotamento dos recursos ambientais e relacionais com o outro, logo, seria como se o planeta e a sociedade manifestassem, respectivamente, um estado de adoecimento, em que o sintoma transparece no mal-estar na cultura (Freud, 1990FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização (1930 [1929]). In: FREUD, Sigmund. Obras completas. Tradução: Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1990. v. 21. p. 75-171. ) e no mal-estar no planeta.

“Educação para quê?” no possível início da pós-pandemia: ensinar e aprender a viver com o outro no planeta

A proposição de Adorno de “educação para quê?” (1995ADORNO, Theodor W. Educação e emancipação. Tradução: Wolfgang Leo Maar. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995., p. 139) torna-se importante no sentido de analisarmos a relevância do processo de escolarização e suas consequências no fechamento das escolas durante a pandemia. A sensação perante essa situação, nesse período de pandemia, foi a de atravessar uma verdadeira tempestade em que, por aproximadamente dois anos, ocorreram diversas ondas de variantes de vírus (Organização Pan-Americana de Saúde, 2021ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DE SAÚDE. OMS anuncia nomenclaturas simples e fáceis de pronunciar para variantes de interesse e de preocupação do SARS-CoV-2. 1 jun. 2021. Disponível em: https://www.paho.org/pt/noticias/1-6-2021-oms-anuncia-nomenclaturas-simples-e-faceis-pronunciar-para-variantes-interesse-e. Acesso em: 7 abr. 2022.
https://www.paho.org/pt/noticias/1-6-202...
). Essas ondas de contaminação estiveram presentes, infectando amplamente a população ao manter os elevados indicadores de contaminação e de mortes pelo adoecimento por Covid-19. Logo, tornou-se muito importante estar confinado e com distanciamento social para se tentar evitar o contágio.

O acontecimento da pandemia constitui a ordem numérica de contaminados e as mortes pela Covid-19, no período de março de 2020 até agosto de 2022, como algo que se apresentou como fator alarmante, pois, segundo os dados oficiais, foram 34 milhões de casos, e 681 mil mortes, apresentando uma letalidade de 2,1% (Brasil, 2022BRASIL. Painel Coronavírus. 2022. Disponível em: https://covid.saude.gov.br/. Acesso em: 8 jun. 2022.
https://covid.saude.gov.br...
). Esses elevados números indicam que atravessamos, naquele período, uma tragédia anunciada, diariamente, por diversos canais de notícias e que por vários dias seguidos o número de mortes se encontrava acima de mil casos. Cabe destacar que, em alguns dias, as médias dos casos de mortes em 2021 foram acima de 3 mil ocorrências. Isso foi algo assustador, principalmente no referido ano: “No dia em que o Brasil registrou a maior média móvel de óbitos pela doença, em 19 de abril, o índice correspondia a uma média de 3 mil” (Brasil, 2021BRASIL. Ministério da Saúde. Reflexos da vacinação. 2021. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2021-1/outubro/media-movel-de-obitos-por-covid-19-tem-queda-de-quase-90-desde-o-pico-da-pandemia. Acesso em: 14 mar. 2022
https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/...
). Apesar dessa turbulência que vivemos, avaliamos que pouco se discutiu sobre essa crise sanitária como esgotamento do modelo de desenvolvimento no modo de produzir e de consumir, fatores que foram o gatilho para disparar a passagem do vírus para a esfera da espécie humana, em que:

Essa passagem e adaptação dos vírus para a espécie humana não poderia levar à ocorrência de uma doença epidêmica se não se verificassem mudanças na sociedade que viabilizassem isso. A febre amarela e a dengue, por exemplo, jamais seriam doenças epidêmicas se não fossem o surgimento de cidades e a adaptação de um vetor artrópode ao meio urbano. Populações nômades que vivem em áreas silvestres podem ter febre amarela, mas essa não se transmitirá entre humanos. A emergência das doenças infecciosas se dá, portanto, desde que humanos passaram a viver em sociedade e ocorreu a interação entre grupos. A maneira como as sociedades se relacionam com a natureza é um determinante crítico no processo de emergência. O que se verifica hoje, no entanto, é a intensificação de um processo milenar. A mudança é quantitativa, não qualitativa. As sociedades estão a cada dia maiores, interagindo cada vez mais e mais rapidamente. A interação com a natureza é mais intensa e extensa (Silva e Angerami, 2008SILVA, Luiz J.; ANGERAMI, Rodrigo N. Emergência de viroses e seus determinantes. In: SILVA, Luiz J.; ANGERAMI, Rodrigo N. Viroses emergentes no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2008. p. 21-27. Disponível em: https://books.scielo.org/id/dsg7h/pdf/silva-9788575413814-03.pdf. Acesso em: 28 abr. 2022.
https://books.scielo.org/id/dsg7h/pdf/si...
, p. 22-23).

Neste contexto, a questão acima mencionada, sobre a crise sanitária, é algo que se amplia para além do terreno do biológico e invade outras áreas. O esgotamento do modelo de desenvolvimento se apresenta também como precarização no modo dos sujeitos pensarem a vida em sociedade, como, por exemplo, torna-se curioso observar a insistência de alguns grupos, denominados negacionistas, que desconsideram por completo as premissas científicas das referidas formas de proteção no campo da biossegurança. Estes, inclusive, ignoram e se recusam a adotar os protocolos, como, por exemplo, o uso correto da máscara de proteção, manter o distanciamento social e, principalmente, a aplicação da vacina. Dessa forma, percebemos o quanto se tornou ponto comum na comunidade científica, no mundo todo, que somente a aplicação correta desses itens de biossegurança veio a ser considerada a única forma efetiva de combater a referida pandemia, e não praias e ruas lotadas por sujeitos que desconsideravam a gravidade da situação (Rocha, 2021ROCHA, Matheus. Praia de Ipanema fica lotada apesar da escalada de Covid no Rio. Folha de São Paulo, São Paulo, 22 ago. 2021. Cotidiano. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2021/08/praia-de-ipanema-fica-lotada-apesar-da-escalada-de-covid-no-rio.shtml. Acesso em: 4 abr. 2022.
https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/...
).

Compreendemos que o ambiente escolar seria o espaço em que se poderiam ocorrer as linhas de discussão sobre o esgotamento do modelo de desenvolvimento e, primordialmente, esclarecimentos sobre as medidas de controle de biossegurança, pois poderiam ser aplicadas de maneira sistemática a todos. Isso é algo completamente dificultoso com a população em geral, a qual se encontra, por diversos modos, invadida por informações distorcidas das redes sociais e pelo uso irracional do direito à liberdade individual que agravou as formas de transmissão do vírus. Essa condição de irracionalidade tornou a pandemia completamente descontrolada, o que causou maior amplitude da crise sanitária no Brasil (G1 Últimas Notícias, 2021G1 ÚLTIMAS NOTÍCIAS. Covid-19: Manaus vive colapso com hospitais sem oxigênio, doentes levados a outros estados, cemitérios sem vagas e toque de recolher. G1, Amazonas, 14 jan. 2021. Disponível em: https://curtlink.com/xZJZS. Acesso em: 13 abr. 2022.
https://curtlink.com/xZJZS...
) e, como consequência, a crise na formação cultural das crianças e jovens, no fechamento das escolas como lugar para ensinar e aprender a viver com o outro no planeta.

Conclusão - Para se pensar a educação escolar em tempos de pós-pandemia: a importância da presença do outro nos processos de aprendizagem

Com base no que enfrentamos nesse período de pandemia, é crucial pensarmos como oportunidade para analisar o nosso modo de viver no planeta, além, é claro, de repensarmos e discutirmos sobre o atual modelo de desenvolvimento que produz a crise ecológica, sanitária, cultural e, ainda, como se desenvolve tudo isso no campo das relações humanas (Guattari, 2009GUATTARI, Félix. As três ecologias. Tradução: Maria Cristina FBittencourt . Campinas: Papirus, 2009.).

Desse modo, no caso desta nota, trata-se de algo muito importante pensar a pandemia como forma de lição a aprender sobre as alterações que devemos operar no modo de viver no planeta e, primordialmente, com o outro. Isto posto, compreendemos que deveríamos evitar os desapontamentos perante a indiferença diante do outro e das demais espécies de animais e de plantas. O ponto central é encontrar radicalmente forma de sustentabilidade de vida diante da natureza e da ampliação da tolerância nas relações com o outro. Isso condiz com pensar os processos de aprendizagem na educação escolar com o outro em tempos de pós-pandemia, que seria a perspectiva da educação interdisciplinar que envolva as questões sanitárias, ecológicas e cultural para manter a harmonia do ecossistema como modo de promover a saúde do planeta, de todas as espécies de animais e plantas. Portanto, o referido acontecimento da pandemia deveria ser interpretado como fato singular, mas que possui algo de universal, em se tratando de um desequilíbrio ecológico que alterou por completo nosso cotidiano e que se apresentou como algo que deixou marcas nas histórias de vida dos sujeitos.

Atualmente, podemos querer esquecer que passamos por uma pandemia e, principalmente, que optamos por um modo de produzir e consumir que destrói as condições de vida para diversas espécies de animais. O espaço escolar tem como responsabilidade colocar em evidência essa discussão referente à crise sanitária como resultado do esgotamento do modelo de desenvolvimento que se pauta na irracionalidade do consumo dos recursos naturais.

A nossa conclusão, diante da crise sanitária, que é também a crise em ser sujeito no campo dos processos formativos junto com o outro, é colocar em evidência a importância do aparelho escolar para uma efetiva sociedade democrática e, principalmente, como lugar de pensar a questão ecológica como algo a ser incorporado no sujeito como proposição de estar no mundo (Larrosa, 2021LARROSA, Jorge (org.). Elogio da escola. Tradução: Fernando Coelho. Belo Horizonte: Autêntica, 2021.).

Referências

  • Aspectos éticos

    Não se aplica.
  • Apresentação prévia

    Este artigo é resultante de pesquisas realizadas na Universidade Federal de Itajubá (UNIFEI), vinculadas ao projeto intitulado “As narrativas dos professores sobre os métodos de ensino e as tramas da crise na educação básica: o ensino médio” (PVDI235-2022).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    21 Abr 2023
  • Aceito
    25 Maio 2023
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